Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | PAULA LEAL DE CARVALHO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA RESPONSABILIDADE AGRAVADA NEXO DE CAUSALIDADE EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO CULPA DA EMPRESA UTILIZADORA | ||
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Data do Acordão: | 04/02/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I. Nos termos do art. 18º, nº 1, 2ª parte, da Lei 98/2009 (LAT), para que o acidente de trabalho a ele se subsuma, é necessário: a) que sobre as entidades referidas no nº 1 recaia o dever de observar determinada(s) norma (s) ou regra(s) de segurança e que a(s) não haja observado; b) o nexo causal entre essa conduta (ato ou omissão) e o acidente. II. O acidente de trabalho em apreço nos autos consistiu no contacto do braço esquerdo do sinistrado com os cabeços/estrelas da máquina de cravar tampas em latas de conservas, nos quais o mesmo ficou preso. III. Viola as regras de segurança previstas, designadamente, nos arts. 16º do DL 50/2005 e 40º da Portaria 53/7, a não adoção de mecanismo de proteção que impedisse o risco de contacto do braço com a parte perigosa da máquina (cabeços/estrelas da mencionada máquina) e/ou a não adoção de dispositivo, designadamente sensor, que automaticamente interrompesse o seu movimento antes do contacto. IV. A violação das mencionadas regras de segurança (art. 16º do DL 50/2005 e art. 40º, nº 1, da Portaria 53/71) determinou a ocorrência do acidente em apreço ou, pelo menos, traduziu-se num inequívoco aumento da probabilidade do risco da sua ocorrência, verificando-se, conforme AUJ nº 6/2024, publicado no DR 1ª série, de 13.05.2024, o nexo de causalidade entre essa violação e a ocorrência do acidente. V. No caso previsto no citado art. 18º, as RR, a empresa de trabalho temporário e empresa utilizadora, são solidariamente responsáveis pela reparação do acidente nele prevista. VI. Em tal situação, a responsabilidade da Seguradora é a prevista no art. 79º, nº 3, da LAT, nos termos do qual “3. Verificando-se alguma das situações referidas no art. 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.” | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. 13102/18.8T8PRT.P1.S1
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório AA intentou ação declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra SEGURADORAS UNIDAS, S.A e, subsidiariamente, contra TIMEPEOPLE – TRABALHO TEMPORÁRIO E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS, LDA e RAMIREZ & CA (FILHOS), S.A., peticionando a final o seguinte: “ NESTES TERMOS, e nos demais de Direito doutamente supridos por Vossa Ex.ª, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência: I. Ser a 1ª Ré (SEGURADORAS UNIDAS, S.A.) condenada a pagar o capital de remição de uma pensão anual EUR. 584,77 (quinhentos e oitenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos), sendo esta pensão parcialmente remível, nos termos do disposto no artigo 75º, n.º 2, da Lei 98/2009 de 4 de Setembro II. Ser a 1ª Ré (SEGURADORAS UNIDAS, S.A.) condenada a pagar o montante EUR. 3 291,63, referente ao período de 184 dias de ITA; III. Ser a 1ª Ré (SEGURADORAS UNIDAS, S.A.) condenada a pagar a quantia de EUR. 228,50, referente a despesas em honorários clínicos e assistência médica; IV. Ser a 1ª Ré (SEGURADORAS UNIDAS, S.A.) condenada a pagar juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos, até integral pagamento. V. Serem a 2ª e 3ª Rés (TIMEPEOPLE e RAMIREZ & CA (FILHOS), S.A.), subsidiariamente, condenadas no pagamento das quantias supra referidas, bem como no pagamento de qualquer montante que seja por elas devida. VI. Serem a 2ª e 3ª Rés (TIMEPEOPLE e RAMIREZ & CA (FILHOS), S.A.), subsidiariamente, condenadas no pagamento pagar juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos, até integral pagamento. MAIS REQUER a Vossa Ex.ª que seja o sinistrado, aqui Autor, submetido a nova perícia médica a fim de ser revista a sua incapacidade.” Para tanto, alegou em síntese que: a 21.08.2017, celebrou com a 2ª Ré, empresa de trabalho temporário, contrato de trabalho temporário, exercendo as suas funções na 3ª Ré, empresa utilizadora; no dia 28.03.2018, nas instalações da 3ª Ré, foi vítima de um acidente de trabalho enquanto operava uma máquina de cravar latas, no momento em que confirmava um lote de cinco latas, tendo o seu braço esquerdo ficado preso na máquina de cravar tampas nas latas de conserva, o que ocorreu porque tal máquina “se encontrava sem as devidas proteções, bem como sem os necessários sistemas de segurança”, acidente esse do qual resultaram as lesões que indica, determinantes de incapacidade temporária e permanente para o trabalho. O Instituto da Segurança Social, citado, peticionou o reembolso da quantia de €2077,92 referente ao subsídio de doença pago ao sinistrado. A Ré Ramirez& CA (Filhos), Lda contestou, invocando a exceção da caducidade, mais alegando que o acidente ocorreu por culpa do Autor; que a proteção das máquinas existia nas zonas onde está previsto ser prestado o trabalho e não em toda a máquina, não tendo resultado da falta de observância de normas legais em matéria de segurança no trabalho, não se verificando a situação prevista no art. 18º da Lei nº 98/2009. A Ré Generali Seguros S.A.1 contestou, tendo invocado a caducidade, bem como a descaracterização do acidente de trabalho. Em articulado posterior, invocou ainda a prescrição do direito ao reembolso do Instituto da Segurança Social. A Ré Timepeople – Trabalho Temporário e Gestão de Recursos Humanos, Ldª contestou, tendo invocado a sua ilegitimidade passiva. Mais alegou, em síntese, que o acidente não ocorreu por a máquina se encontrar sem proteção ou sem os necessários sistemas de segurança, a qual possuía todos os sistemas de segurança requeridos pela lei; o acidente ocorreu porque o A. enfiou o braço no interior da máquina, a fim de desencrava o mecanismo, sem que tivesse curado de a desligar previamente. O A. apresentou articulado de resposta. O Tribunal de 1ª instância proferiu sucessivos despachos de aperfeiçoamento, na sequência do que o A. apresentou nova petição inicial mantendo o pedido de “Serem a 2ª e 3ª Rés (TIMEPEOPLE e RAMIREZ & CA (FILHOS), S.A.), subsidiariamente, condenadas no pagamento das quantias supra referidas, bem como no pagamento de qualquer montante que seja por elas devida.” Alegou ainda que a mencionada máquina se encontrava sem as devidas proteções, sem sensor que, em caso de encravamento, de imediato suspendia/bloqueava o funcionamento desta, bem como sem os necessários sistemas de segurança que posteriormente ao acidente foram adquiridos (ex: gradeamento) e que sempre agiu de acordo com os materiais e condições disponibilizadas, sendo certo que, à data do acidente de trabalho, as condições de segurança não estavam devidamente implementadas. Pela Seguradora foi apresentada nova contestação, mantendo a posição de que o acidente é imputável à culpa exclusiva do demandante, por inobservância das regras de segurança, encontrando-se descaracterizado na ótica do trabalhador, pelas alíneas a) do nº1 e b) do artigo 14º da Lei nº 98/2009, de 04.09. Foi proferido despacho saneador, no qual se consideraram improcedentes as arguidas exceções de ilegitimidade, de caducidade e prescrição. Indicou-se como objeto do litígio, para além do mais, “1. Determinar se o acidente sofrido pelo autor resultou da falta de observação das regras sobre a segurança e saúde no trabalho. 2. Ou, antes, se o mesmo se mostra descaracterizado, por ter resultado, única e exclusivamente, de culpa do autor. (…)”, consignou-se a matéria de facto assente e elencaram-se os temas da prova. Realizada a audiência de julgamento, em 02.10.2023 foi proferida Sentença com o seguinte dispositivo: “Decisão: Nesta conformidade: A) Absolvo as RR “TIMEPEOPLE – EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO E RECURSOS HUMANOS, LDA” E RAMIREZ & CA (FILHOS), S.A. de todos os pedidos contra si formulados. B) Condeno a Ré “SEGURADORAS UNIDAS, SA”” a pagar ao Autor AA: I- a pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de € 5.894,60 a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 16 de Junho de 2021, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente, conforme o disposto no artº 48º, nº 3, alínea c) e 72, nº2, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, pelo que procede o primeiro pedido formulado pelo Autor. II- Nos termos da Portaria n.º 6/2022, de 4 de janeiro que procedeu à atualização anual das pensões de acidente de trabalho (art. 1º daquela Portaria), cujos artigos 2º e 3º, estatuem que a partir de 01/01/2022, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 1 %, a partir de 01/01/2022, aquela pensão anual devida pela Ré seguradora ao sinistrado foi atualizada para a quantia anual de € 5.953,55. III- E nos termos da Portaria n.º 24-A/2023, de 9 de Janeiro, arts 1º e 2º, a partir de 01/01/2023, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 8,4 %, a partir de 01/01/2022, aquela pensão anual devida pela Ré seguradora ao sinistrado foi atualizada para a quantia anual de € 6.453,65; IV- A quantia de € 5.057,62 a título de subsídio de elevada incapacidade permanente, desde 16/6/2021, acrescida de juros de mora, a contar sobre essa data à taxa de 4% ao ano até integral e efectivo pagamento V- a quantia de 22.161,37 €, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, deduzida a quantia de € 2.077,92, devida pela R Seguradora ao ISS, que ao A pagou, a título subsídio de doença no período decorrido de 30/05/2018 a 28/09/2018 essa quantia, todo acrescido de juros de mora à taxa de 4% ao ano, contados a partir de 16/6/2021 e até efectivo e integral pagamento. VI- A quantia de € 228,50, referente a despesas em honorários clínicos e assistência médica., acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 13-07- 2021 e até integral pagamento. VII- A fornecer ao A tratamentos de fisioterapia, terapia ocupacional, ortótese de posicionamento da mão e punho, faca de BB, bolsa palmar para a mão esquerda que permita encaixe de talher, rebordo de prato, base antiderrapante, abridor de frascos e latas, abotoador, calçadeira de cabo longo, calçador de meias, adaptador para fechos e escova de cabo longo para banho. C. Condeno a Ré “SEGURADORAS UNIDAS, SA” a pagar ao ISS, IP quantia de € 2.077,92 acrescida de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento. Custas pela R Seguradora. Fixo o valor de processo em € 118.124,12- artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho.” A Ré Seguradora apelou da sentença, invocando como fundamento a responsabilidade, nos termos do art. 18º da Lei 98/2009, das demais RR (empregadora e empresa utilizadora), por violação de regras de segurança no trabalho, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 14.10.2024, decidido o seguinte: “3. Decisão: Nesta conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em revogar a decisão recorrida no segmento que absolveu as 2ª e 3ª Rés, Entidade empregadora e a Empresa utilizadora do pedido formulado e em conformidade: 1. Condenar as 2ª e 3ª Rés, Entidade empregadora e a Empresa utilizadora, a pagar ao Sinistrado/Autor: a) A pensão anual e vitalícia, no valor de € 8.373,82 (oito mil, trezentos e setenta e três euros e oitenta e dois cêntimos), a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 16 de Junho de 2021, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respetivamente, conforme o disposto no 18º, nº4, alínea b) e 72, nº2, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, com juros de mora desde os respetivos vencimentos até integral pagamento. Nos termos da Portaria n.º 6/2022, de 4 de janeiro que procedeu à atualização anual das pensões de acidente de trabalho (art. 1º daquela Portaria), cujos artigos 2º e 3º, estatuem que a partir de 01/01/2022, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 1 %, a partir de 01/01/2022. E nos termos da Portaria n.º 24-A/2023, de 9 de Janeiro, arts 1º e 2º, a partir de 01/01/2023, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 8,4 %, a partir de 01/01/2022. b) A indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, no montante de € 5.857,02 (cinco mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e dois cêntimos), correspondente ao agravamento por diferença entre a indemnização agravada e a indemnização normal, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data dos atinentes vencimentos, contados a partir de 16/6/2021 e até efetivo e integral pagamento. c) A indemnização normal devida caso não houvesse agravamento, pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, no valor de € 22.161,37 (vinte e dois mil, cento e sessenta e um euros e trinta e sete cêntimos), a que o Sinistrado tem direito e de que a 1ª Ré, Seguradora, responde solidariamente, sem prejuízo do direito de regresso (artigo 79º, nº3 da LAT). d) O subsídio de elevada incapacidade permanente no valor correspondente à quantia de € 5.057,62 (cinco mil e cinquenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), desde 16/6/2021, acrescida de juros de mora, a contar sobre essa data à taxa de 4% ao ano até integral e efetivo pagamento. e) A quantia de € 228,50 (duzentos e vinte e oito mil e cinquenta cêntimos), referente a despesas em honorários clínicos e assistência médica, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 13-07-2021 e até integral pagamento. f) A fornecer ao Autor tratamentos de fisioterapia, terapia ocupacional, ortótese de posicionamento da mão e punho, faca de BB, bolsa palmar para a mão esquerda que permita encaixe de talher, rebordo de prato, base antiderrapante, abridor de frascos e latas, abotoador, calçadeira de cabo longo, calçador de meias, adaptador para fechos e escova de cabo longo para banho. 2. Manter a decisão recorrida, na medida em que condenou a Ré Seguradora.”. Inconformadas, as Rés Ramirez & CA (filhos), Ldª e Timepeople – Trabalho Temporário e Gestão de Recursos Humanos, Ldª interpuseram recursos de revista, tendo formulado as seguintes conclusões: - A Ré, Ramirez & CA (filhos), Ldª: “A) Considerando a improcedência da parte do recurso na parte que impugnou a matéria de facto, os factos dados como provados com relevância para o presente recurso de revista são os mesmos que fundamentaram a decisão em 1ª Instância; B) Daquela prova resulta o total desconhecimento das circunstâncias em que ocorreu o acidente; C) Bem como a impossibilidade de apurar que medidas poderiam ter sido tomadas para o evitar; D) Assim, não tendo se mostrado possível determinar o modo como ocorreu o acidente não é possível demonstrar que a 3ª Ré haja violado regras de segurança no trabalho, nem que concretas medidas deveria ter tomado; E) Não se encontram preenchidos, pois, os pressupostos legais necessários à imputação ao empregador da responsabilidade pela reparação dos danos sofridos em consequência do acidente de trabalho, uma vez que não se provou a omissão efetiva de regras de segurança que impendiam sobre este (e, consequentemente, também não pode ser estabelecida qualquer relação causal) F) O trabalho desenvolvido pelo Autor comportava riscos, dos quais este tinha pleno conhecimento, apesar de toda a formação fornecida pela 3ª Ré Ramirez e de todas as regras basilares de saúde e segurança no trabalho se encontrarem cumpridas. G) É para infortúnios como ocaso dos autos que a lei prevê a obrigação de transmissão da responsabilidade das Entidades Patronais para as Seguradoras. Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que absolva as 2º e 3º Rés. - A Ré, Timepeople – Trabalho Temporário e Gestão de Recursos Humanos, Ldª: A) É pacífico -e por todos aceite -que o acidente sofridopelo sinistrado se trata de um acidente de trabalho, bem como no que se refere ^`a transferência da responsabilidade para a R. Seguradora; B) O Acórdão recorrido não alterou a matéria de facto, pelo que os factos são exactamente os mesmos que fundamentaram a decisão em 1ª Instância; C) Na consideração desses factos houve um juízo de ponderação por parte da Mma. Juiz a quo, que interrogou as testemunhas, questionou o A./sinistrado e analisou toda a prova carreada para os autos, para formulação da sua convicção; D) A alteração da decisão da Mma. Juiz a quo deveria pressupor, por parte do Tribunal superior, uma análise crítica da decisão, devidamente fundamentada e estribada em argumentos de facto e de Direito que impusessem tal reversão. Ou seja, entende-se que deveria haver um dever acrescido de esclarecimento que, sem margem de dúvida, explicasse a errónea decisão e determinasse uma decisão diversa; Ora, E) O tribunal de recurso, em sede de Acórdão, é incapaz de explicar em que circunstâncias ocorreu o acidente e, não tendo alterado a matéria de facto dada como provada, não se pode alhear da referência efectuada pelo Tribunal de 1ª instância “Na verdade, ficou provado que o sinistrado tenha actuado de forma descuidada e negligente”, a qual, aliás, cita na pág. 19; F) Não cura, pois, na sua decisão, de afastara culpa (ou parte dela) da conduta do sinistrado ou de explicar que, pese embora a negligência da sua actuação, esta em nada contribuiu para a verificação do acidente ou agravamento das suas consequências; G) Entende, porém, o Acórdão recorrido, agravar a responsabilidade das RR. (TimePeople e Ramirez), por actuação culposa do empregador, nos termos do art.º 18º da LAT. Tal diploma legal pressupõe, porém, a falta de observação das regras de segurança sobre saúde e higiene no trabalho. De uma forma muito genérica, sugere que a regra alegadamente violada seria a disposição contida no art.º 16º do DL 50/2005, de 25/02; H) Tal normativo (na parte citada e aplicada no Acórdão) refere-se aos riscos de contacto mecânico mencionando que “os elementos móveis de um equipamento de trabalho devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas”, não concluindo quanto à inobservância desse dever, ou seja, não a cominando, pelo que, só por este motivo, entende a recorrente que se verificaria a nulidade do Acórdão, por manifesta ausência de fundamentação e de aplicação do Direito. Sem prejuízo, I) Tal raciocínio funda-se numa interpretação errada relativamente ao funcionamento da máquina em questão, olvidando, completamente que (i) esta havia sido certificada para funcionar/operar; (ii) que não se verificou qualquer alteração nos seus componentes; (iii) que a mesma foi objecto de inspecção por parte das autoridades competentes, em momento posterior ao acidente, e que daí não resultou qualquer reparo relativo à sua desconformidade, alteração ou violação das normas e regras de segurança; J) Há, ainda, um manifesto erro interpretativo ao referir que não existia qualquer barreira de protecção entre o tapete rolante e os cabeços da máquina, bem como no que se refere ao trabalho/funções especificas do trabalhador naquele posto de trabalho. Primeiro, porque foi provado que essa barreira existia, consistindo numa porta metálica. Segundo, porque as funções do trabalhador não consistiam em aceder ao tapete com a máquina em funcionamento; K) Daí que toda a linha de raciocínio do douto Acórdão é meramente conclusiva, seguindo uma lógica de que “se a máquina dispusesse de um mecanismo que impedisse o trabalhador de colocar lá a mão, então o acidente não se teria verificado”. Como já se referiu, não é disso que se trata, antes da imputação às RR. da responsabilidade que se pretende que lhes assista; L) E, quanto a esta matéria, o douto Acórdão peca na sua fundamentação de facto e de Direito, não logrando preencher os pressupostos legais para que possa imputar tal agravamento a qualquer conduta especifica das RR. Por último e sem prescindir, M) Nenhuma prova ou norma legal determina a responsabilidade agravada da R. TimePeople, fundando-se esta, segundo o Acórdão recorrido, na decorrência legal da sua qualidade de empresa de trabalho temporário. Não logra, porém, provar em que medida é que esta, com a sua conduta activa ou omissiva, terá contribuído para o agravamento do acidente; N) A sua condenação é, também por esta via, meramente conclusiva, não referindo, em momento algum qual o dever que lhe impendia e que a mesma violou, nem sequer que a mesma tinha conhecimento que, no âmbito do contrato de utilização celebrado com a R. Ramirez, esta sabia que o sinistrado havia sido colocado naquele posto de trabalho específico, aceitou e se conformou com os riscos, nada fazendo para os evitar; NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO E SUBSTITUINDO-O POR OUTRO QUE ABSOLVA AS RR. TIMEPEOPLE E RAMIREZ OU, ASSIM NÃO SE ENTENDENDO (E APENAS POR MERO DEVER DE PATROCÍNIO), QUE ABSOLVA A R. TIMEPEOPLE. A Ré Seguradora contra-alegou nos mencionados recursos, concluindo pela improcedência dos mesmos. Os recursos foram admitidos. O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido, em síntese, da verificação da violação de regras de segurança por parte das Recorrentes e da responsabilidade solidária agravada das mesmas nos termos do art. 18º da Lei 98/2009 e, nessa medida, da confirmação do acórdão recorrido, mas acrescentando ainda o seguinte: “(…) Assim, as responsáveis devem ser condenadas a pagar a indemnização agravada devida pela incapacidade temporária absoluta, nos termos da al. a) do n.º 4. Não se compreende, por isso, a razão pela qual no acórdão se condenam as mesmas a pagar uma parte como indemnização agravada e outra como indemnização normal, nas alíneas 1 b) e c) da Decisão. Também se não compreende a menção à responsabilidade solidária da seguradora, que não resulta nem do art.º 18.º nem do n.º 3 do art.º 79.º da LAT. Assim, a indemnização agravada por ITA, que é devida pelas responsáveis recorrentes solidariamente e sem a seguradora, deduzido o valor do reembolso devido à Segurança Social, deve ser indicada em montante único numa só alínea do dispositivo e dela sendo excluída a seguradora. Deverá, ainda, ser expressamente mencionado no ponto 1 da Decisão que a entidade empregadora e a empresa utilizadora são condenadas solidariamente, para melhor clarificação. O Ministério Público emite, assim, parecer no sentido de que deve ser negado provimento aos recursos da entidade empregadora e da utilizadora, mantendo-se, assim, o acórdão recorrido, com a correção referida. Notificadas do mencionado parecer, as partes não responderam. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 2ª parte, do CPC. *** II. Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelas recorrentes, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019). Assim, são as seguintes as questões suscitadas pelas Recorrentes: - Nulidade do acórdão por “ausência de fundamentação e de aplicação do Direito” [ al. H), das conclusões do recurso da Ré “Timepeople”]. - Em ambos os recursos, da (não) responsabilidade das RR “Ramirez” e “Timepeople”, nos termos do art. 18º da Lei 98/2009, por violação de regras sobre segurança no trabalho. É de consignar que a Ré Seguradora, bem como as demais RR haviam, nos articulados, invocado a descaracterização do acidente como acidente de trabalho (art. 14º da Lei 98/2009), o que foi julgado improcedente pela sentença recorrida, decisão esta que, nesta parte, transitou em julgado, pois que não foi objeto do recurso de apelação então interposto pela Ré Seguradora, nem foi impugnada pelas demais RR então apeladas. *** III. Fundamentação de facto É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença da 1ª instância, [que não foi alterada pelo acórdão recorrido]: Factos Provados: “1) No dia 28 de março de 2018, o autor sofreu um acidente, enquanto se encontrava ao serviço da 3ª ré, na sua sede, durante o tempo de trabalho. 2) No dia 28 de Março de 2018, pelas 12:00 horas, o Autor operava a máquina de cravar latas, cravadeira. 3) Tal máquina era constituída por um tapete, seguido de cabeços/estrelas – mecanismo que crava os tampos nas latas -, tapete e lavadora. 4) Inexistia qualquer barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente. 5) O A estava posicionado de frente para o tapete e entre si e a máquina interpunha-se um espaço que tinha aposto uma porta de metal, porta esta que permitia o acesso à máquina cravadeira e que estava sempre aberta, para que os trabalhadores observassem e monitorizassem o processo de produção e verificassem as latas após as mesmas saírem dos cabeços/estrelas quando estas estavam no tapete subsequente. 6) Havia um botão de paragem da máquina na zona frontal superior da máquina que permitia desliga-la e liga-la e que está ao alcance do operador. 7) As funções do A compreendiam: a. abrir as torneiras dos molhos, b. colocar tampos na máquina cravadeira, c. verificar as latas que circulavam no tapete situado antes da cravadeira, para se assegurar de que continham todos os componentes, d. verificar se nenhuma lata encravava nos cabeços/estrelas, sendo que, se tal sucedesse, a máquina teria de ser parada no botão de emergência e a lata(s) encravada(s) teria de ser retirada com um gancho metálico, e. após a cravação, verificar se as latas que haviam sido depositadas no tapete estavam bem cravadas, para o que teria de retirar com as mãos cerca de cinco latas que estavam no tapete (tapete este situado logo após os cabeços/estrelas da cravadeira), para amostragem e vistoria. 8) Por forma não concretamente apurada o braço esquerdo do A ficou preso nos cabelos/estrelas da máquina de cravar tampas nas latas de conservas, vindo o A a sofrer lesões. 9) O Autor estava ao serviço da Ré Ramirez desde 21/8/2017. 10) No decurso da sua prestação de trabalho para a Ré Ramirez o A recebeu acções de formação, designadamente “Cumpra as Regras”, “Reforço de Regras Básicas”, “Produção Marks & Spencer”, ”Protecção da Integridade da Marca Marks & Spencer e Segregação”, “Reforço de Regras de Segurança e Higiene e outros”, “Sensibilização, Formação – Circulação e Interdição de Peões na/parta a Zona de Frio”. 11) O tapete da máquina cravadeira funciona a baixa velocidade. 12) Do referido em 1) resultou para o Autor: a. esfacelo do antebraço e mão esquerda; b. Lesão da artéria cubital sem capacidade de reparação; c. Lesão do nervo cubital e do nervo mediano sem possibilidade de sutura; d. Lesão dos ventres musculares do antebraço, dos flexores superficiais dos dedos, do flexor longo do polegar, dos flexores radial e cubital do carpo, palmar longo (sem possibilidades de reparação, tenodese a flexores profundos; e. Fractura do cúbito, osteossíntese com placa e parafusos; f. Fractura do 2º metacarpo, osteossíntese OOS com placa de minifragmentos; g. Luxação carpo metacárpica, estabilização com fio de K. 13) O Autor foi assistido no Hospital de ..., ..., onde foi operado duas vezes, tendo sido intervencionado ainda oito vezes no bloco operatório para limpezas cirúrgicas. 14) O A foi sujeito a internamento entre 28-03-2018 a 29-05-2018. 15) Findo o internamento, o Autor prosseguiu os tratamentos em consulta externa de ortopedia, tendo feito fisioterapia no mesmo Hospital durante três meses. 16) O Autor continua limitado e tem dificuldades em comer, vestir-se e despir-se, apertar os cordões dos sapatos, apertar e desapertar botões, bem como fazer o nó de gravata. 17) O Autor não voltou a trabalhar no seu posto de trabalho. 18) A nível de lesões e/ ou sequelas, o Autor apresenta: - No membro superior esquerdo, uma cicatriz na face anterior do antebraço, braquiforme, com comprimento de 30 cm e largura de 7 cm. - Outras cicatrizes na face dorsal do antebraço e da mão, a maior das quais tem 10 cm de comprimento; - Acentuado défice de flexão e extensão dos dedos; - Punho com extensão máxima de 30 graus. 19) O Autor tem IPP de 42,964%, com IPATH, pelo que após aplicação de facto 1,5 pela não reconvertibilidade profissional tem IPP de 64,446%, desde 15/6/2021, tendo estado em situação de incapacidade absoluta para o trabalho de 29/3/2018 a 15/6/2021. 20) O A carece de tratamentos de fisioterapia, terapia ocupacional, ortótese de posicionamento da mão e punho, faca de BB, bolsa palmar para a mão esquerda que permita encaixe de talher, rebordo de prato, base antiderrapante, abridor de frascos e latas, abotoador, calçadeira de cabo longo, calçador de meias, adaptador para fechos, escova de cabo longo para banho. 21) O autor, AA, nasceu no dia ...de janeiro de 1980. 22) No dia 21 de agosto de 2017, o autor celebrou com a ré “Timepeople” um contrato de trabalho a termo (cedência de mão-de-obra temporária). 23) A referida sociedade dedica-se à atividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, podendo ainda desenvolver atividades de seleção, orientação e formação profissional, consultoria e gestão de recursos humanos. 24) Em 28 de março de 2018, o autor auferia € 594,00x14 + € 3,50x22x11 + € 15,00x14, num total anual de € 9.373,00. 25) Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...93, a “Timepeople” havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral em relação ao autor para a ré seguradora, pela retribuição acabada de referir. 26) O contrato de trabalho celebrado destinava-se a cedência temporária a terceiros utilizadores das funções exercidas pelo aqui autor, mais concretamente à sociedade “Ramirez e C.ª (Filhos), S.A.”. 27) Na R Ramirez o autor desempenhou funções inerentes à categoria profissional de trabalhador de fabrico (operário de indústria conserveira). 28) O autor é beneficiário da Segurança Social o NISS ...55. 29) O Instituto da Segurança Social, IP pagou ao Autor, a título de subsídio de doença, o montante de € 2.077,92, no período decorrido de 30/05/2018 a 28/09/2018. 30) O A despendeu a quantia de EUR. 228,50, referente a despesas em honorários clínicos e assistência médica. * * * * * Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos. Designadamente, não se provou que: a) O A decidiu sem que tivesse recebido qualquer instrução nesse sentido, tentar desencravar a máquina cravadeira que estava a operar e que tinha encravado, sem primeiro a desligar. b) Havia o A recebido da R Ramirez instruções para nunca mexer no mecanismo da máquina enquanto esta estivesse ligada. c) Pelo facto da máquina ter encravado, o A abriu a porta de segurança para verificar a situação e tentou desencravá-la sem primeiro a parar por completo. d) Nessa altura, ficou com o braço preso, e) O A não acionou o botão de paragem da máquina nem utilizou o gancho metálico.” *** IV. Fundamentação jurídica 1. Da nulidade de sentença A Ré/Recorrente “Timepeople”, na al. H) das conclusões do seu recurso, ensaia uma pretensa nulidade do acórdão recorrido por “manifesta ausência de fundamentação e de aplicação do Direito”. As nulidades de sentença encontram-se previstas no art. 615º, nº 1, do CPC, sendo, desde logo, de salientar que a Recorrente não cuidou, sequer, de a enquadrar em qualquer uma das alíneas de tal preceito. De todo o modo, diremos o seguinte: O invocado enquadrar-se-ia no disposto na al. b) do nº 1 do citado preceito, nos termos da qual “1. É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. No que toca à nulidade por falta de fundamentação, apenas é geradora da mesma a falta absoluta de fundamentação, não a sua eventual deficiência ou insuficiência – cfr. designadamente, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição, pp. 735 e 736, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 3ª Edição, p.793, ao referirem, reportando-se ao preceito, que “(…), previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20-11-19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11)” e Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª Edição, Almedina, 52/53, ao referir que: “(…), as decisões judiciais devem ser fundamentadas, face ao determinado no nº 1 do art. 205º da CRP e no art. 158. A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso” [se dela couber recurso, acrescentamos nós]. Na jurisprudência, a título meramente exemplificativo e para além dos demais indicados, cfr. Acórdão do STJ de 03.03.2021, Proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, de cujo sumário, ponto II, consta que: “II. Só a falta absoluta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil”. No caso, basta atentar no acórdão recorrido para facilmente se verificar que não se verifica o invocado vício. Com efeito: Dele consta a indicação da decisão da matéria de facto provada e não provada, bem como a fundamentação jurídica que foi tida por pertinente, designadamente a seguinte: “O Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de Fevereiro, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho. Prevê o Artigo 16.º do mesmo Decreto-Lei: «Riscos de contacto mecânico 1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas. 2 - Os protetores e os dispositivos de proteção: a) Devem ser de construção robusta; b) Não devem ocasionar riscos suplementares; c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes; d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa; e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário. 3 - Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao sector em que esta deve ser realizada.» No caso, aquando do acidente, inexistia qualquer barreira/protetor que impedisse o acesso às zonas perigosas da máquina em que o Sinistrado operava, nomeadamente o equipamento designado de cravadeira e respetivos órgão móveis. Assim se afere do que resultou provado e se salienta: - No dia 28 de Março de 2018, pelas 12:00 horas, o Autor operava a máquina de cravar latas, cravadeira. - Inexistia qualquer barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente. - O A estava posicionado de frente para o tapete e entre si e a máquina interpunha-se um espaço que tinha aposto uma porta de metal, porta esta que permitia o acesso à máquina cravadeira e que estava sempre aberta, para que os trabalhadores observassem e monitorizassem o processo de produção e verificassem as latas após as mesmas saírem dos cabeços/estrelas quando estas estavam no tapete subsequente. Em suma, entendemos ter ocorrido violação das disposições respeitantes às condições de segurança que devem proteger os trabalhadores expostos, contra os riscos de contacto mecânico”, E, seguidamente, pronuncia-se sobre o nexo de causalidade, com indicação de doutrina e jurisprudência do STJ sobre a matéria, citando designadamente o AUJ n.º 6/2024 e referindo: “Em concreto, como acima afirmado, mostra-se violada uma regra de segurança específica. E pode concluir-se que atentas as regras da experiência, era objetivamente provável que a omissão das medidas de segurança - nomeadamente as que o Sinistrado alegou vieram ulteriormente a ser implementadas (matéria não incluída na factualidade assente) -, onde o Autor se encontrava a trabalhar, desencadeasse o evento provocando-lhe lesões e sequelas físicas que ficaram provadas? A resposta é afirmativa.” Finalmente, o acórdão recorrido debruça-se longamente sobre a responsabilidade da Ré empregadora, enquanto empresa de trabalho temporário, pela reparação agravada prevista no art. 18º da LAT. O acórdão recorrido encontra-se, pois, fundamentado, carecendo a Recorrente empregadora de absoluta razão. 2. Da (não) responsabilidade, nos termos do art. 18º da Lei nº 98/2009, das RR/Recorrentes por violação de regras de segurança no trabalho Na sentença recorrida foi referido o seguinte: “(…) Em face do explanado, improcede totalmente a excepção da descaracterização do acidente, sendo o acidente dos autos indemnizável. Note-se que, apenas em sede de alegações orais na audiência de julgamento, a R Seguradora concluiu entender que o acidente se terá ficado a dever a infracção de regras de segurança por parte da R Ramirez, no entanto nenhum facto foi alegado de onde se pudesse retirar a ilação a que chegou a R Seguradora, muito menos se tendo provado qualquer facto nesse sentido, pelo que essa pretensão da R Seguradora não pode proceder.” Por sua vez, referiu-se no Acórdão recorrido: “Considerou a 1ª instância que “(…) apenas em sede de alegações orais na audiência de julgamento, a Ré Seguradora concluiu entender que o acidente se terá ficado a dever a infração de regras de segurança por parte da R Ramirez, no entanto nenhum facto foi alegado de onde se pudesse retirar a ilação a que chegou a R Seguradora, muito menos se tendo provado qualquer facto nesse sentido, pelo que essa pretensão da R Seguradora não pode proceder.” Conclui a Ré Seguradora/Apelante que não faz o menor sentido o assim referido na sentença em crise, pois não só o Sinistrado invocou a responsabilidade da co-R patronal nos pontos 10 e 14 da petição inicial como foram provados factos nesse sentido (factos 2 a 8 da factualidade dada como provada) e, ainda que assim não fosse, nunca o tribunal estaria limitado à alegação e pedido das partes, podendo e devendo, nos termos dos artigos 72º e 74º do DL n.º 480/99, de 09 de Novembro, e dentro dos respetivos limites, dar como provados factos relevantes para o litígio, ainda que não alegados pelas partes e, se se der o caso, condenar para além do pedido. Reparo que subscrevemos. Mais não fosse, impunha-se atentar a que foi considerado objeto do litígio, nomeadamente: 1. Determinar se o acidente sofrido pelo autor resultou da falta de observação das regras sobre a segurança e saúde no trabalho. É questão que também a este tribunal superior se coloca.” [realce constante do texto original] E, conhecendo da questão, já acima, no ponto antecedente (IV.1), deixámos consignado o que, no essencial, foi considerado no acórdão recorrido quanto à violação, pelas RR/Recorrentes, de regras de segurança e sua causalidade com o acidente em apreço. Do assim decidido discordam as Recorrentes, alegando, em síntese que: o A. mantinha a porta de acesso à cravadeira aberta contra as suas indicações; serem desconhecidas as circunstâncias em que o acidente ocorreu e, assim sendo, não é possível concluir no sentido da existência do necessário nexo causal entre a alegada violação de regras de segurança e o acidente; “impossibilidade de apurar que medidas poderiam ter sido tomadas para o evitar”. A Recorrente Timepeople diz ainda que: a máquina “havia sido certificada para funcionar/operar”, “não se verificou qualquer alteração nos seus componentes”, “a mesma foi objecto de inspecção por parte das autoridades competentes, em momento posterior ao acidente, e que daí não resultou qualquer reparo relativo à sua desconformidade, alteração ou violação das normas e regras de segurança;”; foi provado que existia uma barreira, “consistindo numa porta metálica”; “as funções do trabalhador não consistiam em aceder ao tapete com a máquina em funcionamento”; “nenhuma prova ou norma legal determina a responsabilidade agravada da R. TimePeople, fundando-se esta, segundo o Acórdão recorrido, na decorrência legal da sua qualidade de empresa de trabalho temporário. Não logra, porém, provar em que medida é que esta, com a sua conduta activa ou omissiva, terá contribuído para o agravamento do acidente.” De referir ainda que algumas das alegações das Recorrentes assentam ou em matéria de facto que não consta do rol dos factos provados [p.ex, que o A. mantinha a porta de acesso à cravadeira aberta contra as suas indicações], aludindo a Recorrente “Timepeople, designadamente, a depoimentos testemunhais prestados na audiência de discussão e julgamento. A este propósito, o que importa desde já deixar esclarecido, conforme arts. 682º e 674º, nº 3 do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça não conhece de matéria de facto, salvo nas situações previstas no nº 3 desse art. 674º, preceito este que não está em causa nos autos. Ou seja, serve o referido para concluir no sentido da irrelevância das considerações tecidas pelas Recorrentes relativas à mencionada prova testemunhal ou tendo por objeto matéria de facto que não conste dos factos provados. 2.1. Está em causa na presente revista apurar da responsabilidade, ou não, das Recorrentes, RR empregadora e empresa utilizadora, pela reparação do acidente nos termos do art. 18º da Lei 98/2009, de 04.092, preceito que dispõe que “1. Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho ...”. Nesta situação, é devida a reparação agravada prevista no nº 4 do preceito, dispondo o art. 79º, nº 3, do mesmo diploma que “3. Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”. Do referido art. 18º, nº 1, 2ª parte [inobservância das regras sobre segurança e saúde no trabalho] decorre, para que o acidente a ele se subsuma, que é necessário: a) que sobre as entidades referidas no nº 1 recaia o dever de observar determinada(s) norma (s) ou regra(s) de segurança e que a(s) não haja observado; b) o nexo causal entre determinada conduta (ato ou omissão) e o acidente. De referir ainda que, conforme orientação jurisprudencial3 assente, ao sinistrado/beneficiário e/ou à Seguradora incumbe o ónus de alegação e prova do factos integradores da violação das regras de segurança determinantes da responsabilidade, nos termos do citado art. 18º, nº 1, do empregador e demais entidades referidas no preceito. 2.2. Quanto à violação de regras de segurança A indispensabilidade da prestação de trabalho em condições de segurança e de saúde está presente em diversas disposições legais, umas de carácter mais genérico, outras de natureza mais específica, consoante a natureza do trabalho que se leve a cabo. Assim é que dispõem, desde logo, os arts. 281º e 282º do CT/2009 e, entre outros diplomas, a Lei 102/2009, de 10.09, que entrou em vigor aos 01.10.2009 (arts. 5º e 15º), que: o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições de segurança e saúde, que deverá assentar no princípio geral de prevenção, com a eliminação, desde logo, dos fatores de risco e de acidente, destacando-se a obrigação de proceder à identificação dos riscos previsíveis na conceção das instalações, dos locais e processos de trabalho com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a aumentar os níveis de proteção (art. 15º, nºs 1 e 2, als. a), c) e h)). Dispõe ainda o art. 16º da citada Lei 102/2009, que: “(…). 2 - Não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades: a) A empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de trabalho temporário; (…) 5 - O dono da obra, empresa ou exploração agrícola e a empresa utilizadora ou adjudicatária de obra ou serviço, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com o dono da obra, empresa ou exploração agrícola, empresa utilizadora ou adjudicatária de obra ou serviço se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelas violações das disposições legais relativas à segurança e saúde dos trabalhadores temporários, dos que lhe forem cedidos ocasionalmente ou dos trabalhadores ao serviço de empresas prestadoras de serviços, cometidas durante o exercício da atividade nas suas instalações, assim como pelo pagamento das respetivas coimas.” Também o Dec-Lei nº 50/2005, de 25.024, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30.11, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 05.12, e pela Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27.06, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, dispõe: - No art. 2º, que, para efeitos do diploma, se entende: “a) «Equipamento de trabalho» qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho; b) «Utilização de um equipamento de trabalho» qualquer actividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza; c) «Zona perigosa» qualquer zona dentro ou em torno de um equipamento de trabalho onde a presença de um trabalhador exposto o submeta a riscos para a sua segurança ou saúde; d) «Trabalhador exposto» qualquer trabalhador que se encontre, totalmente ou em parte, numa zona perigosa; e) «Operador» qualquer trabalhador incumbido da utilização de um equipamento de trabalho; (…)” - No art. 3º, als. a), b) e e), que o empregador deve assegurar que os equipamentos de trabalho sejam adequados ao trabalho, bem como atender, na escolha desses equipamentos, às condições características e específicas do trabalho e riscos existentes e tomar as medidas adequadas a minimizar os riscos existentes, tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos, e assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho de modo a que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos arts. 10º a 29º, e não provoquem riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores [art. 3º, als. a), b), c), d) e e)], -No art. 16º, sob a epígrafe “Riscos de contacto mecânico”, que: “1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas. 2 - Os protetores e os dispositivos de proteção: (…); c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;(…).” [sublinhado nosso] Também o art. 40º da Portaria 53/71, de 03.02, alterada pela Portaria 702/80, de 22.09, que aprovou Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais, dispõe sobre as medidas de proteção e segurança das máquinas, impondo que: “1 - Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que accionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objectos. (…)” 2.2.1. Revertendo ao caso em apreço e relembrando, da matéria de facto provada resulta que: “1) No dia 28 de março de 2018, o autor sofreu um acidente, enquanto se encontrava ao serviço da 3ª ré, na sua sede, durante o tempo de trabalho. 2) No dia 28 de Março de 2018, pelas 12:00 horas, o Autor operava a máquina de cravar latas, cravadeira. 3) Tal máquina era constituída por um tapete, seguido de cabeços/estrelas – mecanismo que crava os tampos nas latas -, tapete e lavadora. 4) Inexistia qualquer barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente. 5) O A estava posicionado de frente para o tapete e entre si e a máquina interpunha-se um espaço que tinha aposto uma porta de metal, porta esta que permitia o acesso à máquina cravadeira e que estava sempre aberta, para que os trabalhadores observassem e monitorizassem o processo de produção e verificassem as latas após as mesmas saírem dos cabeços/estrelas quando estas estavam no tapete subsequente. 6) Havia um botão de paragem da máquina na zona frontal superior da máquina que permitia desliga-la e liga-la e que está ao alcance do operador. 7) As funções do A compreendiam: a. abrir as torneiras dos molhos, b. colocar tampos na máquina cravadeira, c. verificar as latas que circulavam no tapete situado antes da cravadeira, para se assegurar de que continham todos os componentes, d. verificar se nenhuma lata encravava nos cabeços/estrelas, sendo que, se tal sucedesse, a máquina teria de ser parada no botão de emergência e a lata(s) encravada(s) teria de ser retirada com um gancho metálico, e. após a cravação, verificar se as latas que haviam sido depositadas no tapete estavam bem cravadas, para o que teria de retirar com as mãos cerca de cinco latas que estavam no tapete (tapete este situado logo após os cabeços/estrelas da cravadeira), para amostragem e vistoria. 8) Por forma não concretamente apurada o braço esquerdo do A ficou preso nos cabelos/estrelas da máquina de cravar tampas nas latas de conservas, vindo o A a sofrer lesões. (…) 11) O tapete da máquina cravadeira funciona a baixa velocidade. 12) Do referido em 1) resultou para o Autor: a. esfacelo do antebraço e mão esquerda; b. Lesão da artéria cubital sem capacidade de reparação; c. Lesão do nervo cubital e do nervo mediano sem possibilidade de sutura; d. Lesão dos ventres musculares do antebraço, dos flexores superficiais dos dedos, do flexor longo do polegar, dos flexores radial e cubital do carpo, palmar longo (sem possibilidades de reparação, tenodese a flexores profundos; e. Fractura do cúbito, osteossíntese com placa e parafusos; f. Fractura do 2º metacarpo, osteossíntese OOS com placa de minifragmentos; g. Luxação carpo metacárpica, estabilização com fio de K. (…)” Da referida factualidade decorre que foram violadas as normas de segurança constantes dos arts. 16º do DL 50/2005 e 40º, nº 1, da Portaria 53/71. Com efeito, os cabeços/estrelas, mecanismo que crava os tampos nas latas, constitui, nos termos do art. 2º, al. c), do Dec-Lei nº 50/2005, uma zona perigosa da máquina, sendo suscetível de causar danos caso o braço e/ou mão do trabalhador entre em contacto com ela, parte essa que se situa logo após o tapete onde as latas, depois de cravadas, eram depositadas. É certo que entre o sítio onde o A. estava posicionado, de frente para o tapete, e a máquina, havia um espaço onde existia uma porta de metal, porta essa que, contudo não satisfaz as mencionadas exigências de segurança no trabalho, não procedendo o que, a esse propósito, é alegado pelas Recorrentes. Tal porta não impedia, como não impediu, o risco de contacto com a parte perigosa da máquina (cabeços/estrelas), porta essa que estava sempre aberta para que os trabalhadores “observassem e monitorizassem o processo de produção e verificassem as latas após as mesmas saírem dos cabeços/estrelas quando estas estavam no tapete subsequente” (para além de que o trabalhador tinha também que aceder ao tapete pelo menos para retirar com as mãos cerca de cinco latas para amostragem e vistoria). Ora, no caso dos autos o acidente consistiu no contacto mecânico do braço esquerdo do sinistrado com os cabeços/estrelas da máquina de cravar tampas nas latas de conservas, nos quais o mesmo ficou preso, como resulta do descrito no facto provado 8. Devia, pois, tal mecanismo estar protegido por proteção que impedisse o risco de contacto com essa parte perigosa da máquina e/ou dispositivo, designadamente sensor, que automaticamente interrompesse o seu movimento antes do contacto, proteções essas que não existiam. E, por outro lado, não resulta dos factos provados, nem isso foi alegado, que não fosse possível a adotação de tais medidas de proteção. E é também irrelevante que a máquina haja sido certificada para operar e que não tenha havido qualquer alteração dos seus componentes. Desde logo, tal não decorre dos factos provados. De todo o modo, o alegado não dispensa a adoção, pelo empregador, dos mecanismos necessários ao cumprimento das normas sobre segurança e saúde no trabalho de forma a evitar ou minimizar o risco de ocorrência de acidentes. Diz ainda a Recorrente “Timepeople” que a máquina foi objeto de inspeção por parte das autoridades competentes, em momento posterior ao acidente, e que daí não resultou qualquer reparo relativo à sua desconformidade, alteração ou violação das normas e regras de segurança. Conforme arts. 682º e 674º, nº 3 do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça não conhece de matéria de facto, salvo nas situações previstas no nº 3 desse art. 674º. Ora, o alegado não consta da matéria de facto provada, nem se enquadra em nenhuma das referidas situações que permitissem a esta Supremo tê-lo em consideração. Aliás, e não poderemos deixar de o dizer, o que resulta dos autos é precisamente o contrário. Com efeito, a Ré “Ramirez”, aos 14.09.2023, juntou aos autos cópia do processo contraordenacional que, na sequência do acidente de trabalho sofrido pelo A., contra ela correu termos na ACT e do qual consta que, aos 29.05.2018, lhe foi levantado um auto de notícia, no qual, para além do mais, se imputa: como disposição legal infringida, o nº 1 do art. 4º, conjugado com os nºs 1 e 2 do art. 16º, ambos do Dec-Lei nº 50/2005, de 25.02; na descrição da infração aí se diz que “[o] equipamento de trabalho designado de cravadeira, modelo 424, nº série: 19-RR/2004 e ano de fabrico 2004, não cumpria os requisitos mínimos de segurança para utilização pelos trabalhadores”, mais se dizendo que, na sequência da comunicação de acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador AA ocorrido no dia 28.03.2018, foi a Ré “Ramirez” alvo de uma intervenção inspetiva realizada no dia 04.04.2018; que tal acidente “terá acontecido porque a cravadeira [mencionada] não dispunha de proteção adequada a prevenir o risco de contacto mecânico, devido à ausência de protetores que impedissem o acesso a zonas perigosas ou de dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso a estas zonas” . Mais consta dessa documentação a notificação do auto de notícia e cópia do pagamento voluntário da coima pela mencionada Ré e notificação da mesma, face a esse pagamento, do arquivamento do processo. Tal documento – cópia do processo contraordenacional junto aos autos pela Ré “Ramirez” –, cuja junção foi notificada às demais partes e que não foi impugnado, consubstancia, no que se reporta aos atos praticados pela ACT, documento autêntico (art. 369º do Cód. Civil), fazendo prova plena de que foi levantado o mencionado auto de notícia, que foi efetuado o pagamento voluntário da coima e que o processo foi por isso arquivado. Ou seja, serve o referido para concluir que tal documento contraria a alegação da Recorrente de que, na inspeção da máquina pelas autoridades competentes, não haja resultado “qualquer reparo relativo à sua desconformidade, alteração ou violação das normas e regras de segurança”. Em conclusão, foram violadas as mencionadas normas específicas de segurança no trabalho previstas nos arts. 16º do DL 50/2005 e 40º, nº 1, da Portaria 53/71. 2.3. Do nexo de causalidade entre a violação das mencionadas normas de segurança e o acidente Defendem as Recorrentes que, não se tendo apurado as concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente, não se pode concluir no sentido da verificação do necessário nexo causal entre a violação de normas de segurança e o acidente. Para que o acidente de trabalho recaia sob a alçada do disposto no art. 18º da Lei 98/2009, não basta a violação de regras sobre segurança e saúde no trabalho, sendo ainda necessário que se verifique o nexo de causalidade entre essa violação e a ocorrência do acidente, ou seja, que o acidente resulte do desrespeito de tais regras. O nexo de causalidade comporta duas vertentes: a naturalística, que consiste em saber se esse facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano; e a vertente jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido. Face ao disposto no art. 563º do CC, tem a doutrina e jurisprudência entendido que o mesmo consagra a teoria do nexo de causalidade adequada na sua formulação negativa, de acordo com a qual o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou excecionais. Foi, no entanto e para efeitos do disposto no citado art. 18º da Lei 18/2009, objeto de controvérsia jurisprudencial a questão de saber se a prova do mencionado nexo causal se basta com a demonstração de que o acidente é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, traduzindo-se, pelo menos, num aumento da probabilidade da sua ocorrência tal como ele se veio a verificar, ou, ao invés, se é exigível, no caso concreto, perante a sua fenomenologia naturalística, a demonstração de que a violação das regras de segurança tenha sido conditio sine qua non da verificação do acidente. Sobre a questão, no primeiro dos sentidos apontados, cfr. Júlio Gomes/Viriato Reis, “Acidente de trabalho devido a culpa. Em torno do artigo 18.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro)”, in “a Revista, Supremo Tribunal de Justiça, n.º 4”, pp. 123 a 153 . E nesse mesmo sentido decidiu o STJ no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2024, de 17.04.2024, publicado no DR 1ª série, de 13.05.2024, que uniformizou jurisprudência no sentido de que “para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.” No caso, perante a factualidade provada e atenta a mencionada jurisprudência uniformizadora, não restam dúvidas de que a violação das já mencionadas regras de segurança (art. 16º do DL 50/2005 e art. 40º, nº 1, da Portaria 53/71) determinou a ocorrência do acidente em apreço ou, pelo menos, que se traduziu num inequívoco aumento da probabilidade do risco da sua ocorrência. As normas sobre segurança no trabalho têm precisamente como escopo evitarem ou minimizarem o risco de ocorrência de acidentes de trabalho (e da gravidade das suas consequências), devendo pois considerarem-se como aptas a tal efeito. No caso, o acidente ocorreu por via do contacto físico do braço e mão do Autor com uma zona perigosa da máquina que não se encontrava, ao contrário do que deveria, dotada de proteção que impedisse esse contacto. Tal violação não é, pois, inidónea para provocar o acidente, nem da matéria de facto resulta que, para a sua produção, haja decisivamente concorrido qualquer circunstância anormal ou excecional. E razão alguma existe que permita concluir que o acidente, mesmo que não fosse essa violação, sempre teria ocorrido. No sentido de que o acidente teria ocorrido por negligência do sinistrado, o que, assim e no entender da Recorrente “Timepeople”, afastaria o nexo causal entre o mesmo e a violação das mencionadas regras de segurança apela a Recorrente ao seguinte excerto da sentença recorrida em que se refere, a propósito da (não) descaracterização do acidente (art. 14º da Lei 98/2009), o seguinte: “Na verdade, ficou provado que o sinistrado tenha actuado de forma descuidada e negligente, mas tal negligência não se pode reputar de grosseira”. Mais diz a Recorrente que “as funções do trabalhador não consistiam em aceder ao tapete com a máquina em funcionamento.” Tal argumentação também não procede. Da matéria de facto provada resulta que as funções do A. compreendiam as tarefas referidas no nº 7 dos factos provados, ou seja operar com a máquina em causa; e foi a operar com a mesma que o acidente ocorreu, para além de que, sempre se diga, ainda que desnecessário face ao referido, que, como é hoje adquirido, o conceito de acidente de trabalho e a responsabilidade do empregador assenta na teoria do risco de autoridade [e não na antecessora corrente assente na teoria do risco profissional - esta exigindo uma relação de causa e efeito entre o acidente e o trabalho], de acordo com a qual a responsabilidade do empregador decorre da possibilidade do exercício da autoridade por parte deste sobre os seus trabalhadores, dispensando o nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente, bastando-se com alguma relação entre ambos 5. Acresce que a matéria de facto provada não fornece elementos suficientes que sustentem a conclusão de ter o A. atuado de forma negligente. De todo o modo, sempre se diga que não é indispensável, para que haja causa adequada, com a consequente responsabilidade prevista no art. 18º, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade das entidades aí referidas afastada na hipótese de concorrência de causas – Acórdão do STJ de 23.09.2009, Processo nº 107/05.8TTLRA.C1, in www.dgsi.pt. E, por outro lado, a sentença proferida em 1ª instância na parte em que julgou improcedente a então invocada descaracterização do acidente de trabalho (art. 14º da Lei 98/2009) transitou em julgado. 2.4. Tendo em conta o alegado pela Recorrente “Timepeople” nas als. M) e N) das suas conclusões – em síntese, que é uma empresa de trabalho temporário, não referindo o acórdão recorrido que tivesse ela conhecimento das condições em que o trabalho era prestado e que, assim, a violação das regras de segurança e o acidente não lhe seriam imputáveis– há que dizer que não lhe assiste razão. O Acórdão recorrido pronunciou-se, e bem, no sentido da responsabilidade, também e em regime de solidariedade com a empresa utilizadora, da empresa de trabalhado temporário. A questão de saber se, em caso de acidente de trabalho decorrente da violação de normas de segurança sofrido por trabalhador em regime de trabalho temporário, a reparação dos danos dele emergentes recai sobre a empresa de trabalho temporário, a entidade empregadora do trabalhador sinistrado [sem prejuízo do direito de regresso que lhe possa assistir contra os responsáveis], ou sobre a empresa utilizadora, colocou-se aquando das pretéritas Leis nºs 2127, de 3.8.65 e 100/97, de 13.09, encontrando-se, todavia e já no âmbito das mesmas, ultrapassada pelo AUJ nº 6/2013, de 06.02.2013, publicado no DR, 1ª série, de 05.03.2013, o qual uniformizou jurisprudência no sentido de que “A responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho prevista na Base XVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, resultante da violação de normas relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho, por parte de empresa utilizadora, e de que seja vítima trabalhador contratado em regime de trabalho temporário, recai sobre a empresa de trabalho temporário, na qualidade de entidade empregadora, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos gerais” 6. Entretanto, foi publicada a atual Lei 98/2009, a aplicável ao caso, cujo art. 18º, nº 1, mantendo embora a responsabilidade da empresa de trabalho temporário, na qualidade de empregadora, veio expressamente consagrar a responsabilidade solidária também da empresa utilizadora, tendo interesse, a este propósito, o seguinte excerto do mencionado AUJ 6/2013: “Na verdade, a única inovação que resulta do n.º 1 do artigo 18.º da nova Lei dos Acidentes de Trabalho, relativamente às suas antecessoras, está na responsabilização solidária da empresa de trabalho temporário e da empresa utilizadora pela reparação do acidente sofrido pelo trabalhador decorrente do incumprimento das normas de segurança e na forma de efectivação dessa responsabilidade. Enquanto na vigência da Lei n.º 100/97 e da sua antecessora, a empresa de trabalho temporário responsabilizada pelo acidente derivado do incumprimento de normas de segurança pelo utilizador, na sequência da sua condenação, podia exercer o direito de regresso contra a empresa utilizadora pelo contributo desta para o acidente, na vigência da nova lei a empresa utilizadora é responsabilizada, desde logo, no processo e, em caso de procedência da acção, condenada pagar ao sinistrado as indemnizações devidas, solidariamente com a entidade empregadora daquele, a empresa de trabalho temporário. Deste modo, são apenas questões de simplificação processual, no que se refere ao apuramento da responsabilidade pelo acidente, que justificam a alteração legislativa, relegando as complexas questões inerentes ao funcionamento do direito de regresso entre a empresa de trabalho temporário e a utilizadora para fora do processo de acidente de trabalho, mas envolvendo as duas entidades no apuramento do processo causal do acidente e da responsabilidade pelo mesmo. A solução consagrada na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, aprofunda e completa o regime de reparação do acidente, nada inovando no que se refere à responsabilização da entidade empregadora do sinistrado, a empresa de trabalho temporário, e da empresa utilizadora, sob cuja autoridade o trabalhador se encontrava quando ocorreu o acidente”. Ou seja, carece de fundamento a exclusão da empresa de trabalho temporário da responsabilidade prevista no art. 18º da Lei 98/2009, entidade essa que é a empregadora do trabalhador acidentado e a quem também compete assegurar a prestação de trabalho em condições de segurança. 2.5. Concluindo, o acidente de trabalho que vitimou o sinistrado decorreu da violação de normas de segurança imputável às RR empresa de trabalho temporário e empresa utilizadora, sendo ambas solidariamente responsáveis, nos termos do art. 18º da Lei nº 98/2009, pela sua reparação, assim improcedendo as conclusões de ambos os recursos de revista, interpostos pelas Recorrentes “Ramirez” e “Timepeople”. 3. Diz o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto no seu parecer que “[n]ão se compreende, por isso, a razão pela qual no acórdão se condenam as mesmas a pagar uma parte como indemnização agravada e outra como indemnização normal, nas alíneas 1 b) e c) da Decisão. Também se não compreende a menção à responsabilidade solidária da seguradora, que não resulta nem do art.º 18.º nem do n.º 3 do art.º 79.º da LAT. Assim, a indemnização agravada por ITA, que é devida pelas responsáveis recorrentes solidariamente e sem a seguradora, deduzido o valor do reembolso devido à Segurança Social, deve ser indicada em montante único numa só alínea do dispositivo e dela sendo excluída a seguradora. Deverá, ainda, ser expressamente mencionado no ponto 1 da Decisão que a entidade empregadora e a empresa utilizadora são condenadas solidariamente, para melhor clarificação.” É de referir que a reparação devida ao sinistrado por acidente de trabalho tem natureza indisponível e oficiosa 7 – arts. 12º e 78º da Lei 98/2009 e art. 26º, nºs 1, al. e) e 3 do CPT. 3.1. Relembrando, o Acórdão recorrido proferiu a seguinte decisão condenatória: “3. Decisão: Nesta conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em revogar a decisão recorrida no segmento que absolveu as 2ª e 3ª Rés, Entidade empregadora e a Empresa utilizadora do pedido formulado e em conformidade: 1. Condenar as 2ª e 3ª Rés, Entidade empregadora e a Empresa utilizadora, a pagar ao Sinistrado/Autor: a) (…) b) A indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, no montante de € 5.857,02 (cinco mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e dois cêntimos), correspondente ao agravamento por diferença entre a indemnização agravada e a indemnização normal, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data dos atinentes vencimentos, contados a partir de 16/6/2021 e até efetivo e integral pagamento. c) A indemnização normal devida caso não houvesse agravamento, pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, no valor de € 22.161,37 (vinte e dois mil, cento e sessenta e um euros e trinta e sete cêntimos), a que o Sinistrado tem direito e de que a 1ª Ré, Seguradora, responde solidariamente, sem prejuízo do direito de regresso (artigo 79º, nº3 da LAT). d)(…) e) (…) f) (…) 2. Manter a decisão recorrida, na medida em que condenou a Ré Seguradora.”. Na fundamentação do Acórdão recorrido, a propósito do cálculo da indemnização pelo período de ITA, foi referido o seguinte: “Procedendo ao respetivo cálculo: A base é a remuneração anual: € 9.373,00 Face ao período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 29/3/2018 a 15/6/2021 e ao disposto no artigo 18º, nº4, alínea a) da LAT, temos: - 1172 dias de ITA = € 9.373,00:365 x 1172dias = € 30.096,31 É assim devida ao Autor a quantia correspondente ao agravamento que corresponde à diferença entre a indemnização agravada e a indemnização normal, deduzida a quantia de € 2.077,92 que o ISS, pagou ao Autor, a título subsídio de doença no período decorrido de 30/05/2018 a 28/09/2018, ou seja, 30.096,31- 22.161,37- 2.077,92 = € 5.857,02, quantia essa acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, contados a partir de 16/6/2021 e até efetivo e integral pagamento.” [realce constante do texto do acórdão] A alteração da fórmula utilizada nas als. b) e c) do segmento condenatório constante do Acórdão – repartir a indemnização em “normal” e “agravada” - é mais de “forma”, que não de conteúdo [somadas os montante indemnizatórios solidariamente devidos pelas RR empresa de trabalho temporário e utilizadora referidos nessas alíneas, o total é o mesmo]. No entanto, concorda-se com o parecer do Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto, afigurando-se-nos mais curial e consentâneo com o art. 18º, nº 4, al. a), a condenação solidária das RR empregadora e utilizadora no pagamento da indemnização única resultante desse preceito (que dispõe que a indemnização será igual à retribuição) e não, até porque desnecessário, “repartir” a indemnização numa parte como “normal” e noutra parte como “agravada” (diferencial). A indemnização, da responsabilidade solidária daquelas, é uma única, a prevista no art. 18º, nº 4, al. a), que dispõe que ela será igual à retribuição (e, como se dirá, não sendo de aludir à responsabilidade “solidária” da Seguradora pela parte “normal” da indemnização). No caso, o A. auferia a retribuição anual de €9.373,00 e esteve com ITA de 29.03.2018 a 15.06.2021 (1175 dias), pelo que, a título de indemnização pelo mencionado período tem direito à quantia de €30.173,36 (9.373,00 /365 x 1175), à qual haverá todavia que descontar a quantia de €2.077,92 que o Instituto da Segurança Social, IP pagou ao Autor, a título de subsídio de doença, no período decorrido de 30/05/2018 a 28/09/2018. E, assim, tem o A. direito, a tal título, à quantia de €28.095,44, por cujo pagamento são solidariamente responsáveis as RR TIMEPEOPLE – TRABALHO TEMPORÁRIO E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS, LDA e RAMIREZ & CA (FILHOS), S.A.. Sobre a mencionada quantia, são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a data em que cada uma das prestações nela incluídas, deveriam ter sido pagas, e não desde 16.06.2012 (esta a data da alta), atento o disposto nos arts. 804º, 805º, nº 2, al. a), 806º e 559º, todos do Cód. Civil e arts. 50º, nº 1 e 72º, nº 3, da Lei 98/2009 e 135º do CPT. Concorda-se também com o Parecer do Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto ao entender que, ao contrário do que consta do acórdão recorrido, não há que aludir, na condenação, à responsabilidade “solidária” da Ré Seguradora pelo pagamento da indemnização por ITA designada de “normal”. Nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, “3. Verificando-se alguma das situações referidas no art. 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso” 8 [sublinhado nosso]. Há, sim e apenas, que condenar a Ré Seguradora no pagamento das prestações normais, salvaguardando-se embora, nos termos do citado preceito, o seu direito de regresso sobre as prestações devidas ao sinistrado caso não houvesse atuação culposa (prestações ditas “normais”). No mais, o Acórdão recorrido, no ponto 2 do seu segmento decisório, manteve “a decisão recorrida, na medida em que condenou a Ré Seguradora”, o que é de manter, importando todavia e para que dúvidas não existam, deixar agora expressamente consignado que a condenação da Seguradora no pagamento das prestações devidas ao Autor o é, nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, sem prejuízo do seu direito de regresso. *** V. Decisão Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de revista, alterando-se todavia o acórdão recorrido nos seguintes termos: A. Condena-se as RR Timepeople – Trabalho Temporário e Gestão de Recursos Humanos, Ldª e Ramirez & CA (Filhos), S.A., solidariamente, a pagar ao Autor, AA, a quantia de €28.095,44 a título de indemnização pelo período de ITA [já descontada a quantia de €2.077,92 que o ISS, IP, pagou ao Autor, a título de subsídio de doença, no período decorrido de 30/05/2018 a 28/09/2018], bem como a pagar-lhe, sobre a mencionada quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data em que cada uma das prestações nela incluídas deveriam ter sido pagas, até integral pagamento. B. Condena-se a Ré “Seguradoras Unidas, SA” a, nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, pagar ao Autor a quantia de €22.161,37€ a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, deduzida da quantia de €2.077,92 devida ao ISS, IP, sem prejuízo do direito de regresso daquela sobre as demais RR. C. No mais, mantem-se o acórdão recorrido [pontos 1. a), d), e) e f) e 2 do mesmo], sem prejuízo porém do direito de regresso da Ré Seguradora sobre as RR Timepeople – Trabalho Temporário e Gestão de Recursos Humanos, Ldª e Ramirez & CA (Filhos), S.A. sobre as prestações que, nos termos do art. 79º, nº 3, da Lei 98/2009, aquela pague ao Autor. Custas pelas Recorrentes. Lisboa, 02.04.2025 Paula Leal de Carvalho (Relatora) Júlio Gomes Mário Belo Morgado ____________________________________________ 1. Posteriormente integrada, por fusão, na Generali Seguros S.A.↩︎ |