Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S4117
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
NEXO DE CAUSALIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
ILAÇÕES
Nº do Documento: SJ200906250041174
Data do Acordão: 06/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I – A responsabilidade civil contratual resulta do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações contratuais, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional.

II – Por sua vez, a responsabilidade civil extracontratual assenta na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos.

III – Em qualquer dos casos, são os mesmos os pressupostos do dever de indemnizar: violação de um direito ou interesse alheio, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

IV – Integra-se no âmbito da responsabilidade contratual a pretensão da autora/trabalhadora em ser indemnizada pelos danos decorrentes da conduta ilícita da ré, que, desrespeitando as regras previstas no acordo de Empresa (AE) aplicável, a não transferiu de uma Estação de Correios (EC) para outra.

V – O nosso sistema jurídico consagra no artigo 563.º do Código Civil uma vertente ampla da causalidade adequada, ao não exigir a exclusividade do facto condicionante do dano: assim, poderá configurar-se a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não daquele facto condicionante, assim como se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que, por sua vez, suscite directamente o dano.

VI – Diversamente, o facto condicionante não deve ser havido como causa adequada do efeito danoso, sempre que o mesmo, pela sua natureza, se mostre de todo inadequado para a sua produção: é o que sucede quando o dano só tenha ocorrido por virtude de circunstâncias anómalas ou excepcionais de todo imprevisíveis no contexto do trajecto causal.

VII – A Relação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica e pode sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância no que respeita a saber se elas alteram ou não a factualidade apurada e, bem assim, se elas constituem, ou não, decorrência lógica de uma concreta factualidade apurada.

VIII – Ao STJ cabe apenas indagar se é, ou não, admissível a utilização das referidas presunções, face ao estatuído no artigo 351.º do Código Civil; e se a ilação extraída contraria ou entra em colisão com um facto que foi submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal teve como não provado, o STJ pode intervir correctivamente nos termos do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, bastando-se a correcção com a simples eliminação da ilação extraída.

IX – Tendo sido extraída pela Relação, como decorrência lógica da matéria de facto, a ilação de que, se a autora tivesse sido transferida, para a EC por ela pretendida e a que tinha direito, tomaria as refeições em casa e que com a não transferência a autora teve acréscimo de custos (com os transportes e refeições), face ao disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tais acréscimos de custos configuram danos patrimoniais sofridos pela autora decorrentes de um facto ilícito e culposo da ré (não transferência da autora para a referida EC) que justificam a ressarcibilidade por parte desta.

X – No circunstancialismo descrito, justifica-se uma indemnização à autora no montante de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais, por se demonstrar que a sua não transferência para a EC em causa, que se prolongou durante cerca de cinco anos e sem que lhe fosse dada qualquer explicação para o facto, lhe causou desgosto e humilhação, constando-se, ainda que a ré é uma empresa de dimensão nacional, que tem o exclusivo da distribuição postal.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – A autora AA intentou contra as rés CTT – Correios de Portugal, SA e BB, a presente acção com processo comum, pedindo que se declare que a transferência da 2.ª ré para a Estação de Correios (EC) de Soure, pertença da 1.ª ré, é ilegal, anulando-se a mesma, devendo as rés ser condenadas a reconhecê-lo e, em consequência:
1. ser a 1.ª ré condenada a reconhecer que a transferência da autora para a EC de Soure (para preenchimento da vaga aberta pela saída do trabalhador CC) se devia ter operado com efeitos reportados a 20 de Junho de 1997 – e não em 08 de Abril de 2002, como efectivamente se veio a operar –, com as correcções no respectivo registo de pessoal a que se refere a alínea j), do artigo 120.º do Código do Trabalho;
2. ser a 1.ª ré condenada a indemnizar a autora pelos danos patrimoniais decorrentes da conduta ilícita, de não transferência atempada naquele referido período de tempo (de 20-06-1997 a 08-04-2002) no valor total de € 17.205,00 (1.147 dias úteis x € 15,00);
3. ser a 1.ª ré condenada, igualmente, a indemnizar a autora dos danos não patrimoniais que lhe causou com a mesma conduta ilícita no montante global de € 10.000,00.

Alega a autora, para tanto e em síntese:
- trabalha para a 1.ª ré desde 26-03-1973;
- em Agosto de 1997, foi indevidamente preterida na transferência para a EC de Soure, onde foi colocada a 2.ª ré;
- em razão de tal não transferência, que se deveria concretizar em 20 de Junho de 1997 e que só veio a efectivar-se em 08 de Abril de 2002, teve de se deslocar da sua residência em Casalinhos, Soure, para a EC de Condeixa-a-Nova, onde se manteve colocada, despendendo nessa deslocação mais de 28 km, por cada dia de trabalho, teve de tomar as refeições fora de casa e teve de gastar cerca de uma hora diária em deslocações, contra os cerca de 10 minutos que gastaria caso se encontrasse colocada em Soure, computando o prejuízo diário em € 15,00;
- além disso, sofreu grande desgosto por se ver preterida pela 2.ª ré quanto à aludida transferência, sentiu-se humilhada e marginalizada, sendo certo que nunca lhe foi dada qualquer explicação quanto ao sucedido, viu-se obrigada a dar explicações a colegas, amigos e familiares que a questionavam sobre as razões da não transferência – já que inculcavam a ideia de se tratar de um “castigo” da 1.ª ré por não a considerar boa trabalhadora –, assim como viu a sua vida pessoal e familiar afectada pela situação, na medida em que não pôde acompanhar o marido e filhos como se estivesse a prestar serviço na EC de Soure, pelo que deve , também, ser ressarcida de tais danos.

As rés contestaram, invocando, nomeadamente, a inexistência de qualquer acto ilícito, uma vez que o pedido da autora, de transferência para a EC de Soure, em resposta ao concurso aberto no NO 10/96, foi considerado extemporâneo, pois só deu entrada no Departamento de Recursos Humanos da 1.ª ré em 17 de Julho de 1997, enquanto o da 2.ª ré deu entrada em 21 de Março de 1996.
Para além disso – acrescentam –, não só não se verificam despesas da autora relacionadas com eventuais gastos nas deslocações efectuadas entre Condeixa e Soure desde 20 de Junho de 1997, como, a existirem, não apresentam nexo causal com a não transferência.
Pugnam, por isso, pela improcedência da acção.

A autora veio impugnar os documentos juntos pelas rés na contestação.

Após a realização do julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«1 – Declaro ilegal e, em consequência, nula a transferência da 2.ª ré BB para a EC de Soure pelo DE 020597 de 20 de Agosto de 1997.
2 – Condeno a ré CTT – Correios de Portugal, S.A.:
a-) a reportar os efeitos da transferência da A. à data de 20/06/97, procedendo às respectivas correcções no registo do pessoal
b-) a pagar à A. AA a quantia de € 17.205 (dezassete mil duzentos e cinco euros), a título de indemnização por danos patrimoniais e
c) a pagar à A. a quantia de € 7.500 (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais».

Inconformada com a decisão, dela apelou a ré CTT, SA, tendo, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06 de Março de 2008 sido concedido parcial provimento ao recurso e «(…) alterando na parte correspondente a sentença recorrida, condenar a Ré a pagar ao Autor indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 2.500,00, mantendo a condenação quanto aos danos patrimoniais».


II – Novamente inconformada, a ré CTT, SA (doravante ré, uma vez que a 2.ª ré não recorreu), interpôs a presente revista, vindo a autora a apresentar recurso subordinado.
Nas alegações apresentadas, a ré formulou as seguintes conclusões:
1ª. No que respeita à condenação por danos patrimoniais e não patrimoniais, a Recorrente entende que aquele Tribunal de 1.ª Instância nunca esteve munido dos elementos essenciais para concluir como conclui[u]. De igual modo entende a Recorrente que ao decidir manter aquela decisão na parte inalterada, o Tribunal da Relação cometeu, salvo o devido respeito, o mesmo erro;
2ª. A fundamentação da decisão recorrida resulta da transcrição dos factos dados como provados em 44°, 45°, 46°, 47° da matéria assente, bem como da invocação do disposto no art. 483° do Código Civil [;] porém, a ora Recorrida não logrou provar quaisquer danos patrimoniais directamente decorrentes da sua deslocação diária entre Soure e Condeixa-a-Nova e vice-versa, limitando-se a alegar a existência de danos, nomeadamente prejuízo com deslocações para o seu local de trabalho, dispêndio de dinheiro com refeições fora de casa, e não realizar a refeição com filho e marido;
3ª. A Recorrida recebe à semelhança de todos os trabalhadores da Recorrente um subsídio de refeição sempre que presta pelo menos 3 horas de serviço efectivo, nos termos do AE/CTT, mais propriamente na sua cláusula 148.ª – facto este que não foi tido em conta – razão pela qual não se vislumbra o prejuízo da Recorrida no que respeita à tomada de refeições fora de casa, sendo que tal subsídio não é atribuído pela entidade empregadora aos trabalhadores como se de uma liberalidade se tratasse, mas sim, com o intuito de compensar o trabalhador pelo esforço que tem de realizar ao ter de tomar refeições fora de casa, por lhe ser difícil ali se deslocar para o fazer, em virtude de se encontrar em pausa para o trabalho.
4ª. A Recorrida aceitou a colocação em Condeixa-a-Nova e nunca apresentou quaisquer comprovativos de despesas relativamente a deslocações em serviço, sendo que a Recorrente não paga, nem a tal está obrigada, as despesas com transporte entre a residência e o local de trabalho dos seus trabalhadores, salvo quando os mesmos se encontrem deslocados em serviço, situação que não é a da ora Recorrida;
5ª. O Tribunal de 1.ª Instância na sua decisão, situação depois alterada no valor da condenação, mas confirmada quanto aos motivos pelo venerando Tribunal da Relação, condenou a Recorrente no que toca a danos não patrimoniais pelo facto de esta ter afirmado em sede de petição inicial que se sentiu preterida por uma colega mais nova, situação que motivou o seu desgaste físico conduzindo à instabilidade da sua vida familiar.
6ª. Nunca em momento algum a Recorrida fez prova dos factos alegados em sede de petição inicial, quer no que toca a danos patrimoniais como não patrimoniais;
7ª. Ora, o Tribunal de 1.ª Instância não se encontrava na posse de todos os elementos necessários para que pudesse [,] com segurança, concluir pela existência dos danos que a A. alega ter sofrido em consequência da sua não transferência para a EC de Soure e condenar a Recorrente ao seu pagamento;
8ª. No caso em apreço estamos perante uma clara violação da regra do ónus da prova prevista no art. 342.º do Código Civil: "Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado."
Conclui pela revogação do acórdão recorrido, com a consequência absolvição da recorrente «(…) da prática dos factos em que vem condenada (…)».

No recurso subordinado por si apresentado, a autora formulou as seguintes conclusões:
1ª. O presente recurso subordinado é restrito à parte do Acórdão recorrido que decidiu reduzir o montante da indemnização fixada na sentença de 1.ª instância;
2ª. Da matéria de facto fixada nas instâncias resulta que:
- durante o período em que esteve colocada na EC de Condeixa-a-Nova não pôde acompanhar o marido e filhos da mesma forma que o poderia fazer se estivesse a prestar serviço na EC de Soure;
- que a A, ora recorrente, se sentiu desgostosa e humilhada pela sua entidade patronal, devido ao facto de não ter sido transferida, tendo sido preterida em favor de colega mais nova e de nem sequer lhe ter sido dada qualquer explicação ou resposta às suas reclamações;
- que a situação de ilegalidade decorreu durante quase 5 anos ;
- que nesse período teve de se deslocar diariamente cerca de 28 km .
3ª. O grau de culpabilidade da Ré é elevado uma vez que tinha todos os elementos para proceder a uma correcta aplicação das normas dos IRC.s aplicáveis e, ostensivamente, não o fez em claro favorecimento de uma trabalhadora e em detrimento da Autora, sendo que nem sequer se dignou dar uma resposta à reclamação desta, votando-a ao completo desprezo, o que é gerador de grave humilhação.
4ª. Para além disso, com a sua conduta a Ré pôs em causa a vida familiar da Autora, ora recorrente, facto que não pode deixar de ser merecedor de elevada tutela.
5ª. Por outro lado, a situação económica dos CTT é elevadíssima , sendo das maiores empresas do país em volume de negócios e em lucros – como constitui facto notório – ao invés da Autora que é uma empregada da Ré com um modesto vencimento, como resulta provado nos autos.
6ª. E as consequências do ilícito praticado pela Ré foram gravíssimas para a Autora.
7ª. Pelo que a indemnização fixada pelo Acórdão recorrido não pode deixar de ser considerada meramente simbólica, não dando cumprimento aos critérios que devem estar presentes num juízo de equidade.
8ª. O Acórdão recorrido violou a lei, em especial, os n°s 1 e 3 do art. 496° e o art. 494° do C.C., devendo, por isso, ser revogado, mantendo-se o montante fixado pela sentença de 1.ª Instância.

Cada uma das recorrentes respondeu ao recurso da parte contrária, pugnando pela sua improcedência.

No seu douto parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso independente da ré CTT, SA, e da procedência do recurso subordinado da autora, mantendo-se o montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais em que a ré foi condenada a pagar à autora na 1.ª instância, ou, «(…) quando muito e se assim não for entendido, baixá-lo de maneira bastante menos significativa».

III – Sabido que o objecto dos recursos, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas respectivas conclusões (art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT), está em causa nos recursos, essencialmente, determinar se a factualidade assente configura a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais (recurso independente) e, em caso afirmativo, o quantum indemnizatório (recurso independente e subordinado).

Refira-se que, não obstante a recorrente CTT, SA terminar as conclusões das alegações de recurso, pedindo a absolvição «da prática dos factos em que vem condenada», o que nele está, na realidade, em causa é a pretensão de absolvição do pedido indemnizatório (por danos patrimoniais e não patrimoniais) em que foi condenada.
Isto, considerando que a parte decisória da sentença da 1.ª instância, que declarou ilegal e, em consequência, nula a transferência da 2.ª ré para a EC de Soure e a reportar os efeitos da transferência da autora à data de 20 de Junho de 1997, não foi objecto de apelação, nem sobre a mesma se pronunciou o acórdão recorrido.
Significa isto que a decisão da 1.ª instância, quanto à referida matéria, adquiriu força de caso julgado (cf. n.º 1, do artigo 677.º, do CPC).
De resto, as próprias conclusões das alegações da recorrente CTT, SA, assentam na inexistência de danos da autora, em resultado do seu (dela, ré) comportamento, ou se se quiser, noutra perspectiva, no entendimento da ré de que a factualidade assente não revela a existência de danos indemnizáveis à autora.
Por isso, reafirma-se, está apenas em causa, no recurso, a existência, ou não, de danos ressarcíveis à autora e, a terem-se verificado, o respectivo montante.

As instâncias deram como provados os seguintes factos, que aqui se mantêm por não haver fundamento legal para os alterar:
1. A 1ª Ré admitiu a A., em 26-03-973 (data em que teve inicio o seu estágio), para trabalhar por sua conta, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, por contrato verbal e sem prazo, como "operadora de 2ª classe estagiária".
2. A autora pertence, desde a sua admissão, ao Grupo Profissional de Técnico Postal e de Gestão (TPG), sendo, actualmente, da categoria (nível salarial) "LI", auferindo uma retribuição ilíquida de € 1.198,80, acrescida de 7 diuturnidades no valor global € 197,40 e a que acresce um subsídio de refeição de € 8,33, por cada dia de trabalho em que preste pelo menos 3 horas de trabalho efectivo.
3. A autora, actualmente, desde 08/04/02, está colocada na Estação de Correios (EC) de Soure, onde exerce as funções correspondentes ao seu Grupo Profissional, designadamente, efectuando atendimento de clientes ao balcão, vendendo produtos financeiros e postais, fazendo e apresentando as respectivas contas.
4. A autora é sócia do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT).
5. A A., antes da sua colocação em Soure, esteve colocada na ECT de Lisboa, na EC da Quinta da Lomba (Barreiro), na EC de Pombal e na EC de Condeixa-a-Nova.
6. A A. é natural de Soure, tendo fixado a sua residência com o seu marido e filhos, no concelho de Soure, a partir de 1989.
7. A A. pretendia ser colocada em Soure, tendo manifestado esse seu desejo por diversas formas aos responsáveis da empresa.
8. Em 1990 abriu-se uma vaga na EC de Soure pela aposentação da trabalhadora DD para que concorreu o marido da A. EE e que a veio a preencher.
9. E, em Junho de 1992, abriu-se nova vaga também por aposentação do trabalhador FF.
10. O responsável da 1.ª Ré por essa zona – Dr. A...de O... – chamou a A. para ocupar tal vaga, o que aconteceu em 16.06.1992, encontrando-se a A. a prestar serviço na EC de Soure desde esta data, mantendo-se, porém, a sua colocação oficial na EC de Pombal e em comissão de serviço gratuita naquela.
11. Entretanto, tal vaga veio a ser posta a concurso através do Noticiário Oficial de 20.07.1992 e a que a A. concorreu em 22/07/92, endereçando o pedido, por carta registada, como estava previsto na regulamentação interna, para o Chefe de Estação (CE) da EC de Pombal onde estava colocada, nos termos constantes do documento de fls. 9, cujo conteúdo foi dado por integralmente reproduzido.
12. Como não foi proferida decisão sobre tal concurso, a A. instou aquele responsável da 1.ª Ré – Dr. A...de O... – para que a informasse do que se passava tendo este informado que o seu "pedido de transferência" se havia extraviado, pelo que a mesma deveria fazer outro, o que a A. fez, através de carta registada, expedida no dia 13/01/93 nos precisos termos dos documentos juntos a fls. 10 a 12, cujo conteúdo foi dado por integralmente reproduzido.
13. A A. continuou a prestar serviço na EC de Soure.
14. Em Fevereiro de 1993, o funcionário CC da EC de Soure foi transferido para a EC de Torres Novas.
15. O trabalhador CC regressou novamente a Soure sendo colocado no Centro de Distribuição Postal (CDP) em 14 de Julho de 1993, por anulação da supra referida transferência.
16. A vaga existente na EC de Soure foi posta a concurso nos termos do anúncio publicado no NO n° 10 de 21 de Março de 1994.
17. A A., em 25 de Março de 1994, fez novo pedido de transferência, por carta registada enviada para o CE da EC de Pombal – onde se mantinha oficialmente colocada –, nos precisos termos dos documentos juntos a fls. 16 e 17, cujo conteúdo foi dado por integralmente reproduzido.
18. A ré, através do Noticiário Oficial de 21.03.1994, abriu concurso para lugares vagos, tendo a autora, em 25.03.94, pedido a transferência para a EC de Soure.
19. A A. manteve-se a trabalhar no EC de Soure até Fevereiro de 1995, continuando a existir a vaga supra referida em 16.
20. A A., nos anos de 1993, 1994 e 1995, foi incluída nos planos de férias do pessoal da EC de Soure.
21. O responsável da 1.ª Ré, Sr. GG, em finais de Fevereiro de 1995, comunicou à A. que a vaga que vinha a preencher em Soure tinha sido extinta e que, por isso, devia regressar à EC de Pombal podendo, no entanto, ser colocada na EC de Condeixa, por aí existir uma vaga, o que a A. aceitou, com vista a aproximar-se do seu agregado familiar, tendo passado a ficar colocada e a prestar serviço em Condeixa-a-Nova a partir do mês de Abril de 1995, sendo a EC de Condeixa o seu local de trabalho e tendo aí sido colocada por DE027598DCB de 29/04.
22. Em Fevereiro de 1997 o funcionário CC voltou a candidatar-se a transferência para a EC de Granja do Ulmeiro, publicada no NO n° 5 de 27/01/97.
23. A A. concorreu a tal vaga através de impresso próprio que enviou para o responsável da zona EPT GG, através de carta registada de 14/02/97.
24. A A. preencheu o impresso de pedido de transferência junto a fls. 55 e 56 (87), datado de 27/05/97, recebido pelo responsável GG em 30/05/97 e com carimbo da DRH de 17/07/97.
25. A transferência do trabalhador CC, referida em 22, veio a concretizar-se com efeitos a 20 de Junho de 1997, conforme resulta do NO n° 38 de 14/08/97.
26. O pedido de transferência da A. não foi satisfeito e a 2ª Ré, BB, veio a ser transferida para a EC de Soure pelo DE 020597 de 31 de Julho de 1997, publicado no NO n° 43 de 11 de Setembro de 1997, na sequência do concurso publicado no NO n° 10/96 de 26/02, sendo que o pedido de transferência da 2ª Ré, em resposta a este concurso, deu entrada na Direcção de Recursos Humanos da 1.ª Ré em 21/03/96.
27. A 2ª Ré BB foi admitida na empresa por despacho de 21 de Julho de 1995, tendo sido colocada no CARC único da cidade de Coimbra, com efeitos a partir dessa data.
28. A autora reclamou do despacho de transferência da 2ª Ré para a Direcção dos Recursos Humanos (DRH) e para o Conselho de Administração da 1ª Ré, nos termos constantes dos documentos de fls. 23 a 26, cujo conteúdo foi dado por integralmente reproduzido e nunca obteve qualquer resposta.
29. A A. teve necessidade de se deslocar da sua residência sita em Casalinhos, Soure, para a EC de Condeixa-a-Nova despendendo nessa deslocação mais de 28 Km, por cada dia de trabalho, do que se prestasse serviço na EC de Soure.
30. A A. teve de tomar refeições fora de casa, para além de ter gasto cerca de uma hora diária em deslocações, quando se trabalhasse em Soure gastaria somente cerca de 10 minutos.
31. A A. gastava cerca de € 15 por dia nas deslocações e em refeições, enquanto esteve colocada na EC de Condeixa-a-Nova.
32. Durante o período em que esteve colocada na EC de Condeixa-a-Nova, a A. não pôde acompanhar o marido e os filhos da mesma forma que o podia fazer se estivesse a prestar serviço na EC de Soure.
33. A A. ficou desgostosa e sentiu-se humilhada pela 1.ª Ré, devido ao facto de não ter sido transferida para a EC de Soure e de não lhe ter sido dada qualquer explicação por parte da mesma Ré.


IV – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Como se deixou afirmado supra, o objecto do recurso consiste em apurar se a ré/recorrente – ao não transferir, ilicitamente, a autora para a EC de Soure em 20 de Junho de 1997, situação que perdurou até 8 de Abril de 2002 – incorreu no dever de indemnizar a autora pelos danos causados, estando, mais concretamente, em causa saber se, em consequência dessa não transferência, a A. sofreu danos ressarcíveis.

As instâncias responderam afirmativamente a tal questão, divergindo apenas quanto ao montante dos danos não patrimoniais (que a 1.ª instância fixou em € 7.500,00 e o acórdão recorrido reduziu para € 2.500,00).
Para tanto, afirmaram que a ré, ao não ter reconhecido o direito de transferência da autora (para a EC de Soure), preterindo-a sem fundamento válido, violou o regime de transferências previsto no Acordo de Empresa (AE) que ela própria assinou, obrigando a autora a suportar despesas com deslocações e refeições que, estando colocada na EC de Soure, não suportaria; tratando-se de responsabilidade contratual, deve reparar o prejuízo que causou ao credor (autora).
Esse prejuízo consistiu nos danos patrimoniais, decorrentes das despesas com transportes e alimentação que a autora teve de suportar e que as instâncias quantificaram em € 17.205,00, e não patrimoniais, decorrentes do desgaste físico sofrido pela autora em consequência das deslocações diárias, da privação do convívio do marido e dos filhos e ainda a humilhação decorrente da preterição na nomeação para o lugar na EC de Soure, danos estes que a 1.ª instância quantificou em € 7.500,00 e o acórdão recorrido reduziu para € 2.500,00.

A ré recorrente discorda do assim decidido, por entender que não se mostram verificados os danos decorrentes da sua conduta ilícita, uma vez que: (i) a autora recebeu, à semelhança dos outros trabalhadores da ré e nos termos previstos no AE/CTT, um subsídio de refeição sempre que prestou pelo menos três horas de serviço efectivo, independentemente do lugar (EC) em que se encontrasse colocada; (ii) a recorrente não paga, nem se encontra obrigada a pagar, despesas de transporte entre a residência e o local de trabalho dos seus trabalhadores, salvo quando os mesmos se encontrem deslocados em serviço, o que não era o caso da autora, sendo certo que esta nem sequer apresentou quaisquer comprovativos de despesas referentes a alegadas deslocações; (iii) a autora não provou a existência de danos não patrimoniais ressarcíveis.

Analisemos, então, a questão.
A responsabilidade civil é uma das fontes das obrigações, concretamente, da obrigação de indemnizar, podendo essa responsabilidade revestir natureza contratual ou extracontratual.
Ensina Antunes Varela- Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, págs. 519 e segts. que, apesar da distinção conceptual entre as duas variantes da responsabilidade civil (a 2ª assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra resultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações contratuais, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional), elas não constituem, na prática, comportamentos estanques, podendo o mesmo facto gerar os dois tipos de responsabilidade.
E Galvão Teles- Direito das Obrigações, 7.ª edição, pág. 329. assinala que o âmbito da responsabilidade extracontratual se determina por exclusão de partes: é aquela em que se incorre perante uma pessoa de que se não é devedor.

No caso, importa, pois, e desde logo, apurar o tipo de responsabilidade em causa: responsabilidade civil por factos ilícitos (art. 483.º do CC) ou responsabilidade emergente da violação de contrato (art. 798.º do CC).
Em qualquer dos casos, são os mesmos os pressupostos do dever de indemnizar: violação de um direito ou interesse alheio, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
São estes 2 últimos pressupostos que estão em causa nos presentes recursos.

No caso dos autos, a autora pretende ser indemnizada pelos danos decorrentes da conduta ilícita da ré, que, desrespeitando as regras previstas no AE aplicável, a não transferiu para a EC de Soure.
Ora, mostrando-se definitivamente decidido que a 1ª ré incumpriu culposamente o contrato de trabalho, ao não transferir a autora, para a EC de Soure, em 20 de Junho de 1997, há que apurar se a A. sofreu danos ressarcíveis em consequência desse incumprimento.

Quando os danos respeitam a interesses de natureza material ou económica, com reflexos sobre o património do lesado, portanto, susceptíveis de avaliação económica, designam-se danos patrimoniais.
Já se esses danos se reportam a valores de ordem moral ou espiritual (como sejam o desgosto decorrente de um comportamento, a dor física em resultado de uma agressão, etc.) designam-se como danos não patrimoniais.
Importa, também, ter presente que o mesmo facto pode gerar danos das duas espécies.

No caso que nos ocupa, quanto aos alegados danos patrimoniais, decorre, no essencial, da matéria de facto que:
- a autora reclamou para a Direcção de Recursos Humanos e para o Conselho de Administração da 1.ª ré do despacho de transferência da 2.ª ré (para a EC de Soure) (n.º III, 28);
- a autora (em razão de não ter sido transferida para a EC de Soure) teve necessidade de se deslocar da sua residência sita em Casalinhos, Soure, para a EC de Condeixa-a-Nova, despendendo nessa deslocação mais de 28 km, por cada dia de trabalho, do que se prestasse serviço na EC de Soure (n.º III, 29);
- a autora teve de tomar as refeições fora de casa, para além de ter gasto cerca de uma hora diária em deslocações, quando se trabalhasse em Soure gastaria somente cerca de 10 minutos (n.º III, 30);
- a autora gastava cerca de € 15,00 por dia nas deslocações e em refeições, enquanto esteve colocada na EC de Condeixa-a-Nova (n.º III, 31).
Esta factualidade corresponde, grosso modo, ao que foi alegado pela autora nos artigos 38.º e 44.º a 47.º da petição inicial.
E, da mesma extrai-se, como as instâncias entenderam, a existência de despesas acrescidas da autora, por cada dia de trabalho, no montante de cerca de € 15,00, danos (patrimoniais) esses provenientes de deslocações e refeições que a autora teve em razão da não transferência, resultando demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta ilícita da ré e os mencionados danos.
Com efeito, como é sabido- Vide, neste sentido e por todos, o acórdão deste tribunal de 25 de Junho de 2008, Recurso n.º 236/08 – 4.ª Secção., a problemática do nexo de causalidade comporta duas vertentes: (i) a vertente naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, porque contida no âmbito restrito da matéria factual, que consiste em saber se o facto, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano; (ii) a vertente jurídica, já sindicável pelo Supremo, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido.
No nosso sistema jurídico, o artigo 563º do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa, uma vez que não exige a exclusividade do facto condicionante do dano.
Neste sentido, poderá configurar-se a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não daquele facto condicionante, assim como se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que, por sua vez, suscite directamente o dano.
Diversamente, o facto condicionante não deve ser havido como causa adequada do efeito danoso, sempre que o mesmo, pela sua natureza, se mostre de todo inadequado para a sua produção: é o que sucede quando o dano só tenha ocorrido por virtude de circunstâncias anómalas ou excepcionais de todo imprevisíveis no contexto do trajecto causal.

Regressando ao caso em apreço, constata-se que o acórdão recorrido, a propósito das despesas da autora com a permanência em Condeixa-a-Nova, afirma que essa permanência obrigou «(…) a uma deslocação diária de ida e volta entre a sua residência, sita em Casalinhos, Soure e Condeixa-a-Nova, o que representava um percurso de mais 28 kms do que se a mesma prestasse serviço na EC de Soure, implicou a realização de despesas, que se traduziram numa diminuição patrimonial (…) [, a] diminuição patrimonial representativa do dano sofrido corresponde ao acréscimo de custos que a Autora teve de suportar com a dita deslocação. E é em correspondência com esse acréscimo de custos que tem que quantificar-se a indemnização.
Assim, parece inquestionável que a Autora tem direito a ser reembolsada do que despendeu em transportes, para realizar os falados 28 quilómetros a mais do percurso de sua casa para a E.C. de Condeixa-a-Nova».
E, quanto ao dispêndio com as refeições, afirmando que dada a distância a que a EC de Condeixa-a-Nova se encontra da residência da autora «teve de tomar as refeições fora de casa» e, dada a distância da sua casa à EC de Soure – demora cerca de 10 minutos –, «…tem que admitir-se como perfeitamente razoável que ela tomasse em casa a refeição do almoço».
Isto é, o acórdão recorrido afirma os danos patrimoniais da autora, com os transportes – em virtude da não transferência ter acarretado deslocações, em cada dia de trabalho, de cerca de 28 Km –, e com as refeições – uma vez que se estivesse colocada na EC de Soure, próximo da sua residência, tomaria as mesmas em casa.
Trata-se de uma ilação ou conclusão tirada pelo acórdão recorrido, no sentido de que, se a autora estivesse colocada em Soure, tomaria as refeições (almoço) em casa (cf. artigo 349.º do Código Civil).
Presunção ou ilação admissível na medida em que a respectiva matéria podia ser objecto de prova testemunhal (artigo 351.º do código Civil); por ser assim é que a doutrina e a jurisprudência afirmam que as presunções extraídas pelo julgador na fase da decisão não podem contrariar os factos dados como provados na sede própria, pois, de outra forma, seria atribuir às presunções judiciais uma força probatória superior à da prova testemunhal produzida em audiência.
E a Relação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica e pode sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância no que respeita a saber se elas alteram ou não a factualidade apurada e, bem assim, se elas constituem, ou não, decorrência lógica de uma concreta factualidade apurada, actividade esta que não é, por norma, sindicável pelo STJ.
Ao STJ cabe apenas indagar se é, ou não, admissível a utilização das referidas presunções, face ao estatuído no art. 351.º do CC, ou seja, apenas lhe cabe determinar se certo facto pode ser tido como provado com base em mera ilação, ou se, na espécie, se exige um grau superior de segurança na prova (art. 722.º, n.º 2 do CPC); e, como se afirmou, se a ilação extraída contraria ou entra em colisão com um facto que foi submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal teve como não provado, o STJ pode intervir correctivamente nos termos do art. 729.º, n.º 3 do CPC, bastando-se a correcção com a simples eliminação da ilação extraída.
No caso, a ilação extraída – de que a autora, caso estivesse na EC de Soure, tomaria as refeições em casa –, apresenta-se como decorrência lógica da matéria de facto e, por isso, não merece censura.

As referidas despesas da autora (em transportes e refeições) correspondem a acréscimos de custos que teve de suportar com a sua não transferência para a EC de Soure e, nessa medida, face ao que estatui o artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, configuram danos patrimoniais por ela sofridos.
Tal conclusão não é afastada pelo facto de o AE prever o pagamento de um subsídio de refeição aos trabalhadores da ré que prestem pelo menos três horas de serviço efectivo- Nos termos do n.º 1 da cláusula 148.ª do Acordo de Empresa entre os CTT – Correios de Portugal, S.A. e o SNTCT – Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações e outros (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 29, de 08-08-2004), «[a] Empresa concede um subsídio para uma refeição principal diária aos trabalhadores, incluindo os contratados a termo, relativamente aos dias úteis em que tenham prestado serviço durante, pelo menos, três horas».
– subsídio que não se questiona que a autora tenha recebido –, e de o mesmo AE não prever o pagamento de despesas de transporte entre a residência e o local de trabalho (salvo se o trabalhador se encontrar deslocado em serviço, o que não é o caso da autora), uma vez que o pedido indemnizatório se funda na ilicitude do comportamento da ré (ao não transferir a autora) e não propriamente na violação directa daquela, ou de outra cláusula, do referido AE.
Ou seja, à ré empregadora é exigida uma indemnização decorrente de um facto ilícito e culposo que foi a causa adequada do dano verificado na esfera jurídica da autora (as referidas despesas acrescidas em razão da sua não transferência).
Além disso, sempre será de notar que, não obstante a ré ter pago o subsídio de refeição à autora, e aceitando-se, como sustenta a ré, que este visa compensar o trabalhador pelo esforço (despesa acrescida) em tomar a refeição fora de casa, o que é certo é que, como resulta da factualidade que assente ficou e da ilação extraída pelo acórdão recorrido, se a autora tivesse sido transferida para Soure tomaria a refeição (almoço) em casa.
Acrescente-se, por fim, que o facto de, eventualmente, a autora não ter apresentado à ré os comprovativos das despesas e não ter reclamado da mesma o consequente pagamento, não afasta a condenação imposta: porventura, o que se poderia questionar era a data de vencimento da dívida- Questão que seria de equacionar, nomeadamente, no quadro do art.º 805º do Cód. Civil..
Todavia, essa é uma matéria que não vem questionada, até porque o acórdão recorrido não condenou a ré no pagamento de juros de mora.

Nesta sequência, impõe-se concluir – como concluíram as instâncias –, pela condenação da ré no pagamento dos danos patrimoniais sofridos pela Autora.
Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.


Vejamos, agora, quanto aos danos não patrimoniais.
Relembra-se que a 1.ª instância condenou a ré a pagar à autora, a esse título, o montante de € 7.500,00, que o acórdão recorrido reduziu para € 2.500,00.
Ambas as partes discordam desta condenação: a ré porque considera que não se verificam os pressupostos para a mesma (recurso independente) e a autora porque considera que o valor fixado se mostra inadequado ao caso, devendo ser mantido o montante fixado pela 1.ª instância (recurso subordinado).

Refira-se, em breve parêntesis, que a questão da admissibilidade da reparação autónoma por danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual, gerou controvérsia quer a nível da doutrina quer a nível da jurisprudência, constituindo hoje, todavia, entendimento jurisprudencial praticamente uniforme a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais por responsabilidade contratual Vejam-se, a título de exemplo, os acórdãos de 08-05-02 (Proc. n.º 3662/02), de 25.05.02 (Proc. n.º 1659/01), de 05.06.02 (Proc. n.º 3724/01), de 02-10-02 (Proc. n.º782/02), de 09.10.02 (Proc. n.º 3661/01), de 27.11.02 (Proc. n.º 2423/02), de 19.02.03 (Revista n.º 2673/02) e de 20.11.03 (Proc. n.ºs 2170/03 e 3743/02). .
Aliás, a própria ré apenas questiona a ressarcibilidade dos danos no caso concreto, por não verificação dos respectivos pressupostos.
Assente, pois, em sede teórica, a admissibilidade da indemnização por danos não patrimoniais, importa apurar se, no caso “sub judice”, se verificam os requisitos da indemnização e, em caso afirmativo, o “quantum” indemnizatório.

A lei admite a reparação dos danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496.º do Código Civil, ou seja, quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado, a gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, e não em função de factores subjectivos, donde que os vulgares incómodos, contrariedades, transtornos, indisposições, por não atingirem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização.
Quanto ao montante da indemnização deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º, ou seja, a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem (n.º 3 do referido art. 496).
Isto é, no dizer dos Prof. Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 3:ª edição, pág. 501), o montante da indemnização “(...) deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Pode afirmar-se que a quantificação do dano deve ser feita pelo recurso a critérios de equidade, tendo em conta o grau de culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias atendíveis como, por exemplo, a gravidade da lesão, a desvalorização da moeda, os padrões normalmente utilizados em casos análogos, etc.

No caso, verifica-se que, durante o período em que esteve colocada na EC de Condeixa-a-Nova, a autora não pôde acompanhar o marido e os filhos da mesma forma que o podia fazer se estivesse a prestar serviço na EC de Soure (n.º III, 32) e que ficou desgostosa e sentiu-se humilhada por a 1.ª ré não a ter transferido e não lhe ter dado qualquer explicação (n.º III, 33).
Esta factualidade corresponde, no essencial, ao que foi alegado na petição inicial pela autora (artigos 49.º a 52.º da petição inicial).
Há que apurar se tais privação e sentimentos de desgosto e humilhação assumiram gravidade suficiente para ditarem o respectivo ressarcimento.

Pois bem: quanto ao facto de a autora, durante o período em que esteve colocada em Condeixa-a-Nova, não ter podido acompanhar o marido e os filhos, tal como sucederia se tivesse estado colocada próximo da sua residência, concretamente na EC de Soure, não se afigura que daí tenham decorrido danos que mereçam a tutela do direito; o que tal factualidade traduz é que a não colocação na EC de Soure trouxe à autora transtornos e incómodos em termos familiares, mas não mais que isso.
Aliás, desconhece-se, inclusive, a composição do agregado familiar (designadamente o número de filhos e idade dos mesmos), situação que poderia assumir relevância no apuramento da maior necessidade, ou não, do seu acompanhamento por parte da autora- Sendo que, como facto constitutivo do direito, à autora incumbia a prova dos (alegados) danos (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil)..

Já no que se refere ao desgosto e humilhação sentidos pela autora por não ter sido transferida e por não lhe ter sido dada qualquer explicação para o facto, afigura-se-nos que se apresentam como algo mais do que um mero transtorno ou incómodo.
Na verdade, eles traduzem sentimentos marcantes, pela negativa, sobretudo o de humilhação, e que perduraram por um período longo, não deixando de assumir reflexos desfavoráveis na imagem profissional da autora e na sua auto-estima.
Nessa medida, entende-se que esses sentimentos – de desgosto e humilhação –, assumiram gravidade que justifica a reparação.
Na determinação do montante indemnizatório, em que deve ponderar-se, entre outros factores, a situação económica da lesante e da lesada, importa sublinhar que, embora se desconheça, em concreto, a mesma, sabe-se, contudo, que a ré é uma empresa de dimensão nacional, que tem o exclusivo da distribuição postal.
Deve também ponderar-se que a culpa da ré assumiu alguma gravidade, tanto mais que, não obstante a reclamação da autora pela sua não transferência, logo em 1997, apenas em 2002 a situação foi reparada.
Tendo em conta estes diversos elementos, e ponderando ainda que não vem demonstrado que a humilhação e desgosto sofridos pela autora, embora prolongados, tenham deixado sequelas à autora, nomeadamente a nível psíquico, entende-se adequada a indemnização a título de danos não patrimoniais fixada no acórdão recorrido, ou seja de € 2.500,00.


V – Assim, acorda-se em negar as revistas da ré CTT e da autora, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas das revistas, a cargo das respectivas recorrentes.

Supremo Tribuanl de Justiça, 25 de Junho de 2009

Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão