Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LEAL HENRIQUES | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PODERES DA RELAÇÃO PODERES DE COGNIÇÃO MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO RESPOSTAS AOS QUESITOS PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO PREVARICAÇÃO EXTORSÃO MEDIDA DA PENA RENOVAÇÃO DE PROVA ESCUTA TELEFÓNICA JOVEM DELINQUENTE FUNDAMENTO DE DIREITO FUNDAMENTO DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | SJ200307090031003 | ||
Data do Acordão: | 07/09/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 1 V CR LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 292/98 | ||
Data: | 09/22/2000 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na 1ª Vara Criminal de Lisboa, e em Tribunal Colectivo, foram julgados 16 arguidos, acabando por serem sentenciados da forma seguinte: - «Declarar por verificada a excepção de caso julgado relativamente ao crime de tráfico de que vinha pronunciado o arguido A e consequentemente o absolver nestes autos de tal crime. - Declarar por verificada a excepção de caso julgado quanto aos arguidos B e C pelo crime de tráfico relativamente aos factos ocorridos entre Outubro de 1997 e 23 de Julho de 1998 e consequentemente os absolver nesta parte. - Declarar improcedente por não provada a acusação do Ministério Público dos arguidos D e E e consequentemente os absolver dos crimes de que vinham pronunciados. - Declarar procedente por provada a acusação do Ministério Público contra o arguido F e consequentemente condená-lo: - pelo crime de chefia de associação criminosa, com reincidência, na pena de 17 anos de prisão; - pelo crime de tráfico de estupefaciente, agravado, com reincidência, na pena de 11 anos de prisão. - condená-lo em cúmulo jurídico na pena única de 25 anos de prisão. - Declarar parcialmente procedente, por parcialmente provada, na forma demonstrada, a acusação do Ministério Público contra o arguido G e consequentemente: - o absolver do crime de associação criminosa; - o condenar pelo crime de tráfico de estupefacientes, agravado, com reincidência, na pena de 11 anos de prisão. - o condenar pelo crime de falsificação com reincidência, na pena de 2 anos de prisão. - o condenar em cúmulo jurídico na pena única de 12 anos de prisão. - Declarar procedente por provada, na forma demonstrada, a acusação do Ministério Público contra o arguido B e consequentemente: - o condenar pelo crime de associação criminosa, na pena especialmente atenuada de 4 anos de prisão; - o condenar pelo crime de tráfico de estupefacientes, agravado, na pena especialmente atenuada de 5 anos de prisão. - o condenar em cúmulo jurídico na pena única de 6 anos de prisão. - Declarar parcialmente procedente por parcialmente provada, a acusação do Ministério Público contra a arguida H e consequentemente: - a absolver do crime de associação criminosa; - a condenar, como cúmplice, do crime de tráfico de estupefacientes agravado na pena de 5 anos de prisão. - Declarar parcialmente procedente, por parcialmente provada, na forma demonstrada a acusação do Ministério Público contra o arguido I e consequentemente: - o absolver do crime de associação criminosa; - o condenar pelo crime de tráfico de estupefacientes, agravado, na pena de 8 anos de prisão. - Declarar procedente por provada a acusação do Ministério Público contra a arguida J e consequentemente: - a condenar pelo crime de associação criminosa, na pena de 6 anos de prisão; - a condenar pelo crime de tráfico de estupefacientes, agravado, na pena de 6 anos de prisão. - a condenar em cúmulo jurídico na pena única de 8 anos de prisão. - Declarar procedente por provada, na forma demonstrada, a acusação do Ministério Público contra a arguida C e consequentemente: - a condenar pelo crime de associação criminosa, na pena especialmente atenuada de 3 anos de prisão; - a condenar pelo crime de tráfico de estupefacientes, agravado, na pena especialmente atenuada de 3 anos de prisão. - a condenar pelo crime de branqueamento na pena especialmente atenuada de 2 anos de prisão. - a condenar pelo crime de detenção de arma proibida na pena de 6 meses de prisão. - efectuar o cumulo jurídico destas penas com a pena do Proc. 19/99.2TDLSB desta 1ª Vara, 2ª secção, e condená-lo na pena única de 7 anos de prisão . - Declarar procedente por provada, na forma demonstrada, a acusação do Ministério Público contra a arguida L e consequentemente: - a condenar pelo crime de associação criminosa, na pena especialmente atenuada de 3 anos de prisão; - a condenar pelo crime de tráfico de estupefacientes, agravado, na pena especialmente atenuada de 4 anos de prisão. - condená-la em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos de prisão. - Declarar parcialmente procedente, por parcialmente provada, na forma demonstrada, a acusação do Ministério Público contra a arguida M e consequentemente: - a absolver do crime de associação criminosa; - a condenar pelo crime de tráfico de estupefaciente, agravado, na pena de 6 anos de prisão. - Declarar parcialmente procedente por parcialmente provada, a acusação do Ministério Público contra o arguido N e consequentemente: - o absolver do crime de associação criminosa; - o condenar, como cúmplice, do crime de tráfico de estupefacientes agravado na pena de 18 meses de prisão. - Declarar improcedente por não provada a acusação do Ministério Público contra o arguido A pela prática do crime de detenção de arma proibida e consequentemente dele o absolver. - Declarar procedente por provada a acusação do Ministério Público contra o arguido A e consequentemente: - o condenar pela prática do crime de associação criminosa na pena de 6 anos e 6 meses de prisão. - o condenar pela pratica de um crime de branqueamento na pena de 3 anos de prisão. - efectuar o cumulo jurídico desta pena com a pena do Proc. 19/99.2TDLSB desta 1ª Vara, 2ª secção, e condená-lo na pena única de 8 anos de prisão. - Declarar parcialmente procedente por parcialmente provada, a acusação do Ministério Público contra o arguido O e consequentemente: - o absolver pelo crime de associação criminosa. - o condenar pelo crime de tráfico de estupefacientes, agravado, na pena especialmente atenuada de 4 anos de prisão. - Declarar improcedente por não provada, a acusação do Ministério Público contra os arguidos P e Q, pela prática dos crimes de prevaricação e branqueamento e deles os absolver. - Declarar procedente por provada, na forma demonstrada, a acusação do Ministério Público contra os arguidos P e Q e consequentemente: - os condenar pela prática de 1 crime de extorsão na pena de 6 anos de prisão». Inconformados com o sentenciado, dele interpuseram recurso para a 2ª instância alguns dos arguidos condenados e também o MºPº, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão em que decidiu: - conceder total provimento ao recurso interposto pelos arguidos P e Q, absolvendo-os; - conceder parcial provimento ao recurso, alterando a censura imposta à arguida H para 18 meses de prisão, já expiada; - conceder parcial provimento ao recurso relativamente ao arguido O, alterando a respectiva pena para 3 anos de prisão; - negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos G, I e J; - conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo MºPº, relativamente à aplicação do perdão concedido pela Lei nº 29/99, de 12 de Maio à arguida C. Ainda irresignados, vêm agora impugnar esta segunda decisão junto do Supremo Tribunal de Justiça, quer o MºPº, quer os arguidos G, I e O, concluindo assim as respectivas motivações: A) MINISTÉRIO PÚBLICO: - Quanto aos arguidos P e Q: - « Não tendo sido admitida a impugnação da matéria de facto conforme requerido pelos arguidos P e Q, tem a mesma de se considerar fixada. - A reapreciação de parte da fundamentação constante do acórdão de 1ª instância no que a estes arguidos respeita, viola o princípio da livre apreciação da prova constante do artº 127º do CPP e, por isso, tem de ser eliminada. - Os factos assentes nos pontos 40 e 41 do acórdão de 1ª instância configuram os crimes de extorsão e de prevaricação devendo ambos estes arguidos ser por eles igualmente condenados, pelo primeiro delito na pena de 6 anos de prisão, tal como ficou decidido em 1ª instância, e, pelo segundo, e em concurso real, na pena de 2 anos de prisão. - No art° 369° do CP, ao prever e punir a conduta de um funcionário que, no âmbito de um inquérito, não promover ou não praticar um acto no exercício dos seus deveres decorrentes do cargo que exerce, também se abrange a conduta de agente policial que, após perseguir uma pessoa que sabe transportar consigo dinheiro proveniente de tráfico de estupefacientes, lho retira das mãos e, em vez de lavrar o respectivo expediente, se apropria desse dinheiro em proveito próprio. - Caso se não enquadre a conduta dos arguidos no n°1 do art° 369° do CP, sempre cairá na alçada do seu n° 3, pois que, sendo competentes e obrigados a deter a arguida, detectada em flagrante delito de tráfico de estupefacientes agravado (art° 255° do CPP), deliberadamente não o fizeram. - Deve proceder na íntegra o recurso interposto pelo Mº Pº ao acórdão de 1ª instância, tal como consta das conclusões 16ª a 30ª da sua motivação de folhas 4851 e seg., pois que, além de um crime contra o património em geral (extorsão), cometeram os arguidos um crime contra a realização da justiça ( prevaricação) . - Foram violados, além dos preceitos constantes do corpo desta motivação, os art°s 369° e 386° do CP e 127° e 242° e 255° do CPP. - Quanto à arguida H: - A pena aplicada à arguida H de 5 anos de prisão por cumplicidade no crime de tráfico de estupefacientes agravado é ajustada à culpa e ao grau de ilicitude dos factos que cometeu, devendo ser mantida. - Violou-se os art°s 21 ° e 24°, als. b) e c), do DL n° 15/93 e os art°s 27°, 71° e 72° do C. Penal. - Quanto ao arguido O: - A pena imposta ao arguido O de 4 anos de prisão deve manter-se porque ajustada. - Foram neste caso também violados os preceitos citados...» B)- G: - «O recorrente suscitou no seu recurso a questão da renovação da prova, pelo que o acórdão recorrido ao decidir que tal questão não foi suscitada elaborou em erro e, consequentemente, não procedeu ao reexame da matéria de facto, ferindo de nulidade a decisão proferida, por violação do disposto nos art.ºs 417°, n.º 3, al. e), 430°, n.ºs 1 e 2, 431° e 379°, n.º 1°, al. c), todos do CPP, nulidade que não deve considerar- -se sanada e é determinante do reenvio do processo para novo julgamento nos termos do disposto nos artºs. 434° e 426° do mesmo diploma legal para renovação da prova. - O acórdão recorrido não conheceu da inconstitucionalidade da norma do art.º 127° do CPP, por afrontamento do art.º 32°, nº 1, da CRP, invocada pelo recorrente, pelo que é nulo por omissão de pronúncia sobre essa concreta questão, nulidade que não deve considerar-se sanada e é determinante do reenvio do processo para novo julgamento. - O acórdão recorrido não conheceu das restantes questões suscitadas na motivação do recurso e suas conclusões, sendo nulo por violação do disposto no art.º 379°, n.º 1°, al. c), do CPP, nulidade que não deve considerar-se sanada e é determinante do reenvio do processo para novo julgamento. - O exame crítico das provas a que faz referência o n.º 2 do art.º 374° do CPP, impõe que a sentença contenha, ainda que de forma resumida, os elementos indispensáveis, quer de facto quer de direito, a indicação das provas que determinaram a decisão de facto e a explicitação das concretas razões porque aquela prova convenceu o tribunal no sentido expresso na sentença proferida, não se bastando com a simples indicação desses meios de prova e/ou a remissão para outras peças processuais. - O acórdão recorrido, conhecendo da questão suscitada pelo recorrente sobre o valor probatório das declarações dos co-arguidos em caso de co-arguição, decidiu sumariamente que as declarações do co-arguido B não contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal por outra prova válida ter sido produzida, porém, não se pronunciou concreta e fundamentadamente sobre esses meios de prova utilizados. - O acórdão recorrido ao conhecer desta questão bastou-se com a enunciação efectuada no acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância quanto aos meios de prova que ali se referem terem coadjuvado as declarações prestadas pelo co-arguido B, não obstante tais meios de prova terem sido motivadamente postos em crise pelo recorrente enquanto coadjuvadores daquelas declarações e ter sido sobre tais pontos da matéria facto pedida a renovação da prova. - Aquela enunciação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal efectuada pelo acórdão proferido em 1ª instância e pelo acórdão ora recorrido, não cumpre ainda os requisitos do art.º 374°, n.º 2, do CPP, porquanto não foi acompanhada do necessário exame crítico dessas provas, limitando-se a remeter para as mesmas, num caso ou outro com considerações demasiado genéricas sobre tais meios de prova e, ainda assim, parcas, o que o fere de nulidade nos termos do disposto no art.º 379°, n.º 1, al. a), daquele diploma. - O acórdão recorrido ao conhecer e decidir previamente das questões sobre o valor probatório das declarações de co-arguido e vícios da decisão recorrida nos termos do art.º 410°, n.º 2, do CPP, partiu para a apreciação e decisão dos vícios do art.º 374°, n.º 2 e 379°, nº 1, al. a), do mesmo diploma, com base na conclusão a que chegou sobre aquelas matérias, inquinando dessa forma a apreciação e consequente decisão, porquanto tal conhecimento e decisão tiveram como pressuposto a inalterabilidade da factualidade apurada. - O acórdão recorrido ao conhecer da questão da nulidade do acórdão proferido em 1ª instância, por falta de fundamentação no sentido da não verificação de tal vício "... com respaldo integral na resposta dada à questão anterior", fê-lo por recurso a fórmulas genéricas e sem analisar o caso que lhe foi concretamente apresentado, com o que violou o disposto no art.º 374°, n.º 2, do CPP, pelo que é nulo nos termos do disposto no art.º 379°, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal. - A fundamentação constante do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, supra transcrita, e ainda no sentido de que, quanto ao arguido G, "Os meios de prova utilizados no julgamento, não consubstanciam quaisquer limites ou excepções, negativas ou positivas, ao princípio da livre apreciação da prova. E, em consequência, o Tribunal po(u)de valorar livremente a prova e nela encontrar a motivação para a convicção probatória.", é vaga e manifestamente insuficiente, não cumprindo as exigências de fundamentação das decisões, contidas no art.º 374°, n.º2, do CPP e art.º 205°, n.º 1, da CRP. - Inconstitucionalidade do art.º 374°, nº 2, do CPP, que aqui se argui na interpretação efectuada pelo acórdão recorrido, no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto e de direito se basta com a mera enumeração dos meios de prova utilizados, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões previsto no art.º 205°, nº 1, da CRP, bem como, quando conjugada com as normas das alíneas a), b) e c) do n.º 2 e n.º 3 do art.º 410° do mesmo diploma, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do art.º 32° da Constituição da República Portuguesa. - Não obstante a exigência legal, também quanto à impugnação da matéria de facto e verificação, ou não, dos vícios do art.º 410°, nº 2, do CPP, levadas à motivação do recorrente, o acórdão recorrido pronunciou-se em termos meramente abstractos, não analisando concretamente cada uma das questões levadas à motivação e conclusões sobre estas matérias, antes se respaldando na resposta dada a questão anteriormente tratada, ou seja, no sentido da declaração, tout court, da inexistência de tais vícios. - O acórdão recorrido violou assim, também nesta parte, o disposto no art.º 374°, nº 2, do CPP, pelo que é nulo nos termos do estatuído no art.º 379°, nº 1, al. a), do mesmo diploma, mas ainda por via do estipulado na al. c) do mesmo dispositivo, uma vez que o tribunal não se pronunciou sobre as questões que foram concretamente suscitadas quanto à arguida nulidade de falta de fundamentação e invocados vícios da decisão nos termos do art.º 410°, n.º 2, als. a) a c), nulidades que determinam o reenvio do processo para novo julgamento. - A interpretação do art.º 374°, nº 2, e 410°, nº 2, do CPP, efectuada pelo acórdão recorrido, no sentido de que a apreciação das questões que foram colocadas ao tribunal se basta com a mera remissão para a apreciação efectuada quanto a outras questões, não exigindo ainda a sua fundamentação, é insconstitucional, por violação do dever de fundamentação das decisões previsto no art.º 205°, nº 1, da CRP, bem como, quando conjugada com as normas das alíneas a), b) e c) do n.º 2 e n.º 3 do art.º 410° do mesmo diploma, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do art.º 32° da Constituição da República Portuguesa. - O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao aderir, na íntegra, à motivação de facto e de direito do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, confirmando-a, sem a necessária análise e fundamentação, para além de padecer dos vícios da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância que assim se lhe comunicam, está ferido da nulidade prevista no art.º 379°, nº 1, als. a) e c) do CPP, por violação do disposto no art.º 374°, n.º 2 e do art.º 205°, nº 1, da CRP. - Invocados os vícios do art.º 410°, nº 2, do CPP, impunha-se que o acórdão recorrido verificasse - independentemente da renovação da prova -, se a matéria de facto provada era suficiente para a decisão de direito tomada, se existia ou não contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, uma vez que estes são requisitos da fundamentação e consequentemente da própria decisão. - Da leitura e análise do texto do acórdão proferido em 1ª instância e a que o acórdão recorrido aderiu, verifica-se que os factos constantes de 34. e 36. dos Factos Provados, no sentido de que também o recorrente transaccionou elevadas quantias de produto estupefaciente que veio a ser distribuída, ao longo do tempo, por elevado número de consumidores, estão em flagrante e insanável contradição, com os factos constantes de 2., 3., 5., 8., 12. e 37. desses mesmos Factos Provados e ainda com os factos constantes de 1., 3., 4., 10., 11., 12 e 16. dos Factos Não Provados. - Tais factos, constantes de 34. e 36. dos Factos Provados, estão ainda em contradição insanável com a motivação da decisão de facto, nomeadamente, na parte em que refere, expressamente, que, relativamente ao crime de associação criminosa quanto ao arguido G, não se deram os factos como provados porque as declarações do arguido B, em sentido afirmativo, não se encontram corroboradas por outros meios de prova. - E ainda em contradição com o texto do acórdão proferido em 1ª instância quanto ao aspecto jurídico da causa e a que o acórdão recorrido aderiu, onde se decidiu que relativamente ao recorrente não se provou a materialidade fáctica relativa ao crime de associação criminosa em razão do que o absolveu nessa parte. - Por sua vez, os factos constantes dos pontos 2., 3., 5., 8., 12. e 37. dos Factos Provados e dos pontos 1., 3., 4., 10., 11., 12 e 16. dos Factos Não Provados, estão em contradição, também ela insanável, com o texto do acórdão proferido em 1ª instância na parte referente ao aspecto jurídico da causa - enquadramento jurídico penal - a que o acórdão recorrido aderiu -, mais concretamente na apreciação dos elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes por que o recorrente foi condenado, porquanto sobre a mesma questão resultam daquele posições antagónicas e inconciliáveis. - Assim, por um lado, decorre do texto da decisão proferida que o arguido G não aceitou associar-se ao grupo organizado dos restantes co-arguidos (vd. 2., 3., 5., 12., 37, dos factos provados e 1., 3., 4., 10., 11. e 12., dos factos não provados), não entregou quaisquer das quantidades de produto estupefaciente enunciadas na pronúncia a qualquer dos seus co-arguidos, incluindo o B, com excepção da entrega do dia 27.11.98 (vd. 2., 3., 5., 12., 37, dos factos provados e 1., 3., 4., 10., 11. e 12., dos factos não provados); não auferiu qualquer rendimento em razão de tal actividade e tão pouco que os bens que lhe foram apreendidos foram dela provenientes (vd. 16. dos factos não provados). - Mas, por outro lado, decidiu-se que o arguido G actuou no âmbito de um plano prévio e gizado por todos os co-arguidos para a venda de produtos estupefacientes no Casal Ventoso de Baixo, ao longo do tempo, angariando dessa actividade proventos económicos que repartiam entre si (vd. 36. dos factos provados, motivação de facto, enquadramento jurídico-penal e a parte relativa aos destino dos bens apreendidos). - Tais posições antagónicas e inconciliáveis sobre as mesmas questões são inultrapassáveis pelo tribunal de recurso, pelo que, estando a decisão eivada deste vício, impunha-se e impõe-se a renovação da prova ou o reenvio do processo para novo julgamento, para que se desfaça a contradição e se decida em conformidade (art.ºs 410°, n.º 2, 430°, 431°,434° e 426, todos do CPP). - Da análise do próprio texto da decisão recorrida, por si só e quando conjugado com as regras da experiência comum, verifica-se que dos factos provados (1, 3, 4, 10, 11, 12 e 16) e não provados (34 e 36), e da fundamentação, não pode concluir-se que o recorrente tivesse transaccionado elevadas quantias de produtos estupefacientes e, consequentemente, que tais quantias tivessem sido distribuídas, ao longo do tempo e por elevado número de consumidores e que com as mesmas tivesse ou visasse obter quaisquer lucros, verificando-se flagrante e insanável contradição. - Os factos provados e não provados não permitem a integração da conduta do recorrente nos elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 24, als., b) e c) do DL 15/93, de 22 de Janeiro, sendo que um non liquet nesta matéria, não pode deixar de ser resolvido senão a favor do arguido, admitindo-se no máximo que a ocorrência descrita em 15. dos factos provados, integre o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art.º 21°, nº1, do DL 115/93, de 22 de Janeiro. - O acórdão recorrido padece pois do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ferindo-a de nulidade, devendo, em consequência, ser a mesma revogada e substituída por outro que integre a conduta do arguido na previsão do art.º 21°, nº 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro ou, caso assim se não entenda, proceder-se à renovação da prova ou reenviar-se o processo para novo julgamento (artºs 410°, n.º2, 430°,431°,434° e 426, todos do CPP). - Tendo o acórdão recorrido, face às declarações prestadas pelo arguido B sobre a quase totalidade da matéria imputada na pronúncia ao seu co-arguido G, decidido no sentido de aquelas condutas terem sido praticadas não pelo recorrente (vd. 1., 3., 4., 10., 11., 12. e 16 do factos não provados), mas pelo declarante (vd. 2., 3., 5., 8., 12., 37., dos factos provados), a única ilacção a retirar é a de que aquelas declarações não são credíveis também no que respeita ao facto levado a 15, dos Factos Provados. - Não se trata apenas da verificação de as declarações do arguido B estarem desacompanhadas de outros meios de prova quanto às condutas imputadas ao recorrente mas não provadas, mas ainda da intrínseca credibilidade das declarações por aquele prestadas, no seu todo, no que respeita às condutas por ele atribuídas ao recorrente e quanto ao juízo formulado no acórdão no sentido de o mesmo ter colaborado durante a investigação com os órgãos de polícia criminal e sobretudo na audiência, na produção da prova, de modo profícuo para dar como provados factos relevantes relativamente a alguns arguidos e à actividade deles no âmbito da organização a que estavam ligados (vd. 51 dos factos provados). - Verifica-se, pois, um manifesto erro na apreciação da prova como decorre ainda do facto de o acórdão sustentar a sua convicção e juízo formulado nos relatórios de vigilâncias efectuados por agentes da P.J. que confirmariam aquelas declarações, os quais, mencionados na motivação da decisão de facto - a fls. 88 e 89, 91 a 93, 227 a 230, 347 e 348, 405 e 473 -, apenas referem encontros entre ambos os co-arguidos, nada mais do que isso e por isso se deram como não provados e inerente factualidade (vd. 2. e 4. dos factos não provados). - Fiscalizada a credibilidade das declarações do co-arguido B, até pela verificação de elementos exteriores à própria declaração corroboranda, concluiu-se pela inexistência de prova adicional que torne segura a versão dos factos por aquele apresentada, resultando a condenação do recorrente apenas nas declarações de um co-arguido. - O acórdão recorrido não considerou todos os elementos de prova colhidos nos autos e apreciados em sede de discussão da causa - designadamente, os depoimentos das testemunhas de defesa arroladas pelo recorrente transcritos no texto da decisão recorrida -, meios de prova que credibilizam a versão dos factos por ele apresentada e que foram levados à motivação da decisão de facto por o Tribunal os ter considerado rigorosos e isentos, revelando-se assim essenciais e não insignificantes para a boa apreciação e decisão da causa. - Não se pronunciando sobre questões que lhe foram apresentadas o acórdão encontra-se ferido de nulidade (art.º 379°, n.º 1, al. c), do CPP), verificando-se ainda erro notório na apreciação da prova, vício que fere de irremediável nulidade a decisão proferida e determina a absolvição imediata do recorrente, ou, caso assim se não entenda, a renovação da prova e/ou o reenvio do processo para novo julgamento (cfr. art.ºs 410° n.º 2, al. c), 431°,434° e 426°, todos do CPP). - O acórdão recorrido limitou-se a afirmar, de forma genérica e abstracta, que se mostram preenchidos os pressupostos de facto de que dependia a imputação do referido ilícito que consta da pronúncia, verificando-se manifesta insuficiência da fundamentação da decisão proferida (art.ºs 374°, n.º 2, 379° n.º 1, al. a) e 410°, n.º 3 do CPP), nomeadamente quanto à integração da conduta do recorrente descrita em 15. dos Factos Provados, no tipo p. e p. no art.º 24°, als. b) e c), do DL 15/93, de 22 de Janeiro. - Também no que respeita à escolha e medida concreta da pena, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre as questões suscitadas, limitando-se a considerações doutrinais sobre o processo de determinação da pena, fazendo considerações vagas e reproduzidas das apreciações que fez sobre esta questão quanto aos demais recorrentes, concluindo, assepticamente, no sentido de a pretensão do recorrente não proceder, enfermando assim de manifesta insuficiência da fundamentação da decisão proferida (art.ºs 374°, n.º 2, 379°. n.º 1, al. a) e 410°, n.º 3 do CPP). - Tanto mais que a pena aplicada ao arguido se situa próxima do limite máximo, mesmo considerando a agravação prevista nas alíneas b) e c) do art.º 24° do DL 15/93 de 22 de Janeiro - no que se não concede -, apresentando-se excessiva e desproporcionada de per si, mas sobretudo face à pena aplicada aos seus co-arguidos, nomeadamente ao F e ao B, cujas condutas são objectiva e subjectivamente muito mais gravosas e não obstante a acentuada redução de que este beneficiou em razão da sua alegada colaboração. - O acórdão recorrido, ao manter inalterada a pena aplicada ao arguido G, violou o disposto nos art.ºs 40°, n.º 2, 70°, 71°, nºs 1 e 2, als. a) e b), do CP, pelo que deva a decisão ser revogada, no sentido de a pena concreta a aplicar ao recorrente, ser substancialmente reduzida, situando-se próximo do seu limite mínimo, considerando a moldura penal abstracta aplicável ao crime p. e p. pelo art.º 21°, n.º 1 , do DL 15/93 de 22 de Janeiro». C) - I: - «O conteúdo das transcrições telefónicas eram primeiramente do conhecimento dos elementos policiais. - Tais transcrições foram feitas segundo o critério dos agentes, ou segundo o critério previamente imposto pelo superior hierárquico. - Assim, primeiro o órgão policial procedia às transcrições das fitas gravadas, segundo um critério por ele escolhido e só depois eram entregues ao Juiz de Instrução Criminal. - Este limitava-se a ordenar a junção aos autos. - Tal posição contende com o disposto no art.º 188º, nº1, do C.P.Penal. - Também outro dos itens do art.º 188, nº1, do C.P.P., foi violado ao não se levar as fitas gravadas imediatamente ao conhecimento do juiz. - As escutas, nesta conformidade, estão feridas de nulidade e consequentemente são método proibido de prova. - A nulidade a que nos referimos é cominada no art.º 189º do C.P.P., porque se traduz numa proibição de prova, sendo, portanto, arguível a todo o tempo, o que ora se faz. - Consequentemente estando as escutas feridas de nulidade e sendo método proibido de prova, não podiam ser valoradas em julgamento, consequentemente não o tendo entendido assim o Tribunal "a quo" que aderiu às violações atrás mencionadas. - O tribunal de 1ª instância fez uso do disposto do princípio da livre apreciação da prova. - Tal princípio vem consignado no disposto no art.º 127º do C.P.P.. - Não se estabelecendo quaisquer regras, que não as aleatórias regras da experiência, dá-se uma tão grande amplitude ao julgador na livre apreciação da prova que torna tal norma inconstitucional por violação do disposto no art.º 32º, nº1, do C.R.P., inconstitucionalidade que se pretende ver declarada com legais consequências, posto que o Tribunal ora recorrido não acolheu a tese do recorrente antes sufragando a posição do tribunal de 1ª instância. - O douto acórdão de 1ª instância não fundamentou a sua convicção sobre a matéria de facto. - Formula a sua convicção sobre os factos provados e não provados, no que tange ao arguido O, ora recorrente, por remissão para o depoimento de co-arguido, testemunha, vigilância e escutas. - Não foram exibidas, nem o arguido confrontado com quaisquer documentos em tribunal. - O douto acórdão violou pois o art.º 374º, nº2, do C.P.P. sendo por isso nulo, por força do disposto no art.º 379º, al.c) do mesmo diploma, sendo certo, que o aresto em apreciação sufragou tal violação. - Foi ainda violado o disposto no art.º 355, nº1, do C.P.P., o que reconduz à nulidade do acórdão, tendo também tal violação sido sufragada pelo tribunal recorrido. - Ao não se indicar os motivos de facto que fundamentaram a decisão em 1ª instância violou-se o disposto no art.º 320º, nº1, e 212, nº1, do C.P.P, o que o tribunal "a quo" consentiu. - O Audi-Porche RS2, matrícula ...-II, a embarcação TUIUI-I e o Ford Cosworth, não podem ser perdidos a favor do estado, pois tendo sido adquiridos pelo arguido I, não se deu como provado na sentença ter este utilizado dinheiro proveniente de qualquer actividade ilícita. - O mesmo se diga relativamente ao imóvel sito na Urbanização da Anta, Av. Infante D.Henrique n.º ... - l° Dto, Agualva, Cacém, pois deu-se como provada que a compra foi em Novembro de 97, com base numa certidão do Registo Predial que apenas diz que foi registado nessa data. - O tribunal de 1ª instância, por falta de elementos, não podia dizer que a compra foi nessa data, até porque tal ocorreu em Novembro de 96. - Sendo que quanto ao O, aqui recorrente, só se deu por provado ter entrado no negócio da droga em 97, e consequentemente não podia dar-se como provado ter o dinheiro origem ilícita, e tendo o Tribunal da Relação de Lisboa aderido à tese perfilhada em 1ª instância, manteve a violação do disposto nos art° 374º, nº 2 e 379º, nº1, b), do C.P.P. que conduz à anulação do julgamento. - A pena de 8 anos aplicada ao O é manifestamente exagerada, tanto mais que o Tribunal "a quo" veio a reconsiderar algumas penas aplicadas pelo tribunal de 1ª instância, diminuindo- -as. - O recorrente é primário e tem bom comportamento anterior e posterior aos factos. - O seu dolo é menos intenso, posto que segundo o douto acórdão de 1ª instância se limitou a ajudar pontualmente a companheira J no tráfico de estupefacientes. - Ao manter-se uma pena tão elevada não se teve em conta o disposto nos art.s 71º e 72º do C .P .P , pelo que se manteve a violação de tais preceitos legais. - O recorrente entende que lhe deveriam ter sido aplicadas as normas violadas, no sentido expendido pelo legislador, o que defende na sua motivação». D) - O: - «No acórdão de 1ª instância foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, numa pena especialmente atenuada de 4 anos de prisão. - O Tribunal da Relação de Lisboa, face ao recurso interposto, decidiu aplicar uma pena detentiva de 3 anos. - O Tribunal de 1ª instância considerou como provado, no ponto 147 do acórdão por si proferido, que o arguido ora recorrente "... confessou os factos relativamente ao crime de tráfico de que vinha pronunciado, que praticou como forma de obter drogas que consumia e de que actualmente se encontra recuperado, revelando-se arrependido". - E que "actualmente trabalha como estafeta auferindo mensalmente entre esc. 100.000$00 e esc. 150.000$00 conforme os serviços" e que "Vive com a mãe e um irmão e contribui com esc. 30.000$00 mensalmente para a manutenção do agregado familiar" e ainda que "no CRC do arguido junto aos autos, nada consta". - Pese a alteração feita, o Tribunal da Relação de Lisboa, na determinação da pena, não ponderou correctamente as finalidades específicas da pena de prisão. - O crime pelo qual o recorrente foi condenado reveste-se de acentuada ilicitude e gravidade, porém, a moldura concretamente estabelecida sobre condições pessoais do recorrente e as circunstâncias do facto punível determinam que a pena atribuída seja ainda excessiva, se atentarmos num quadro de reintegração social e de prevenção especial. - O recorrente continua a ser, presentemente, um indivíduo social e familiarmente integrado, responsável e produtivo da nossa sociedade. - Na determinação concreta da medida da pena não foi ainda devidamente ponderado o seguinte: - o facto de o arguido, ora requerente, ser, à data dos factos, toxicodependente e de este facto ter sido determinante na prática dos factos; - o facto de ter confessado; - o facto de não ter antecedentes criminais; - o facto de ser jovem e ter envidado sérios - e bem sucedidos - esforços de recuperação da toxicodependência de que padecia; - o facto de se ter esforçado no sentido de uma reintegração social e familiar, ambas conseguidas; - o facto de ter cumprido todas as obrigações processuais. - o facto de não ter cometido nenhum outro ilícito desde a prática dos factos. - Por outro lado, o crime em apreço - tráfico de estupefacientes p. e p. no artº 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro - é um tipo de ilícito que visa proteger, axiologicamente, a incolumidade pública na sua vertente da saúde pública - o bem jurídico primordialmente protegido por esta incriminação. - Ora, no presente caso, tal como definido na matéria de facto dada como provada, não devia o Tribunal da Relação ter concluído - como concluiu - que continuam a existir razões repressivas e preventivas que determinam a atribuição de uma pena de prisão efectiva. - O recorrente não tem antecedentes criminais. - As circunstâncias em que os factos foram objecto de julgamento foram praticados e os respectivos contornos não foram ainda devidamente ponderados pelo Tribunal da Relação. - Na determinação concreta da medida da pena, o Tribunal da Relação não ponderou devidamente o facto de o recorrente ser, à data dos factos, toxicodependente e de este facto ter sido determinante da prática dos factos, o facto de ter confessado, o facto de não ter antecedentes criminais, o facto de ser jovem e de ter envidado sérios - e bem sucedidos - esforços de recuperação da toxicodependência de que padecia, o facto de estar plenamente reintegrado social e familiarmente, o facto de ter cumprido todas as obrigações processuais e o facto de não ter cometido nenhum outro ilícito desde a prática dos factos. - O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artº 21º, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, é o tipo de ilícito que visa proteger, axiologicamente, a incolumidade pública, na sua vertente da saúde pública. - Mas diversamente do que entendeu o Tribunal da Relação no presente caso, tal como definido na matéria de facto como provada, não subsistem razões repressivas e preventivas especiais que determinem a atribuição de uma pena de prisão efectiva. - Conforme refere o Tribunal de 1ª instância, tem sido perfilhado um entendimento jurisprudencial no sentido de que "... o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos consumidores de estupefacientes e afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e tem comprovados efeitos criminógenos" - No entanto, o Tribunal da Relação não espelha este entendimento (Cfr. Preâmbulo do DL 15/93 de 22/01), nem pondera uma série de outros factores, com consequente violação do espírito deste e outros normativos legais. - O recorrente sabe, por experiência pessoal e mais concretamente pelo facto de ter sido consumidor de estupefacientes, que o tráfico afectou a sua vida, a sua integridade física, a sua liberdade e a sua vida em sociedade, pois dificultou, se não mesmo impediu, a sua inserção social e familiar durante o período em que o foi e teve os referidos efeitos crimonógenos - pelos quais respondeu em julgamento. - E é por este motivo que o recorrente entende que o Tribunal da Relação não considerou todos os factores supra referenciados na configuração da pena, com consequente violação do disposto nas alíneas c) in fine, d) do nº2 do artº 71º e c) do nº1 do art.º 72º, todos do Código Penal. - Acresce que, diversamente do entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação, o recorrente beneficia como beneficiou do regime especial constante do DL nº 401/82 de 23 de Setembro, pelo que a pena devia ter sido especialmente atenuada e suspensa na sua execução. - Aliás, o Tribunal diz que só não suspende a pena porque não parece possível formular já o prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento futuro. - Esquece o Tribunal da Relação que poderá suspender a pena e ao mesmo tempo sindicar o comportamento futuro do recorrente através da imposição de determinadas obrigações (cfr. artº 8º do DL nº 401/82 de 23 de Setembro.) - O cumprimento agora, 4 anos após o cometimento do crime, de uma pena de prisão efectiva pelo recorrente terá efeito inevitavelmente perverso e que desvirtua aquele que é o escopo da aplicação de uma pena. - Donde o acórdão sindicado ter violado o disposto no artº 4º do DL citado. - O Tribunal da Relação considerou os factos em termos estritamente objectivos e imediatos, sem ponderar as consequências-nefastas - sociais e pessoais que inevitavelmente advirão para o arguido e para a sociedade, se este for condenado numa pena de prisão efectiva. - Assim, deve a pena concretamente determinada na decisão recorrida ser modificada na decisão de recurso. - Ponderadas todas as circunstâncias que têm, necessariamente e nos termos da lei, de influir na determinação da pena concreta - a confissão, o arrependimento, a toxicodependência do arguido como motivo determinante da prática do ilícito, a inexistência de antecedentes criminais, o cumprimento de todas as obrigações processuais, v.g. de apresentação desde o início do julgamento, a sua integração familiar e social - decerto o Supremo Tribunal concluirá que a pena adequada a aplicar ao arguido deverá ser suspensa na sua execução. - A pena é manifestamente excessiva, sobretudo se tivermos em consideração a pena concretamente aplicada a outros co-arguidos, que não agiram num quadro de toxicodependência grave como o arguido, ora recorrente. - Ao ter concluído pela aplicação ao arguido de uma pena de três anos, o Tribunal "a quo" violou os artigos 71° e 72° do Código Penal e, num plano mediato, o Tribunal violou também o art° 50° do Código Penal. - A decisão do tribunal "a quo", e em concreto a violação das disposições penais supra invocadas, contende ainda com as garantias de defesa asseguradas ao arguido no processo criminal, com consequente violação do nº1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa que assegura ao arguido todas as garantias de defesa. - Entende o arguido que a decisão recorrida deve ser modificada, concluindo-se pela aplicação de uma pena de 3 anos, suspensa na sua execução, uma vez que se verificam os pressupostos de que a mesma depende, sendo que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidade da punição». Ao recurso do MºPº responderam os arguidos pela forma seguinte: A) - O: - o MºPº nada aponta que ponha em crise o acórdão ora em apreciação quanto à medida da pena; - ao contrário do que propugna, essa pena deve ser ainda mais reduzida, atento o circunstancialismo provado e a atitude demonstrada pelo arguido em julgamento. B) - P e Q: - a Relação julgou bem absolvendo os arguidos, porquanto não dispunha de prova para decidir de maneira diferente; - na verdade, as escutas telefónicas nada têm a ver com tais arguidos e os demais depoimentos ou são apenas de ouvir dizer (caso do R e da S) ou não são credíveis (caso da co-arguida C). Aos recursos dos arguidos respondeu o MºPº na comarca, para dizer, em síntese, o seguinte: A)- Quanto ao do G: - o arguido apenas evidencia desacordo quanto à matéria de facto que o Colectivo entendeu fixar, o que não só não tem qualquer relevo, como não cabe ao STJ reapreciar matéria dessa natureza; - os factos apurados não autorizam outro tipo de enquadramento legal; - a pena imposta e confirmada na 2ª instância não merece censura, atenta a culpa do arguido e os seus antecedentes criminais (foi condenado em 1991 em 12 anos de prisão por crime igual). B)- Quanto ao do I: - o arguido foi bem absolvido do crime de associação criminosa; - a invocação de nulidades das escutas telefónicas é uma mera tentativa de reeditar a discordância sobre a matéria de facto, sendo certo que o Tribunal da Relação já apreciou anteriormente a questão e de forma correcta; - a pena imposta (8 anos de prisão) só peca por defeito. C)- Quanto ao do O: - ao pedir o agravamento da pena de 3 anos de prisão imposta pela Relação, o MºPº tem implícito no seu recurso a discordância quanto à suspensão da execução da pena subscrita por este arguido. Neste Supremo Tribunal de Justiça o MºPº pugnou pelo prosseguimento dos autos, designando-se data para audiência oral. Colhidos os vistos, foi o processo a julgamento, havendo agora que apreciar e decidir. 2. As Instâncias deram como provados os seguintes factos: - «O arguido F foi julgado e condenado, por acórdão de 01/07 de 1993, no âmbito do processo da 3ª Secção n.º 228/91, 6.ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática de vários crimes, designadamente o de tráfico de estupefacientes, na pena de 13 anos, 1 mês e 15 dias, vindo a ser-lhe concedida a liberdade condicional em 6 de Julho de 97. - Não obstante a condenação referida, este arguido, revelando uma clara indiferença ao aviso de que a mesma lhe deveria ter servido, continuou a dedicar-se à actividade de tráfico de estupefacientes em quantidades avultadas e no âmbito do qual viria a auferir elevadas quantias em dinheiro. - desde data não concretamente apurada mas que se sabe ter sido durante o ano de 1997 o arguido F, no âmbito da sua referida actividade, associou-se a B, J, C, L e A, também arguidos nestes autos, com os quais, de forma reiterada, organizada e sob sua chefia, nos termos subsequentemente descritos, passou a introduzir produtos estupefacientes, designadamente heroína e cocaína, no nosso país, cujo destino final seria, atentas as quantidades envolvidas, milhares e milhares de consumidores, auferindo lucros pecuniários, com os diferenciais entre os preços de aquisição e venda, em montantes não concretamente apurados mas que se traduziram em muitas dezenas de milhares de contos. - O arguido F, dono do produto estupefaciente, o qual recebia de local e indivíduos não apurados, entregava-o ao arguido B o qual por sua vez se encarregava de o entregar às arguidas J, L, C e A e aquelas três arguidas, por sua vez, se encarregavam de o pesar, dosear, embalar e providenciar pela sua venda aos consumidores. - Inicialmente, pelo menos durante o ano de 1997, o local de pesagem, embalamento e doseamento foi numa casa pertencente à arguida J, sita no Casal Ventoso de Baixo, n.º ..., em Lisboa. - Mais tarde e por solicitação da arguida J, a arguida M aceitou disponibilizar para a pesagem, embalamento e doseamento da droga a sua residência e do seu marido, sita na Rua Conselheiro Pequito, n.º ..., 1.º Drt., na amadora, o que ocorreu durante o primeiro trimestre de 1998. - O arguido N em data não concretamente apurada do Verão de 1998 veio a ter conhecimento de que a sua residência era utilizada para a pesagem, embalamento e doseamento da droga pelas arguidas J, C e L, nada tendo feito para lhes pôr termo, por influência da mulher, que o dominava emocionalmente. - O arguido F procedia às entregas do produto estupefaciente ao arguido B, normalmente, nas ruas da Amadora, após prévia combinação, através de telemóvel. - Inicialmente a quantia exigida pelo F, por cada quilo de heroína, era de 5.250.000$00 (cinco milhões duzentos e cinquenta mil escudos). - A arguida H em data não concretamente apurada passou a ter conhecimento de que o marido B, a filha L e ainda a companheira do filho J e irmã desta, C, se dedicavam à venda de produtos estupefacientes, a ela não se opondo, aconselhando-os de forma a que os mesmos não fossem detidos pelas autoridades. - O produto estupefaciente era levado para a residência da arguida M, através do arguido B e algumas vezes também através do arguido I , este último, posteriormente, também se encarregava de fazer transportes de estupefaciente já embalado, para o Casal Ventoso, com vista à sua venda neste local. - Em dia não concretamente determinado mas situado durante o período de tempo correspondente ao último trimestre de 1997, o arguido F fez duas entregas, de um quilo de heroína cada, ao arguido B, após combinação prévia, através de telemóvel. - Tal heroína, pela qual o arguido F exigiu que lhe viesse a ser entregue, depois de vendida, o preço de 5.250.000$00, por Kg., foi depois transportada para a residência da arguida M , pelo arguido B. - O produto estupefaciente entregue pelo arguido F ao arguido B era transportado para a residência dos arguidos M e N, e depois de embalado e devidamente doseado, era posteriormente direccionado para zonas de venda aos consumidores e quase sempre para o Casal Ventoso, em Lisboa. - Este último transporte era feito, para além do arguido I, pelo arguido A, o qual se deslocava ao apartamento referido, sito na Rua Conselheiro Pequito, e recebia a droga de uma das arguidas L, C ou J . - O arguido A vendia o estupefaciente recebido no Casal Ventoso, para onde se transportava na sua moto Honda CBR 900RR, com a matrícula ...-LC, apreendida e examinada a fls. 901. - Depois de vendida a droga, levava o dinheiro para a casa da arguida M, entregando-o a uma das arguidas C, J ou L. - Pelo trabalho realizado, o arguido A recebia uma quantia compreendida entre os 10 e os 50 mil escudos diários, consoante as receitas obtidas. - Este arguido exerceu a actividade referida sempre sob a ordem e direcção das arguidas J , C ou L, a quem competia pagar-lhe o trabalho, até 23 de Julho de 1998, data em que veio a ser detido, no âmbito do processo com o NUIPC 17967/97.7TDLSB, por tráfico de estupefacientes. - Depois da detenção do arguido A, tornou-se necessário arranjar alguém que o substituísse. - Assim, a arguida J contactou o arguido O, conhecido pelo "Brasileiro", para exercer as funções de transporte e venda de produtos estupefacientes, mediante o pagamento da quantia diária de 60.000$ (Sessenta mil escudos). - A partir daquela altura, o arguido O instalou-se na casa da arguida J, sita no Casal Ventoso, n.º 153, local onde procedia à venda da droga a consumidores. - Nas vendas efectuadas no Casal Ventoso, os arguidos facturavam inicialmente valores na ordem dos 500/600 mil escudos diários. - Estes valores vieram a aumentar consideravelmente e, em Novembro de 1998, altura em que se procederam às primeiras detenções dos arguidos, tais valores atingiam já os 6.500.000$00 (seis milhões e quinhentos mil escudos), diários, correspondentes á venda de cerca de 1Kg. de estupefaciente. - No dia 1 de Novembro de 1998, cerca das 22 horas, as arguidas J, L e C, encontravam-se na residência dos arguidos M e N, preparando heroína para vender, estando a arguida H, em tal residência, na sala com os netos; - Cerca das 22.15 horas, as quatro arguidas saíram da residência referida na amadora - Rua Conselheiro Pequito - fazendo-se transportar cada uma delas numa viatura. - A arguida H conduzia a viatura Volkswagen POLO, com a matrícula ...-IB, apreendida e examinada a fls. 899-G, a arguida J, a viatura Volkswagen SHARON, com a matrícula ...-IA, a L a viatura PEUGEOT 106 GTi. com a matrícula ...-JX, apreendida e examinada a fls. 900 e a C a viatura Opel Corsa com a matrícula ...-IN, apreendida e examinada a fls. 899-B. - Tomaram a direcção de Lisboa, pelo trajecto que passa junto à Academia Militar, atravessaram o IC 19 e junto às instalações da Fiat, viraram à direita, dirigindo-se as quatro para a zona sul do parque de estacionamento do hipermercado "..." , onde pararam as viaturas, excepto a arguida H, a qual, entretanto, atrasara o andamento da sua viatura, em relação às outras arguidas. - Estas arguidas (L, J e C), encontraram-se naquele local com o arguido D, o qual se encontrava no interior da viatura Nissan Micra, com a matrícula ...-BH. Estas arguidas entregaram ao D uma mochila cujo conteúdo não resultou concretamente apurado. - O arguido G, no dia 1 de Outubro de 1998, viajou para a Colômbia, via Madrid, com regresso marcado para o dia 14 do mesmo mês, fazendo-se acompanhar de sua esposa U. - No dia 27 de Novembro de 1998, o arguido G, após prévio contacto telefónico com o arguido B, combinou com este encontrarem-se num parque de estacionamento sito nas traseiras de um posto de abastecimento de combustível, junto à Estrada Marginal, em Santo Amaro de Oeiras, para ali lhe entregar cerca de 1 kg. de heroína. - O arguido B dirigiu-se para o local, fazendo-se transportar na sua viatura de marca Mercedes-Benz, com a matrícula ...-HV, apreendida e examinada a fls. 899-I, onde sempre se transportava no âmbito da sua actividade de narcotráfico. - Ali chegado, estacionou a viatura no parque, saiu da mesma e posicionou-se junto à entrada do referido parque, à espera do arguido G, o qual chegou alguns momentos depois, fazendo-se transportar numa viatura de marca Seat-Toledo ostentando a matrícula ...-LF, não verdadeira, apreendida e examinada a fls. 899-F. - Com efeito, a matrícula verdadeira de tal viatura á ...-CF e a sua substituição, por outra não verdadeira, teve como objectivo iludir a acção das autoridades, em caso de eventual avistamento de tal viatura, no âmbito da sua actividade ilícita. - O arguido G parou a viatura junto ao arguido B, o qual abriu a porta da frente do lado direito da viatura, introduziu a parte superior do corpo na mesma e depois de ter estado a conversar por alguns momentos com o G, recebeu deste uma embalagem com cerca de 1 quilo de heroína. - O arguido G retirou-se de imediato do local, para Oeiras , onde reside. - O arguido B foi nesta altura interceptado por elementos da Polícia Judiciária - DCITE, os quais vigiavam a sua acção e a do arguido G, tendo-lhe sido apreendida a heroína que acabara de receber. - Entretanto, o arguido G Tomar, que se dirigira para a sua residência sita no n.º ..., da Rua Garcia da Orta em Oeiras, foi imediatamente seguido por elementos da P. Judiciária e veio a ser detido alguns momentos depois, quando se aprestava para deixar já a residência, fazendo-se agora transportar num "JEEP" de marca Nissan, com a matrícula XC-... , apreendido e examinado a fls. 899-A. - O arguido G fora já condenado no âmbito do Proc. 396/91 da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, em 1991, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 12 anos de prisão. - Em 27 de Outubro de 1997, veio-lhe a ser concedida a liberdade condicional, pelo que, ao actuar da forma supra descrita, demonstrou uma clara indiferença ao aviso de que lhe deveria ter servido a anterior condenação. - Na mesma altura e na residência dos arguidos M e N, sita na Rua Conselheiro Pequito, n.º ..., 1.º Drt. na amadora, encontrava-se o seguinte material relacionado com a actividade de narcotráfico: - diversos sacos plásticos, contendo heroína, com o peso bruto de 3,5 Kg. de heroína, para ali levada pelo arguido B; - 1 saco de plástico contendo cocaína, com o peso líquido de 220,8 gramas, também levada para ali pelo arguido B; - diversos sacos plásticos, destinados a embalar droga; - 3 balanças de precisão de marca "Tanita", destinadas a pesar droga, contendo resíduos de heroína e cocaína; - 383 pequenas embalagens plásticas contendo cocaína, já doseada e preparada para venda , com o peso líquido de 155,2 gramas; - dinheiro português, no montante de 804.000$00 (oitocentos e quatro mil escudos) obtidos na actividade de narcotráfico; - A arguida C detinha consigo, na sua residência, sita na Urbanização Vale Mourão, n.º ..., 1.º Esq. em Paiões, Rio de Mouro, os seguintes valores e objectos, relacionados com a sua actividade de narcotráfico: - dinheiro português no montante de 8.919.000$00 (oito milhões novecentos e dezanove mil escudos); - dinheiro Espanhol, no montante de 9.000 pesetas; - diversas peças em ouro, com o peso total de 1.274 Kgs.; - 1 moto de marca Honda CBR 900RR, de cor laranja, com a matrícula ...-LC, a qual fora utilizada para transporte de droga para o Casal Ventoso, pelo companheiro da arguida, A. - Nas imediações da residência dos arguidos M e N detinha ainda consigo, a arguida C, a viatura de marca Opel Corsa, com a matrícula ...-IN. - Ainda na sua residência, detinha a arguida C , na mesma altura (27/11/98), um revólver de calibre 38 Especial, equivalente a 9 mm no sistema métrico, da marca Smith & Wesson, modelo 15, com o n.º de série 3K2459, de origem norte americana, em boas condições de funcionamento, bem como 25 munições, do calibre respectivo. - Tal revólver fora adquirido a desconhecidos, na feira da ladra, em Lisboa, pela arguida C, companheira do arguido A. - O arguido B, na mesma altura e relacionada com a descrita actividade de narcotráfico, detinha com ele, na residência sita na Av.ª Cidade de Oeiras n.º ..., r/c -C, na Amadora: - diversos artigos, designadamente 5 relógios e 16 artigos em ouro, com o peso bruto de cerca de 9 quilos, todos descriminados a fls. 493/494; - aparelhos de som e imagem; - 1 conjunto de pequenos sacos plásticos, dos utilizados para acondicionar estupefaciente. - A arguida H detinha ainda consigo no interior da sua viatura de marca Volkswagen Polo, com a matrícula ...-IB, estacionada nas imediações da sua residência e que igualmente foi apreendido, os seguintes artigos: - 1 balança de precisão de marca "Tanita", destinada a pesar objectos de ourivesaria; - 1 saco plástico contendo vários molhos de sacos igualmente de plástico, destinado a acondicionar objectos em ouro; - 2 estojos em veludo, contendo peças de joalharia, com o peso bruto de 1, 657 Kg.; - dinheiro português, no montante de 154.000$00 (cento e cinquenta e quatro mil escudos) em moedas de 20$00, 50$00, 100$00 e 200$00. - A arguida J, bem como o seu companheiro, o arguido I , o " Mau Mau", na altura fugido à acção das autoridades, detinham, na residência da primeira, sita na Av.ª Infante D. Henriques, n.º ..., 1.º Drt., no Cacém, relacionada com a descrita actividade de narcotráfico: - 13,75 gramas de canabis, vulgarmente conhecido por haxixe; - diversos artigos em ouro, com o peso de 1,163 Kgr.; - dinheiro português, no montante de 383.500$00(trezentos e oitenta e três mil e quinhentos escudos); - dinheiro espanhol, no montante de 10.000 pesetas; - 1 viatura de marca Opel Tigra, com a matrícula ...-EJ, estacionada junto á residência. - Ao arguido G, para além da viatura Seat Toledo,... foram apreendidos, na sua residência, diversos artigos, designadamente vários telemóveis, relógios, peças em metal amarelo, bem como uma balança de precisão digital de marca "micro Scale", com o número de série 23861020045, os quais se encontravam na sua residência, sita em Rua Garcia de Orta, n.º ..., 6.º B, em Oeiras. - Mais foram apreendidos ao arguido um veículo automóvel ligeiro de mercadorias de marca Citroen, com a matrícula ...-FOX, examinada a fls., 899-E, e um motociclo de passageiros de marca Honda, modelo VFR 800 FI, com a matrícula ...-LA, examinada a fls. 901. - Foram apreendidas as viaturas de marca BMW, modelo Z3, com a matrícula ...-HZ e da marca Peugeot, modelo 106 GTi, com a matrícula ...-LX, adquiridas pela arguida L, com dinheiro proveniente da actividade de narcotráfico, ambas registadas em nome de seu marido T . Na compra da viatura BMW, por 7.541.561$00 a arguida H, mãe da L, contribuiu com 4.000.000$00( v. cheque de fls. 940). - Os arguidos F, B, J, C, L e A, antes de se terem associado com vista ao exercício da actividade de narcotráfico, já se dedicavam, desde altura não concretamente apurada, à referida actividade de cujos proventos iam retirando benefícios, adquirindo bens diversos, tais como imóveis e viaturas, designadamente, para além dos supra descritos, o arguido B o imóvel sito na Rua Elvira Velez, Torre A - ..., nº ..., 7º Dtº, em São João da Caparica e a Vivenda sita na Rua José Malhoa nº ..., - Marisol - em Almada. - Em Fevereiro de 1998, os arguidos A e C, sua companheira, compraram a X, id. a fls.1137, este em representação da firma "...- Sociedade de Construções, Lda", a fracção autónoma, designada por letra "C", correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano, lote 66, sito em Vale Mourão - Paiões - Rio de Mouro, pelo preço de 18.500.000$00 (dezoito milhões e quinhentos mil escudos), pago de imediato e em notas do Banco de Portugal, obtidas na venda de droga . - Com o intuito de ocultar a proveniência de tal dinheiro, o arguido A, pediu ao arguido E que aceitasse figurar na escritura de compra e venda como comprador. - O arguido E aceitou a proposta que lhe foi feita e desta forma figurou como comprador na escritura de compra e venda respectiva, datada de 18 de Fevereiro de 1998. - Os arguidos J e I , seu companheiro, em Novembro de 1997, compraram, pelo preço de 15.000.000$00(quinze milhões de escudos), pagos a pronto, no acto da escritura, em notas do Banco de Portugal, o imóvel sito em Urbanização da Anta, Av.ª Infante D. henrique, n.º ..., 1.º drt., em Agualva-Cacém. - Em finais de 1997, o arguido I comprou por 3.000.000$00 (três milhões de escudos) pagos em 3 prestações de 1000 contos a viatura Opel Tigra, referida no ponto 23.º. - Pelo mesmo arguido foi ainda comprado: - a viatura de marca Audi, Porsche RS2 Avant, de matrícula ...-IL, por preço superior a 8.000 contos, apreendida e examinada a fls. 1275. - a viatura de marca Ford Escort Cosworth, com a matrícula ...-BC, pelo preço de 3.800 contos, apreendida e examinada a fls. 1276. - uma embarcação de recreio, com a denominação TUiUIU-II, tipo lancha, em fibra de vidro, pelo preço de 2.000 contos, apreendida a fls. 1252, examinada a fls. 2654; - em Agosto de 1998, um prédio rústico, com a área de 1890 m2, sito em Esporão, inscrito na matriz cadastral da freguesia de São Pedro de Tomar, sob o art. 5.º da Secção G, feita pelo preço de 4.8000.000$00 (quatro milhões e oitocentos mil escudos), pagos a pronto e com notas do Banco de Portugal. - O arguido D, no dia 10 de Fevereiro de 1999, detinha consigo, na sua residência, sita na Rua Maria Pia, n.º..., porta 13 em Lisboa, 1500 sacos de plástico. - O arguido F, depois da detenção do arguido B e esposa, a arguida H, ocorrida a 28 de Novembro de 1998, pretendeu saber das condições em que eles e os outros arguidos associados consigo se encontravam. - Assim, cerca de dois meses após tais detenções, durante o mês de Janeiro de 1999,o arguido F enviou ao arguido B, através de seu filho Z, a quantia de Esc: 2.500.000$00, destinada a custear as despesas com a sua defesa. - O dinheiro foi entregue a A' , filho do arguido B, num consultório de próteses dentárias onde o mesmo trabalhava, sito na Travessa dos Inglesinhos. - Desta forma pretendia o arguido F, além do mais, garantir o silêncio do arguido B, sobre quem chefiava o grupo organizado de narcotráfico. - Face aos indícios existentes contra o arguido F, da prática dos factos que agora lhe são imputados, veio o mesmo a ser detido no âmbito dos presentes autos e submetido a 1.º interrogatório judicial, a fls. 2188 e sgs. - Na altura em que foi detido, a 28 de Setembro de 1999, foi apreendido ao arguido F a sua viatura de marca Audi, modelo A6, com a matrícula ...-LB, documentação bancária diversa e ainda 7 telemóveis, destinados a fazer contactos, no âmbito da actividade de narcotráfico, sendo o elevado número de aparelhos uma forma de melhor se poder salvaguardar de eventuais intercepções telefónicas, ordenadas pelas autoridades competentes. - Um dia após a detenção do arguido F e no dia 29 de Setembro de 1999, a sua filha V, id. a fls.2170, com receio de que as contas bancárias de seu pai viessem a ser congeladas, dirigiu-se à agência do ... - ... , sita na Rua Conde de Oeiras, na Reboleira - Amadora e procedeu ao levantamento da quantia de 4.600.000$00 (quatro milhões e seiscentos mil escudos) da conta n.º 00218527712, titulada por seu pai, que obtivera tal dinheiro na actividade de narcotráfico. - Esta quantia veio-lhe a ser apreendida , conforme auto de fls. 2175, por elementos da P. Judiciária, que vigiavam a sua acção. - O arguido F , depois de ser detido e no dia 30 de Setembro de 1999, foi submetido a 1.º interrogatório judicial, nos termos do art. 141.º do C.P.Penal. - Neste interrogatório e a fls. 2190, este arguido referiu que havia sido contactado por um indivíduo espanhol e que este lhe propôs a participação e colaboração numa operação de descarga e transporte de 2.000 Kgs. de cocaína que iria ser adquirida na Colômbia e transportada por navio, efectuando-se o transbordo em alto mar para um barco de pesca de Peniche, local onde a cocaína viria a ser descarregada, armazenada por alguns dias, seguindo-se o seu transporte para Madrid. - Ao arguido F caberia receber a droga após o desembarque, transportá-la para um armazém que teria de arranjar, bem como contratar e organizar o transporte que a levaria a Espanha. - O arguido F demonstrou disponibilidade para colaborar com a justiça na descoberta e detenção dos indivíduos implicados em tal transporte de cocaína. - As diligências que o arguido teria então de realizar, juntamente com o órgão de polícia criminal eram incompatíveis com a sua permanência em Estabelecimento Prisional, uma vez que, após o seu 1.º interrogatório judicial, lhe foi imposta a medida de prisão preventiva. - A Polícia Judiciária propôs então que a custódia do arguido F ficasse a cargo daquela polícia, pelo tempo indispensável à realização das diligências, o que veio a ser deferido , por despacho de fls. 2214. - A 16 de Outubro de 1999, quando ainda se encontrava sob a custódia da Polícia Judiciária, o arguido F logrou fugir, iludindo a vigilância dos agentes que o guardavam, factos estes que estão a ser averiguados, por processo instaurado à ordem do despacho de fls. 2475 a correr termos autonomamente. - Os arguidos F, G, B, I, J, C, L, M, A e O tinham perfeito conhecimento da natureza e características da heroína e cocaína, a cujo tráfico procediam. - Os arguidos F, B, J, C, L e A, nas diferentes formas das suas acções, ora fornecendo a heroína, ora servindo de intermediários ou "correios" de produto estupefaciente ou dinheiro, tiveram sempre consciência de que agiram no âmbito de um grupo organizado cujo objecto era o tráfico de estupefacientes, chefiado pelo arguido F, dono de todo o produto estupefaciente transaccionado no âmbito da associação criada. - Os arguidos F, G, B, I, J, C, L, M, A e O agiram com intuitos lucrativos e as elevadas quantidades de produto estupefaciente que transaccionaram vieram a ser distribuídas, ao longo do tempo, por elevado número de consumidores. - Os arguidos F, B, J, C, L e A auferiram, ao longo do tempo e por força da descrita acção conjugada e organizada, elevados ganhos pecuniários, o que permitiu a alguns deles adquirirem os bens respectivamente supra indicados. - O arguido G, ao colocar na viatura Seat Toledo chapas de matrícula não verdadeiras, nos termos descritos..., pôs em crise a credibilidade que tais números identificadores de viaturas devem merecer do Estado e do público em geral. - O revólver supra referido, não se encontra registado nem manifestado e a arguida C sabia que não o podia adquirir nem deter, nas condições descritas. - Durante a tarde do dia 14 de Junho de 1998 a arguida C, no âmbito da actividade de narcotráfico, deslocou-se, na sua viatura de marca Opel Corsa com a matrícula ...-IN, ao Casal Ventoso, onde foi fazer a recolha de dinheiro da venda de estupefaciente dos dois dias anteriores que se encontrava na casa da arguida J, sita no Casal Ventoso de Baixo, n.º ... . - Daquele local trouxe então, na viatura, uma mochila, contendo dinheiro português no montante de 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos). - De seguida, a arguida dirigiu-se às bombas de combustível da ..., sitas na Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, em Lisboa, no sentido Lisboa-Cascais, para abastecer de combustível a sua viatura. - Nesta altura, a movimentação da arguida C era seguida pelos arguidos P, 1.º subchefe da PSP, da Esquadra de Lisboa da Avenida João Crisóstomo e Q, Guarda da PSP de Alfragide, os quais se faziam transportar numa viatura de marca Honda Concerto, com a matrícula NX-..., registada em nome da esposa do arguido P e conduzida pelo este último. - Assim, cerca das 18 horas, depois de a arguida C ter parado a viatura nas bombas referidas, o arguido P fez o mesmo . - Os arguidos P e Q sabiam que a arguida C transportava consigo elevada quantia em dinheiro, proveniente de tráfico de estupefacientes e pretendiam apoderar-se do mesmo. - Enquanto o P se manteve ao volante da viatura, o Q saiu da mesma e dirigiu-se ao guichet das bombas, onde se encontrava a trabalhar na altura S. - O Q que, tal como o seu companheiro P, trajava à civil, perguntou então à funcionária referida se podia sair pelas traseiras das bombas, dado não ter abastecido, tendo-lhe sido dada resposta afirmativa. - De seguida, o Q, depois de ter passado pela viatura do seu companheiro P e enquanto este se mantinha no seu interior, dirigiu-se à arguida C, a qual caminhava para a sua viatura e, depois de lhe ter dito que era um agente policial, perguntou-lhe se sabia da razão porque ele e o seu companheiro se encontravam no local. - A arguida C, perfeitamente consciente da ilicitude da sua actividade, respondeu-lhe que sim. - O Q disse-lhe então para não gritar nem fazer barulho, enquanto o arguido P saía do seu carro e de imediato se dirigia à viatura da arguida C. - O P abriu a porta da viatura da C e retirou do seu banco traseiro a mochila contendo 15.000.000$00 no seu interior. - Nesta altura o arguido Q disse à arguida C que a aguardariam depois da caixa de pagamento das bombas de combustível, para formalizarem a apreensão, o que acabaram por não fazer, tendo-se ambos retirado do local, na posse do dinheiro. - Em vez de elaborarem o auto de apreensão respectivo, ficando dessa forma o dinheiro referido à ordem do processo que então se deveria iniciar contra a arguida C, os arguidos P e Q fizeram sua a referida quantia em dinheiro, a qual dividiram entre ambos, gastando-a em seus próprios proveitos. - Agiram os arguidos F, G, B, I, J, C, L, M, A, O, P e Q de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo serem proibidas todas as suas apuradas condutas. - Os arguidos N e H agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que ao actuarem da forma supra mencionada prestavam auxílio moral à prática da actividade de tráfico de estupefacientes levada a cabo pelos arguidos B, J, L, C e I, sabendo serem proibidas tais condutas. - O arguido F dispõe dos antecedentes criminais aludidos na parte 1 e constantes da certidão de fls. 4138 a 4274, e do C.R.C. de fls. 4083 a 4085. Tendo sido julgado e condenado no âmbito do processo 228/91 da 3ª secção da 6ª Vara Criminal de Lisboa por acórdão de 3.04.92, relativamente a factos ocorridos entre o mês de Abril de 1989 e Janeiro de 1990, por crimes de associação de delinquentes, e crime continuado de tráfico de estupefacientes, respectivamente nas penas de 14 anos de prisão e 10 anos de prisão e ainda em 1.500.000.00 Esc. de multa. Sendo em cúmulo jurídico condenado na pena única de 18 anos de prisão e 1.500.000.00 de multa. Decisão que foi alterada por acórdão de 1.07.1993, tendo o arguido sido condenado pelo crime de associação criminosa na pena de 13 anos de prisão e pelo crime continuado de tráfico na pena de 6 anos e 6 meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena de 15 anos de prisão, a qual após a aplicação do Dec. Lei 15/93 e da Lei 23/91 ficou reduzida à pena única de 13 anos, 1 mês e 15 dias de prisão. Esta decisão transitou em julgado. - O arguido G à data dos factos vivia com a mulher, comerciante de roupas e ouro, tendo a cargo de ambos dois filhos. - O arguido dedicava-se à compra e venda de automóveis, auferindo mensalmente entre 400.000$00 e 800.000$00. - O arguido é estimado e considerado pelas pessoas com quem priva. - O arguido tem como habilitações literárias o 3º ano do Curso de Direito. - O arguido G admitiu conhecer o arguido B, ter tido com o mesmo encontros na Amadora e ainda ter-se encontrado com o mesmo no dia 27 de Novembro de 1998 em Santo Amaro de Oeiras perto do posto de abastecimento de combustível sito junto à estrada marginal. - Foi já julgado e condenado: - no proc. 396/91 da actual 3ª secção da 8ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 20.12.91, alterado pelo acórdão do S. T. J. de 14.05.92, na pena de 12 anos de prisão e em 150.000.00 de multa com 100 dias de prisão em alternativa, por crime de tráfico agravado, relativamente a factos ocorridos entre Janeiro de 1991 e 1 de Fevereiro de 1991. Foi-lhe perdoado 1 ano e 6 meses de prisão ao abrigo do disposto no artº 14º nº1 b) 2ª parte, da Lei 23/91 de 4.07, metade do valor da pena de multa e a prisão em alternativa (nº1 c) e nº3 do mesmo perceito). - no proc. 20845/90 -D da 2ª secção do 4º Juízo Correccional de Lisboa, por sentença de 3.02.1992, transitada em julgado, por crime de emissão de cheque sem provisão ocorrido em 14 de Abril de 1988 na pena de 2 anos de prisão. - Foi-lhe efectuado cúmulo jurídico das penas no âmbito do processo 396/91 e por acórdão de 30-03-93, o arguido condenado na pena única de 12 anos e 3 meses de prisão e em 150.000.00 de multa com 100 dias de prisão em alternativa. Esta pena beneficiou do perdão de 1 ano, 6 meses e 11 dias de prisão, metade da multa e correspondente prisão alternativa, tendo o acórdão cumulatório transitado em julgado. - O arguido B confessou na generalidade os factos. - Colaborou durante a investigação com os órgãos de polícia criminal e sobretudo em audiência, na produção de prova, de modo profícuo para dar como provados factos relevantes relativamente a alguns dos arguidos e à actividade deles no âmbito da organização a que estavam ligados. - Revelou-se arrependido. - O arguido B à data dos factos trabalhava como protésico, auferindo mensalmente entre Esc: 350.000$00 e Esc: 400.000$00. - Vivia com a mulher, a co-arguida H e um filho. - Tem como habilitações literárias a antiga 4ª classe. - O arguido é estimado e considerado pelas pessoas com quem priva. - Do C.R.C. do arguido junto aos autos, e da certidão de fls. 4373 a fls. 4407, acresce que foi julgado no âmbito do Proc. 19/99.2TCLSB da 2ª Secção da 1ª Vara Criminal de Lisboa relativamente a factos ocorridos entre Outubro de 1997 e 23 de Julho de 1998 tendo sido absolvido por acórdão de 17.12.99, transitado em julgado em 31.07.2000. - A arguida H admitiu os factos descritos no supra número 6. - Explorava um Salão de Beleza. - Trabalhavam neste estabelecimento vários empregados. - Os clientes do Salão pagavam os serviços prestados em dinheiro e cheque. - Possuía uma conta na ... do ... onde efectuava os movimentos acima mencionados. - Auferia com esta actividade proventos não concretamente apurados. - Também se dedicava à comercialização de artigos em ouro, jóias e relojoaria. - Esta actividade já a exercia há cerca de 10 anos. - Estava devidamente autorizada, pela Casa da Moeda, a exercer esta actividade. - Adquiria estes artigos em vários locais. - Designadamente em importadores e fabricantes de artigos em ouro situados na Zona Norte do país. - Em várias ourivesarias situadas em Lisboa e zonas circundantes. - Estes artigos, após adquiridos aos seus fornecedores, eram armazenados na residência da arguida, sita na Avª Conde de Oeiras, Amadora. - Era essencialmente a arguida H quem vendia estes artigos. - Esta actividade era exercida no Bairro do Casal Ventoso, na Docapesca, na Ribeira e na 24 de Julho. - Deslocava-se para esses bairros na sua viatura onde transportava os artigos referidos. - Muitos desses artigos eram acondicionados num mostruário próprio para venda. - Os artigos em ouro eram vendidos à peça e /ou ao peso. - A pesagem desses artigos em ouro era efectuada por uma balança própria para o efeito da marca "Tânita". - Estes artigos eram vendidos a pronto pagamento ou a prestações. - Para os pagamentos a prestações a arguida utilizava vários livros onde identificava os seus clientes bem como os montantes em dívida. - Os pagamentos em prestações, ou a pronto pagamento, eram efectuados fundamentalmente em notas e moedas. - As moedas eram colocadas pela arguida em pequenos sacos de plástico sendo entregues no banco em quantias devidamente repartidas em diversos sacos. - Recebia quase diariamente montantes não concretamente apurados. - Este procedimento vinha sendo feito há cerca de 10 anos. - Também o ouro que a arguida recebia dos seus clientes para concertar era embalado em sacos de plástico. - Obtinha proventos não concretamente apurados com esta actividade comercial e só uma parte da comercialização desses artigos era facturada. - Os valores em cheques debitados na sua conta da ..., eram na sua maioria destinados aos seus fornecedores dos artigos mencionados. - Estes valores pagos em cheque eram superiores aos valores declarados. - Tais artigos, todos eles têm um contraste que identifica o fornecedor. - A quantia monetária (241.500$00), tinha sido por si recebida no exercício da actividade de ourives que desempenhava. - Os artigos apreendidos e descritos no ponto nº 21 também não estavam relacionados com o tráfico de estupefacientes mas sim com a sua actividade profissional a que vimos fazendo referência. - Nesse dia, mais uma vez, tinha-se deslocado ao Bairro do Casal Ventoso a fim de vender os artigos que comercializava e também receber as prestações em dívida de dezenas de clientes seus. - Fazia-se transportar no seu veículo VWPolo . - Transportava na mala desse veículo os instrumentos e produto dessa actividade. - O mostruário com peças de joalharia destinadas à sua comercialização. - O imóvel sito na Avª Cidade de Oeiras, nº..., r/c -C na Amadora foi adquirido com os proventos da actividade profissional da arguida H . - A arguida admitiu que a partir de determinado momento que não concretizou com exactidão passou a ter conhecimento de que o arguido B, seu marido, os arguidos L, sua filha, J companheira do seu filho e C se dedicavam à venda de produtos estupefacientes, a ela não se opondo, aconselhando-os de forma a que os mesmos não fossem detidos pelas autoridades. - A arguida é estimada e considerada pelas pessoas com quem priva. - Dispõe como habilitações literárias a antiga 2ª classe do Ensino Primário. - Do C.R.C. da arguida junto aos autos nada consta. - O arguido I à data dos factos trabalhava como motorista de táxi de forma irregular. - Vivia com a co-arguida J tendo a cargo de ambos um filho de cerca de seis anos de idade. - Do C.R.C. do arguido nada consta. - A arguida J confessou os factos e revelou-se arrependida. - Vive maritalmente com o arguido I e têm um filho de 6 anos de idade o qual se encontra a cargo do pai. - À data dos factos não exercia qualquer profissão remunerada. - No E. P. onde se encontra tem a ocupação de faxina e frequenta o ensino recorrente. - Dispõe como habilitações literárias do 6º ano de escolaridade. - Do C.R.C. da arguida junto aos autos nada consta. - A arguida C confessou na generalidade os factos. - Colaborou durante a investigação com os órgãos de polícia criminal e sobretudo em audiência, na produção de prova, de modo profícuo para dar como provados factos relevantes relativamente a alguns dos arguidos, designadamente P e Q. - Revelou-se arrependida. - Vive maritalmente com o arguido A desde 1993, tendo ambos um filho de 5 anos de idade neste momento a cargo da mãe da arguida. - À data dos factos não exercia qualquer profissão remunerada. - No E. P. em que se encontra trabalha em tapetes e frequenta o ensino recorrente. - É estimada e considerada pelas pessoas com quem priva. - Como habilitações literárias dispõe do 6º ano de escolaridade. - A arguida C foi julgada e condenada no âmbito do Proc. 19/99.2TCLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção, por acórdão de 17.12.99 por 1 crime de tráfico do artº 21º do Dec. Lei 15/93, na pena 5 anos de prisão, relativamente a factos ocorridos entre Outubro de 1997 e 23 de Julho de 1998. Tal acórdão transitou em julgado em 31.07.2000. - A arguida L confessou, no essencial, os factos, revelando-se arrependida. - Pouco tempo após a sua prisão a arguida decidiu colaborar com as autoridades na descoberta da verdade material e, por sua iniciativa, contactou o Sr. Agente da Polícia Judiciária no sentido de lhe tomar declarações a fim de esclarecer os factos. - A sua colaboração revelou-se decisiva para o melhor esclarecimento da actividade delituosa da arguida e dos seus co-arguidos. - A arguida contribuiu para que o seu co-arguido I se apresentasse em Juízo, a fim de ser submetido a 1º interrogatório, o que efectivamente veio a acontecer e ainda para a identificação de outros co-arguidos. - A arguida iniciou vida marital, com o seu actual marido, com 14 anos de idade, e teve o primeiro filho aos 15 anos de idade, tendo neste momento 3 filhos menores a cargo daquele. - A arguida começou a ter problemas conjugais algum tempo antes da prática dos factos, dos presentes autos, estando os mesmos na origem dos factos apurados. - Actualmente tais problemas encontram-se completamente ultrapassados, e o seu marido, pai dos seus filhos, visita-a com assiduidade; - Dispõe do apoio de toda a sua família; - É estimada e considerada pelas pessoas com quem priva. - Em liberdade tem emprego assegurado. - Tem bom comportamento no Estabelecimento Prisional, desempenhando funções de faxina e frequentando o ensino recorrente. - Dispõe como habilitações literárias do 4º ano de escolaridade. - Do C.R.C. da arguida junto aos autos nada consta. - A arguida M confessou em parte os factos apurados a si relativos, designadamente ter facultado a sua residência e do seu marido para a guarda e manuseamento das drogas. - É casada com o arguido N , tendo uma filha menor, neste momento a cargo do pai. - À data dos factos desempenhava a profissão de cabeleireira num salão pertença da arguida H, sua irmã, auferindo mensalmente entre duzentos e trezentos mil escudos. - É estimada e considerada pelas pessoas com quem priva e tida por clientes que atendia como uma excelente profissional. - No E. P. em que se encontra exerce a actividade de cabeleireira. - Como habilitações literárias dispõe da 4ª classe. - Do C.R.C. da arguida junto aos autos nada consta. - O arguido N trabalha como motorista de táxi por conta de uma tia paterna, recebendo vencimento variável que pode chegar aos Esc. 200.000.00. - É caçador, actividade com que ocupa os tempos livres, na companhia do pai, para o que possui as armas apreendidas nestes autos, as quais foram oferecidas pelo pai e se encontram legalizadas. - Possui o veículo Citroen AX, matrícula ...-FF, que foi adquirido pelo seu pai B' no ano de 1985, a crédito e a prestações, e lho ofereceu. - O arguido e a mulher são proprietários do imóvel sito na Rua Conselheiro Pequito, adquirido por ambos, no ano de 1996, mediante recurso a crédito bancário, pagando à data dos factos a quantia de 118.000.00 à Entidade Mutuária, sendo esta quantia na totalidade proveniente do vencimento de ambos. - Actualmente tem a seu cargo a filha menor. - O arguido é estimado e considerado pelas pessoas com quem priva, sendo tido pela família como pessoa influenciável devido ao seu carácter pacífico e bondoso. - Do C.R.C. do arguido junto aos autos nada consta. - O arguido A vivia maritalmente com a co-arguida C com quem tem um filho de cerca de cinco anos de idade. - Anteriormente e por várias vezes estivera em França onde desempenhou actividades remuneradas, por período de tempos não concretamente apurados, onde fez também um tratamento de desintoxicação de drogas, com resultados positivos. - Acresce que já foi julgado e condenado no âmbito do Proc. 19/99.2TCLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção, por acórdão de17.12.99 por 1 crime de tráfico do artº 21º do Dec. Lei 15/93, na pena de 5 anos de prisão relativamente aos factos ocorridos entre Outubro de 1997 e 23 de Julho de 1998, que transitou em julgado. - O arguido O confessou os factos, relativamente ao crime de tráfico de que vinha pronunciado, que praticou como forma de obter drogas que consumia e de que actualmente se encontra recuperado, revelando-se arrependido. - Actualmente trabalha como estafeta auferindo mensalmente entre Esc: 100.000.00 e Esc. 150.000.00 conforme os serviços. - Vive com a mãe e um irmão e contribui com Esc. 30.000.00 mensalmente para a manutenção do agregado familiar. - Dispõe como habilitações literárias do 6º ano de escolaridade. - No C. R. C. do arguido junto aos autos nada consta. - No C.R.C. relativo ao arguido D nada consta. - O arguido E é amigo e companheiro de infância do arguido A , sendo que as famílias de ambos se conhecem reciprocamente e anteriormente aos factos sabia que o arguido A tinha estado emigrado em França a trabalhar, o mesmo sucedendo com a maioria dos seus familiares - pais e irmãos - que se encontram emigrados naquele país há vários anos. - Teve conhecimento de que o A que era casado e tinha desse casamento uma filha menor, com quem deixou de viver, sem que se tivesse divorciado, tendo arranjado uma companheira, a arguida C. - Devido aos litígios mantidos com a sua esposa, o arguido A não podia figurar como comprador de qualquer imóvel sob pena deste vir a ingressar no património do casal, devido a tais factos acedeu a figurar na escritura de compra e venda, como comprador do apartamento em questão; sempre desconhecendo qualquer actividade ilícita ao arguido A e à arguida C. - Actualmente trabalha numa empresa de ferro auferindo mensalmente cerca de Esc. 90.000.00. - Vive com os pais. - Dispõe como habilitações literárias do 6º ano de escolaridade. - Do C.R.C. do arguido junto aos autos nada consta. - O arguido P é Sub-Chefe da P.S.P. há já mais de 9 anos, tendo a sua dedicação e desempenho profissional merecido um Louvor do Comando Geral e outro do Comando Distrital. - Há cerca de 2 anos o arguido atravessou uma crise matrimonial devido a desavenças com a mulher, na sequência do que foi intentada a acção de Regulação do Exercício do Poder Paternal que correu termos pelo 2º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal de Família e Menores de Lisboa. - Actualmente vive na mesma casa e sofre de problemas de saúde. - Era tido pelos superiores como bom profissional, sendo estimado e considerado pelas pessoas com quem priva. - No C.R.C. do arguido junto aos autos nada consta. - O arguido Q é agente da P.S.P. e nessa qualidade obteve quatro louvores pela sua dedicação e desempenho profissional. - Desenvolvia a actividade de segurança de um grupo de discotecas e casas de diversão nocturna, onde auferia entre 350.000.00 e 450.000$00 mensais, actividade que vem exercendo há já alguns anos. - Era tido pelos superiores como bom profissional, sendo estimado e considerado pelas pessoas com quem priva. - No C.R.C. do arguido junto aos autos consta ter sido o mesmo julgado e condenado no Proc. 18.168/91 da 2ª Secção do 3º Juízo Criminal de Lisboa, por sentença de 12.07.95, transitada em julgada, por crime de ofensas corporais voluntárias, ocorrido em 30.07.91, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de Esc. 400.00, com 60 dias de prisão em alternativa». Deu-se como não provado que: - «Os arguidos G, H, I, M, N e O tenham aceite associar-se ao grupo organizado. - O arguido N tenha aceite disponibilizar a sua residência sita na R. Conselheiro Pequito, nº ... , 1º Dt., na Amadora, para a pesagem, embalamento e doseamento da droga. - Em princípios do ano de 1998, o arguido F decidiu deixar de fazer contactos directamente com o arguido B, com vista ao fornecimento de produtos estupefacientes, e que para o substituir em tais contactos, o arguido F contactou com o arguido G. - Desta forma, o arguido F mais se resguardava de uma eventual acção, por parte das autoridades. - E que as entregas de produto estupefaciente ao arguido B passaram, assim, a ser feitas pelo arguido G, sob as ordens do arguido F. - Até à data da sua detenção em 27 de Novembro de 1998, o arguido G fez entre 20 a 30 entregas de heroína ao arguido B, em quantidades que variavam entre 1 a 3 quilos de cada vez. - Tais entregas eram feitas em locais diversos, mas a maior parte delas eram feitas na Reboleira-Amadora, perto da agência do Banco .... - No dia 1 de Novembro de 1998 a arguida H estava a preparar heroína para vender. - No dia 1 de Novembro de 1998, tinha sido encomendada quantidade não determinada de heroína, a qual deveria ser entregue ao arguido D, na zona sul do parque de estacionamento do hipermercado "...", junto às instalações da Fiat. - Pertençam à arguida H os seguintes bens, que o arguido B detinha com ele, na residência sita na Av.ª Cidade de Oeiras n.º ..., r/c - C, na amadora, designadamente 5 relógios e 16 artigos em ouro, com o peso bruto de cerca de 9 quilos, todos descriminados a fls. 493/494, aparelhos de som e imagem, 1 conjunto de pequenos sacos plásticos, dos utilizados para acondicionar estupefaciente. - A mochila entregue pelas arguidas J, L e C ao arguido D continha estupefaciente destinado à revenda. - A deslocação da arguida H, no dia 1 de Novembro de 1998 até junto do Hipermercado ... , fosse uma acção de vigilância de qualquer transacção de produto estupefaciente. - A viagem efectuada pelo arguido G e mulher, à Colômbia, foi levada a efeito com os proventos que ia obtendo na descrita actividade de narcotráfico e no âmbito de tal actividade. E que em tal País procedeu a contactos com vista à importação para Portugal de produtos estupefacientes. - Antes de se ausentar para a Colômbia, o arguido G disse ao arguido B que, durante a sua ausência, deveria fazer contactos com vista ao fornecimento de estupefacientes, directamente ao arguido F, através do telemóvel com o n.º 0936 6093799. - O encontro entre os arguidos B e G do dia 27 de Novembro de 1998 estivesse inserido no âmbito da actividade do grupo organizado. - As 4 espingardas-caçadeiras, calibre 12, apreendidas e examinadas a fls. 745 e material fotográfico diverso, bem como 1 viatura de marca Citroen AX, com a matrícula ...-FF, estacionada nas imediações da residência dos arguidos M e N estivessem relacionados com a actividade de estupefacientes. - O arguido A tivesse adquirido e detivesse consigo a arma e as 25 munições apreendidas, na sua residência, deliberada, livre e conscientemente sabedor da reprovabilidade desta conduta. - Os bens que estavam na posse da arguida H, no interior do seu veículo Volkswagen Polo, descritos no nº 21 da matéria provada, estejam relacionados com a actividade de narcotráfico. - Os vários telemóveis, relógios, peças em metal amarelo, bem como uma balança de precisão digital de marca "micro Scale", com o número de série 23861020045, que se encontravam na residência do arguido G, sita em Rua Garcia de Orta, n.º ..., 6.º B, em Oeiras, e ainda o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de marca Citroen, com a matrícula ...-FOX, e o motociclo de passageiros de marca Honda modelo VFR 800 FI, com a matrícula ...-LA, o JEEP de marca Nissan matrícula ...-61 estejam relacionados com a actividade de narcotráfico. - Os imóveis onde residem os arguidos B e H, sito na Av.ª conde de Oeiras, n.º..., r/c na Reboleira - amadora, cujo registo está passado para o nome da arguida L e ainda o que fica sito na R. Conselheiro Pequito, nº ..., 1º Dtº na Amadora, tivessem sido adquiridos com dinheiro proveniente da actividade de tráfico de estupefacientes. - O arguido E tinha conhecimento de que o dinheiro que serviu para pagar a fracção autónoma designada por letra C correspondente ao 1º Andar Esquerdo, do Prédio Urbano, Lt. ..., sito em Vale Mourão - Paiões - Rio de Mouro, era proveniente de tráfico de estupefacientes. - A arguida L é proprietária do imóvel sito na Rua General Carlos Ribeiro, n.º ..., 1.º Drt., em Agualva-Cacém, com registo em nome de seu marido T, e que o mesmo tivesse sido adquirido com dinheiro proveniente do tráfico de estupefacientes. - Os 1.500 sacos de plástico que o arguido D tinha consigo no dia 10 de Fevereiro de 1999 se destinavam à embalagem de droga. - Poucos dias antes do dia 14.06.98, os arguidos P e Q travaram conhecimento casual com uma mulher no Jardim da Parada, em Lisboa, a qual na altura disse chamar-se Paula, mas que se tratava da arguida C . - Durante a conversa que mantiveram, a co-arguida ficou a saber das dificuldades por que o co-arguido P estava a passar na sua vida conjugal, em especial nas últimas semanas, bem como ainda da sua qualidade de Sub-Chefe da P.S.P.. - Em consequência do dificílimo relacionamento que então se tinha instalado entre o arguido P e a sua mulher, este vinha tomando as suas refeições e cuidando da sua roupa, incluindo da sua farda de serviço, fora de casa. - A tal "Paula", era a arguida C, e que esta se disponibilizou para lhe tratar das roupas, uma vez que o costumava fazer para ganhar a vida. - O arguido P aceitou, mediante o respectivo pagamento, entregando-lhe a roupa num saco preto e numa mochila, tendo-se a co-arguida C comprometido a entregar-lha no dia seguinte. - O arguido P tenha facultado à tal "Paula", o número de telefone do seu posto de trabalho, a 17ª Esquadra da P.S.P., em Lisboa, a fim de esta o contactar para combinarem o local de entrega das roupas. - A tal "Paula", não entregou as roupas que o arguido P lhe entregara nos dias imediatos, o que foi deixando o arguido muito apreensivo dado o inesperado da situação. - A co-arguida C se tenha disposto a entregar-lhe as suas roupas no dia 14.06.98, exactamente no mesmo local onde se tinham conhecido. - Nessa data, o arguido P pediu ao co-arguido Q que o acompanhasse ao Jardim da Parada, uma vez que estava já bastante inquieto com o rumo que a situação tinha tomado. - Quando os arguidos chegaram ao local, a co-arguida C não imobilizou a sua viatura quando passou por eles, e antes, lhes sorriu, seguindo. - Acto imediato, os arguidos a tenham seguido na viatura em que se deslocavam, conduzida pelo arguido P, desde o Jardim da Parada. - O arguido P tenha recuperado um saco e uma mochila, que lhe pertenciam e que continham as roupas que haviam entregue a uma tal Paula». Percorrido este longo repositório de factos recolhido pela 1ª instância, e que a Relação manteve intocável, há que tentar arrolar as questões, igualmente longas, colocadas pelos recorrentes, nas conclusões das respectivas motivações. Assim: - MINISTÉRIO PÚBLICO: 1ª.- violação do artº 127º do CPP, uma vez que, inadmitida a apreciação da matéria de facto requerida pelos arguidos P e Q, não poderia a Relação reapreciar tal matéria; 2ª.- violação do artº 369º, nºs 1 e 2 do CP, porquanto os factos provados impõem a condenação dos mesmos arguidos pela prática, além da extorsão, de um crime de prevaricação; 3ª.- violação do disposto nos artºs 21º, 24º, als. b) e c) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro e nos artºs 27º, 71º e 72º do CP, por diminuição injustificada, para 18 meses de prisão, da pena de 5 anos de prisão aplicada na 1ª instância à arguida H pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado; 4ª.- violação dos mesmos preceitos no concernente ao arguido O, agora condenado a 3 anos de prisão, devendo voltar-se à censura imposta pela 1ª instância (4 anos de prisão), pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado. - G: 5ª.- violação dos artºs 417º, nº3, al.e), 430º, nºs 1 e 2, 431º e 379º, nº1, al.c), todos do CPP conducente à nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamento (questão não suscitada) da recusa de requerida renovação da prova; 6º.- omissão de pronúncia (não conhecimento da invocada inconstitucionalidade do artº 127º do CPP por violação do artº 32º, nº1, da CRP); 7ª.- violação do nº2 do artº 374º do CPP por falta de exame crítico das provas e inconstitucionalidade do mesmo preceito na interpretação feita pelo acórdão recorrido e segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto e de direito se basta com a mera enumeração dos meios de prova utilizados (violação do dever de fundamentação expresso no artº 205º, nº1, da CRP) bem como quando em conjugação com as normas das als. a), b) e c) do nº2 do artº 410º do CPP (violação do direito ao recurso consagrado no artº 32º, nº1, da mesma Constituição); 8ª.- falta de fundamentação do valor probatório atribuído às declarações dos co-arguidos em caso de co-arguição; 9ª.- violação do disposto no nº2 do artº 410º do CPP (omissão de conhecimento dos vícios nele inscritos e que foram invocados); 10ª.- ausência de prova de que o recorrente tivesse transaccionado elevadas quantidades de produtos estupefacientes, de que o fizesse em relação a elevado número de pessoas e que com isso tivesse auferido lucros consideráveis; 11ª.- errado enquadramento legal dos factos apurados, que apenas autorizam a condenação pelo crime de tráfico simples, previsto no artº 21º, nº1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro; 12ª.- insuficiência de fundamentação quanto à escolha da espécie e medida da pena (violação dos artºs 374º, nº2, 379º, nº1, al.a) e 410º, nº3, do CPP), devendo fixar-se a censura ao nível do seu limite mínimo, mas no âmbito do artº 21º, e não do artº 24º, do DL nº15/93. - I: 13ª.- violação do artº 188º, nº1, do CPP, por incorrecta colheita das escutas telefónicas que suportaram os factos fixados; 14ª.-inconstitucionalidade do artº 127º do CPP, enquanto se não estabelecem regras limitadoras do princípio da livre apreciação da prova (violação do artº 32º, nº1, da CRP); 15ª.- violação dos artºs 374º, nº2 e 379º, nº4, al.c), do CPP por falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada; 16ª.- violação dos artºs 374º, nº2 e 379º, nº1, al. b), do CPP (falta de prova de que teriam sido adquiridos com o produto do crime determinados objectos apreendidos - viatura Audi Porsche IL, embarcação TUIUI-I, veículo Ford Cosworth e imóvel sito na Urbanização da Anta, Avª Infante D.Henrique, ... -1º Dtº, em Agualva, Cacém; 17ª.- violação dos artºs 71º e 72º do CP (desproporção e inadequação da pena imposta). - O: 18ª.- violação do disposto nos artºs 71º e 72º do CP (punição excessiva); 19ª.- violação do DL nº 401/82, de 23 de Setembro (não aplicação do regime especial para jovens). Há que apreciar, questão por questão. A 1ª tem a ver com a alegada violação do artº 127º do CPP. Sustenta o recorrente, MºPº, que não tendo a Relação deferido o pedido de reapreciação da matéria de facto formulado pelos então recorrentes P e Q, terá a mesma que dar-se por inatacável, pelo que não poderia agora a mesma Relação tomar a iniciativa de a reapreciar e muito menos fazê-lo «de modo parcelar e incompleto». E aduz a propósito: "Com efeito, em vez de se analisar a fundamentação essencialmente no que respeita à prova documental - a aludida gravação vídeo e o conteúdo das escutas - apenas se apreciou o contributo das testemunhas R, S, e arguida C. Diga-se que, para o apuramento dos factos, muito mais importante que ler transcrições de gravações de depoimentos ouvidas muito tempo depois dos factos, importaria, se fosse caso disso, saber o que é que se vê e o que é que resultou das escutas telefónicas. Como é que se poderá alterar a factualidade apurada sem a análise das provas, designadamente as de maior relevo. E como pode isso acontecer dando-se ênfase ao que terá dito uma testemunha em audiência segundo a motivação de recurso de um arguido e não o que essa mesma testemunha disse de acordo com a fundamentação da decisão? (referimo-nos ao que consta de fls. 470 do acórdão e de fls. 4479 dos autos). Acresce ainda que a alteração feita à matéria de facto da forma como consta da decisão impugnada - fls.472 - ou seja, considerando-se apenas provado o que consta do acórdão, designadamente o conteúdo do ponto 41, faz cair por terra a lógica e verosimilhança da restante matéria de facto, não podendo sequer ser condenados os que viram a decisão confirmada. Muito embora se aluda no acórdão recorrido à regra constante do artº 127º do CPP - a da livre apreciação da prova pelo julgador (cfr. v.g. fls.438 e 474 deste acórdão) - o certo é que, salvo o devido respeito, se não cumprem os ditames desse princípio, olvidando-se que a matéria de facto só verdadeiramente se pode apurar com algum grau de fidelidade desde que se tenham em conta a necessidade de concentração e de imediação da prova e o respeito pelo contraditório em sede de audiência. Como igualmente se não tem em conta que, sem o cumprimento das imposições do artº 412º do CPP para que possa ser reapreciada a matéria de facto - o que neste caso não aconteceu, apesar dos convites efectuados aos arguidos para tanto - não pode o tribunal de recurso substituir-se aos interessados que não cumpriram os ónus impostos na lei, sob pena de, para além do mais, se esquecer que os recursos se devem destinar a reparar ou rectificar decisões que o mereçam e não propriamente para que se proceda a um novo julgamento». A questão que vem posta - alcance do princípio consignado no artº 127º do CPP - é, na verdade, de grande sensibilidade e melindre. A Relação enfrentou-a do seguinte modo: «A livre apreciação da prova comporta duas vertentes. Por um lado, a entidade que decide fá-lo de acordo com a sua íntima convicção em face do rol de provas apresentadas no processo, em especial na audiência de julgamento, quer sejam arroladas pela acusação, quer pela defesa, quer ainda aquelas que o Tribunal entende oficiosamente conhecer. Por outro lado, essa convicção objectivamente formada com apoio em regras técnicas e de experiência não deve estar sujeita a quaisquer cânones legalmente pré-estabelecidos. Diz-nos o princípio que a convicção probatória porque terá de resolver-se o juiz em face dos resultados da instrução, não é determinada por critérios formais, mas será apenas aquela que o julgador assuma através de um juízo objectivo - material, atípico e concreto i.é, o juiz é livre de decidir pela conclusão probatória que o mérito concreto da instrução produzida naquele caso unicamente justifique. Ao contrário do que acontece no sistema de prova legal, no qual a conclusão probatória é pré-fixada legalmente, mediante inferências probatórias prescritas pela lei em abstracto relativamente a cada meio de prova e ao modo processual da sua utilização, e de aplicação formal e obrigatória para o juiz, pelo princípio da livre convicção tem antes o julgador a liberdade de formar a sua convicção sobre a realidade, os factos, do caso submetido a julgamento, com base apenas no juízo que se fundamente no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas, inquirições e meios de prova utilizados, etc.). E é este juízo atípico, porque apoiando-se ele decerto em grande parte em já disponíveis regras de experiência ,i.é, em critérios generalizantes e tipificados de inferência factual, não deixará de traduzir uma aplicação individualizadora dessas regras ao caso concreto - histórico, não concluindo, pois, apenas pelo que em geral (geralmente, normalmente) se pode inferir de certos tipos de factos, mas procurando averiguar em que medida os factos concretos e individualizados do caso, dado o contexto histórico em que surgem e assim a concorrência de todas as circunstâncias aí relevantes, confirmam ou infirmam aquelas inferências gerais, típicas e abstractas, i.é, não deixando de considerar a contextura concreto-individualizada, e portanto, atípica do caso decidendo. As regras de experiência ,os critérios gerais não serão aqui mais do que índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas apenas isso. Hoje o C.P.Penal acolhe, de forma expressa, o princípio da livre apreciação da prova prevendo desde logo, a possibilidade de a Lei dispôr diferentemente em casos concretos. A apreciação deve fazer-se com observância das regras da experiência - e, obviamente, dos critérios da lógica, o segundo obrigatório pressuposto valorativo (...). Este principio é válido em todas as fases processuais e para as diversas entidades competentes intervenientes nos autos, embora assuma especial relevância na apreciação da prova em sede de audiência de julgamento. Permite-se às diversas entidades que apreciem a prova existente nos autos ou produzidas perante si com base exclusivamente na livre valoração destas e na sua convicção pessoal. Significa, por um lado, a ausência de critérios legais que predeterminem o valor a atribuir à prova ou hierarquizem o valor probatório dos diversos meios de prova. Daí que o novo CPP institua sistemas de motivação e controle em sede de apreciação da prova salientando o carácter racional desta. A mais importante inovação introduzida pelo CPP nesta matéria consiste na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo de modo a permitir-se um efectivo controle da sua motivação. Isto sem prejuízo de todos os demais actos decisórios proferidos no decurso do processo terem de ser sempre fundamentados - de facto e de direito - pela entidade que os profira». Ora foi tendo como pano de fundo estas regras - que temos por intocáveis - que o Tribunal da Relação se moveu em matéria de análise da prova recolhida em 1ª instância. Mas a questão concreta que se põe é a de saber se o princípio da livre apreciação da prova contido no artº 127º do CPP consente que o tribunal de recurso o utilize para, por sua iniciativa, reapreciar prova produzida em 1ª instância e em que termos. Diz o MºPº que não, sufraga o tribunal que sim, mas nos moldes em que o fez: simples valoração do mérito dessa prova. E nessa base o Tribunal da Relação decidiu assim: «O agente da PJ R é uma testemunha / eco no que respeita às afirmações que diz terem sido produzidas. Estamos perante prova por ouvir dizer - ut artº 129º do CPP... Quanto ao depoimento da testemunha S - e como se diz na decisão recorrida - esta senhora não viu os recorrentes apropriarem-se do dinheiro, não viu o dinheiro, não ouviu a conversa, não reconheceu os arguidos ora recorrentes em audiência, não reconheceu em audiência a C. As declarações da co-arguida contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal. Não foi produzida outra prova válida como resulta da motivação da decisão neste particular (...). Ficam as declarações da co-arguida: sem qualquer contra-prova ou corroboração e com fortes e inultrapassáveis objecções quanto à sua atendibilidade intrínseca e extrínseca... Em suma - o meio de prova referido e utilizado no julgamento consubstancia limite ou excepção negativa ao princípio da livre apreciação da prova. E, em consequência, o tribunal não podia livre e irrestritamente valorar essa prova e nela encontrar a motivação para a convicção probatória. E a cause o distinto Colectivo não tem razão». E conclui: «Considerando os elementos de prova que constavam do processo que aqui se recordaram e as regras de experiência aplicáveis ao caso concluímos que a dúvida instalada no julgador é razoável, e consequentemente, insuperável, não autorizando um juízo de certeza que permita a condenação dos arguidos, impondo que se considere não provados os factos lançados no douto acórdão em factos provados sob os nºs.40 e 41 à excepção de que - - a movimentação da arguida C era seguida pelos arguidos os quais se faziam transportar numa viatura de marca Honda Concerto, com a matrícula NX-..., registada em nome da esposa do arguido P e conduzida pelo este último. - a arguida C ter parado a viatura nas bombas referidas, o arguido P fez o mesmo. - os arguidos estiveram no guichet das bombas, onde se encontrava a trabalhar na altura S. E é com esta factualidade alterada por este juízo de não provado e só com ela que vamos abordar, oportunamente, a questão - os vícios da sentença». Por fim remata: « - Mas se a história foi deficientemente narrada (por que ao arrepio, além do mais, dos elementos de prova que constavam do processo). - Ou se a história foi erradamente contada (pois os elementos fornecidos pelo processo impunham uma resposta diversa), cabe a esta Instância repor a verdade histórica, ou escrevendo-a (a Relação conhece de facto e de direito), ou mandando que um novo Tribunal a reescreva (se a Relação anular a deliberação). - Mas a história pode narrar no essencial o evento mas a sua interpretação ser violadora das regras de experiência aplicáveis ao caso». Foi com base em tais considerandos, pois, que o Tribunal da Relação, de motu próprio, alterou, nos termos sobreditos, as respostas aos nºs 40 e 41 da matéria de facto aceite pelo Tribunal Colectivo da 1ª instância. Poderia fazê-lo? Essa é a questão. Como flui do disposto no artº 428º, nº1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, o que significa que, em regra, e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição. Assim sendo, e de harmonia com o preceituado no nº1 do artº 410º do mesmo diploma, os recursos para eles interpostos podem ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida e também, de acordo com os nºs 2 e 3 do mesmo preceito, dos vícios que em tais números se arrolam (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova e nulidade que não deva considerar-se sanada). Dito em síntese, isto quer dizer que os Tribunais da Relação são hoje os tribunais por excelência, e em princípio os únicos, com poderes de cognição irrestritos em matéria de recursos, sem esquecer que, no âmbito da matéria de facto, o seu poder cognoscitivo pressupõe que a prova produzida em audiência de 1ª instância tenha sido gravada e constem dos autos as transcrições dos respectivos suportes técnicos (cfr. artºs 412º, nºs 3 e 4 do CPP). Estas são, pois, regras claramente definidas na lei e sobre as quais a nossa jurisprudência não manifesta discordâncias. Questão diferente será a de saber como devem os Tribunais da Relação exercer estas competências cognoscitivas em matéria de recursos. Ou dito de forma mais concreta, saber qual a latitude dos seus poderes no âmbito do conhecimento de matéria de facto, considerando que estamos perante recurso de decisão final proferida por um Tribunal Colectivo de 1ª instância. Embora as Relações gozem, em princípio, de um amplo poder de cognição, este fica desde logo limitado pelas conclusões da motivação do recorrente, sabido como é que são estas que definem e balizam o objecto do recurso (cfr. artº 412º, nº1, do CPP). Ou seja: o recorrente pode condicionar o âmbito da reapreciação que pede, restringindo-o, por exemplo, a uma determinada parte da decisão, sempre, claro, com observância das regras limitativas inscritas no artº 403º daquele Código. Isto sem prejuízo de o tribunal de recurso poder conhecer oficiosamente de qualquer dos vícios indicados nos nºs 2 e 3 do artº 410º do CPP, consoante se decidiu no acórdão de fixação de jurisprudência de 95.10.19, DR-IA, de 28 de Dezembro do mesmo ano. Outra questão bem diferente, mas conexa com esta, reside em saber se as Relações, por sua própria iniciativa, e apoiando-se na extensibilidade do princípio da livre apreciação da prova aos tribunais de recurso, podem com base no mesmo princípio, alterar a matéria de facto dada como provada pelos tribunais de 1ª instância. Como se viu antes, o MºPº recorrente opõe-se frontalmente a esse alargamento, considerando que, residindo a matriz do princípio na ideia de concentração e imediação da prova, que só existe verdadeiramente no julgamento oral de 1ª instância, não pode o tribunal de recurso, que não goza desse contacto directo, fazer uso de tal princípio e alterar os factos assim provados. A admitir-se tal - reafirma - seria proceder a novo julgamento depois de se ter recusado, por incumprimento dos ónus do artº 412º do CPP, a reapreciação da matéria de facto pedida pelos recorrentes. Outra é, como igualmente se assinalou, a posição do acórdão recorrido, que sustenta que, ao dissecar a prova atinente aos arguidos e ao delito em causa, ficou na dúvida sobre os factos a eles imputados e, "escrevendo" a sua verdadeira história, dentro dos poderes de conhecimento de facto e de direito, alterou a factualidade e considerou não provados os factos que integrariam o crime de prevaricação. Tem-se por certo que sem outros instrumentos que não sejam as transcrições das gravações da prova produzida em audiência, não se configura como seja possível formar uma convicção diferente e mais alicerçada do que aquela que é fornecida pela imediação de um julgamento oral, onde, para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam. Sobrepor um juízo distanciado desta proximidade a um juízo colhido directamente e ao vivo seria um risco sério que poderia comprometer a pureza do princípio e abalar as regras de um julgamento sereno e fundamentado. E cabe a este Supremo Tribunal de Justiça zelar pelo respeito dos princípios, pois embora estejamos num domínio que, de forma abundante e uniforme, se vem entendendo escapar ao seu controlo, a ele lhe cabe sindicar se o Tribunal da Relação fez bom uso dos seus poderes de cognição. E lembram-se aqui as judiciosas palavras do Prof. CAVALEIRO DE FERREIRA (Curso de Processo Penal, II, págs. 298 e 299): «Duma maneira geral pode dizer-se que a fixação dos factos não é susceptível de revisão; diferente é, no entanto, a questão da violação de regras jurídicas na apreciação das provas». Ora, ainda que admitindo a extensibilidade do princípio da livre apreciação da prova a outras fases processuais que não a audiência de julgamento (o que não temos por líquido), não se cuida que, no caso em análise, haja a 1ª instância violado qualquer regra jurídica na apreciação da prova, pelo que se não justifica a alteração da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação e, por consequência, não é de manter-se, repristinando-se, assim, e nesse ponto, a que foi aceite pela 1ª instância. De qualquer modo a alteração sempre teria que enquadrar-se no erro notório na apreciação da prova, o que não aconteceu. Procede, pois, nessa parte, a pretensão do MºPº recorrente. Entrando na 2ª questão (crime de prevaricação) entende o MºPº recorrente que a prova produzida impunha condenação, além da extorsão, pela prática de um crime de prevaricação, porquanto os apontados arguidos (P e Q) «sabiam que a arguida C transportava consigo elevada quantia em dinheiro proveniente de tráfico de estupefacientes e pretendiam apoderar-se da mesma» e «em vez de elaborarem o auto de apreensão respectivo, ficando dessa forma o dinheiro referido à ordem do processo que então se deveria iniciar... fizeram sua a referida quantia em dinheiro, a qual dividiram entre ambos, gastando-a em seus próprios proveitos». O Tribunal da Relação entendeu que não, porquanto, em seu entender, «a questão está irremediavelmente prejudicada,» uma vez que «a matéria de facto que sustentaria a imputação foi eliminada», resultando que «os factos fixados revelam que a conduta imputada aos arguidos não preenchem nem o tipo de ilícito nem o tipo de culpa de que vinham pronunciados pelo que serão absolvidos». Atenta a resposta dada à 1ª questão, torna-se óbvio que, por aí, a decisão do Tribunal da Relação, e quanto a tal problema, fica sem suporte. Mas há que ver, no entanto, se reposta a matéria de facto fixada em 1ª instância, a questão é ou não de proceder. Segundo reza a prova produzida, e naquilo que especificamente aqui importa, os arguidos em foco, P e Q, ambos dos quadros da PSP, seguiram à distância os movimentos da arguida C, sabendo que ela trazia consigo avultada quantia em dinheiro proveniente do tráfico de estupefacientes e formaram o propósito de se apoderarem de tal importância para a fazerem coisa sua. Para tanto, o arguido Q «dirigiu-se à arguida C e..., depois de lhe ter dito que era um agente policial, perguntou-lhe se sabia da razão porque ele e o seu companheiro se encontrava no local», tendo aquela arguida respondido que sim, «perfeitamente consciente da ilicitude da sua actividade». Acto seguido, «o P abriu a porta da viatura da C e retirou do seu banco traseiro a mochila contendo 15.000.000», enquanto o Q informava a C de que «a aguardariam depois da caixa de pagamento das bombas de combustível, para formalizarem a apreensão, o que acabaram por não fazer» e «em vez de elaborarem o auto de apreensão respectivo, ficando dessa forma o dinheiro referido à ordem do processo que então se deveria iniciar contra a arguida C, os arguidos P e Q fizeram sua a referida quantia em dinheiro, a qual dividiram entre ambos, gastando-a em seus próprios proveitos». Estes, portanto, os dados disponíveis e com base neles a 1ª instância condenou os arguidos pela prática de um crime de extorsão, enquanto a Relação dela os absolveu. Analisemos. Da prova produzida e assente é mais do que óbvio que todo o comportamento dos arguidos foi arquitectado e executado, não na qualidade de agentes da autoridade, em exercício de funções no âmbito do combate à criminalidade, mas antes enquanto particulares que, na circunstância, servindo-se do seu estatuto profissional para mais facilmente consumarem o delito, apenas pretendiam apoderar-se de quantias elevadas de dinheiro que sabiam na posse da arguida C. A sua identificação como polícias apenas serviu para esse fim. Definida pelos factos a intenção criminosa, torna-se claro que os apontados arguidos quiseram consumar e acabaram por consumar um crime de extorsão, já que foi seu propósito «conseguir para si... enriquecimento ilegítimo» à custa de «ameaça com mal importante» (procedimento criminal), assim prejudicando o coagido (artº 223º do CP). Ou precisando melhor: os arguidos, aqui, agiram com o dolo inicial de fazerem suas as importâncias de que a C se fazia acompanhar, dolo esse que mantiveram em todo o iter criminis, não sendo sequer de equacionar um dolo meramente subsequente, e com outra orientação, criminosa ou não. Ou seja: puseram-se a caminho para furtar e não para actuarem como elementos da corporação policial a que pertenciam. Sendo, pois, inequívoca essa intenção, seria de todo inapropriado colocar a questão da não promoção por parte dos arguidos enquanto agentes da autoridade, já que eles não estavam lá a actuar nessa qualidade, além de que não temos por líquido - longe disso - que, a haver omissão desse tipo, fora de qualquer procedimento em curso, ela pudesse incluir-se no conceito de não promoção , tal como a "vê" o nº1 do artº 369º do CP. De todo o modo, sempre seria de ajuizar até que ponto uma mesma acção naturalística poderia ser duplamente censurada sem violação do princípio non bis in idem. Daí que os referidos arguidos apenas possam ser censurados no âmbito do crime de extorsão, tal como se ajuizou em 1ª instância. A 3ª questão trazida pelo MºPº (medida da pena) respeita à arguida H , que foi punida em 1ª instância como cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 5 anos de prisão e viu a sua pena reduzida a 18 meses de prisão em 2ª instância. Com o recurso para este STJ pugna o MºPº por que a sanção regresse ao patamar estabelecido na 1ª instância, já que, em seu juízo, os fundamentos de que a Relação se serviu para a sua desagravação não a justificam. Vejamos então. A moldura penal que corresponde ao delito (artºs 21º e 24º, als. b) e c), do DL nº15//93, de 22 de Janeiro e 27º, nº 2 e 73º estes do CP) é de 1 ano e 24 dias a 10 anos e 8 meses de prisão. Relativamente a esta arguida apenas se provou o seguinte: «... em data não concretamente apurada passou a ter conhecimento de que o marido B, a filha L e ainda a companheira do filho, J e a irmã desta, C, se dedicavam à venda de produtos estupefacientes, a ela não se opondo, aconselhando-os de forma a que os mesmos não fossem detidos pelas autoridades». Face a tal acervo, a decisão recorrida sentenciou: «Ponderando o comportamento da arguida/recorrente, nas suas características objectivas e subjectivas, a natureza dos valores violados e seu reflexo social - o valor motivo da sua conduta e a respectiva personalidade, tanto quanto é possível determinar com o despiste efectuado - reafirmando-se o dever de reintegrar e de recuperar os infractores, tendo subjacente uma ideia complexa de fundamento da punição em que se conjugam duas grandes linhas de força - a de uma punição como ultima ratio e a de uma punição eticamente justa, como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito, neste particular, correspondente ao limite da necessidade punitiva, opta-se, também, por pena detentiva, mas atendendo, parcialmente, aos termos da pretensão, fixa-se a pena na mesma medida encontrada para o arguido N - 18 meses de prisão». Esta arguida não tem antecedentes criminais, o que é relevante em pessoa de 45 anos, nem a concorrência de outros factores de agravação, tem a sua vida profissional organizada, é bem conceituada socialmente, os factos não são demasiado graves e agiu no propósito de proteger a sua família mais chegada. Como tal, a pena imposta em 1ª instância peca por desajustada do grau de culpa da arguida. Daí que estejamos em sintonia com a medida da pena encontrada pela Relação, o que significa que, nessa parte, não procede o recurso do MºPº. A 4ª questão tem a ver também com a medida da pena, agora em relação ao arguido O, que foi condenado na 1ª instância na pena de 4 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (artºs 21º, nºs 1 e 2 e 24º, nº 1, al.c) do DL nº15/93, de 22 de Janeiro) e viu reduzida essa pena para 3 anos de prisão no Tribunal de 2ª instância. A moldura penal correspondente situa-se entre 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão, atenta a atenuação especial decorrente do Regime Especial para Jovens previsto no DL nº 401/82, de 23 de Setembro, que se cuidou ser de aplicar, por ter então menos de 21 anos de idade. O Tribunal da Relação optou por uma censura menos severa, levando em consideração que o arguido entrou no negócio de venda de droga não por iniciativa própria mas a pedido de uma amiga (a arguida J) e mediante um ordenado diário (60.000$00), que confessou os factos, que se mostra arrependido, que tem trabalho assegurado, que é primário e que beneficia do regime especial referido. Crê-se, assim, que o Tribunal da Relação se mostrou ponderado na fixação da pena de 3 anos a este arguido, que por isso se confirma. Improcede, assim, esta 4ª questão. Concluída a análise de recurso interposto pelo MºPº, vejamos o que vem interposto pelo arguido G. A despeito de haver sido convidado a sintetizar e concretizar as primeiras conclusões da sua motivação, que se estendiam por 25 páginas e 113 pontos, e as ter reduzido significativamente, o certo é que as que sobejaram, ainda em grande número, deixam em aberto questões nem sempre facilmente assimiláveis e entendíveis. Dado que o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito nos recursos interpostos das decisões finais tiradas pelos Tribunais Colectivos [artº 432º, al.c), do CPP], sem prejuízo de oficiosamente poder conhecer dos vícios dos nºs 2 e 3 do artº 410º do mesmo Código, desde logo ficam eliminadas de avaliação as questões anteriormente inventariadas sob os nºs 9 e 10, por contenderem com matéria de facto. Comecemos então pela 5ª questão (recusa de renovação da prova). Invoca o recorrente que o Tribunal da Relação, ao recusar a renovação da prova com fundamento em que tal questão não foi suscitada, errou, violando assim os artºs 417º, nº3, al.e), 430º, nºs 1 e 2, 431º e 379º, nº1, al.c), todos do CPP. Sucede, porém, que nos termos do nº2 do artº 430º do falado Código «a decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva», o que significa que é insusceptível de recurso. Como tal não é de conhecer da questão posta. A 6ª questão respeita a uma alegada omissão de pronúncia (não conhecimento, por parte da Relação, da inconstitucionalidade do artº 127º do CPP). Sufraga o recorrente que a interpretação feita pelo tribunal recorrido do artº 127º do CPP viola as garantias de defesa do arguido, incluindo o recurso, mostrando-se assim inconstitucional. Há que dizer à partida que porque o recorrente o não concretiza, não é claramente descortinável em que é que se traduziu essa omissão - e aí sibi imputet - mas, para além disso, também não se vê onde a haja, atento o que se escreve a fls. 6277 e ss da decisão recorrida, nomeadamente a fls. 6355 e ss. De todo o modo sempre se dirá que, no fundo, a pretensão do recorrente se situa no âmbito da convicção alcançada pelo órgão judiciário responsável, que não no da agressão ao texto constitucional, e, como tal, entra no círculo de matéria insindicável por este Supremo Tribunal de Justiça. Adita-se, em remate, que, até hoje, o Tribunal Constitucional sempre se pronunciou pela constitucionalidade do preceito em causa, em qualquer das vertentes em que a norma tem sido posta em causa. Improcede, assim, pois, a questão posta. Acode agora a 7ª questão (violação do artº 374º, nº2, do CPP e inconstitucionalidade do mesmo preceito). Invoca o recorrente que a decisão recorrida agrediu o nº2 do artº 374º do CPP, já que não contém, ainda que de forma resumida, os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, nem procede ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. E ainda que, ao contentar-se com a mera e numeração dos meios de prova para apoio dessa convicção, a referida decisão violou o dever de fundamentação expresso no artº 205º, nº1, da CRP, também enquanto conjugado com as normas das als. a), b) e c) do nº2 do artº 410º do CPP. Atentemos. Desde logo há que advertir que a decisão cuja reanálise ora se pede é a da 2ª instância e não a da 1ª. Assim sendo, não cabe a este Supremo Tribunal de Justiça indagar-se o tribunal da condenação fundamentou ou não como devia a decisão nos termos em que o exige o nº2 do artº 374º do CPP. A única avaliação que, no âmbito dos recursos, cai sob sua responsabilidade, e no tocante ao ponto em apreço, é averiguar se o Tribunal da Relação, ao apreciar essa questão concreta que lhe foi posta, a analisou de forma harmónica com a lei. É que, lendo com a devida atenção a motivação de recurso do impugnante G, não é difícil surpreender que, lá no fundo e na realidade, o que busca é descer até à decisão da 1ª instância, minando os fundamentos do acto condenatório. E por esse caminho é manifesto que o recorrente não poderá obter suporte deste Supremo Tribunal. Se o seu intento é pôr em causa o veredicto do Tribunal da Relação, então tem que circunscrever o seu propósito ao relevo do erro ou vício em que porventura esse Tribunal incorreu no ponto específico considerado. Estabelecidos, assim, os exactos limites, será de dizer, por antecipação, que se não lobriga onde e como o Tribunal da Relação pecou. Na verdade, a não ser por distracção se poderá entender que o tribunal de recurso, ao analisar a fundamentação da decisão impugnada, teria ele próprio que justificar essa análise com recurso ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal da condenação, como se fosse ele mesmo o órgão julgador de 1ª instância. Quanto à matéria da inconstitucionalidade do referido preceito do nº2 do artº 374º, interpretado no sentido de reduzir a fundamentação da decisão à mera enunciação dos meios de prova utilizados, é por mais evidente que o Tribunal da Relação - e é só esse que está aqui em causa - não a cometeu, pela meridiana razão de que não abraçou o entendimento que o recorrente lhe imputa. Na verdade, se percorrermos a longa decisão posta em crise facilmente encontraremos páginas e páginas dedicadas à análise da matéria de facto dada por assente em 1ª instância, aos apoios que a suportam e ao modo como o órgão julgador atingiu a sua convicção, permitindo assim a inferência de que a posição desse Tribunal sobre a matéria é precisamente o oposto daquele que o impugnante lhe atribui. A seguinte transcrição é disso sintoma inequívoco (págs. 6361 e 6362): «A obrigatoriedade de tal motivação não poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do Tribunal, à semelhança do que tradicionalmente vinha sucedendo no domínio do CPP de 1929. O problema da motivação está intimamente conexado com a concepção democrática ou antidemocrática que insufle o espírito de um determinado sistema processual. O processo penal em vigor em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art° 32°/1 e art°208/1 da Constituição da República exige não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal mas, fundamentalmente, a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados - thema decidendum - nem os meios de prova - thema probandum - mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substractum racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência». Donde ser de concluir que o Tribunal recorrido, na matéria em equação, não cometeu qualquer inconstitucionalidade. Sucede-se a 8ª questão (falta de fundamentação do valor probatório atribuído às declarações de co-arguidos). Parece não oferecer dúvida de que também aí o recorrente não obterá ganho de causa. Basta passar os olhos para o que se vazou para a decisão impugnada, (com invocação de Rodrigo Santiago, RPCC, 4º, 1), para chegar a essa conclusão. Senão vejamos: «Os co-arguidos estão reciprocamente impedidos de ser testemunhas, adentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na alínea a) do nº1 do artº 133º do Cód Proc. Penal. Não estão, todavia, impedidos de produzir prova - a chamada prova "por declarações do arguido" - mesmo no decurso da audiência de julgamento, nos termos dos artºs 140º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos artºs 343º e 345º, nº1, todos do Cód. Proc. Penal. Porém, as declarações assim prestadas, maxime as que o forem em audiência de julgamento, por um ou mais dos co-arguidos - na recorrência, repete-se, de co-arguição - não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros. Servindo tais declarações, no âmbito da co-arguição, única e exclusivamente como meio de defesa pessoal do arguido ou arguidos que as tiverem prestado - artº 343º,3, nº2, do Cód. Proc. Penal. Logo, se da motivação da sentença, nos termos do artº 374º, nº2, in fine, do referido diploma, constar que as declarações dos co-arguidos - verificad(a) ... a circunstância da co-arguição contribuir irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal , verifica-se uma situação de nulidade do julgamento, por violação do disposto nos artºs 323º, al.f) e 327º,1, nº2, entre outros, todos do Código Proc. Penal». E conclui-se: « É o caso dos autos - quanto ao arguido G: As declarações do co-arguido não contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal... Outra prova válida foi produzida como resulta da motivação da decisão, neste particular. Improcede a objecção... Em suma (...) Os meios de prova utilizados no julgamento não consubstanciam quaisquer limites ou excepções, negativas ou positivas, ao princípio da livre apreciação da prova. E, em consequência, o Tribunal po(u)de livremente valorar a prova e nela encontrar a motivação para a convicção probatória». Não era preciso dizer mais. Por isso a questão posta tinha que improceder, como improcede. E entramos na 11ª questão (enquadramento dos factos provados). Apoia-se o recorrente na ideia de que, admitida como provada a factualidade descrita nos autos, esta só autoriza a sua subsumpção no quadro do artº 21º, nº1 do DL nº 15/93 (crime de tráfico simples), que nunca no do artº 24º (tráfico agravado). Não tem razão. Na verdade, o acórdão recorrido, ao confirmar, nessa parte, a decisão da 1ª instância, agiu com total correcção e rigor. De facto, aí se cuida, com todo o pormenor, da matéria em questão (cfr. fls. 6902 e ss), analisando-se as disposições legais aplicáveis e afeiçoando-as aos factos relevantes provados, como pode inferir-se do seguinte passo que se transcreve: «No caso em análise, compulsada a matéria apurada, resultam preenchidos pelos arguidos F, G, B, I, J, C, L, M, A, O em co-autoria material, os elementos, objectivos e subjectivos do ilícito típico de que vêm sendo pronunciados, e H e N como cúmplices do aludido ilícito. Já que, se provou, que os mesmos, se vinham dedicando de comum acordo, à venda de produtos estupefacientes, no Casal Ventoso de Baixo, alguns deles, nos termos provados, pelo menos desde Março de 1997, angariando através dessa actividade proventos económicos que repartiam. Conheciam a natureza e as características estupefacientes da heroína e cocaína que transaccionavam, lhes foram apreendidas e lhes pertencia e destinavam de comum acordo, à cedência a terceiros mediante contrapartida monetária de valor não concretamente apurado, mas que se traduzía em lucro. Tais arguidos agiram livre e conscientemente em comunhão de esforços e vontades, de acordo com o plano que tinham delineado, cientes da reprovabilidade da sua conduta». No que ao crime agravado concretamente respeita, aditou-se o seguinte: «Quanto a agravação do crime de tráfico aludido pelas alíneas b) e c) do art. 24° do DL 15/93, isto é, pela distribuição de estupefacientes por grande número de pessoas e pela obtenção de avultada compensação remuneratória, afigura-se incorrecta a opção por formulas genéricas e conclusivas semelhantes à formulação da lei. Utilizar a expressão "elevados lucros monetários" é a mesma coisa do que utilizar a fórmula legal "avultada compensação remuneratória"; assim como utilizar a expressão "elevado número de consumidores" se reconduz à utilização da expressão legal "distribuição por grande número de pessoas". Importante, isso sim, é que os factos que permitam chegar a essas conclusões estejam provados, e essa, crê-se, é uma situação que se verifica em relação a todos os arguidos incursos no crime de tráfico. Provou-se que com a sua actuação, os arguidos citados, praticaram em co-autoria material o crime de tráfico agravado porquanto com a sua actuação distribuíram produtos de estupefacientes por milhares e milhares de consumidores e obtiveram ou procuravam obter compensação remuneratória não concretamente apurada mas que, se traduzia em muitas dezenas de milhares de contos». E a prova produzida não deixa a esse propósito qualquer dúvida séria. Basta atentarmos nas volumosas quantias de dinheiro apreendidas e nos bens que compraram sem prova de possibilidades lícitas de aquisição. Daí que tenhamos por correcto o enquadramento feito pelas instâncias e insubsistente a objecção colocada. Finalmente, e relativamente ao mesmo arguido G, surge-nos a 12ª questão (insuficiência de fundamentação quanto à escolha da espécie e medida da pena). Atenta a solução dada à 11ª questão, é óbvio que fica prejudicada a questão da espécie da pena a aplicar, uma vez que só poderia ser uma: a de prisão. Quanto à respectiva medida também pouco há a dizer. Sendo a moldura correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes - o único que se põe em causa - de 7 anos, 1 mês e 10 dias a 16 anos de prisão (visto que é reincidente), o Tribunal da Relação limitou-se a confirmar a pena fixada em 1ª instância - 11 anos de prisão. Mas disse porquê e de forma indiscutivelmente fundamentada (vejam-se fls. 6921 e ss), e com a seguinte conclusão (fls. 6937): «Ponderado o comportamento do arguido/recorrente, nas suas características objectivas e subjectivas, a natureza dos valores violados e seu reflexo social - o nível de censura é muito elevado - o valor motivo da sua conduta e a respectiva personalidade, tanto quanto é possível determinar com o despiste efectuado reafirmando-se o dever de reintegrar e de recuperar os infractores, tendo subjacente uma ideia complexa de fundamento da punição em que se conjugam duas grandes linhas de força - a de uma punição como ultima ratio e a de uma punição eticamente justa, como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito, neste particular, correspondente ao limite da necessidade punitiva, opta- se, também, pela pena encontrada na 1ª Instância . A pretensão do arguido não procederá». Temos, pois, fundamentação mais do que suficiente da opção tomada, o que conduz inevitavelmente à improcedência de tal questão. Percorrido o recurso do arguido G, entramos agora no do I. A questão 13ª (violação do artº 188º, nº1, do CPP, por incorrecta colheita das escutas telefónicas). Aduz o recorrente que, feitas as escutas telefónicas, foi a entidade policial quem tomou primeiro conhecimento do conteúdo das respectivas transcrições, que estas foram feitas segundo o seu critério, e que só finalmente foram entregues ao Senhor Juiz de Instrução que se limitou a mandá-las juntar aos autos, o que tudo contende com as regras do artº 188º, nº1 do CPP, sendo por isso nulas segundo o disposto no artº 189º do mesmo Código. Atentemos. O problema equacionado já foi posto no recurso levado ao Tribunal da Relação, que o resolveu do seguinte modo (fls. 6391): «Sufraga-se inteiramente o entendimento do Ilustre Magistrado do MºPº como atrás se disse. Na verdade, o que a lei impõe é que haja um efectivo acompanhamento, por parte do Juiz, das escutas ordenadas e tal acompanhamento faz-se, precisamente, com a informação ao Juiz, por parte da Polícia Judiciária e do Ministério Público, dos resultados de tais escutas, bem como da necessidade, ou não, da sua manutenção, com os consequentes pedidos de prorrogação do prazo para as intercepções e gravações, em caso afirmativo». Não temos dúvidas de que assim seja. De resto, o nº2 do artº 188º citado, é claro ao prescrever que a regra do nº1 da norma não é impeditiva do conhecimento prévio do conteúdo das gravações por parte do órgão de polícia criminal, em ordem a poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova. O que importa é que o Juiz acompanhe de perto e controle a colheita e o conteúdo do material gravado, como surte do teor do Ac. do Trib. Const. nº 407/97, de 97.05.21, BMJ 467-199. E não consta dos autos nenhuma referência que leve a concluir que alguma vez o Senhor Juiz de Instrução tivesse deixado de acompanhar e ter sob seu domínio as gravações feitas, nem tão pouco o recorrente concretiza onde e como houve violação de tal impositivo da lei. De todo o modo sempre seria discutível se, a haver nulidade, se trataria ou não de nulidade insanável, na consideração de que só será insanável a que provém de recolha de escutas sem autorização judicial e já não as que padecem de algum dos outros vícios referidos no preceito (vd SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, Código de Processo Penal Anotado, I, 942). E, a ser nulidade relativa como parece, estaria sanada por falta de arguição em tempo. Daí que a objecção não proceda. A 14ª questão incide sobre a inconstitucionalidade do artº 127º do CPP (violação do artº 32º, nº1, da CRP, por ausência de fixação de regras limitadoras do princípio da livre apreciação da prova). Já se abordou esta temática aquando da análise do recurso interposto pelo arguido G, tendo-se então tecido as considerações que o tema suscitava no seu contexto geral. Acrescenta-se agora, todavia, que o tribunal recorrido foi linear quando se debruçou sobre a temática (fls. 6395): «Claramente lesivo do direito de defesa dos arguidos, consagrado no n°1 do artigo 32° da Constituição, seria sim interpretar o artigo 127° do Código de Processo Penal no sentido de que o princípio da livre apreciação da prova permitia valorá-la, em julgamento, sem a observância de nenhuma das regras previstas no artigo 127° do mesmo diploma, ou seja, das regras da experiência e da livre convicção da entidade competente». E em comentário à jurisprudência constitucional anota: «... a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma actividade puramente subjectiva, emocional e portanto não fundamentada juridicamente. Tal princípio, no entendimento do Tribunal, concretiza-se numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitirá ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. Trata-se, assim, de um princípio de liberdade para a objectividade, e não para o arbítrio». Em reforço sempre se dirá que o Tribunal Constitucional, quando houve de pronunciar-se sobre a matéria, decidiu que tal preceito não sofre de qualquer inconstitucionalidade (cfr., v.g. os Acs. nº 1165/96, de 19 de Novembro, BMJ 461-93 e 137/01, de 28 de Março, Procº nº 778/00-3ª). Donde que se não tope com qualquer vício constitucional na forma como o tribunal recorrido interpretou o preceito referenciado. Improcede, assim, pois, tal pretensão. A 15ª questão (falta de fundamentação da matéria de facto tida como provada) também não merece acolhimento. Com a alegação de tal vício pretende-se ver consubstanciada uma violação dos preceitos contidos nos artºs 374º, nº2 e 379º, nº1, al. c) do CPP. Já houve oportunidade para abordar esta temática no momento em que se procedeu ao estudo do recurso interposto pelo recorrente G, tendo-se então assinalado que este Supremo Tribunal de Justiça, além de não conhecer de facto, não tem que, nem pode sindicar a bondade ou os erros que porventura a decisão da 1ª instância possa oferecer, já que o seu campo de conhecimento se restringe à decisão recorrida, que é a da 2ª instância. Assim sendo, não pode sofrer dúvidas que tal decisão analisou e explicou, por forma assaz dilatada e apoiada, a razão pela qual, nessa parte, acompanhava e sancionava a matéria fáctica assente no tribunal da condenação (veja-se o que se escreveu a fls. 6750 e ss). Ignorá-lo não será concerteza um bom caminho... Daí que não colha a pedido em tais termos formulado. A 16ª questão (ausência de prova quanto à aquisição de determinados bens com dinheiros obtidos com a prática do crime) restringe-se a pura matéria de facto, que naturalmente escapa ao conhecimento deste Supremo Tribunal de Justiça, e que por isso não será tratada. Finalmente acode a última questão posta pelo arguido I - a 17ª (medida da pena). Acusa-a o recorrente de excessiva, e para tanto abona-se num rol de circunstâncias abonatórias que justificariam um pulso menos forte. Não se crê que tenha, porém, razão. A questão vem tratada a partir de fls. 6805, especialmente fls. 6825 e 6826, da forma que se transcreve: «O crime não é um facto isolado, integra-se numa conduta e significa uma reacção pessoal numa situação dada - meio/circunstância. O acto delituoso só pode apreciar-se em relação com a personalidade. O homem é um ser situado, o que vale a dizer que a sua personalidade e comportamento só, por abstracção, podem isolar-se de um certo quadro social. A individualidade pessoal - a personalidade - é criada pela combinação de numerosos factores, uns endógenos e outros exógenos, nomeadamente, o desenvolvimento social e os meios familiar e cultural (...). O que se censura em direito penal é a circunstância de o agente ter documentado no facto - no facto que é a expressão da personalidade - uma atitude de contrariedade ou de indiferença (no tipo de culpa doloso) ou de descuido ou de leviandade (no tipo de culpa negligente) perante a violação do bem jurídico protegido. E que o agente responde, na base desta atitude interior, pelas qualidades jurídico-penalmente desvaliosas da sua personalidade que se exprimem no facto e o fundamentam.-ut.F.Dias Sobre o estado actual da doutrina do crime - 2a parte in RPCC-1991(...). A personalidade do agente - se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto - é um factor da mais elevada importância para a medida da(s) pena(s) e que para ela releva, na verdade tanto pela via da culpa como pela da prevenção». E conclui assim: «Considerando a gravidade dos factos cometidos e ponderado tudo o que acima se lançou, forçoso é concluir ... (que)... o Exmº Colectivo, resolveu de forma equilibrada e comunitariamente aceitável. Em suma, ponderado o comportamento do arguido..., nas suas características objectivas e subjectivas, a natureza dos valores violados e seu reflexo social - o nível de censura é muito elevado -, o valor motivo da sua conduta e a respectiva personalidade, tanto quanto é possível determinar com o despiste efectuado - reafirmando-se o dever de reintegrar e de recuperar os infractores, tendo subjacente uma ideia complexa de fundamento da punição em que se conjugam duas grandes linhas de força - a de uma punição como ultima ratio e a de uma punição eticamente justa, como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito, neste particular, correspondente ao limite da necessidade punitiva, opta-se, também, pela pena encontrada na 1ª instância». Nada a apontar à justeza da decisão, improcedendo assim a objecção posta. Por fim temos o recurso do arguido O, que comporta apenas duas questões. Uma - a 18ª - tem a ver com a medida da pena que lhe foi imposta, já beneficiada no recurso que interpôs para a 2ª instância (desagravamento de 1 ano de prisão em relação aos 4 anos que lhe haviam sido atribuídos no tribunal da condenação). Depois de historiar toda a conduta deste arguido e o tratamento que ela mereceu no tribunal de 1ª instância, a Relação ponderou a sua inserção laboral, a confissão dos factos, a demonstração de arrependimento, a ausência de antecedentes criminais para concluir assim: « (...) reafirmando-se o dever de reintegrar e de recuperar os infractores, tendo subjacente uma ideia complexa de fundamento da punição em que se conjugam duas grandes linhas de força - a de uma punição como ultima ratio e a de uma punição eticamente justa, como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito, neste particular, correspondente ao limite da necessidade punitiva, opta-se, também, pela pena detentiva encontrada na 1ª instância mas reduzindo-a a 3 anos. A pretensão do arguido relativamente a uma pena de substituição não pode, ainda, ser atendida - não parece possível já formular o prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento futuro e que autorizaria a pena de substituição, i. e, uma pena de suspensão da execução da pena de prisão». Nada a objectar a esta decisão, que se mostra conforme com a base em que a assenta e não afronta a lei. Por fim surge-nos a última questão - a 19ª - que respeita à possibilidade de aplicação do estatuto contido no Regime Especial para Jovens, do DL nº 401/82, de 23 de Setembro. Antes de mais importa registar que o Tribunal da 1ª instância já considerou este regime no tratamento jurídico-penal da conduta do arguido, tanto assim que, ao fixar a medida concreta da pena, o fez dentro de uma moldura penal desagravada - 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão, em vez de 5 anos e 4 meses a 16 anos de prisão, que é a que corresponde a um crime de tráfico de estupefacientes agravado. O que talvez o recorrente persiga é, dentro de tal moldura aliviada, uma diminuição ainda mais sensível da censura que lhe foi imposta. Pelo menos, os termos em que o faz para a 2ª instância revela isso mesmo. Analisando a questão, verifica-se que a decisão recorrida, assumindo o espírito e os propósitos do regime especial em causa, reforçou a sua aplicação prática no caso concreto, retirando 1 ano de prisão à censura que o tribunal da condenação havia fixado, por entender que a idade do arguido - então com menos de 21 anos - merecia um tratamento mais favorável. E assim a pena ficou fixada um tanto acima do seu limite mínimo (1 ano e 4 meses), mas muito longe do seu limite máximo (10 anos e 8 meses). E não foi mais longe o Tribunal da Relação, como, de resto, se assinalou na análise da anterior questão (medida da pena), onde já se responde ao que aqui o arguido impugna. Assim, improcede mais esta questão. 3. Em resultado do exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: - conceder, nos termos sobreditos, parcial provimento ao recurso interposto pelo MºPº e, revogando nessa parte a decisão do Tribunal da Relação, condenar cada um dos arguidos P e Q, pela prática de um crime de extorsão, na pena de 6 anos de prisão (tal como na 1ª instância); - negar provimento aos recursos do MºPº (na parte não provida), e dos arguidos G, I e O. Pagará cada um dos arguidos 10 Uc de taxa de justiça. Honorários à Defensora Oficiosa: 5 UR. Após trânsito passe mandados de captura relativamente aos arguidos G. Lisboa, 9 de Julho de 2003 Leal Henriques Borges de Pinho Pires Salpico Armando Leandro |