Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13466/11.4T2SNT.L1.S1.
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL CÍVEL
TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES
Data do Acordão: 11/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Indicações Eventuais: - EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA PROPOSTA DE LEI Nº 187/X QUE DEU ORIGEM À LOFTJ DE 2008.
- PARECER DA COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS, DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS (DAR II SÉRIE A N.° 91/X/3, DE 03.5.2008).
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - COMPETÊNCIA INTERNA (EM RAZÂO DA MATÉRIA)
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA
Doutrina: - Ana Prata, Dicionário Jurídico, pp. 509/510,
- Jacinto Rodrigues Bastos, in Notas ao Cód. de Proc. Civil, vol. II, da 3ª ed., p. 96.
- João de Castro Mendes, in Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 1978, pp. 101 e 102.
- José A. Dos Reis, Comentário ao Cód. de Proc. Civil, vol. 3º, p. 625.
- Lebre de Freitas, Cód. de Proc. Civil, anotado, vol. I, p. 552.
- Neves Ribeiro, O Estado nos Tribunais, 2ª ed., 1994, p. 205.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, da 5ª ed., p. 96.
- Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5ª ed., p. 53.
Legislação Nacional: CÓD. CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º.
CÓDIGO DE REGISTO CIVIL (CRC): - ARTIGOS 7.º, NºS 1 E 2, 69.º, AL. N), 220.º-A, 126.º, N.º 1 ALS. A) E B), 132.º, Nº 2, 136.º, Nº 2 AL. A), 211.º.
LEI Nº 52/2008, DE 28-08 (LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS -LOFTJ): - ARTIGOS 114.º, 115.º, 116.º, 118.º, 125.º, AL. G), 137.º, AL. C), 139.º, N.º1 AL. F), 171.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 12-07-2012, PROCESSO Nº 21777/11.2SNT.L1-1; DE 29-05-2012, PROCESSO Nº 21427/11.72SNT.L1-7; DE 29-05-2012, PROCESSO Nº 3928/12.1T2SNT,L1-1; DE 12-06-2012, PROCESSO Nº 7218/12.1TLSNT.L1-7 E DE 29-05-2012, PROCESSO Nº 1188/12.3T2SNT.L1-7.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-ASSENTO Nº 1/92, DR, Nº 134, DE 11/06/1996, P. 2794.
Sumário :
Nas comarcas abrangidas pela LOFTJ de 2008, cabe aos Juízos de Grande Instância Cível a competência material para preparar e julgar as acções de interdição por anomalia psíquica.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 23.5.2011, o Ministério Público intentou no Tribunal de Grande Instância Cível da Comarca de Grande Lisboa - Noroeste acção especial de interdição por anomalia psíquica contra AA.
Em síntese, alegou que a requerida, nascida em 28.02.1977, sofre de doença mental que a impossibilita de cuidar da sua pessoa e do seu património.
Publicitada a acção e constatada a incapacidade da requerida para ser citada, em 01.3.2012 foi proferido despacho no qual o tribunal (juiz da lª secção da Grande Instância Cível da Comarca Grande Lisboa-Noroeste) julgou verificada a sua incompetência, por entender ser da competência do respectivo Tribunal de Família e Menores, quanto à matéria, para julgar o pleito e consequentemente absolveu a requerida da instância.
O Ministério Público apelou desta decisão, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente.
Mais uma vez inconformado veio o autor interpor a presente revista, tendo apresentado alegações em que formulou conclusões nas quais, em síntese, levantou, para conhecer neste recurso, apenas a seguinte questão:
Deve ser fixada a competência em razão da matéria para conhecer da presente acção do tribunal cível demandado?
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. de Processo Civil - a que pertencerão as disposições a citar sem indicação de origem –, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Já vimos acima a concreta questão que o aqui recorrente levantou.
A factualidade e a dinâmica processual a tomar aqui em conta é a que resulta do relatório acima transcrito.
Vejamos então a questão acima apontada como objecto deste recurso.
A questão em causa neste recurso tem sido decidida de forma divergente na Relação de Lisboa, sendo contudo, fortemente prevalecente a solução defendida pelo recorrente – cfr. acs. daquela Relação de 12-07-2012, na apelação nº 21777/11.2SNT.L1-1; de 29-05-2012, na apelação nº 21427/11.72SNT.L1-7; de 29-05-2012, na apelação nº 3928/12.1T2SNT,L1-1; de 12-06-2012, na apelação nº 7218/12.1TLSNT.L1-7 e de 29-05-2012, na apelação nº 1188/12.3T2SNT.L1-7, todos no sentido propugnado pelo recorrente.
Por outro lado, existe o acórdão aqui em recurso que decidiu no sentido oposto.
A solução deste recurso passa pela interpretação do disposto na al. h) do art. 114º da Lei nº 52/2008 de 28/08 ( Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ).
As partes e as decisões aqui proferidas estão de acordo no sentido de que esta lei aplica-se apenas às comarcas piloto previstas no art. 171º, nº 1 da mesma lei, entre as quais se conta a comarca a que pertencem os tribunais em causa na decisão impugnada.
Por isso, se aplica aqui as regras daquela lei e não as previstas na lei nº 3/99 de 13/01 ( anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ) que se continuam a aplicar às demais comarcas não incluídas no nº 1 do art. 171º citado.
Estando aqui em causa a delimitação da competência em razão da matéria de um Tribunal de Família e Menores em confronto com o mesmo tipo de competência de um Tribunal de Grande Instância Cível, com área territorial coincidente, há que apreciar a regra aplicável da LOFTJ em vigor, nomeadamente, servindo-nos para a sua interpretação da correspondente norma da LOFTJ anterior.
A competência dos Tribunais de Grande Instância Cível, em comarcas onde exista Tribunal de Família e Menores ou de Comércio, abrange, nos termos do art. 128º, nºs 1 e 2 da LOFTJ aqui aplicável, todas as acções declarativas cíveis de valor superior à alçada do Tribunal da Relação onde a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo que não caibam na competência daqueles tribunais.
Logo, a competência destes tribunais é residual, pelo que há que começar por ver qual a competência específica atribuída ao Tribunal de Família e Menores que consta do disposto nos arts. 114º a 116º da mesma LOFTJ.
O disposto nos arts. 115º e 116º tratam, respectivamente, de competência relativamente a menores e filhos maiores – em cujas alíneas claramente não cabe a presente acção - e a competência em matéria tutelar educativa e de protecção que também óbvia e claramente não está aqui em causa.
Resta-nos o art. 114º.
O acórdão recorrido entendeu que a competência para conhecer da presente acção pertence ao Tribunal de Família e Menores, por estar integrada na al. h) do mesmo artigo.
Este preceito tem a seguinte redacção:
“Art.114º: Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar:

h) Outras acções relativas ao estado civil das pessoas e família”.
Comparando o preceito do art. 114º com o do art. 81º da anterior LOFTJ que lhe corresponde, verifica-se que foi acrescentado ao primeiro a al. b) que prevê a competência para processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum, e ainda, lhe foi acrescentada a al. h) referida, ambas sem qualquer correspondência no texto anterior.
Também no art. 115º da actual LOFTJ consta a al. l) – competência para preparar e julgar as acções de investigação e impugnação de maternidade e paternidade - que também não tinha qualquer correspondência no disposto no correspondente art. 82º da antiga LOFTJ.
Daqui há que retirar a conclusão de que o legislador na nova LOFTJ quis ampliar a competência dos Tribunais de Família e de Menores às três referidas situações.
Mas aqui apenas nos interessa o disposto na al. h) referida.
A interpretação desta integra o cerne do presente litígio, como dissemos.
O acórdão recorrido, tal como a decisão da 1ª instância, entendeu que a apontada alínea versa acções de estado civil em que se incluem as de interdição ou de inabilitação.
Já o recorrente e os acórdãos citados com ele concordantes defendem que o texto da al. h) se refere a um conceito restrito de estado civil das pessoas que não inclui aquele tipo de acções.
Podemos dizer que o texto da lei não prima pela clareza e, por isso, permite a divergência de interpretações para a mesma norma.
A epígrafe do art. 114º mencionado tem a redacção seguinte:
“ Competência relativa ao estado civil das pessoas e família”
A alínea a) do mesmo artigo trata de processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges.
A al. b) trata de processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum, como dissemos.
A al. c) trata de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio.
A al. d) trata de inventários requeridos na sequência de separação ou de divórcio e respectivos procedimentos cautelares.
A al. e) diz respeito a acções de declaração de inexistência ou de anulação de casamento civil.
A al. f) trata de acções intentadas com base nos arts. 1647º e 1648º do Cód. Civil.
Finalmente, resta a al. g) que trata de acções e execuções por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges.
Nos termos do art. 9º do Cód. Civil, há que recorrer aos trabalhos preparatórios da feitura da lei em causa.
Assim, tal como refere o acórdão recorrido, na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 187/X que deu origem à LOFTJ de 2008 e no tocante à competência material dos diversos tribunais consta que uma das linhas de orientação do diploma, consiste em “apostar no reforço da justiça especializada no tratamento de matérias específicas, como sejam, família, menores, comércio, trabalho, níveis diferenciados de criminalidade.”
E no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (DAR II série A n.° 91/X/3, de 03.5.2008), a respeito dos juízos de família e menores escreveu-se "de referir que se atribui aos juízos de família e menores a competência para preparar e julgar processos de jurisdição voluntária relativos a situação de união de facto ou economia comum - cfr. art.° 113° alínea b) - e acções de investigação da maternidade e paternidade – cfr. art.° 114.°, n.° 1,alínea I), competências que não se encontram actualmente acometidas aos Tribunais de Família e Menores."
Os referidos artigos 113º e 114º da proposta deram origem aos artigos 114º e 115º da Lei aprovada.
Mas nada nos é dito sobre o conteúdo da inovação constante da introdução da al. h) referida.
Assim, nada nos trabalhos preparatórios nos permite esclarecer directamente sobre o que o legislador pretendeu com essa alínea.
Em todas as decisões que seguiram o entendimento defendido pelo recorrente consta a ideia de que o legislador pretendeu incluir na previsão daquela alínea um conceito restrito de estado civil e não um conceito lato que também existe, essencialmente, por as acções como a aqui em causa não terem a ver com o direito de família.
Argumentam ainda que se o legislador pretendesse fazer incluir as acções de interdição na competência dos tribunais de família e menores, dada a inovação que isso ocasionava em relação ao direito anterior, deveria ter-se exprimido de forma mais clara ou expressa.
Pensamos que há que meditar cuidadosamente sobre tais argumentos.
Antes de mais há que realçar que existe uma ideia expressa na Lei nº 52/2008 no sentido de alargar a competência dos tribunais de família e menores, como dissemos já.
Essa ideia é claramente dedutível da introdução do texto inovador das alíneas b) e h) do art. 114º, e da al. l) do nº 1 do art. 115º.
Por outro lado, é tradicionalmente entendida como acções que versam sobre o estado das pessoas, as acções de interdição e de inabilitação – cfr. José A. Dos Reis, in Comentário ao Cód. de Proc. Civil, vol. 3º, pág. 625; Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 5ª ed. pág. 53; Lebre de Freitas, in Cód. de Proc. Civil, anotado, vol. I, pág. 552 e Jacinto Rodrigues Bastos, in Notas ao Cód. de Proc. Civil, vol. II, pág. 96 da 3ª ed.
Tal como admitem quer o recorrente quer o acórdão recorrido quer os acórdão citados, o termo estado civil usa-se num conceito restrito e num conceito mais lato.
Ana Prata, in Dicionário Jurídico, pág. 509/510, define estado civil, como “uma situação integrada pelo conjunto das qualidades definidoras do estado pessoal que constam obrigatoriamente de registo civil, sendo o estado pessoal a situação jurídica da pessoa, no que toca, entre outras, à idade ( menoridade, maioridade, emancipação), relações familiares ( casado, solteiro, divorciado, viúvo ), relações com o Estado ( nacional, estrangeiro, naturalizado, etc.), à situação jurídica ( interdito, inabilitado )”.
Por outro lado, Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 96 da 5ª ed., define esse mesmo conceito como a expressão da condição jurídica da pessoa, enquanto maior ou menor, capaz ou incapaz.
Para Neves Ribeiro, in O Estado nos Tribunais , 2ª ed. , 1994, pág. 205, as acções sobre o estado das pessoas pressupõem um facto registado, que tem subjacente uma declaração de vontade capaz de ter eficácia modificativa, extintiva ou constitutiva de estado civil.
E o assento nº 1/92, DR, nº 134, de 11/06/1996, pág. 2794 entende as acções sobre o estado das pessoas como aquelas cuja procedência se projecta sobre o estado civil de alguém – divórcio, separação de pessoas e bens, investigação de paternidade, impugnação de legitimidade, interdição, impugnação de impedimentos para o casamento, autorização para o casamento (…)
Já João de Castro Mendes, in Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, pág. 101 e 102 da edição de 1978, alude ao conceito de estado pessoal ou civil, num sentido global que abrange o conjunto de qualidades das pessoas que revistam as características que se inscrevem no registo civil ou que a doutrina repute de relevância jurídica igual à dessas.
Também pode aquele conceito ser usado numa acepção mais particularizada em que se chama estado a cada uma dessas qualidades ( estado de filho legítimo, estado de maior, etc.), ou seja, abrangendo apenas as qualidades que resultam da posição face ao matrimónio.
O referido mestre refere como exemplo de um estado civil, o de interdito, porque consta obrigatoriamente do registo civil.
Assim na acepção do conceito mais restrito de estado civil abrange a posição da pessoa face ao matrimónio ( solteiro, casado, divorciado, separado, viúvo ) e está usado nomeadamente nos arts. 7º, nºs 1 e 2; 69º, al. n), 220º-A, 126º, nº 1 als. a) e b), 132º, nº 2, e 136º, nº 2 al. a), todos do Código de Registo Civil.
Já o conceito mais amplo de estado civil abrange os factos sujeitos a registo, e está usado no art. 211º do mesmo Cód. de Registo Civil.
Como dissemos já, a redacção da apontada al. h) não prima pela clareza e até pela correcção sob o ponto de vista gramatical.
Porém, pensamos que a referência na parte final à palavra família se tem de entender como referida às acções sobre o estado civil das pessoas, ou seja, fazendo qualificar o conceito de estado civil usado no seu sentido restrito.
Poderia pensar-se que se entendermos que o conceito de estado civil usado na aludida al. h) é o restrito, o conteúdo desta alínea seria inútil, pois as acções que versem o estado civil no conceito restrito, já constavam das alíneas a) a g) do apontado art. 114º e das várias alíneas do art. 115º, com o que se violaria o preceito previsto no art. 9º, nº 3 do Cód. Civil.
O acórdão da Relação proferido no processo nº 21777/11.2T2SNT.L1-1 acima apontado refere que o conteúdo da norma da al. h) se refere às acções para reconhecimento das decisões de divórcio, separação ou anulação do casamento proferidas pelas autoridades competentes dos Estados da União Europeia.
É duvidoso que este tipo de acções não esteja já incluída na competência dos Tribunais de Família e Menores, por aplicação da previsão da al. c) do mesmo art. 114º, pelo menos, numa interpretação extensiva daquela norma.
De qualquer modo, porém, há que referir que o legislador usou de expressões residuais semelhantes em outros artigos para fazer abarcar outras acções de uso pouco frequente como válvula de escape, ou para abranger outras acções ainda não previstas na lei – cfr. al. s) do art. 118º, al. g) do art. 125º, al. c) do art. 137º e al. f) do nº 1 do art. 139º da vigente LOFTJ.
De qualquer modo, pensamos que o grande argumento é de ordem sistemática ou histórica.
Os Tribunais de Família foram criados pela Lei nº 4/70 de 29/4 e vieram a ser regulamentados pela primeira vez, pelo Decreto-Lei nº 8/72 de 7/1.
Neste e nos diplomas que se seguiram a regular tal competência especializada e até à presente LOFTJ, se previu como competência dos mesmos, o conhecimento de acções que versassem o ramo do Direito Civil: Direito da Família.
E mesmo as acções que versassem o aludido ramo do Direito Civil nem todas foram cometidas àqueles tribunais.
Assim, as acções de investigação de paternidade que aplicam normas de Direito da Família, no ramo da Filiação, continuaram a ser da competência dos tribunais cíveis, até à alteração introduzida na competência daqueles tribunais pela Lei nº 52/2008, como já referimos.
Deste modo, se o legislador pretendesse romper com esta longa tradição já sedimentada, estendendo a competência daquele tribunal de competência especializada a um tipo de acções de verificação frequente nos tribunais, mas em que não há lugar à aplicação de normas de Direito da Família, não teria deixado de o fazer de forma mais clara ou expressa no texto da lei.
E de qualquer modo, no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos e Liberdades acima apontado teria aquela inovação, que rompia a tradição legislativa, de ser expressa, e, tal como vimos acima, naquele parecer apenas foi salientada a inclusão inovatória da competência para as acções de investigação – ou de impugnação - de paternidade ou de maternidade e a extensão da competência para as acções relativas às situações de união de facto ou de economia comum.
E é de salientar que estas últimas acções aplicam normas de Direito da Família – nomeadamente, as previstas no art. 2020º do Cód. Civil -, embora no conceito de família alargada pela evolução das condições sócio-familiares.

Assim e em conclusão:
A não referência expressa na lei e nos trabalhos preparatórios ao tipo de acções aqui em causa aponta para que a competência para o conhecimento da mesma se não tenha previsto na lei na competência dos Tribunais de Família e Menores.
Por outro lado, a referência à palavra “família “ na al. h) do art. 114º referida, também aponta para que as acções ali previstas têm de ser reguladas pelo Direito da Família.
Procede, deste modo, o fundamento do recurso.

Pelo exposto, concede-se a revista pedida e, por isso, se revoga o douto acórdão recorrido, declarando que o Tribunal de Grande Instância demandado tem competência em razão da matéria para conhecer da acção de interdição aqui proposta.
Sem custas – art. 4º, nº 1 al. l) do Regulamento das Custas Processuais.

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Sumário nos termos do art.° 713.° n.° 7 do Cód. de Proc. Civil:
Nas comarcas abrangidas pela LOFTJ de 2008 cabe aos juízos de Grande Instância Cível a competência material para preparar e julgar as acções de interdição por anomalia psíquica.
2012-11-13
João Camilo ( Relator )
Fonseca Ramos
Salazar Casanova.