Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PINTO HESPANHOL | ||
Descritores: | JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO DEVERES DO TRABALHADOR SEGURANÇA NO TRABALHO ALCOOLEMIA CAMINHOS DE FERRO | ||
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Nº do Documento: | SJ20080618009314 | ||
Data do Acordão: | 06/18/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA REVISTA | ||
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Sumário : | 1. Integra justa causa de despedimento, a conduta de um maquinista da C. P. que, apesar de o operador de circulação lhe ter comunicado que o sinal da Linha III estava aberto para outro comboio e que ia fechar os caminhos e que depois os mandaria abrir para ele, iniciou a marcha e ultrapassou um sinal na posição de fechado, e que, submetido a teste de controlo de alcoolemia, na sequência desse acidente, apresentava uma percentagem de 1,00 g/l de álcool no sangue, sendo que, nos termos do ponto 5.3. do regulamento de prevenção e controlo do trabalho sob o efeito do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas em vigor na empresa, considera-se sob a influência do álcool e inapto para o trabalho, o trabalhador que apresente taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,5 g/l. 2. O comportamento enunciado configura uma falta grave e culposa de observância de normas de condução e segurança no trabalho, susceptível de gerar acrescidos riscos de acidentes de trabalho e perigo para a segurança da circulação dos transportes ferroviários de passageiros e mercadorias, e implica a impossibilidade prática de manter a relação laboral, já que se verifica uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 20 de Junho de 2003, no Tribunal do Trabalho de Lisboa (1.º Juízo), AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CP – CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES, E. P., pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré: (a) a pagar-lhe as «retribuições perdidas em virtude do despedimento decretado, desde a data daquele até à data da sentença»; (b) a pagar-lhe a quantia de € 1.500,00, acrescida de juros, à taxa legal, que se vencerem até integral pagamento, «referente ao valor variável da retribuição do A., perdido em virtude da sua suspensão»; (c) a reintegrá-lo ou a pagar-lhe indemnização por antiguidade, se por esta vier a optar; (d) a pagar-lhe indemnização compensatória pelos danos não patrimoniais causados, a liquidar em execução de sentença. Alegou, em síntese, que é funcionário da ré, desde 1990, com a categoria de maquinista, tendo-lhe sido aplicada a sanção disciplinar de despedimento; contudo, o procedimento disciplinar já havia caducado aquando da atinente decisão e, por outro lado, o despedimento deve considerar-se ilícito, por não se verificar justa causa. Quanto à ultrapassagem do sinal vermelho, este não era visível e tal sucedeu porque ouviu o operador de circulação mandar avançar, e relativamente à condução sob a influência do álcool, o teste foi efectuado já após a sua saída do serviço, não estando demonstrada a exactidão da medição, que não pode deixar de estar errada, não tendo sido submetido a análise de contraprova, acrescentando que, em processos disciplinares por infracções similares, a ré não despediu os respectivos trabalhadores. A ré contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em resumo, que a conduta do autor se traduziu numa violação grave dos seus deveres laborais, nomeadamente, o incumprimento de normas de segurança de carácter imperativo e a prestação de trabalho sob a influência do álcool que, pela correspondente gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; o autor foi submetido, em 16 de Novembro de 2002, a teste de controlo de alcoolemia que revelou uma percentagem de 1,00 g/l de álcool no sangue, ou seja, o dobro do limite máximo previsto no ponto 5.3. do Regulamento de Prevenção e Controlo de Alcoolismo, não tendo requerido contraprova, apesar de saber que a podia fazer; o comportamento do autor afectou a confiança que deve caracterizar o contrato de trabalho, suscitando dúvidas sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador, o qual já tinha antecedentes disciplinares, não ocorrendo a caducidade do procedimento disciplinar, nem o alegado desvio da prática disciplinar da empresa. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento do autor e condenando a ré: «a) a pagar ao A. a importância correspondente ao valor das retribuições (nas quais se incluem a parte variável paga de forma regular) que o mesmo deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura desta acção até à data da sentença (descontado [sic] as importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento e até à data da sentença ou acórdão que declare de forma definitiva a ilicitude do despedimento); b) a reintegrar o A., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) a pagar ao A. o valor médio mensal da retribuição variável devido durante o período da suspensão, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos às respectivas taxas legais em cada momento em vigor para créditos civis.» Quanto ao mais, a ré foi absolvida do pedido, tendo a sobredita sentença decidido que «não se vislumbra qualquer caducidade do processo disciplinar». 2. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente, decidindo: «1. Revogar a sentença recorrida, na parte impugnada; 2. Julgar lícito o despedimento do apelado e absolver a apelante dos pedidos de reintegração e do pagamento das retribuições que aquele deixou de auferir desde o 30.º dia anterior à propositura da acção até à data da sentença». É contra esta decisão do Tribunal da Relação que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «A) Nos termos do n.º 3 da cl[á]usula 105[.ª] do AE, ao não ter concluído o processo disciplinar nos 60 dias imediatamente posteriores ao conhecimento dos factos e porque o inquérito não visava nem o apuramento dos factos nem a identificação dos autores, temos que ao ser mais favorável o disposto no AE do que o previsto nos Art.º 10, n.º 11, [da LCCT] e 31.º, n.º 1, da LCT, o acórdão recorrido viola o disposto nos art.º 12.º e 13.º da LCT, na medida em que tais disposições não prevalecem, no caso concreto, sobre a invocada cl[á]usula do AE. B) Quando foi ordenado ao autor que se submetesse ao teste de determinação da taxa de álcool no sangue, há já 20 [minutos] que este havia terminado o seu turno de serviço. Encontrava-se dispensado do dever de assiduidade e do dever de obediência, sendo inaplicável qualquer norma de higiene e segurança. C) Verifica-se, aten[t]o o alegado em B) não só uma ilegitimidade da arguente para submeter o trabalhador ao teste, como é patente uma ilegalidade dos meios de prova e consequente intromissão não lícita da entidade empregadora na vida privada do trabalhador, sendo que este não violou nenhum dever profissional nem qualquer dever geral. D) O acórdão recorrido ao fazer uso da possibilidade legal da alteração da matéria de facto violou, uma vez que acrescentou à factualidade [ínsita] na nota de culpa, outros factos e circunstâncias em relação aos quais o arguido não foi concedido o direito de defesa, violou, não só o disposto no Art.º 10.º, n.º 1, da [LCCT], que consagra a matéria imputada na nota de culpa como caso julgado para efeitos da factualidade a considerar ou não assente com vista à emissão de juízo de valor sobre a existência ou não de justa causa para despedimento. E) Alterar-se a matéria de facto para se fazer constar que o autor participou num almoço local, em que bebeu um copo de vinho a mais é admitir-se que a nota de culpa, no essencial da factualidade pode ser imprecisa, subjectiva e meramente valorativa na medida em que objectivamente um copo de vinho a mais para esta ou para aquela pessoa pode ter um resultado diferente; o copo tanto pode ser grande como pequeno; o vinho tanto pode ser de uma graduação como de outra e não consta que alguém tivesse sido v. g. condenado por sentença judicial de estar sob a influência do álcool por ter presumivelmente dito noutro processo distinto ter bebido um copo de vinho a mais. Para que serve o aparelho de teste de sopro ao balão? Será que beber um copo de vinho a meio do serviço e beber mais de um copo 20 minutos depois do serviço não se compadece com um resultado de 0,0 gr, aquando do [término] do turno de serviço? F) A arguente ao instaurar o processo e precedendo a redacção da nota de culpa deveria ter feito prova no processo disciplinar quer da efectivação do teste antes do [término] do serviço, quer da utilização de um aparelho aprovado e calibrado. Aliás, supletivamente, sempre se dirá de que adianta um aparelho aprovado e calibrado quando usado pela entidade empregadora fora do horário de serviço? G) Temos, pois, que não tendo ficado provado que o autor e ora recorrente estivesse sob a influência de álcool ao tempo da manobra em questão, nem sequer que estivesse sob o efeito de álcool durante o [seu] período laboral, não se vislumbra o preenchimento de qualquer dos pressupostos objectivos e subjectivos da violação de qualquer dever profissional ou geral, até porque não está alegado que o arguido nos 20 minutos posteriores ao [término] do turno de serviço estivesse a conduzir qualquer veículo automóvel. H) Ora, ficou provado que objectivamente o dia era de chuva e que apenas o operador de apoio saiu para prender os vagões, tendo legitimamente o arguido permanecido dentro da cabine. Mais[,] o sinal encontra-se à saída de uma curva e eram insistentes as reclamações contra a localização de tal sinal não visível do local de paragem na estação, sendo igualmente certo que até 7 ou 8 metros antes do sinal o arguido não tinha qualquer possibilidade de saber se o mesmo estava fechado ou aberto, sendo ainda manifesto que nessa data a curva em questão estava ladeada por arbustos e por último que o operador de circulação após o início da marcha não tentou advertir o arguido que o sinal estava fechado. I) Assim, verifica-se que ocorreram 2 factores objectivos, o tempo que não é controlável e a falta de visibilidade que pela curva e posicionamento do sinal e sobretudo pela omissão da arguente que não cortou os arbustos, dizíamos factores que directa e necessariamente contribuíram para o ocorrido; sendo certo que também não ficou demonstrado que o arguido deliberadamente desrespeitasse quaisquer instruções, bem ao invés o operador, ao não advertir, contribuiu para a ocorrência. J) Tratando-se de um comportamento negligente, como sucedeu com a não efectivação de paragem obrigatória antes de atingir o sinal S8, só através da imputação e demonstração de uma prática reiterada se poderia aplicar o despedimento. K) Por último, não sendo a prática disciplinar da CP a opção pelo despedimento, em sede de punição da violação deste tipo de regras de segurança, com ultrapassagem de sinais que não se encontram abertos, a sanção disciplinar não só se afigura desproporcional como violadora da igualdade de tratamento em sede punitiva, particularmente importante numa empresa de dimensão nacional e com natureza jurídica de empresa pública. L) Ao contrariar nos fundamentos de direito o alegado de A) a K), [o acórdão recorrido] é ilegal e deve ser revogado com base nas disposições e princípios invocados.» Termina pedindo que, «julgando-se procedente por provado o presente recurso, revogando-se [o] acórdão recorrido e mantendo-se a sentença proferida em primeira instância que julgou a acção procedente e declarou ilícito o despedimento do A. e condenou a Ré a reintegrá-lo sem prejuízo da retribuição, categoria e posto de trabalho, se fará Justiça!» A recorrida contra-alegou, sustentando que «a questão da caducidade do procedimento disciplinar não está tratada no Acórdão recorrido e, […], transitou em julgado», e concluindo pela confirmação do acórdão recorrido. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que não deveria ajuizar-se sobre a alegada caducidade do procedimento disciplinar, porque se trata de questão não abordada no acórdão recorrido; quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto provada entende que deve manter-se a alteração da alínea I) dos factos assentes, que não havia fundamento para alterar a redacção da alínea M) dos factos assentes, nem para aditar a alínea P’) dos mesmos factos, e que, na resposta ao n.º 10 da base instrutória, se devia eliminar a referência ao operador de apoio J. G., tendo concluído pela procedência da justa causa de despedimento invocada, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta. 3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede: – Caducidade do procedimento disciplinar [conclusões A) e L), na parte atinente, da alegação do recurso de revista]; – Erro na fixação dos factos materiais da causa [conclusões D) a F) e L), na parte atinente, da alegação do recurso de revista]; – Inexistência de justa causa de despedimento [conclusões B), C), G) a K) e L), na parte atinente, da alegação do recurso de revista]. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. Antes de mais, importa conhecer da questão prévia da inadmissibilidade do recurso, na parte relativa à caducidade do procedimento disciplinar, suscitada na contra-alegação do recurso de revista, notificada ao autor e a que este não respondeu. Com efeito, o autor, em sede de recurso de revista, veio retomar a alegação, já produzida na petição inicial, de que se configurava a caducidade do procedimento disciplinar, com base no disposto no n.º 3 da Cláusula 105.ª do Acordo de Empresa. Todavia, a sentença exarada em 1.ª instância decidiu que não se vislumbrava «qualquer caducidade do processo disciplinar», segmento decisório esse que não foi impugnado, pelo que se formou caso julgado (artigos 671.º, n.º 1, 673.º e 684.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), que obsta, nessa parte, ao conhecimento do recurso. Nestes termos, julgando procedente a questão prévia suscitada pela ré, decide-se não tomar conhecimento do recurso de revista no concernente à matéria constante das conclusões A) e L), na parte atinente, da respectiva alegação. 2. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) O A. é funcionário da R., trabalhando sob as suas ordens e direcção, como maquinista, desde 1990 [alínea A) dos Factos Assentes]; 2) Com carácter de regularidade, o A. recebia, para além da sua remuneração base, diversas outras quantias, por trabalho extraordinário, por trabalho nocturno, prémio de condução anual, horas de viagem, por falta de repouso e por trabalho em dia de descanso ou feriado [alínea B) dos Factos Assentes]; 3) No âmbito da sua relação laboral, o A. foi sujeito a um processo disciplinar com intenção de despedimento, a que foi atribuído o n.º 347/02 [alínea C) dos Factos Assentes]; 4) No âmbito desse processo disciplinar, o A. defendeu-se nos termos constantes do doc. n.º 2 junto com a P.I. da providência cautelar apensa e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida [alínea D) dos Factos Assentes]; 5) Processo onde, a final, entendeu a R. fazer cessar o contrato de trabalho do A. com invocação de justa causa, conforme doc. n.º 3 junto com aquela providência e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [alínea E) dos Factos Assentes]; 6) Decisão notificada ao A., em 13.05.03 [alínea F) dos Factos Assentes]; 7) Não se conformando com tal despedimento, o A. intentou desde logo um procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual, a que foi atribuído o n.º 2710/03.1TTLSB, e que correu os seus termos na 3.ª Secção do 2.º Juízo [do Tribunal do Trabalho de Lisboa] e que se encontra apensado aos presentes autos [alínea G) dos Factos Assentes]; 8) O A. é associado do Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses [alínea H) dos Factos Assentes]; 9) O A. foi submetido a um teste de alcoolemia depois de ter terminado o seu serviço normal e depois de concluídas as actividades para que foi solicitado pelos seus superiores hierárquicos, tendo sido contactado, para o efeito, via telemóvel, pelo seu superior hierárquico, Sr. A. — redacção alterada pela Relação [alínea I) dos Factos Assentes]; 10) No dia 16 de Novembro de 2002, o A. cumpria a rotação n.º 21 da escala ENT-MML de Maquinistas de Entroncamento, da Unidade de Mercadorias e Logística [alínea J) dos Factos Assentes]; 11) Com apresentação, em Entroncamento, às 11h08m e retirada, no mesmo local, às 20h08m [alínea L) dos Factos Assentes]; 12) Na rotação acima indicada, constava o seguinte serviço: PR–28473–28473 PRI–Resv.–62053 RPT–Man–(TR)–62050 PRI–Resv.–28478, bem como uma paragem na estação de Sarnadas, de cerca de 3 horas. Nessa paragem, o A. participou num almoço local, em que bebeu um pouco de vinho a mais — redacção alterada pela Relação [alínea M) dos Factos Assentes]; 13) O comboio n.º 62050, conduzido pelo A., que foi recebido às 19h58m, na Linha l da estação de Praia do Ribatejo, trazia material para deixar nesta estação e dois vagões que circulavam à cauda da composição, que se destinavam à estação de Entroncamento [alínea N) dos Factos Assentes]; 14) Na estação de Praia do Ribatejo, foram explicadas ao A., pelo Operador de Circulação, A. M. S. C., após a paragem do referido comboio na Linha n.º l, as manobras a efectuar, incluindo no que se refere ao corte dos dois vagões à cauda do comboio n.º 62050 [alínea O) dos Factos Assentes]; 15) O A., depois de efectuar as manobras necessárias para estacionar com segurança o material destinado à estação de Praia do Ribatejo, regressou à Linha I, para sair, agora, em marcha n.º 28478, com a locomotiva e os dois vagões, com destino a Entroncamento [alínea P) dos Factos Assentes]; 15-A) O A. conduz comboios naquela linha, há 9 ou 10 anos, e conhecia perfeitamente a localização do sinal S8, junto à Estação de Praia do Ribatejo — factualidade aditada pela Relação [alínea P’) dos Factos Assentes]; 16) O A. recebia um subsídio de refeição, à razão de € 5,75 por dia de trabalho [alínea Q) dos Factos Assentes]; 17) O A. auferia, ainda, por conta das variáveis referidas em 2), o valor médio de € 375, média referente ao ano de 2002 [alínea R) dos Factos Assentes]; 18) Pelo Operador de Circulação identificado em 14), depois de concluídas as manobras, foi dito à tripulação, constituída pelo A. e pelo Operador de Apoio J. N. G., o seguinte: «O sinal da Linha III está aberto para o 5658 vou fechar os caminhos e depois mando abrir para vocês...» (resposta ao quesito 1.º); 19) O A. iniciou a marcha e ultrapassou, cerca das 20h09m, o sinal da Linha I – S8 – que se encontrava fechado, ou seja, com aspecto de proibição absoluta, por se encontrar realizado o itinerário de entrada e saída para a Linha III, para o comboio de passageiros n.º 5658 (resposta ao quesito 2.º); 20) O A. não efectuou paragem obrigatória antes de atingir o sinal S8, desrespeitando as mais elementares normas de segurança, criando com este comportamento perigo para a segurança da circulação e de pessoas e bens (resposta ao quesito 4.º); 21) O A. ultrapassou, ainda, a agulha n.º l, talonando-a [significa a acção de acesso de um comboio a uma agulha do lado do talão], o que a danificou, tornando-a inoperacional (resposta ao quesito 5.º); 22) Devido à inoperacionalidade da agulha n.º l, a Linha n.º I ficou interdita à circulação, das 20h09m do dia 16 às 16h00m do dia 17 de Novembro de 2002, e foi estabelecido o afrouxamento de 30 km/h, nos dois sentidos, entre os km 117,820 e 117,830, durante o mesmo período (resposta ao quesito 6.º); 23) Devido ao talonamento da agulha n.º l foram penalizados os comboios n.os 543, 4440, 5614, 5658, 27556 e 28478, respectivamente em 4, 10, 4, 14, 8 e 9 minutos (resposta ao quesito 7.º); 24) A marcha n.º 28478, conduzida pelo A., talonou a agulha n.º 1 e continuou a viagem com destino a Entroncamento, onde chegou às 20h58m, tendo, no caminho para o Entroncamento, parado na estação de Almourol, durante 9 minutos (resposta ao quesito 8.º); 25) O teste efectuado ao A., às 21h50m, do dia 16 de Novembro de 2002, revelou uma percentagem de 1,00 gramas/litro de álcool no sangue, ou seja, o dobro do limite máximo permitido, conforme previsto no ponto 5.3 do Regulamento de Prevenção e Controlo de Alcoolismo (resposta ao quesito 9.º); 25-A) A equipa que realizou o teste ao A. e ao Operador de Apoio J. G. usou um aparelho aprovado e calibrado — factualidade aditada pelo Tribunal da Relação (resposta ao quesito 10.º); 26) O A. não requereu contraprova (resposta ao quesito 11.º); 27) O A. tinha os antecedentes disciplinares referidos a fls. 17 do PD [processo disciplinar] (resposta ao quesito 12.º); 28) O dia em questão era um dia de chuva e o A. permaneceu dentro da cabine (resposta ao quesito 13.º); 29) Apenas o Operador de Apoio, o Sr. J. G., saiu para prender os vagões (resposta ao quesito 14.º); 30) O A. entendeu que poderia seguir viagem (resposta ao quesito 17.º); 31) O sinal em apreço encontra-se à saída de uma curva, o que motivou inclusive várias participações, não sendo visível do local de paragem na estação (resposta ao quesito 20.º); 32) Onde o A. se encontrava (resposta ao quesito 21.º); 33) O A., após iniciar a marcha, e até chegar a cerca de 7 ou 8 metros do dito sinal, não tinha qualquer possibilidade de saber se o mesmo estava fechado ou aberto (resposta ao quesito 24.º); 34) A curva em questão estava à época ladeada por arbustos (resposta ao quesito 25.º); 35) Só a cerca de 7 ou 8 metros do sinal é que o mesmo é visível (resposta ao quesito 26.º); 36) Após o início da marcha, o operador de circulação não tentou advertir o A. de que o sinal estava fechado (resposta ao quesito 27.º); 37) O A. seguiu caminho para o Entroncamento (resposta ao quesito 28.º); 38) A Ré não identificou o aparelho medidor de álcool ao tempo em que procedeu ao exame (resposta ao quesito 29.º) — por lapso manifesto, a sequência dos factos julgados provados passa do n.º 38 para o n.º 40; 40) O A. é tido pelos colegas e, pelo menos, pelo, então, superior hierárquico A. D. A., como bom trabalhador (resposta ao quesito 46.º) — por lapso manifesto, a sequência dos factos julgados provados passa do n.º 40 para o n.º 50; 50) A retribuição do A. era composta pelas seguintes parcelas: retribuição da categoria – € 814,79; diuturnidades – € 41,42; subsídio de escala – € 130,37; subsídio de agente único – € 32,59; prémio de condução, variável em função dos km conduzidos, mas que foi, no último mês em que trabalhou, de € 136,54 (resposta ao quesito 54.º). 3. O recorrente defende, porém, que «[o] acórdão recorrido ao fazer uso da possibilidade legal da alteração da matéria de facto violou, uma vez que acrescentou à factualidade ínsita na nota de culpa, outros factos e circunstâncias em relação aos quais o arguido não foi concedido o direito de defesa, violou, não só o disposto no Art.º 10.º, n.º 1, da [LCCT], que consagra a matéria imputada na nota de culpa como caso julgado para efeitos da factualidade a considerar ou não assente com vista à emissão de juízo de valor sobre a existência ou não de justa causa para despedimento», e, também, que «[a]lterar-se a matéria de facto para se fazer constar que o autor participou num almoço local, em que bebeu um copo de vinho a mais é admitir-se que a nota de culpa, no essencial da factualidade pode ser imprecisa, subjectiva e meramente valorativa na medida em que objectivamente um copo de vinho a mais para esta ou para aquela pessoa pode ter um resultado diferente; o copo tanto pode ser grande como pequeno; o vinho tanto pode ser de uma graduação como de outra e não consta que alguém tivesse sido v. g. condenado por sentença judicial de estar sob a influência do álcool por ter presumivelmente dito noutro processo distinto ter bebido um copo de vinho a mais. Para que serve o aparelho de teste de sopro ao balão? Será que beber um copo de vinho a meio do serviço e beber mais de um copo 20 minutos depois do serviço não se compadece com um resultado de 0,0 gr., aquando do término do turno de serviço?» (conclusões D) e E) da alegação do recurso de revista). E alega, igualmente, que «[a] arguente ao instaurar o processo e precedendo a redacção da nota de culpa deveria ter feito prova no processo disciplinar quer da efectivação do teste antes do término do serviço, quer da utilização de um aparelho aprovado e calibrado. Aliás, supletivamente, sempre se dirá de que adianta um aparelho aprovado e calibrado quando usado pela entidade empregadora fora do horário de serviço?» (conclusão F) da alegação do recurso de revista). Tais questões prendem-se com a fixação dos factos materiais da causa. Como é sabido, a Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que não estiver devidamente fundamentado (artigo 712.º, n.º 5, do Código de Processo Civil). Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal. Especificamente, o n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova»; por outro lado, o n.º 2 do artigo 729.º referido determina que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º». Tal como se pondera, sobre a apontada temática, no acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Novembro de 2006 (Processo n.º 2568/06 da 4.ª Secção): «Na anterior redacção do artigo 712.º do Código de Processo Civil (resultante da reforma processual de 1995/1996), entendia-se que o Supremo não podia controlar o não uso pela Relação dos poderes conferidos por esse preceito, mas já poderia efectuar esse controlo quando a Relação tivesse feito uso desses poderes, caso em que se considerava que o que estava em causa não eram os estritos aspectos da apreciação das provas ou da fixação dos factos materiais da causa, mas a eventual ocorrência de um erro de direito quanto à existência da deficiência, obscuridade ou contradição da decisão de facto, ou a necessidade da sua ampliação, que justificasse a repetição do julgamento (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 447, e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Dezembro de 1984, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 122, p. 233, e de 15 de Março de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 435, p. 750). No entanto, qualquer destas possibilidades parece ter sido posta em causa, em via de recurso, por força do agora estatuído no n.º 6 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, onde se prescreve: “Das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”. Não havendo lugar, nos sobreditos termos, a um recurso autónomo das decisões que a Relação adopte no âmbito dos seus poderes de modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, [citados], quando essa questão venha suscitada como fundamento do recurso de revista, e apenas nos casos em que este seja admissível por se considerar igualmente verificada uma violação da lei substantiva.» Assim, o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, citados, só pode alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido no respeitante à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou seja, quando tiver sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, quando determinado facto tenha sido dado como provado por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou quando um facto tenha sido dado como não provado por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere. No caso, o recorrente não invoca qualquer dos sobreditos fundamentos do recurso de revista, limitando-se, nas conclusões da alegação do recurso de revista, a defender que o acórdão recorrido violou o disposto no n.º 1 do artigo 10.º da LCCT, «uma vez que acrescentou à factualidade ínsita na nota de culpa, outros factos e circunstâncias em relação aos quais o arguido não foi concedido o direito de defesa», ao alterar «a matéria de facto para se fazer constar que o autor participou num almoço local, em que bebeu um copo de vinho a mais», e, doutro passo, que a prova, «quer da efectivação do teste antes do término do serviço, quer da utilização de um aparelho aprovado e calibrado», deveria ter sido feita pela ré no processo disciplinar e precedendo a redacção da nota de culpa. Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes: «Resulta, […], das declarações prestadas pelo próprio apelado no inquérito do Instituto Nacional de Transporte Ferroviário (cfr. doc. junto a fls. 96 a 99 do Apenso n.º 2) que, após a paragem do comboio e de concluídos os diversos serviços que lhe estão inerentes, cerca das 20h30m, o chefe da estação comunicou-lhe que fosse ao PCL atender uma chamada. Nessa chamada, proveniente do seu superior hierárquico Sr. M., falaram sobre o acidente na Praia do Ribatejo e sobre a demora na Estação de Almourol, tendo o A. lhe comunicado, que iria ter com ele para esclarecer o sucedido, uma vez que não estavam a entender-se pelo telefone. Declarou ainda o apelado, nesse documento, que no momento em que estava terminar o serviço, recebeu outra chamada, via telemóvel, do Sr. Alexandre, também seu superior hierárquico, “comunicando-lhe que se dirigisse ao Depósito, ter com ele, pois tinha de efectuar o teste de alcoolemia”. O apelado declarou ainda, nesse depoimento, por si ditado e assinado, que “não costuma beber, mas nesse dia, na paragem de Sarnadas, onde estiveram retidos três horas, foi convidado a participar num almoço local e pelos vistos bebeu um pouco de vinho a mais”; que na Estação de Praia do Ribatejo partiu com o comboio, sem que tivesse ocorrido o procedimento regulamentar das partidas, por parte do chefe da estação e que conhece perfeitamente a localização do sinal S8 que ultrapassou, pois “faz” comboios nesta linha, há cerca de 9, 10 anos (cfr. doc. de fls. 96 a 99 do Apenso n.º 2). Estas declarações foram ditadas pelo apelado, constam de um documento escrito, por ele assinado, dirigido à CP, e nelas o trabalhador reconhece expressamente factos, que nas condições em que foram produzidas lhe são desfavoráveis e favoráveis à Ré (ora apelante). Tal documento consubstancia, assim, nos termos dos arts. 352º e 358º, n.º 2 do Cód. Civil, uma confissão extrajudicial com força probatória plena relativamente aos factos que nelas constam, pelo que esses factos devem considerar-se plenamente provados. Em relação ao aparelho utilizado no teste, resulta dos depoimentos das testemunhas J. M. C. e A. D. A. e de docs. juntos aos autos, que o aparelho em causa se encontrava calibrado e que o mesmo foi utilizado também no teste efectuado ao Operador de Apoio J. N. G., que acompanhava o A., no dia do acidente. Resulta ainda dos documentos juntos a fls. 196 e segs. que este operador, tal como sucedeu com o A., foi também despedido, na sequência de processo disciplinar e, na acção de impugnação de despedimento que o mesmo instaurou contra a CP, foi considerado provado que o aparelho utilizado por esta é um dos que se encontra na Estação do Entroncamento, está devidamente aprovado e é igual a tantos outros que se encontram espalhados pelas instalações da empresa e são devidamente calibrados por empresa certificada por entidade oficial (cfr. acórdão junto a fls. .... dos autos), elementos estes que estão em sintonia com os elementos que constam do documento emitido pela Tecniquital, junto a fls. 62 do processo apenso, não impugnado pelo apelado, no qual se atesta que o aparelho em questão, um alcoolímetro da marca Dräger, modelo alcoteste 7410, com o n.º série AREN – 0013, foi objecto de calibração em 8/01/2002[.] Assim, ao abrigo do disposto no art. 712º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC, determina-se: 1. Que as alíneas I) e M) passem a ter a seguinte redacção: I) O A. foi submetido a um teste de alcoolemia depois de ter terminado o seu serviço normal e depois de concluídas as actividades para que foi solicitado pelos seus superiores hierárquicos, tendo sido contactado, para o efeito, via telemóvel, pelo seu superior hierárquico, Sr. Alexandre. M) Na rotação acima indicada, constava o seguinte serviço: PR-28473-28473 PRI-Resv.-62053 RPT-Man-(TR)-62050 PRI-Resv.-28478, bem como uma paragem na estação de Sarnadas, de cerca de 3 horas. Nessa paragem, o A. participou num almoço local, em que bebeu um pouco de vinho a mais. 2. Que se adite à especificação mais uma alínea — a alínea P´ — com a seguinte redacção: O A. conduz comboios naquela linha, há 9 ou 10 anos, e conhecia perfeitamente a localização do sinal S8, junto à Estação de Praia do Ribatejo. 3. Que em resposta ao quesito 10.º da base instrutória se considere provado que a equipa que realizou o teste ao A. e ao Operador de Apoio J. G. usou um aparelho aprovado e calibrado.» A transcrita decisão do Tribunal da Relação sobre os pontos da matéria de facto concretamente impugnados foi proferida no quadro dos poderes conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil. Ora, não tendo sido alegado que, na sobredita reapreciação, a Relação tenha ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, é evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o invocado erro na fixação dos factos materiais da causa (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), termos em que improcedem as atinentes conclusões da alegação do recurso de revista. É que não resulta da lei o conhecimento oficioso da força probatória da confissão, depoimentos e documentos em que o tribunal recorrido se alicerçou para alterar a redacção das alíneas I) e M) dos factos assentes, aditar à especificação a alínea P’) e considerar provado o n.º 10 da base instrutória. Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que há-de ser resolvida a questão suscitada quanto à justa causa de despedimento. 4. Importa, então, ajuizar se a conduta imputada ao autor, de acordo com a matéria de facto dada como provada, integra ou não justa causa de despedimento. Estando em causa um despedimento ocorrido em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e face ao disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), e regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT). A sentença proferida em primeira instância concluiu que, «não podendo ao A. ser imputada a infracção de condução sob a influência de álcool e não revestindo a primeira infracção (ultrapassagem do sinal de saída da estação de Praia do Ribatejo na posição de fechado) gravidade suficiente para determinar o fim da relação laboral», o despedimento em apreciação era ilícito. Por sua vez, o acórdão recorrido, após ter alterado a decisão sobre a matéria de facto, entendeu que a conduta do autor configurava justa causa de despedimento, pelo que revogou a decisão recorrida, na parte impugnada, e considerou lícito o despedimento efectivado pela ré. O recorrente sustenta, no entanto, que, quando lhe foi determinado que se submetesse ao teste de determinação da taxa de álcool no sangue, «há já 20 minutos que […] havia terminado o seu turno de serviço», encontrando-se «dispensado do dever de assiduidade e do dever de obediência, sendo inaplicável qualquer norma de higiene e segurança», pelo que se verifica, «não só uma ilegitimidade da arguente para submeter o trabalhador ao teste, como é patente uma ilegalidade dos meios de prova e consequente intromissão não lícita da entidade empregadora na vida privada do trabalhador, sendo que este não violou nenhum dever profissional nem qualquer dever geral» (conclusões B) e C) da alegação do recurso de revista). E «não tendo ficado provado que […] estivesse sob a influência de álcool ao tempo da manobra em questão, nem sequer que estivesse sob o efeito de álcool durante o [seu] período laboral, não se vislumbra o preenchimento de qualquer dos pressupostos objectivos e subjectivos da violação de qualquer dever profissional ou geral, até porque não está alegado que o arguido nos 20 minutos posteriores ao [término] do turno de serviço estivesse a conduzir qualquer veículo automóvel (conclusão G) da alegação do recurso de revista). Por outro lado, «ficou provado que objectivamente o dia era de chuva e que apenas o operador de apoio saiu para prender os vagões, tendo legitimamente o arguido permanecido dentro da cabine. Mais o sinal encontra-se à saída de uma curva e eram insistentes as reclamações contra a localização de tal sinal não visível do local de paragem na estação, sendo igualmente certo que até 7 ou 8 metros antes do sinal o arguido não tinha qualquer possibilidade de saber se o mesmo estava fechado ou aberto, sendo ainda manifesto que nessa data a curva em questão estava ladeada por arbustos e por último que o operador de circulação após o início da marcha não tentou advertir o arguido que o sinal estava fechado», tendo-se verificado factores objectivos (o tempo que não é controlável e a falta de visibilidade que pela curva e posicionamento do sinal e sobretudo pela omissão da arguente que não cortou os arbustos) que, directa e necessariamente, contribuíram para o ocorrido, «sendo certo que também não ficou demonstrado que o arguido deliberadamente desrespeitasse quaisquer instruções, bem ao invés o operador, ao não advertir, contribuiu para a ocorrência», pelo que, «[t]ratando-se de um comportamento negligente, como sucedeu com a não efectivação de paragem obrigatória antes de atingir o sinal S8, só através da imputação e demonstração de uma prática reiterada se poderia aplicar o despedimento (conclusões H) a J) da alegação do recurso de revista). Enfim, o recorrente invoca que, «não sendo a prática disciplinar da CP a opção pelo despedimento, em sede de punição da violação deste tipo de regras de segurança, com ultrapassagem de sinais que não se encontram abertos, a sanção disciplinar não só se afigura desproporcional, como violadora da igualdade de tratamento em sede punitiva, particularmente importante numa empresa de dimensão nacional e com natureza jurídica de empresa pública (conclusão K) da alegação do recurso de revista). 4.1. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»). No plano infraconstitucional, aplica-se a disciplina legal do despedimento promovido pela empregadora contida nos artigos 9.º a 15.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), diploma a que pertencem os preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem. De harmonia com o preceituado no artigo 9.º, constitui justa causa de despedimento «[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (n.º 1). O conceito de justa causa formulado neste normativo compreende, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. Verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele. Os comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento acham-se enumerados, a título exemplificativo, nas alíneas do n.º 2 do artigo 9.º, relevando no caso vertente, a «[l]esão de interesses patrimoniais sérios da empresa» [alínea e)] e a «[f]alta culposa de observância de normas de higiene e segurança no trabalho» [alínea h)]. Para apreciação da justa causa, deve atender-se, conforme estabelece o n.º 5 do artigo 12.º, no quadro da gestão da empresa, «ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes». Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação. Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível. Cabe ainda salientar que, na acção de impugnação de despedimento, o ónus probatório incumbe ao trabalhador, quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre a entidade patronal, nos termos do n.º 4 do artigo 12.º, quanto à verificação da justa causa de despedimento. 4.2. No caso, a ré procedeu ao despedimento do recorrente por este ter ultrapassado o sinal de saída (sinal S8) da estação de Praia do Ribatejo que estava na posição de fechado e por ter violado o regulamento interno da empresa de prevenção e controlo do trabalho sob o efeito do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, uma vez que, submetido ao teste de alcoolemia, na sequência daquele acidente, acusou a taxa de 1,00 gramas/litro de álcool no sangue. O comportamento do recorrente foi considerado culposo, grave e susceptível de integrar o conceito de justa causa de despedimento, atento o disposto no artigo 9.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas e) e h), da LCCT. A este propósito, o acórdão recorrido explicitou a seguinte fundamentação: « Vejamos, agora, perante este quadro, se o apelado cometeu as infracções disciplinares que a apelante lhe imputa. Comecemos pela ultrapassagem indevida do sinal S8, junto à Estação de Praia do Ribatejo, que se encontrava em situação de fechado. Estabelece o n.º 1 do ponto 6 do Regulamento 5 – Regulamento para a condução de unidades motoras, que o pessoal de condução deve ter perfeito conhecimento dos Regulamentos e outros diplomas em vigor, especialmente: - do Regulamento de Sinais; (...). Por sua vez, o artigo 7.º do Aditamento ao RGS III – Regulamento Geral de Segurança – Circulação de Comboios dispõe, no seu ponto 9.11.1, que nas linhas equipadas com sistemas de sinalização com encravamento por Bloco Orientável em funcionamento, têm aplicação as prescrições do RGS II – Sinais, artigo 79º.1, 3º, b), no qual se estabelece que nas estações a autorização de retomar ou de iniciar a marcha de qualquer comboio é transmitida ao agente de condução com a abertura do sinal de saída e o sinal de serviço concluído apresentado pelo chefe de comboio, nas estações secundárias. O sinal de serviço concluído, nos termos do ponto 57.3 do RGSII, indica ao agente de condução que se encontram terminadas todas as operações e serviços do comboio, podendo este retomar a sua marcha, se nada se opuser. Finalmente, o ponto 9.11.5 do artigo 7.º do Aditamento ao RGS III, estabelece que se o agente de condução do local do estacionamento não avistar o sinal principal, após o sinal de serviço concluído, retoma a marcha, em marcha à vista, até ao sinal, respeitando o seu aspecto nas condições regulamentares. Designa-se por “marcha à vista” todo o movimento em que o agente de condução tem a obrigação de avançar com a maior prudência, regulando a velocidade de forma a poder parar na extensão de via que avista, se pela sua frente surgir qualquer obstáculo ou sinal de paragem. Todas estas normas têm por finalidade a transmissão de indicações através de um código de aspectos, de molde a que, todos os movimentos efectuados pelos comboios se realizem com segurança. O apelado, maquinista da CP, desde 1990, tinha perfeito conhecimento destas normas regulamentares de condução e de segurança e sabia que devia cumpri-las no exercício das suas funções. Mas não cumpriu. Apesar do Operador de Circulação lhe ter comunicado que o sinal da Linha III estava aberto para o comboio 5658 e que ia fechar os caminhos e que depois os mandaria abrir para ele, o apelado iniciou a marcha e ultrapassou, cerca das 20h09m, o sinal da Linha I – S8, que se encontrava fechado, ou seja, com aspecto de proibição absoluta, por se encontrar realizado o itinerário de entrada e saída, para a Linha III, para o comboio de passageiros n.º 5658, e continuou a marcha com destino ao Entroncamento. Ao ultrapassar a agulha n.º 1, danificou-a e tornou-a inoperacional e devido à inoperacionalidade da agulha n.º 1, a Linha n.º I ficou interdita à circulação, das 20h09m do dia 16 às 16h00m do dia 17/11/2002 e foi estabelecido o afrouxamento de 30 km/h, nos dois sentidos, entre os km 117,820 e 117,830, durante o mesmo período, tendo os comboios n.os 543, 4440, 5614, 5658, 27556 e 28478 sido penalizados, respectivamente em 4, 10, 4, 14, 8 e 9 minutos. Com a sua conduta o apelado violou de forma grave todas as normas de condução e segurança atrás enunciadas, colocou em grande perigo a circulação de pessoas e bens naquela Linha e causou danos nas infra-estruturas da via e penalizações na circulação de outros comboios. Ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, o facto de estar um dia de chuva e de o A. ter permanecido dentro da cabine e ter entendido que poderia seguir viagem, e ainda o facto de o sinal estar situado numa curva, não ser visível do local de paragem, na estação, e de até cerca de 7 ou 8 metros do dito sinal, o A. não ter qualquer possibilidade de saber se o mesmo estava fechado ou aberto não atenuam a sua responsabilidade. Em primeiro lugar, porque, naquelas condições, o apelado devia ter prestado muito mais atenção às informações que lhe foram dadas e ter muito mais cuidado antes e depois de partir. Se o operador de circulação tinha acabado de lhe comunicar que o sinal da Linha III estava aberto para o comboio 5658 e que, por isso, lhe ia fechar os caminhos e que só depois os mandaria abrir, para retomar a marcha, o apelado só devia partir após se certificar que aquilo que tinha entendido, instantes depois, correspondia à realidade e que podia avançar em segurança. Em segundo lugar, porque o A. conduzia comboios naquela linha há 9 ou 10 anos e conhecia perfeitamente a localização desse sinal. Não avistando o sinal do local onde estava parado, na estação, nem depois de ter iniciado a marcha, o apelado tinha a obrigação de avançar com a maior prudência, em marcha à vista, regulando a velocidade de forma a poder parar, logo que viu sinal e se apercebeu que o mesmo estava fechado. Passemos, agora, à apreciação da 2.ª infracção: exercício das funções de maquinista técnico com um teor de álcool no sangue superior ao máximo consentido […]. O art. 15.º, n.º 1, do DL 441/91, de 14/11 (aplicável a todos os ramos de actividade, nos sectores público, privado ou cooperativo e social (art. 2.º), determina que constituem obrigações dos trabalhadores, designadamente, “cumprir as prescrições de segurança, higiene e saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais ou convencionais aplicáveis e as instruções determinadas com esse fim pelo empregador” [alínea a)] e “zelar pela sua segurança e saúde, bem como pela segurança e saúde das outras pessoas que possam ser afectadas pelas suas acções ou omissões no trabalho” [alínea b)]. Na CP vigora o regulamento de prevenção e controlo do trabalho sob o efeito do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, aprovado pela Inspecção Geral do Trabalho, nos termos do n.º 3 do art. 39.º da LCT, por Despacho de 9/12/2002. O sobredito regulamento “fixa os termos a que deve obedecer a prevenção e controlo do consumo de bebidas alcoólicas e de substâncias estupefacientes e psicotrópicas nos Caminhos de Ferro Portugueses, tem como finalidade prioritária a prevenção contra o risco de acidentes através do consumo de bebidas alcoólicas e da erradicação das situações de trabalho sob os efeitos do álcool [e de substâncias estupefacientes e psicotrópicas] e, consequentemente, a melhoria da saúde dos trabalhadores e dos níveis de segurança do trabalho e dos transportes ferroviários de passageiros e mercadorias (ponto 1.1.). Todos os trabalhadores da empresa estão sujeitos ao controlo do consumo de álcool e de estupefacientes e psicotrópicos (ponto 3.1.), sendo a alcoolemia determinada “por análises laboratoriais de sangue e, também por testes de sopro, que indicam a percentagem de álcool no ar expirado, definindo-se como a percentagem de álcool no sangue e sendo expressa, designadamente, em gramas/litro” (ponto 3.2.), verificando-se esse controlo “nas seguintes situações: a) sorteio; b) indícios de consumo de álcool ou de estupefacientes e psicotrópicos; c) acidente de trabalho; d) anterior controlo de alcoolemia ou toxicologia positivo; e) acidente, quasi-acidente ou incidente de circulação” (3.4.). Nos termos do ponto 4.2. do citado Regulamento “todos os trabalhadores devem dar o seu activo contributo na prevenção e correcção da prestação trabalho sob a influência do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas”. E nos termos do ponto 5. “constitui violação dos deveres dos trabalhadores a prestação de trabalho sob a influência do álcool” (ponto 5.1); “sempre que o resultado do controlo de alcoolemia seja igual ou superior a 0,5 gramas/litro, o trabalhador será considerado sob a influência do álcool e declarado pela sua chefia directa inapto para o trabalho” (ponto 5.3.); “a prestação de trabalho sob a influência do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como a recusa à sujeição ao controlo de alcoolemia ou toxicologia, constituem infracções disciplinares, sujeitas ao procedimento correspondente” [ponto 5.7.]. No caso em apreço, o A. confessou que, no dia 16/11/2002, na estação de Sarnadas, onde esteve parado cerca de 3 horas, participou num almoço local e bebeu um pouco de vinho a mais. Apurou-se ainda que depois de ter terminado o seu serviço normal e depois de concluídas as actividades para que foi solicitado pelos seus superiores hierárquicos, foi submetido, pelas 21h50m, a um teste que revelou uma percentagem de 1,00 grama/litro de álcool no sangue, ou seja, o dobro do limite máximo permitido, conforme previsto no ponto 5.3 do citado Regulamento, não tendo requerido contraprova, sendo certo que o podia fazer, através de novo teste, nos dez minutos imediatamente subsequentes ou através de outros meios de contraprova legalmente admitidos, designadamente, testes sanguíneos realizados nos laboratórios hospitalares de certas entidades autorizadas. O exercício das funções de maquinista, atenta a sua responsabilidade, exige sobriedade, de forma a que não sejam postas em causa a segurança da circulação e a integridade das pessoas e dos equipamentos nela envolvidos. Ao ingerir bebidas alcoólicas, durante o seu horário de trabalho e no exercício das suas funções, de forma a apresentar uma taxa de alcoolemia de 1,00g/litro, o apelado violou o Regulamento de Prevenção e Controlo do Álcool que considera sob a influência do álcool os trabalhadores com taxas de alcoolemia iguais ou superiores a 0,5g/l no sangue e pôs seriamente em perigo a referida segurança da circulação, atentos os efeitos que a embriaguez provoca na atenção e nos reflexos. O apelado, na qualidade de maquinista com cerca de 12 anos de casa, conhecia perfeitamente os aludidos Regulamentos e os perigos que podiam advir das infracções que cometeu, pelo que o seu comportamento tem de se considerar, tanto na 1.ª situação que analisámos como na 2.ª, altamente censurável em termos de culpa. Ao violar culposamente várias normas do Regulamento Geral de Segurança da Circulação de Comboios e do Regulamento de Prevenção e Controlo do Álcool, provocando danos na linha n.º 1, atrasos na circulação dos comboios nesse dia e no dia seguinte e nos passageiros que neles se transportavam, bem como danos potenciais gravíssimos na segurança da circulação naquela Linha, o apelado assumiu um comportamento grave em si mesmo e nas suas consequências e mostrou à sua entidade patronal que não tem emenda, pois já tinha sido punido, por três vezes, pela prática de três infracções disciplinares, uma das quais, também por ultrapassagem de sinal fechado. A aplicação dessas sanções não teve qualquer efeito preventivo ou dissuasor, uma vez que o seu comportamento, no aspecto disciplinar, não melhorou, antes pelo contrário, agravou-se. O apelado tornou, assim, de todo impossível a manutenção da sua relação de trabalho, uma vez que ao proceder como procedeu, voltando a violar normas de segurança e circulação de comboios, acabou por destruir a relação de confiança que deve existir entre as partes e sem essa confiança não é possível a manutenção do contrato de trabalho. A continuidade da sua vinculação representaria uma insuportável e injusta imposição para a apelada. Esta para poder funcionar dentro da sua normalidade, para assegurar a segurança na circulação de comboios, a disciplina, a organização, o bom ambiente de trabalho e a produtividade da empresa tinha necessariamente de pôr termo [à]quela relação contratual. Se, depois do que se passou, a apelante não despedisse a apelado, estas condutas continuariam, por certo, a repetir-se, a insegurança no trabalho e na circulação aumentaria, a prática disciplinar, a imagem da empresa e o ambiente de trabalho ficariam definitivamente postas em causa, e a apelada jamais por factos desta natureza e gravidade poderia despedir qualquer trabalhador. A conduta do apelado configura, portanto, justa causa de despedimento.» Sufraga-se, no essencial, o entendimento transcrito e confirma-se o julgado. 4.3. Apenas se acrescentará, porque o recorrente invoca que já terminara o seu turno de serviço quando efectuou o teste de alcoolemia, pelo que se verificava «não só uma ilegitimidade da arguente para submeter o trabalhador ao teste, como é patente uma ilegalidade dos meios de prova e consequente intromissão não lícita da entidade empregadora na vida privada do trabalhador», que o artigo 20.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, prevê, entre outros deveres do trabalhador, o dever de obediência à entidade patronal, «em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que as ordens e instruções daquela se mostrem contrários aos seus direitos e garantias» [alínea c) do n.º 1], esclarecendo o seu n.º 2 que esse dever de obediência «respeita tanto às normas e instruções dadas directamente pela entidade patronal como às emanadas por superiores hierárquicos do trabalhador, dentro da competência que por aquela lhes for atribuída». Ora, consoante o explicitado no ponto 25) dos factos provados, vigorava na empresa ré o regulamento de prevenção e controlo do trabalho sob o efeito do álcool ou de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, regulamento esse aprovado pela Inspecção-Geral do Trabalho (artigo 39.º, n.º 3, da LCT), de sorte que, neste contexto factual, a submissão do trabalhador ao teste de alcoolemia, ao contrário do alegado, não configura qualquer «ilegalidade dos meios de prova e consequente intromissão não lícita da entidade empregadora na vida privada do trabalhador». Por outro lado, o recorrente propugna que «não sendo a prática disciplinar da CP a opção pelo despedimento, em sede de punição da violação deste tipo de regras de segurança, com ultrapassagem de sinais que não se encontram abertos, a sanção disciplinar não só se afigura desproporcional, como violadora da igualdade de tratamento em sede punitiva, particularmente importante numa empresa de dimensão nacional e com natureza jurídica de empresa pública» (conclusão K) da alegação do recurso de revista). Com interesse directo para a apreciação desta questão, apenas se apurou o que consta dos documentos n.º 1 a n.º 11, juntos com a petição inicial. Tal como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Maio de 2006 (Revista n.º 141/06, 4.ª Secção), «a coerência disciplinar da empresa é, sem dúvida, um dos factores a considerar na apreciação da justa causa, apesar de como tal não ser expressamente referida na lei. Entende-se, porém, que está compreendida nas demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes a que a parte final do n.º 5 do artigo 12.º da LCCT manda atender naquela apreciação, uma vez que o poder disciplinar que a lei confere ao empregador deve ser por este exercido segundo critérios de justiça, respeitando, nomeadamente, o princípio da igualdade e não de forma arbitrária. Deste modo e em princípio, a prática da mesma infracção disciplinar por vários trabalhadores deve ser disciplinarmente punida com a mesma sanção, desde que o respectivo grau de culpa e os demais elementos de natureza subjectiva que relativamente a cada um deles se mostrem relevantes sejam idênticos.» No caso, apenas se apurou que outros trabalhadores da ré praticaram factos similares aos imputados ao autor, mas essa circunstância não é suficiente para concluir pela violação do princípio da coerência disciplinar, uma vez que a gravidade da infracção não depende somente da natureza dos actos ou omissões praticados. De facto, não basta alegar que os mencionados trabalhadores não foram despedidos, apesar de terem praticado uma infracção semelhante. Cabia ao autor, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, alegar e provar que as circunstâncias de natureza subjectiva que no seu caso eram relevantes para aquilatar da gravidade da infracção por si cometida eram idênticas às que ocorriam na pessoa dos trabalhadores que não terão sido despedidos, ónus que não se mostra cumprido. Refira-se, em derradeiro termo, que não se descortina a alegada violação do disposto no n.º 1 do artigo 10.º da LCCT ao alterar-se a matéria de facto para se fazer constar que, na rotação em causa, ocorreu uma paragem na estação de Sarnadas, de cerca de 3 horas, e que, nessa paragem, «o autor participou num almoço local, em que bebeu um pouco de vinho a mais» (conclusões D) e E) da alegação do recurso de revista), considerando a matéria constante nos artigos 14.º a 18.º da nota de culpa e, ainda, que o tribunal pode fundar a decisão em factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa (artigo 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Não há, pois, motivo para alterar o julgado, termos em que improcedem as conclusões B) a K) e L), na parte atinente, da alegação do recurso de revista. III Pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso de revista quanto à matéria constante das conclusões A) e L), na parte atinente, da respectiva alegação; b) Negar a revista quanto ao mais alegado e confirmar o acórdão recorrido. Custas do recurso de revista a cargo do recorrente. Lisboa, 18 de Junho de 2008 (Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol) (Adelino César Vasques Dinis) (José Alves Cardoso) |