Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO VÍCIOS DO ARTº 410 CPP COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOLO DOLO EVENTUAL CULPA ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA CRIME PRETERINTENCIONAL NEXO DE CAUSALIDADE NEGLIGÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 05/14/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - O Tribunal da Relação fecha, em regra, o julgamento da matéria de facto, nos termos dos arts. 427.º e 428.º do CPP. Com efeito, consagra o art. 431.º do CPP a regra do duplo grau de jurisdição de recurso em termos de matéria de facto, pelo que está vedado aos sujeitos processuais erigir o seu recurso para o STJ tendo por fundamento a ocorrência de qualquer dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP. II - Estes vícios prendem-se com a matéria de facto, respeitam à confecção da sentença, à sua estruturação factual, e hão-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência, sem possibilidade de recurso a elementos estranhos àquela, conforme preceitua o n.º 2 do art. 410.º do CPP, o que se torna mais consentâneo com o propósito do legislador em configurar o recurso como remédio jurídico pontual e não reexame global da matéria de facto, obstando a que o tribunal superior possa fundar a sindicância da matéria de facto em outros elementos de prova, como documentos e quaisquer outros elementos de prova, em ofensa à imediação do tribunal recorrido. III - O STJ, como tribunal de revista, não está, contudo, impedido de verificar oficiosamente a ocorrência de qualquer dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, pois mal se compreenderia que fizesse alicerçar a solução de direito em matéria de facto viciada, ao arrepio do princípio constitucional de que o direito processual penal assegura todos os direitos de defesa (art. 32.º, n.º 1, da CRP) – cf. Ac. do Pleno das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, DR I Série A, de 28-12-1995. IV - O dolo é a intenção criminosa. V - Na modalidade de dolo eventual o conteúdo do ilícito é menor do que nas outras classes, porque o resultado não foi proposto nem tido como seguro. VI - Pertence ao dolo eventual a consciência da existência do perigo concreto de realização do tipo e ainda a consideração séria desse perigo por parte do agente, ou seja, o agente calcula como relativamente elevado, muito próximo, aquele perigo e, assim, o risco de realização do tipo. VII - É essencial à conformação com o resultado típico que o agente se decida por suportar o estado de incerteza existente no momento da acção, denotando uma postura especialmente reprovável face ao bem jurídico protegido no que respeita à culpabilidade, equiparando tal estado à intenção criminosa. VIII - De facto, essa atitude do agente, caracterizada por prever como possível a produção do resultado e com ele se conformar, segundo a definição legal, não é uma componente da vontade da acção mas da culpabilidade. IX - Endereça-se ao agente com dolo eventual uma reprovação maior do que na negligência consciente, dada a sua deficiente atitude interna, mental, relativamente ao bem jurídico protegido, pois naquela reconhece o perigo mas confia na não produção do resultado típico. X - O dolo eventual é, assim, integrado pela vontade de realização da acção típica, pela consideração séria do risco na produção do evento e pela aceitação dessa produção, factor de culpabilidade, na definição de Jescheck (in Lehrbuch des Stratrechts, Ed. Comares, Granada, págs. 296 e 466). XI - No art. 14.º, n.º 3, do CP consagra-se a teoria da conformação, com o sentido e alcance – comenta Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 91 – de que comete o crime com dolo eventual o agente que leva a sério a lesão do bem jurídico como consequência possível da prática do facto e não se inibe de o praticar, sendo irrelevante indagar se confiou ou não na produção do resultado, mas sem recusar a importância de apurar se a consequência era tão remota que o agente não podia tê-la levado a sério; um juízo de grande probabilidade é dificilmente conciliável com a ausência do elemento volitivo, na esteira de Cavaleiro de Ferreira, ali citado, sendo que, ainda na perspectiva deste eminente penalista, «a mera suspeita de que eventualmente possa advir a realização de um crime exigirá uma prova mais segura da conformação da vontade com essa realização». XII - A conformação não tem de assumir o produto de um acto de reflexão e ponderação intelectual, mas de desprezo do agente pela salvaguarda do interesse tutelado pela norma jurídica, comenta ainda Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., nota 14. XIII - A questão da intenção criminosa, por pertencer ao domínio íntimo do agente (cf. BMJ 400.º/268), somente apreensível por factos dos quais com probabilidade forte se possa inferir – enquanto factos concludentes, alicerçados na correspondente prova –, escapa ao poder de cognição e de sindicância do STJ, ante o qual não desfilou o elenco das provas e sobre as quais não exerceu poder de imediação e apreciação, pelo que o dolo em qualquer das suas modalidades e elementos do tipo não cabe no âmbito do recurso. XIV - E, como é jurisprudência pacífica deste STJ, não se confunde o erro notório na apreciação da prova – ou a insuficiência para a decisão da matéria de facto –, vício grave, chocante, que há-de resultar de forma evidente do texto da decisão recorrida, sempre que fixou matéria de facto, que atenta contra a lógica das coisas, perceptível pelo homem médio, não conhecedor dos meandros do direito, com a diferente convicção formada pelo tribunal, o qual, nos termos do art. 127.º do CPP, avalia e valora livremente os factos e decide de acordo com as regras da experiência (enquanto «critérios generalizantes e tipificados de inferência factual», «índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam caminhos de investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas apenas isso», na doutrina de Castanheira Neves (in Sumários de Processo Penal, 1967/68, 4, Os Princípios Fundamentais de Direito Processual Criminal, pág. 42 e ss.). XV - Nos termos do art. 18.º do CP, os tipos fundamentais de crime agravado em função do resultado, designadamente a morte, encontram a ratio dessa agravação na circunstância de tal resultado estar para além do dolo do agente, concentrando-se no descritivo típico uma especial combinação de dolo e negligência, em que o dolo se cinge à lesão corporal, mas em que o agente é punido de forma mais gravosa porque o perigo específico que envolve o seu comportamento se materializa num resultado agravante não previsto, situado para além da sua intenção, que, por razões de justiça e política criminal, não podia escapar à malha da punição. XVI - Além do nexo de causalidade adequada entre a conduta típica e o resultado agravante, a lei exige que esse resultado seja, pelo menos, imputável ao agente a título de negligência. XVII - A preterintenção no crime do art. 145.º do CP é um misto de dolo e de culpa: de dolo quanto ao tipo fundamental; de culpa em relação ao resultado agravado. XVIII - Mas pode o tipo fundamental ser praticado a título de negligência. Por isso Damião da Cunha (in Tentativa e Comparticipação nos Crimes Preterintencionais) consigna que no art. 18.º do CP se incluem as situações clássicas de preterintencionalidade de crime fundamental doloso com resultado não abrangido pelo dolo do agente como outras em que o tipo fundamental é negligente. XIX - Segundo o mesmo autor (ob. cit., pág. 571), situação diversa da do crime preterintencional é aquela em que o crime fundamental é doloso e o resultado agravado se consuma mas inexiste nexo de causalidade adequada entre o tipo fundamental e o resultado, ficando este a dever-se a outra fonte de perigo criado pelo agente. Neste caso existe concurso real entre o resultado do crime principal consumado e o devido a título de negligência. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º 1182/06 .3PAALM , do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores de Almada , seu 1.º Juízo , AA, foi submetido a julgamento e , a final , condenado pela prática de um crime de homicídio voluntário simples , p. e p. pelo artigo 131º. , do Código Penal, na pena de 11 (onze) anos de prisão , bem como ao pagamento à assistente, ,demandante cível , BB , da quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), a título de indemnização por danos morais , acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, contados desde a data da decisão e até integral pagamento. I. O arguido , inconformado com o decidido , interpôs recurso para a Relação , que lhe negou provimento , e , de novo , interpôs recurso para o STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões : A razão da discordância com o decidido assenta , apenas , na qualificação jurídica do crime , que é apenas um crime preterintencional , p . e p . na data dos factos pelo art.º 145.º n.º 1 b) , do CP , nunca podendo ser condenado pela prática de um homicídio com dolo eventual , antes devendo ser pela prática de um crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado morte . Houve , assim , erro de direito na imputação dos factos à norma , repousando numa errada qualificação jurídica da norma . Não se consegue compreender como o tribunal de 1.º instância , como , ainda , a Relação , concluíram que : - o arguido ao envolver-se em confronto físico com a vítima , agredindo-se mutuamente , de modo descoordenado , pontapeando-se e socando-se , desde a zona da esplanada do ... e até à frente da lavandaria e tirar uma navalha do bolso , desferir uma navalhada no hemitórax direito da vítima , concluiu que o arguido ao atingi-la na zona do coração , necessariamente que representou a morte como sua consequência possível . -O golpe , sendo desferido de baixo para cima, não se limitando o arguido a deferir o golpe para a frente , com o que atingiria no abdómen , mas ao atingi-lo na zona do corpo citada , representou necessariamente como possível a sua morte , conformando-se com o resultado , de tal modo que apesar daquela representação actuou daquela forma . Não podendo concluir-se que o arguido se conformou com resultado da sua actuação , incorreu-se no vício do erro notório na apreciação da prova , nos termos do art.º 410.º n.º 1 c) , do CPP . Não podia o tribunal concluir que , dada a forma da luta descrita , mútua e descoordenada , atingindo o arguido a vítima na região anterior do hemitórax direita , haja “ elegido” a zona do coração . É da experiência comum que uma agressão nesses moldes se não planeia qual a parte da zona a atingir , pois ambos os agentes estão em movimento , a vítima não fica parada , não tendo o que quer atingir o outro a noção de qual a parte corporal que poderá ser alvo da agressão . Existe a intenção de agredir mas não se pode prever nem o recorrente previu a zona corporal a atingir sequer se conformando com o resultado . Aliás não consta da matéria de facto provada que fosse intenção do arguido desferir uma navalhada na zona do coração da vítima , CC . Resulta da lógica que subsiste erro notório na apreciação da prova e que o arguido desferiu a navalhada da forma como o fez , devendo ser alterada a qualificação jurídica dos factos e ser imputado o crime p.e p . pelo art.º 145.º n.º 1 b) , do CP , estando-se perante um crime preterintencional de ofensas à integridade física agravadas pelo resultado . Agiu o arguido com dolo para as ofensas corporais e negligência para a morte , não se conformando com o resultado da morte , outro entendimento que não este violador do princípio “ in dubio pro reo “ . O recorrente , após o envolvimento na luta corporal mútua , ficou muito nervoso , ainda com a faca ensanguentada na mão no prédio onde habitava , não ofereceu resistência ou agressividade para com os agentes da autoridade , apercebendo-se do estado de “ loucura absoluta “ em que agiu ao ter tirado a vida a uma pessoa , nunca se conformando com essa perda . Por isso deve ser aplicada , mercê da alteração da qualificação jurídica impetrada , uma pena conforme à culpa e ao dolo do arguido , apenas restrito às ofensas corporais . Ainda que porventura assim se não entenda as circunstâncias em que a facada foi desferida , a personalidade do agente , as suas circunstâncias pessoais , sociais e familiares e o sincero arrependimento manifestado , a sua ausência de perigosidade , determinam que a pena deva ser fixada em 8 anos , satisfazendo as exigências de prevenção geral e especial . Em contrário mostram-se violados os art.ºs 40.º e 71.º , do CP . O M.º P.º opina no sentido da improcedência do recurso . II . O Tribunal colectivo teve como provados os seguintes factos , pano de fundo onde se desenha a decisão de direito : 1 – O arguido e CC conheciam-se há vários anos por motivos relacionados com o consumo de estupefacientes, nunca tendo porém mantido qualquer relacionamento próximo, entre outros motivos porque o arguido suspeitava que há alguns anos atrás o ofendido lhe havia subtraído alguns bens; 2 – No dia 19/6/06, pelas 11H00, o arguido AA caminhava na Praça .... Chegado ao Estabelecimento comercial “O Café ...”, sito na referida Praça, avistando o CC, que ali se encontrava no exterior do café, na sua esplanada, acompanhado da sua mãe, BB, o arguido dirigiu-se-lhe dizendo em voz alta: «Oh cabrão dá cá um cigarro». 3 – O CC ficou desagradado com a forma como o arguido o abordou pelo que recusou o seu pedido. Seguidamente o arguido dobrou-se sobre o CC e murmurou-lhe ao ouvido palavras de teor não apurado, encaminhando-se depois para o interior do café. 4 – O CC levantou-se e seguiu o arguido para o interior do café onde lhe desferiu uma cabeçada na zona da cabeça. 5 – A empregada de balcão Luísa ..., interveio e mandou que cessassem as agressões no café. Nessa sequência, o arguido passou para a outra extremidade do balcão onde permaneceu a falar com a empregada, dizendo-lhe que tudo se tinha passado por ter pedido um cigarro à frente da mãe do CC, que não precisava do cigarro pois tinha um maço cheio e, exibindo-o disse também que apenas se queria divertir. 6 – O CC entretanto regressou à mesa onde se encontrava e ali permaneceu, sentado na esplanada, junto da sua mãe, no exterior do café “...”. 7 – Pouco depois o arguido saiu do estabelecimento e ao passar por CC , continuou a dirigir-lhe algumas palavras e frases não concretamente apuradas, mas de carácter provocatório, entre as quais, e referindo-se à mãe daquele, lhe disse “Andas a pastar a vaquinha”. 8 – O CC disse ao arguido para se ir embora e este continuou a dirigir-lhe palavras semelhantes e, enquanto recuava, continuando virado para aquele, fazia-lhe sinal, com a mão, para ir ter com ele. 9 – A certo momento, o CC levantou-se e dirigiu-se ao arguido envolvendo-se ambos em confronto físico, agredindo-se mutuamente, de forma descoordenada, pontapeando-se e socando-se, desde a zona da esplanada do ... e até defronte do estabelecimento de lavandaria sito na aludida Praça .... 10 – No decurso da luta, o arguido retirou do bolso uma navalha, com o cabo revestido por material tipo sintético de tom rosa, que apresentava numa das faces da lâmina a referência “stainless”, com o comprimento total de 18,5 cm, com 7,5 cm de comprimento total de lâmina, com 7 cm de comprimento da lâmina na zona com gume, e largura máxima de 2,8 cm na lâmina na zona com gume, e desferiu uma navalhada no CC, atingindo-o na região anterior do hemitorax direito; 11 – Ao mesmo tempo, o arguido gesticulava e dizia, referindo-se ao CC, que «estava farto de o avisar que não o queria por aquelas paragens». 12 – Após, o arguido pôs-se em fuga para o interior do prédio onde habita, vindo a ser interceptado no local por agentes policiais, na posse da navalha ainda ensanguentada e revelando então uma atitude de nervosismo. 13 - Após o golpe, a vítima foi cambaleando na direcção da esplanada onde se encontrava a sua mãe, vindo a desfalecer e a cair prostrado no chão antes de chegar à zona das mesas. 14 – O CC foi transportado, pelos Bombeiros Voluntários de Cacilhas, para o HGO, em suporte básico de vida, dando ali entrada, no serviço de urgência, pelas 11H26. Apresentava ferida a nível da região anterior do hemitórax esquerdo, dando entrada em paragem ventilatória e sem pulso palpável, pupilas midriáticas, sem reflexo córneo e fez-se entubação orotraqueal. Após tentativas de reanimação suspenderam-se as manobras de reanimação. 15 – Como consequência da navalhada desferida pelo arguido, o CC sofreu as seguintes lesões: exame do hábito externo – uma ferida corto-perfurante, fusiforme, de eixo maior oblíquo para baixo e para a linha média, localizada na face anterior do hemitorax esquerdo, 7 cm abaixo do mamilo esquerdo e a 10 cm para a esquerda da linha média que mede 2,3/0,80 cm; exame do hábito interno – uma ferida corto-perfurante em relação com a descrita no exame do hábito externo, transfixiva, do 5º espaço intercostal esquerdo, com infiltração hemorrágica perifocal e atingindo o pericárdio e a face posterior do ventrículo direito e septo cardíaco, sendo o trajecto da ferida de baixo para cima, ligeiramente da esquerda para a direita e de diante para trás; 16 – A morte do CC ocorreu devido às lesões descritas no exame interno e externo, as quais resultaram de traumatismo violento de natureza corto-perfurante provocado pela navalhada desferida pelo arguido. As lesões sofridas são idóneas para produzir a morte, o que efectivamente veio a ocorrer pelas 11H40m do mesmo dia. 17 – O arguido conhecia perfeitamente as características e dimensões da navalha utilizada e bem assim as suas capacidades corto-perfurantes. Sabia que a zona onde atingiu o CC aloja órgãos vitais – coração, pulmões e vasos de grande calibre. 18 – O arguido, ao desferir a navalhada no corpo do CC, admitiu como possível causar-lhe a morte, e actuou conformando-se com a realização de tal resultado. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei. 19 – O arguido não tem antecedentes criminais. 20 – Afirmou-se arrependido e consternado com a morte do CC. 21 – No dia dos factos, pelas 18H30, o arguido foi presente a 1º interrogatório judicial, o qual não se realizou por o mesmo não se encontrar em situação de entender e acompanhar a realização da diligência já que demonstrava dificuldade em articular palavras e em manter-se acordado. Foi conduzido ao Hospital Prisional de Caxias, sendo submetido a primeiro interrogatório judicial no dia 21/6/06. 22 - Ao momento dos factos o arguido encontrava-se sob a influência de benzodiazepinas e canabinóides, tendo apresentado, no dia 20/6/06, uma taxa de, respectivamente, > 900 ng/ml e de >85 ng/ml. 23 - AA vivia à data dos factos integrado no seu agregado de origem, constituído pelos progenitores. Tem 3 irmãos mais velhos, com vida pessoal e familiar organizada. 24 – Completou o 1º ciclo com idade normal sem que tivesse sido identificada qualquer problemática. Com o ingresso no 2º ciclo passou a revelar dificuldades de aprendizagem e de memorização das matérias escolares e, paralelamente, começou a manifestar dificuldades em estabelecer e manter relações interpessoais assertivas com os outros. 25 – Passou a acompanhar pares conotados com problemas comportamentais e de dependência de substâncias aditivas. Abandonou a escola aos 15 anos, sem completar o 2º ciclo. 26 – Iniciou o consumo de estupefacientes, haxixe, com cerca de 11 anos de idade. Passou depois para as drogas denominadas “duras”, sofrendo diversos internamentos e tratamentos de desintoxicação ao longo da sua adolescência. 27 – Até atingir a maioridade os progenitores e outros familiares proporcionavam-lhe rendimentos para a satisfação das suas necessidades básicas. 28 – Aos 20 anos começou a trabalhar como ajudante de montagens e pintura na Lisnave , onde permaneceu durante cerca de 5 anos. Após trabalhou na Meci, na montagem das instalações de electricidade e gás para a construção civil. Entre os 25 e os 30 anos frequentou e concluiu dois cursos de formação profissional de jardinagem e electricidade. 29 – Nos últimos anos apenas exerceu actividade profissional de carácter temporário e trabalhos do género de “biscates”, com rendimento variável. 30 – Com 34 anos de idade passou a ser acompanhado pelo CAT de Almada onde integrou o programa de substituição de opiáceos por metadona que prosseguiu até à data dos factos, mantendo-se abstinente ( relativamente a heroína e cocaína) com excepção de algumas recaídas no que respeita ao consumo de comprimidos – a última das quais ocorrida há cerca de 2 anos. 31 – Com 41 anos de idade estabeleceu uma relação afectiva intensa com um rompimento brusco pelo par o que, associado à doença oncológica do pai contribuiu para um crescente mau estar físico e psicológico. Foi durante este período e numa fase de ausência semanal dos progenitores, para tratamento do pai, que os factos ocorreram. 32 – O arguido esteve preso preventivamente, à ordem destes autos, durante cerca de 18 meses, período no qual manteve um comportamento ajustado às regras institucionais. Concluiu o 5º e 6º ano de escolaridade no EP. Manifestava sinais de grande fragilidade psicológica, ansiedade e fobias durante a sua permanência no EP. Recebia durante esse período visitas dos pais e outros familiares os quais lhe prestaram, e continuam a prestar, todo o tipo de apoio. 33 - Durante o seu período de reclusão voltou a consumir produtos estupefacientes. Reconhece a necessidade de apoio médico ao nível da sua dependência. 34 – Manifesta uma personalidade imatura e influenciável, trata-se de pessoa com dificuldades nas relações inter-pessoais e afectivas, facilmente permeável aos interesses dos outros em detrimento dos próprios. Revela, ao nível das suas competências pessoais e sociais, dificuldades de raciocínio abstracto, designadamente apresenta défices a nível do pensamento consequencial e em precisar e reflectir sobre o seu percurso de vida. Apresenta, por outro lado, boas capacidades de realização motora. Apresenta também uma perturbação a nível do pensamento e instabilidade emocional. 35 – É pessoa considerada, por aqueles que com ele privam, como bem-educado, calmo e pacífico. 36 – O falecido CC era filho de BB; 37 – BB estava presente no local onde os factos ocorreram e presenciou parte dos mesmos, assistindo ao seu filho a cair no chão após a navalhada de que foi vítima; 38 – O CC, ainda no local e após cair no chão, disse dirigindo-se à sua mãe: «Mãe, vou morrer»; 39 – O CC vivia, à data dos factos, com os pais, encontrando-se a trabalhar como distribuidor de publicidade, depois de um longo período de tempo sem exercer qualquer actividade profissional. III . A sindicância da matéria de facto fixada na 1.ª instância – onde é visível mas ainda não denunciado um erro material , escapando ao vício do erro notório na apreciação da prova , que , por isso mesmo , se corrige nos termos do art.º 380.º n.º 1 b , do CPP , verificado quando se escreve que a vítima foi atingida na região anterior do hemitórax direito –ponto n.º 10 - , quando da restante matéria de facto provada , em particular do exame necrópsico resulta , claramente , que foi no hemitórax esquerdo que o golpe com a navalha teve lugar , o que não é posto em crise pelos sujeitos processuais , sendo também nessa zona focalizado na acusação pública - pelo tribunal superior constitui pilar fundamental do direito de defesa , núcleo essencial da jurisdição de recurso , que se não consente irrestritamente . Assim não é fundamental ao exercício daquele direito que ele se alargue a todos os despachos e sentenças judiciais , bem podendo acontecer que em relação a certas fases ou actos possa mesmo não ter lugar ; igualmente não se torna indispensável o esgotamento em sede de recurso de todas as instâncias respectivas , ou seja o legislador não é obrigado a prever um triplo grau de jurisdição , como não é imperativo ter lugar um direito à audiência em sede de julgamento de recurso . O Tribunal da Relação fecha , em regra , o julgamento da matéria de facto ,nos termos dos art.ºs 427.º e 428.º do CPP , consagrando o art.º 431.º , do CPP a regra do duplo grau de jurisdição de recurso em termos de matéria de facto , donde derivar que é vedado aos sujeitos processuais erigir o seu recurso para o STJ tendo por fundamento a ocorrência de qualquer dos vícios previstos no art.º 410.º , n.º 2 , do CPP . Estes prendem-se com a matéria de facto , respeitam à confecção da sentença , à sua estruturação factual e hão-de resultar do texto da decisão recorrida , por si só ou conjugada com as regras da experiência , sem possibilidade de recurso a elementos estranhos àquela , nos termos do n.º 2 daquele preceito , o que se torna mais consentâneo com o propósito do legislador em configurar o recurso como remédio jurídico pontual e não reexame global da matéria de facto , obstando a que o tribunal superior pudesse fundar a sindicância , como do antecedente , da matéria de facto em outros elementos de prova , como documentos e em quaisquer outros elementos de prova , em ofensa à imediação do tribunal recorrido –cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Processo Penal , pág. 1041 . O STJ como tribunal de revista não está , contudo , impedido , de, oficiosamente ( cfr. Ac . do Pleno das Secções Criminais do STJ , n.º 7/95 , DR , I Série A , de 28/12/95 ) , verificar a ocorrência de qualquer dos vícios previstos no art.º 410.º n.º 2 , do CPP , limitado , no entanto , como está ao conhecimento da matéria de direito , nos termos do art.º 434.º , do CPP , isto para bem decidir neste domínio , mantendo-se , ainda , nesse conhecimento , em revista alargada , no âmbito da sua natural e histórica esfera de competência , pois mal se compreende que faça alicerçar a solução de direito em matéria de facto viciada , ao arrepio do princípio constitucional de que o direito processual penal assegura todos os direitos de defesa –art.º 32.º n.º 1 , da CRP . Esse poder cognitivo realiza a desejável harmonia entre as premissas e a conclusão do silogismo judiciário , realiza a dinâmica da justiça material que se sobrepõe à formal . O recorrente , invocando que o arguido agrediu a vítima , desferindo-lhe uma navalhada no hemitórax , necessariamente esquerdo , numa altura em que se envolvia em confronto físico com aquela , estava vedado ao tribunal concluir que previu a morte , que com esse resultado se conformou , configurando-se actuação com dolo eventual , incorrendo o tribunal em erro notório na apreciação da prova , nos termos do art.º 14.º n.º 3 , do CP. O dolo é a intenção criminosa e na modalidade de eventual o conteúdo do ilícito é menor do que nas outras classes , porque o resultado não foi proposto nem tido como seguro , senão que se abandona ao curso das coisas . Pertence ao dolo eventual a consciência da existência do perigo concreto da realização do tipo e , por outro lado , a consideração séria desse perigo por parte do agente , querendo isto significar que o agente calcula como relativamente elevado , muito próximo , aquele perigo e , assim , o risco de realização do tipo . É essencial à conformação com o resultado típico que o agente se decida por suportar o estado de incerteza existente no momento da acção, denotando uma postura especialmente reprovável face ao bem jurídico protegido no que respeita à culpabilidade , equiparando tal estado à intenção criminosa. De facto essa atitude do agente caracterizada por prever como possível a produção do resultado e com ele se conformar , segundo a definição legal , não é uma componente da vontade da acção mas da culpabilidade. Endereça-se ao agente com dolo eventual uma reprovação maior do que na negligência consciente dada a sua deficiente atitude interna , mental , relativamente ao bem jurídico protegido e isto porque naquela reconhece o perigo mas confia na não produção do resultado típico . O dolo eventual é , assim , integral pela vontade de realização concernente à acção típica , pela consideração séria do risco na produção do evento e , por último , pela aceitação dessa produção , factor de culpabilidade , na definição in Lehrbuch des Stratrechts , de Iescheck , a cargo de José Luís Manzanares Samaniego , Ed. Comares , Granada , págs . 296 e 466 . Roxin e Jescheck reconhecem que no dolo eventual também há vontade e representação embora degradadas . Fernanda Palma , nessa linha de entendimento , perfilha que o dolo eventual é uma forma de decisão de realização do facto típico , ou , em derradeira análise , decisão pela lesão do bem jurídico , especificando , in Da Tentativa Possível , Direito Penal , Almedina , 2006 , 79-81 , que em tal situação o agente aceita o risco da verificação da acção típica , preferindo-o aos custos da não realização , incluindo essa preferência nos fundamentos da sua motivação e opta pela lesão do bem jurídico , pelo que nos pressupostos do desvalor do ilícito , não há razão para diferenciar , qualitativamente , o dolo eventual . IV. No art.º 14.º n.º 3 , do CP , consagra-se a teoria da conformação , com o sentido e alcançe , comenta Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Direito Penal , pág. 91, de que comete o crime com dolo eventual o agente que leva a sério a lesão do bem jurídico , como consequência possível da prática do facto , todavia se não inibe de o praticar , sendo irrelevante indagar se confiou ou não na produção do resultado , mas sem recusar a importância de apurar se a consequência era tão remota que o agente não podia tê-la levado a sério ; um juízo de grande probabilidade é dificilmente conciliável com a ausência do elemento volitivo , na esteira de Cavaleiro de Ferreira ali citado , sendo que , ainda na perspectiva deste eminente penalista “ a mera suspeita de que eventualmente possa advir a realização de um crime exigirá uma prova mais segura da conformação da vontade com essa realização. “ A conformação não tem de assumir o produto de um acto de reflexão e ponderação intelectual , mas de desprezo do agente pela salvaguarda do interesse tutelado pela norma jurídica , comenta Paulo Pinto de Albuquerque, op. e loc. cit. , nota 14 . Como antes se teve oportunidade de sublinhar as hipóteses de modificação da matéria de facto por parte do STJ são escassas. A questão da intenção criminosa , por pertencer ao domínio íntimo do agente ( cfr. BMJ 400 -268) somente apreensível por factos dos quais com probabilidade forte se possa inferir , enquanto factos concludentes , alicerçados na correspondente prova , escapa ao poder de cognição e de sindicância do STJ , ante o qual não desfilou o elenco das provas e nem sobre elas exerceu poder de imediação e apreciação , pelo que o dolo em qualquer das suas modalidades e elementos do tipo não cabe no âmbito do recurso . E como é jurisprudência pacífica deste STJ –cfr . os Acs . de 12.3.2009 , P.º n.º 3781/08 -3.ª Sec. e de 14.6.95 , Rec.º n.º 46599 , CJ 1995 , III , T II , 226 - não se confunde , como , com o devido respeito se diz , como o faz o recorrente , o erro notório na apreciação da prova –ou a insuficiência para a decisão da matéria de facto – vício grave , chocante , que há-de resultar de forma evidente do texto da decisão recorrida , sempre que fixou matéria de facto que atenta contra a lógica das coisas , perceptível pelo homem médio , não conhecedor dos meandros do direito , com a diferente convicção formada pelo tribunal , que , nos termos do art.º 127.º , do CPP , avalia e valora livremente os factos decide de acordo com as regras da experiência , enquanto “ critérios generalizantes e tipificados de inferência factual “ , “ índices corrigíveis , critérios que definem conexões de relevância , orientam caminhos de investigação e oferecem probabilidades conclusivas , mas apenas isso “ , na doutrina do Prof. Castanheira Neves , in Sumários de Processo Penal , 1967/68 , 4 .Os Princípios Fundamentais de Direito Processual Criminal , 42 e segs . . A discordância marcante entre o recorrente e o decidido sedia-se , pois , ao nível da valoração jurídica dos factos e o assinalar dos pressupostos de funcionamento do dolo eventual , que o tribunal de 1.ª instância se esforçou , com consistência , em afirmar , no que não é secundado pelo arguido , mas sem que se descortine , em ponderação oficiosa do vício do art.º 410.º n,º 2 c) , do CPP , o erro com a amplitude repetida vezes sem conta . E diga-se , ainda , e complementarmente , que não é inconciliável com a convicção , contestada pelo recorrente , essa sua postura de conformação com o resultado , pois que , de acordo com o circunstancialismo provado , dele partiu a iniciativa do confronto físico , injuriando-o gravemente chamando-lhe “ cabrão “ , reagindo a vítima com uma cabeçada na zona da cabeça , continuando , contudo , a dirigir-lhe palavras e frases não concretamente apuradas, mas de carácter provocatório, entre as quais, e referindo-se à mãe daquele, ali presente , dizendo “Andas a pastar a vaquinha “ , rogando a vítima ao arguido para se ir embora , mas este continuou a dirigir-lhe palavras semelhantes , desafiando –o para a luta , terminando por se agredirem mutuamente, de forma descoordenada a soco e pontapé ,vindo no decurso da luta o arguido a retirar do bolso uma navalha , com a qual vibrou um golpe na zona do coração , matando aquela . Este descritivo factual leva a concluir que não lhe falhou o discernimento , pese embora a excitação do momento , para , na dinâmica da refrega , retirar do bolso a navalha e abrir a sua lâmina , e dispondo , como é óbvio , da capacidade de escolha entre lesar outra zona corporal , optou exactamente por atingir uma das mais nobres do corpo –o hemitórax esquerdo - aí se alojando órgãos vitais , como o coração e pulmões e vasos sanguíneos de grande calibre , pelo que usando um instrumento gravemente perigoso como é uma navalha , podia e devia prever , à luz das regras da experiência comum , que causava a morte , mas não renunciou a esse resultado . Ademais nem sequer o uso da navalha em termos defensivos se justificava tanto mais que não vem comprovada uma atitude agressiva da vítima , colocando o arguido num quadro fortemente limitativo , inferiorizante , da sua liberdade individual , extremamente oneroso para a sua integridade física, que , em termos proporcionados , justificasse o lançar mão dele , tanto mais que a vítima apelou , depois de injuriado de forma gravosa , ao cessar do confronto , mas sem êxito , acabando , cedendo , por nele se envolver . V. O arguido sustenta que a qualificação jurídica acertada dos factos é a que faz funcionar o tipo legal de crime de ofensas à integridade física agravadas pelo resultado , p . e p . pelo art.º 145.º n.º 1 b) , do CP , a que corresponde o art.º 147.º , do CP , na reforma introduzida pela Lei n.º 59/2007 , de 4/9 . Os tipos fundamentais de crime agravado em função do resultado , designadamente a morte , nos termos do art.º 18.º , do CP , encontram a “ ratio “ dessa agravação por virtude de tal resultado estar para além do dolo do agente , concentrando-se no descritivo típico uma especial combinação de dolo e negligência , em que o dolo se cinge à lesão corporal , mas em que o agente é punido de forma mais gravosa uma vez que o perigo específico que envolve o seu comportamento se materializa num resultado agravante não previsto , situado para além da sua intenção , que , por razões de justiça e política criminal não podiam escapar à malha da punição . Além do nexo de causalidade adequada entre a conduta típica e o resultado agravante , a lei exige que esse resultado seja , pelo menos , imputável ao agente a título de negligência , escreve o Prof. Cavaleiro de Ferreira , in Lições de Direito Penal , 1992 , 318 –cfr. Acs .deste STJ , de 4.10.2007 , P.º n.º 2435/07 , 10.1.2008 , P.º n.º 4640/07 e de 2.4.2008 , P.º n.º 588/08 . A doutrina e jurisprudência já faziam , face ao art.º 361 e seu § único do CP de 1886 , essa exigência , fundando a agravação condicionadamente à imputação do resultado à negligência . A preterintenção no crime do art.º 145.º , do CP , é um misto de dolo e de culpa , de dolo quanto ao tipo fundamental ; de culpa em relação ao resultado agravado –cfr. Helena Fragoso , Lições de Direito Penal , Parte Especial , 100 . Mas pode o tipo fundamental ser praticado a título de negligência , por isso Damião da Cunha , in Tentativa e Comparticipação nos Crimes Preterintencionais , consigna que no art.º 18.º , do CP , se incluem as situações clássicas de preterintencionalidade de crime fundamental doloso com resultado não abrangido pelo dolo do agente como outras em que o tipo fundamental é negligente . Situação diversa do crime preterintencional , para o mesmo autor , op.cit ., pág. 571 é aquela em que o crime fundamental é doloso e o resultado agravado se consuma , mas não se verificando entre o tipo fundamental e o resultado um nexo causal adequado , ficando o resultado a dever-se a outra fonte de perigo criado pelo agente , neste caso existindo um concurso real entre o resultado do crime principal consumado e o devido a título de negligência . VI . O CP , na revisão operada pela Lei n.º 59/2007 , de 4/9 , inscreveu no art.º 147.º n.º 1 , o crime ofensas corporais agravadas de que derivou a morte , antes previsto no art.º 145.º n.º 1 b) , porém, em qualquer caso, esta qualificação jurídico-penal , defendida pelo arguido , é insustentável , apontando a exacta para a que as instâncias perfilharam, pois que a morte da vítima é assumida , como efeito possível da agressão , diferentemente do que sucede no tipo proposto em que o evento letal se situa para além da intenção , devido à leviandade do agente , à sua imprevisão ou à sua não conformação com a realização típica , nos termos do art.º 15.º , do CP . VII . Resta debruçarmo-nos sobre a concreta medida da pena , que o recorrente , a não proceder a tese das ofensas corporais agravadas , peca por excesso , devendo posicionar-se ao nível mínimo da moldura do crime de homicídio simples , p . e p . pelo art.º 131.º , do CP , de 8 anos . A pena de prisão representa sempre uma interferência nos direitos fundamentais dos cidadãos e por isso essa compressão deve cingir-se ao mínimo indispensável sem deixar de realizar o seu fim , de protecção dos bens jurídicos inscritos no tipo e de reinserção social do agente , nos termos do art.º 40.º n.º 1, do CP . A sua moldura abstracta é função da importância dos bens jurídicos a proteger e estes definidos na conformidade da filosofia inspiradora das penas , reflectindo em maior ou menor grau as concepções dominantes no seio da colectividade quanto ao sentido que tem em conta quanto à valoração de certos bens ou valor jurídicos . O julgador goza de uma certa discricionaridade na tarefa de fixação da medida concreta da pena naquilo que não se mostra positivado na lei , fora disso o direito penal moderno fornece regras centrais para a determinação da pena , funcionando a culpa como seu limite inultrapassável , devendo tomar-se em conta os seus efeitos sobre a pessoa do delinquente( prevenção especial ) e sobre a sociedade em geral ( prevenção geral) –art.ºs 40.º n.ºs 1 e 2 e 71.º , do CP. Escreve Iescheck , in Direito Penal , II , pág. 1192 , que , apesar disso , não deixa de reconhecer-se que o acto decisório comporta uma “ componente individual “ que não é plenamente controlável de um modo racional , já que se trata de converter a quantidade de culpabilidade e demais vertente da formação da pena em “ magnitudes penais “ . O nosso direito penal arranca de uma visão utilitarista da pena na medida em que ela visa aquela protecção dos bens jurídicos sem esquecer o retorno do agente ao tecido social minimizando o seu risco de reincidência; a concreta medida da pena propõe-se , pois , fundamentalmente , a necessidade da tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência da norma infringida , a crença nos órgãos aplicadores da lei , e , ainda , o seu poder de dissuasão sobre potenciais prevaricadores , bem como sobre o agente do crime , levando-o a interiorizar os seus maus efeitos . A sua fixação obedece à medida da culpa e àqueles objectivos de prevenção , geral e especial –art.º 71.º n.º 1 , do CP . A culpa não é elemento da pena , mas seu limite de topo , inultrapassável , moldura geral , dentro da qual operam aquelas submolduras de prevenção , bem como aquelas circunstâncias que , nos termos do n.º 2 , do art.º 71.º, do CP , não fazendo parte do tipo agravam ou atenuam a responsabilidade criminal . Da conjugação destes factores resulta que o ponto óptimo da pena em concreto é aquele mínimo abaixo do qual a comunidade não aceita que aquela perca eficácia sob pena de intolerável ofensa do sentimento jurídico reinante na sociedade . E assim é de considerar a suma importância do bem jurídico lesado , da vida , para cuja supressão teve o arguido papel determinante , de si partindo a dupla provocação sucessiva e injusta de que foi alvo a vítima , primeiro apelidando–a de “ cabrão “ , seguindo-se palavras provocatórias de teor inapurado , o que levou a vítima a desferir-lhe uma cabeçada na zona da cabeça , e , de seguida , continuando a provocá-lo com palavras , aconselhando a vítima a abandonar o local , o que não fez , apelida a mãe da vítima , de “ vaquinha “ , desafiando-o para o confronto físico , altura em ambos se envolveram em luta socando-se e pontapeando-se , de forma descoordenada . No decurso da luta o arguido , retira uma navalha do bolso e , com ela , vibra uma navalhada na região hemitórax esquerdo na pessoa da vítima , atingindo-lhe o coração , causando-lhe a morte , que previu como consequência possível e com esse evento se acomodando . Visto o circunstancialismo anterior ao crime em que a vítima , além de apelar , sem correspondência , ao termo do conflito , não exibe , quando nele se envolve , qualquer instrumento de agressão , o uso da navalha é inteiramente desproporcionado e injustificado , o que torna o seu procedimento mais censurável , apesar de ter agido com dolo eventual , a forma mais enfraquecida de vontade criminosa . Atenua –lhe a sua responsabilidade o arrependimento e a consternação que a morte da vítima lhe causou , com o significado de alguma interiorização do seu procedimento . Apesar de não averbar antecedentes criminais , não é bom o seu comportamento anterior , manchado pelo consumo de estupefacientes , com maior ou menor regularidade , desde há muitos anos , até mesmo no interior do EP onde este detido preventivamente à ordem destes autos . Sem ter exercitado até ao presente uma actividade profissional com regularidade manifesta uma personalidade “ imatura e influenciável “ , apresentando défices a nível do pensamento e de reflexão sobre o seu percurso de vida e também “ perturbação a nível do pensamento instabilidade emocional “ , o que deixa a pairar preocupação na sua integração social futura , ou seja ao nível da prevenção especial . Ao nível da prevenção geral a necessidade de pena é muito sentida , atendendo ao acréscimo da criminalidade violenta que se regista entre nós , que implica vigorosa intervenção punitiva ,sobretudo quando estão em causa valores fundamentais de coexistência comunitária , deste modo a pena imposta de 11 anos de prisão , se mostra inteiramente justa e equitativa , não merecendo qualquer censura . VIII . Nega –se , pois , provimento ao recurso , confirmando-se o acórdão recorrido . Taxa de justiça : 7 Uc,s . Procuradoria : ½ . Lisboa, 14 de Miao de 2009
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