Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MÁRIO BELO MORGADO | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO RECURSOS ALEGAÇÕES DE RECURSO CONCLUSÕES DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO MATÉRIA DE FACTO PODERES DA RELAÇÃO ANULAÇÃO DE SENTENÇA CONHECIMENTO OFICIOSO CASO JULGADO DESPEDIMENTO ILÍCITO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Data do Acordão: | 01/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I- Ao contrário das situações em que sejam inexistentes, as conclusões deficientes são passíveis de aperfeiçoamento II- Admitindo-se que sejam de equiparar às situações de falta de conclusões aquelas em que os blocos de texto assim designados careçam de um mínimo de substrato/racionalidade argumentativa, nunca poderá medida tão drástica prescindir de uma avaliação casuística, enformada por exigentes considerações de proporcionalidade, reservando-se para casos flagrantes, isentos de qualquer dúvida. III- A nova economia digital (acarretando substituição do trabalho humano por tecnologia, hiperconectividade e teletrabalho) está a provocar profundas mudanças nos modelos de organização do trabalho e do emprego, que incluem múltiplas manifestações de flexibilidade laboral e de fragmentação e externalização do processo produtivo. Aumentado muito significativamente as margens e expressões de autonomia no campo do trabalho subordinado, ganha expressão a dependência económica, em face da dependência organizativa. Esbatendo-se a oposição tradicionalmente existente entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo, a subordinação perspetiva-se agora como elemento dotado de grande plasticidade. IV- Apesar da sua autonomia técnica e do facto de lhe pertencerem os instrumentos de trabalho de cariz mais técnico, o A., durante quase 12 anos, manteve-se fortemente integrado e enquadrado na estrutura empresarial da R., sujeito a instruções que influenciavam decisivamente a sua atividade de fotojornalista, desenvolvendo parcialmente o seu trabalho em posto físico localizado nas instalações do jornal, com parte do material de trabalho fornecido pela R., de acordo com agendas de turno traduzidas em cargas de trabalho de cerca de 8 horas diárias e mediante remuneração certa e regular. V- Uma vez que o poder disciplinar apenas se manifesta em situações de crise contratual, não pode concluir-se que não exista pelo simples facto de nunca ter sido exercido. VI- Tendo em conta o contexto descrito em supra nº 3, e sendo ainda certo que a entidade empregadora é livre de não o fazer, não assume expressão significativa a circunstância de não haver controlo de assiduidade do A., tanto mais que está em causa uma atividade que exigem flexibilidade temporal e espacial. VII- Ainda que rejeite total ou parcialmente o recurso de facto, a Relação mantém intocados os amplos poderes oficiosos que detém nesta matéria, podendo sempre determinar, para além do mais, a ampliação da matéria de facto [cfr. art. 662º, do CPC, maxime a alínea c) do nº 2], sem que isso envolva qualquer violação do caso julgado. VIII- Nos termos do art. 496º, do Código Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, norma da qual resulta ser exigível um quadro de gravidade qualificada, que vá para além dos incómodos e desconforto psicológico normalmente inerentes a determinada situação da vida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Revista n.º 16978/18.5T8LSB.L2.S1 MBM/JG/RP Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. 1. AA intentou a presente ação emergente de contrato de trabalho contra Público – Comunicação Social, SA, pedindo que: a) Seja reconhecido que a relação existente entre as partes consubstancia um contrato de trabalho. b) Seja declarada a nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entre o A. e a R., fixando-se a data de início da relação laboral em 02.11.2005 e reconhecendo-se ao Autor a retribuição mensal de (pelo menos) 1.750,00 €; c) A cessação do contrato efetuada pela R. seja qualificada como despedimento, declarando-se a ilicitude do mesmo e condenando-se a R. a pagar-lhe uma indemnização equivalente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, bem como: as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento, até ao trânsito em julgado da decisão, 54.062,10 €, a título de retribuição por trabalho suplementar; 12.450,00 €, a título de diuturnidades (“por referência provisória às retribuições médias anuais e sem prejuízo de outras superiores que se vier a apurar em sede de julgamento”); 19.900,00 €, a título de subsídio de férias; 18.150,00 €, a título de subsídio de Natal; 33.000,00 €, a título de subsídio de material; a quantia que se vier a apurar em julgamento ou em sede de incidente de liquidação, a título de subsídio de compensação por serviço externo (pernoitas); a quantia que se vier a apurar em julgamento ou em sede de incidente de liquidação, a título de subsídio de refeição; a quantia de 2.644,08 €, a título de reembolso das despesas do A. com a contratação de seguro de saúde e de seguro de acidentes de trabalho; a quantia que se vier a apurar em julgamento ou em sede de incidente de liquidação, a título de reembolso das quantias pagas pelo A. a título de contribuições para a Segurança Social, enquanto trabalhador independente e que não teria de pagar como trabalhador dependente; a quantia de 50.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento. d) A R. seja condenada a pagar ao A., caso este opte pela indemnização substitutiva da reintegração, a quantia de 3.368,76 €, a título de proporcionais de retribuição de férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal, correspondentes ao trabalho prestado no ano da cessação, e na quantia 4.120,80 €, a título de créditos de formação não dada, tudo acrescido de juros de mora. 2. Na 1.ª instância, a ação foi julgada totalmente improcedente. 3. Interposto recurso de apelação pelo A., a R. arguiu a falta de conclusões das alegações de recurso. 4. No Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), a Senhora Desembargadora Relatora convidou o recorrente a “completar as suas conclusões em sede de Direito”, tendo este apresentado novas conclusões. 5. Deste despacho, a ré reclamou para a conferência. Por acórdão de 29.01.2020, o TRL: a) Indeferiu a reclamação da Ré; b) Rejeitou o recurso relativo à matéria de facto; e c) Anulando a decisão recorrida, mandou ampliar a matéria de facto, tendo em vista aferir, nomeadamente, se a R. controlava a assiduidade do A. 6. O Autor e a Ré interpuseram recurso de revista deste acórdão, não tendo o Supremo Tribunal de Justiça admitido os dois recursos, por despacho da Senhora Conselheira Relatora: o do A., por a decisão ser irrecorrível, e o da R. (impugnando o indeferimento da reclamação mencionada em supra nº 5), em virtude de se ter entendido que, incidindo sobre uma decisão interlocutória da Relação (fora do âmbito do art. 671º, nº 2, do CPC), a sua impugnação deveria ter lugar nos termos do art. 673.º, do mesmo diploma. Despacho no qual se ponderou, designadamente, que “(…) a impugnação dos acórdãos que se limitem a apreciar questões de natureza adjetiva, que nem sequer foram objeto de apreciação por parte da 1ª instância, é diferida para a revista interposto ao abrigo do nº 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, a não ser que tal determine a absoluta inutilidade (…) ou que exista norma que permita a sua impugnação imediata, caso em que é admissível recurso autónomo, nos termos do nº 4 do artigo 671.º do CPC. (…)”. 7. Proferida segunda sentença na 1.ª instância (que aditou alguns factos e manteve o sentido decisório) e interposto novo recurso, o TRL, por acórdão de 6.04.2022 (julgando parcialmente procedente a apelação, não admitindo parcialmente o recurso de facto do A. e não admitindo a ampliação do âmbito do recurso requerida pela R.): a) Julgou parcialmente procedente o recurso de facto do A.; b) Declarou que entre as partes foi celebrado um contato de trabalho, com início em 02.11.2005; c) Declarou ter o A. sido ilicitamente despedido, condenando a R. a pagar-lhe: – Uma indemnização em substituição da reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, devendo, para tanto, ser atendido ao tempo decorrido até ao trânsito em julgado da decisão judicial; – As retribuições que deixou de auferir (incluindo subsídio de férias e subsídio de Natal) desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art. 390° do CT; – As quantias devidas a título de subsídios de férias e de Natal vencidos durante a vigência do contrato; – Juros de mora, à taxa legal. d) Manteve, no mais, a sentença recorrida. 8. Do assim decidido, ambas as partes interpuseram recurso de revista, sendo que a R. igualmente recorreu do acórdão do TRL de 29.01.2020 (cfr. supra nº 5). 9. No recurso de revista, o A. (para além do mais) invocou a nulidade do acórdão do TRL (de 6.04.2022), por omissão de pronúncia, com os seguintes fundamentos: i) não foi declarada a nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entre A. e R.; ii) o TRL não se pronunciou sobre o pagamento dos proporcionais devidos com a cessação do contrato. O TRL indeferiu a arguida nulidade, por acórdão de 28.09.2022. 10. Ambas as partes contra-alegaram. 11. No seu parecer, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de serem negadas as revistas. II. (Delimitação do objeto da revista) 12. No despacho liminar, o relator, entendeu estar verificada circunstância impeditiva do (parcial) conhecimento do objeto do recurso de revista do A., com os seguintes fundamentos: “(…). O Autor arguiu a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, tendo o Tribunal da Relação indeferido a nulidade por acórdão de 28.09.2022. O Autor pretende, além do mais, ver reapreciada a decisão quanto a créditos laborais relativos a formação não dada, diuturnidades, subsídio de máquinas, reembolso de contrato de seguro de saúde, reembolso de quantias pagas à Segurança Social e indemnização por danos não patrimoniais. Sucede que, quanto a estes créditos, o Tribunal da Relação não os apreciou com fundamento no facto de “o corpo alegatório e as conclusões são omissas quanto a tais créditos (apenas tendo sido peticionados). Assim e por falta de concretização dos fundamentos em que assentam os invocados créditos, não cumpre conhecer destas matérias”. Não tendo o Autor impugnado a decisão da Relação de não conhecer destas questões, não poderá recorrer quanto ao seu mérito, por falta de objeto do recurso. (…)” Notificadas para o efeito (cfr. art. 655.º, n.º 1, do CPC), ambas as partes se pronunciaram sobre a questão assim suscitada. 13. “Se a questão da nulidade da sentença (…) for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento” (art. 617º, nº 1, do CPC). Ao abrigo desta disposição legal, o TRL, em conferência, proferiu o acórdão mencionado em supra nº 9., indeferindo as nulidades arguidas pelo A. Se o tribunal indeferir o incidente de nulidade da decisão, como ocorreu no caso dos autos, o indeferimento não admite recurso autónomo, mas, naturalmente, cabe ao tribunal superior (re)apreciá-la, a par das demais questões que constituam o objeto do recurso (cfr. art. 615º, nº 4, do CPC). 14. O TRL não conheceu do recurso do A. na parte relativa a diuturnidades, créditos de horas para formação, subsídio de material, subsídio de refeição, despesas de contratação de seguro de seguro de saúde e de acidentes de trabalho e contribuições para a Segurança Social, invocando que “o corpo alegatório e as conclusões são omissas quanto a tais créditos”. Não foi interposto recurso deste segmento decisório que, assim, transitou em julgado. Mostrando-se definitivamente decididas as questões atinente a tais invocados créditos, não podem as mesmas, naturalmente, ser conhecidas (retomadas) neste momento processual (cfr. art. 635º, nº 5, do CPC), sendo certo que os recursos, enquanto meios de impugnação das decisões judiciais (cfr. art. 627.º, n.º 1, do CPC), apenas se destinam à reapreciação de questões anteriormente apreciadas pelo tribunal a quo. 15. Nesta parte, não se conhecerá, pois, do recurso do A. 16. Refira-se, finalmente, que as questões suscitadas pela R. em sede de ampliação do recurso de apelação, que não foi admitida pelo TRL (supra nº 7), foram validamente suscitadas em sede de revista e que delas se conhecerá (o que prejudica a problemática da não admissão da ampliação, em si mesma). 17. Posto isto, inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões das alegações de recurso das partes, as questões a decidir[1], que não venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra e de acordo com a sua precedência lógico-jurídica, são as seguintes: a) Recurso da Ré – impugnação do acórdão do TRL de 29.01.2020: – Se merece censura o acórdão do TRL de 29.01.2020, na parte em que indeferiu a reclamação da R. do despacho que convidou o A. a aperfeiçoar as conclusões da alegação de recurso (cfr. supra, nºs 3 a 6); b) Recurso da Ré – impugnação do acórdão do TRL de 06.04.2022: – Se entre as partes foi celebrado um contato de trabalho (por tempo indeterminado); – Caso a alteração da decisão de facto a que procedeu o TRL seja suscetível de influir na solução dada à antecedente questão, se essa decisão merece censura; – Respondendo-se afirmativamente à primeira questão, se ao A. apenas é devido o valor das retribuições vencidas desde 17 de junho de 2018 (e não desde a data do despedimento). c) Recurso do Autor – impugnação do acórdão do TRL de 06.04.2022: – Se o acórdão do TRL de 06.04.2022 enferma de nulidade, por omissão de pronúncia (cfr. supra nº 9 e 10); – Se o A. tem direito a indemnização por danos não patrimoniais; – Caso isso seja suscetível de influir na solução dada às demais questões suscitadas pelo recorrente, se merece censura a não admissão parcial do recurso de facto do A.; – Se a R. deve ser condenada como litigante de má-fé. Decidindo. III. 18. Com relevância para a decisão do recurso de revista, a matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte: 1. No exercício da sua atividade, a Ré edita e comercializa o jornal diário Público”. 2. O A. exercia as suas funções de Fotojornalista nesse jornal; 3. No dia 23 de Janeiro de 2005, o A. iniciou o seu estágio no jornal Público; 4. (…) tendo terminado em 23 de Abril de 2005; 5. (…) 6. (…) [O] A começou, no dia 2 de Novembro de 2005, a trabalhar para a Ré, como fotojornalista; 7. Passando a integrar a equipa de fotografia desse jornal, na redação de Lisboa, 8. E auferindo a quantia de € 800,00 por mês emitindo recibos verdes, relativos ao trabalho prestado nos meses de Novembro de 2005 a Maio de 2008; 9. Entre Março e Abril de 2007, a empresa S... realizou uma auditoria à organização da Ré e, na sequência da mesma, elaborou e entregou à Ré um Relatório Executivo, datado de 10/05/2007; 10. Cujo objeto teve especial incidência sobre a secção de fotografia do jornal Público e recursos humanos afetos a essa secção e onde se pode ler várias referências ao caso do Autor, nos seguintes termos, que se transcrevem: (…) 11. Nos anos de 2014 a junho de 2017 o Autor efetuou uma média mensal de, aproximadamente, 22 serviços para a Ré; 12. Por conta da Ré o Autor viajou em todo o território nacional e fez deslocações ao estrangeiro para fazer reportagens sendo o custo das mesmas suportado pela Ré; (…) 16. Nunca foi paga ao Autor qualquer remuneração adicional por isenção de horário; 17. Era através de endereços de e-mail AA@ publico.pt e AA@publico.pt e, também do seu endereço de e-mail pessoal (AA@gmail.com) — como, de resto, acontecia com os restantes fotojornalistas —, que o Autor recebia comunicações de cariz profissional; (…) 19. O A. tinha acesso à plataforma informática com o endereço de rede “http://intranetred.publico.pt...”; 20. Nessa plataforma, o nome e os contactos do Autor são disponibilizados do mesmo modo que os dos restantes fotojornalistas que colaboram com o Público; 21. Além disso, na página web (vulgo, site) do jornal Público, o aqui Autor é identificado, como “AUTOR” (ver “https://www.publico.pt...); 22. Onde era, também, disponibilizado o seu endereço de e-mail profissional (portanto, com o domínio “publico.pt” — AA@publico.pt), permitindo aos leitores entrar em contacto consigo, se assim o desejassem através desse e-mail; 23. Todos os anos, no final do ano, a Ré fazia um resumo das melhores fotografias do ano, criando uma fotogaleria disponível online, sendo que as fotografias do A. também aí se encontravam publicadas; 24. Foram também expostas fotografias do A. por ocasião de exposição inaugurada no dia 15 de Maio de 2015 com o nome “... Exposição de Fotografia ...”; 25. E, ainda, por ocasião de duas conferências, uma em Lisboa e outra no Porto, no fim de semana de 4 e 5 de Março de 2017, organizadas pela Ré, subordinadas ao tema "...", tendo as fotografias sido expostas nas salas onde decorreriam as conferências, no ... (Lisboa) e na ... (Porto); 26. O Autor frequentou, a custas suas, um curso de edição de vídeo no ..., em ...; 27. A Ré tem por objeto social a atividade de redação, composição e edição de publicações periódicas e não periódicas, a exploração de estações e estúdios de rádio e de televisão, compreendendo a preparação, comercialização e difusão para o público de programas audiovisuais e a prestação de serviços de televisão em circuito fechado e de retransmissão de rádio e televisão; 28. O A. trabalhou, desde o momento da sua admissão, a recibos verdes o que lhe causou angústia; (…) 31. No dia 1 de Junho de 2008 o A. e a R. subscreveram um documento particular que apelidaram de Contrato de prestação de serviços, nos termos do qual o primeiro se obrigou a prestar serviços de reportagem fotográfica ao segundo, e este se comprometeu a adquirir mensalmente um pack mês de 22 serviços fotográficos, que serão efetuados pelo primeiro ao ritmo da agenda, mediante uma remuneração anual de €21.000, acrescido de IVA à taxa em vigor, pagamento feito em prestações mensais de igual valor durante o período em que vigorar o contrato, tudo em termos e condições que constam de fls. 88 a 91 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 32. Apesar de o A. ter vontade de entrar para os quadros da R. o que esta lhe propôs foi o contrato mencionado no número anterior, tendo este aceite o contrato como forma de continuar a trabalhar para a R..; 33. O contrato mencionado em 31 dos factos provados resultou das negociações entre A. e R. que decorreram de forma livre e esclarecida; 34. E substituiu as condições antes vigentes entre o A. e a R.; 35. A partir de Junho de 2008, o A. recebeu sempre o valor mensal de €1.750 por conta do trabalho prestado, independentemente do número de serviços realizados, quantia que foi paga sempre doze meses por ano, nunca lhe sendo pago o subsídio de férias nem de Natal, tão pouco quaisquer prémios, subsídios de refeição ou qualquer outra quantia; 36. Em nome do A. foi feito um seguro de saúde cujo valor de Janeiro de 2012 a Julho de 2018 ascendeu a €1.844,52, o qual não foi suportado pela R.; 37. Na sequência do contrato referido em 31 dos factos provados o Autor enviava à Ré, todos os meses e no fim de cada mês, por e-mail, a relação dos serviços efetuados; 38. Os colegas do A., com as mesmas tarefas e funções, encaravam o trabalho deste como equiparável ao seu; 39. O mesmo sucedia com os editores, embora um dos editores tivesse presente que existia uma limitação mensal de trabalhos a atribuir ao A. o que não existia com os demais trabalhadores; 40. O A. estava sempre disponível para executar qualquer pedido que os editores atribuíssem; 41. Desde 2005, o jornal Público foi mudando, seja ao nível do grafismo, seja relativamente aos suplementos e suportes. 42. O jornal Público, propriamente dito, ou seja, o jornal em papel, era a base. 43. Saía para as bancas todos os dias, excetuando o dia 25 de Dezembro e o dia 1 de Janeiro. 44. Razão pela qual a redação não trabalhava nas vésperas desses dias, ou seja, a 24 de Dezembro e a 31 de Dezembro; 45. Porém, com as mudanças tecnológicas e o aumento de presença online, acabou por se trabalhar nestes dois dias em que tradicionalmente não se trabalhava. 46. No que diz respeito à parte do jornal em papel, o Público teve vários suplementos ao longo dos anos, que foram nascendo, desaparecendo, mudando de nome, de formato; 47. Durante o tempo em que trabalhou para a Ré, o Autor fez um número concretamente não apurado de fotografias, mas que rondam as 20 mil e, dessas, muitas, em número não apurado foram publicadas, no jornal Público e nos cadernos; 48. Fez um número de capas do jornal Público não apurado, mas que excedeu as várias dezenas, e capas entre todos os restantes suplementos. 49. Um número concretamente não apurado de fotografias do Autor também foi publicado nas plataformas digitais; 50. Ao serviço da Ré, o Autor viajou pelo território nacional (continente e arquipélagos da Madeira e dos Açores) e fez deslocações ao estrangeiro, para fazer reportagens; 51. Os procedimentos vigentes na R., em geral, para reservas relacionadas com deslocações dos jornalistas e fotógrafos eram tratadas pelos serviços da Ré e os custos das mesmas, nomeadamente, com transporte (bilhetes de avião ou comboio, aluguer de viaturas automóveis) e alojamento, eram suportados pela Ré; 52. Com efeito, nestas viagens, fosse no território nacional, fosse para o estrangeiro, toda a logística era tratada pela Ré; 53. A Ré adiantava dinheiro para as despesas que pudessem ocorrer durante a viagem; 54. Que depois teriam de ser justificadas com os recibos das próprias despesas e devolvendo o dinheiro que sobrasse, ou por meio de vale, ou por adiantamento; 55. O A. era um elemento da seção de fotografia do jornal Público onde exerceu a sua atividade de fotojornalista de modo diário desde Novembro de 2005 a Julho de 2017, salvaguardando as folgas e férias que usufruiu, respondendo às necessidades de trabalho da agenda e efetuando os serviços determinados pelo editor; 56. O editor é o superior hierárquico dos fotojornalistas, orienta o seu trabalho, distribui o trabalho de agenda pelos fotojornalistas, seleciona as fotografias que serão publicadas, faz a ligação destes às restantes seções do jornal, e dirige toda a equipa de fotojornalistas; 57. Durante o tempo em que o A. trabalhou na R. enquadrou-se no regime de turnos vigente segundo o qual havia flexibilidade no cumprimento do horário, e podendo os fotojornalistas compensar as horas a trabalhar no dia seguinte se na véspera tivessem feito trabalho além do turno determinado e desde que não houve nenhum trabalho marcado que o impedisse; 58. Os editores do A. foram: BB de 2005 a 2007, CC de 2007 a 2008 e posteriormente em 2016 e 2017 e DD de 2008 a 2016; 59. O Autor reportava aos editores de Lisboa; 60. Os editores de fotografia eram os responsáveis pelo fecho do jornal. 61. No caso da secção de fotografia, o fecho do jornal significa escolher as fotografias que irão em cada página e que juntamente com o texto fazem a peça jornalística. (…) 63. Os editores tinham as seguintes competências: a) distribuíam os serviços na véspera (nos primeiros anos era feito telefonicamente e, depois, informaticamente) e, ainda, os serviços que apareciam durante o dia de acordo com as agendas de serviço (elaboradas em ambiente informático, desde Janeiro de 2014 a Junho de 2017; b) davam instruções sobre como deveria ser feito o trabalho (se eram fotos ao alto, ao baixo, se era preciso alguma fotografia específica, se era necessário fazer fotos com espaço para texto, se eram fotos para a capa, etc.); c) recebiam as fotografias tiradas e enviadas pelos fotojornalistas; d) elaboravam os horários ou, no caso de não serem eles a fazê-lo, aprovavam nos; e) autorizavam ou não os dias de férias; f) decidiam, autorizando ou recusando, os pedidos de folga; g) aprovavam os pedidos de serviço táxi; h) marcavam as reuniões da secção; i) faziam a interligação entre a secção de fotografia e as outras secções e respetivos editores; j) apresentavam os pedidos de compra de material perecível e/ou consumível, de que a secção estivesse a precisar (por exemplo, pilhas, dispositivos de armazenamento, discos, etc.). 64. Era aos editores a quem o Autor (e os restantes fotógrafos do quadro): a) reportava qualquer incidência ocorrida durante os serviços; b) justificava qualquer assunto relacionado com o trabalho; c) ligava quando era preciso alguma ajuda durante o serviço; d) remetia o resultado do seu trabalho, isto é, o material fotográfico, para edição e eventual publicação; e) pedia os dias de férias; f) pedia os dias de folga; g) requisitava, para aprovação, o serviço de táxi; h) avisava em caso de doença; i) avisava em caso de impossibilidade de comparência nas reuniões de secção. 65. A organização do dia de trabalho do Autor ao serviço da Ré, começava na véspera, consultando as agendas de serviço, que discriminavam os trabalhos que eram atribuídos ao Autor para o dia seguinte, pelo editor; 66. Tal consulta podia ser feita via internet, por acesso remoto à plataforma da Ré. 67. No próprio dia, deslocava-me para o serviço que estava agendado, 68. Fazendo a reportagem fotográfica nos locais determinados pelo serviço a realizar, fosse ele pré-determinado pelo editor e pela agenda, ou deixada por vezes a escolha do dia, hora e local ao A., consoante a natureza do trabalho a realizar; 69. Concluída reportagem fotográfica, o Autor iniciava a segunda parte do trabalho, que consistia nas seguintes tarefas: a) catalogação: incluir no ficheiro fotográfico um pequeno texto descrevendo objetivamente o que acontece na fotografia (quem, o que, onde, quando, porquê), sendo que a legenda é a única maneira de identificar e encontrar as fotografias no arquivo; b) edição: escolher de entre todos os disparos as melhores fotografias que servissem para comunicar a notícia; a edição consistia, ainda, na tarefa de escolher as fotografias que, embora pudessem não servir para o propósito do dia, fossem importantes para ter de arquivo, pois qualquer jornal (e o Público não era uma exceção) vive muito do arquivo; c) pós-produção: as fotografias escolhidas, seja para o dia ou para o arquivo, tinham de passar por um programa de tratamento de imagens, para controlar contraste, densidade, cor, enquadramento; d) envio: transferir por via de um serviço de ... ou por e-mail as fotografias já tratadas para o jornal, para que o editor pudesse escolher a foto mais pertinente para paginar no jornal, ou para publicar online; e) arquivo: descarregar as fotografias no computador. 70. Normalmente, a maioria destas tarefas era realizada no fim do serviço, mas, amiúde, devido a natureza do serviço, era preciso enviar fotos ainda durante o decorrer do serviço, para alimentar as plataformas online do jornal. 71. Por essa razão, o Autor levava consigo o computador portátil para editar, legendar e enviar as fotografias assim que possível. 72. À parte do computador o Autor levava consigo todo o material que era necessário para a realização das fotografias (máquinas, lentes, cartões, leitor de cartões, entre outros); 73. Quando o Autor começou a trabalhar no Público, em 2005, a ida à redação era imprescindível, pois a exigência dos suportes online estava muito longe da realidade dos dias de hoje, e trabalhava-se sobretudo para a edição em papel do dia seguinte; 74. O trabalho de edição, legendagem e tratamento era feito quase, exclusivamente, nas instalações do jornal e nos computadores de mesa do mesmo. 75. Com o passar dos anos, o mercado jornalístico mudou, e a exigência de ter as fotografias no momento para alimentar o site do Público fez com que os timings tivessem mudado, e já não se trabalhava tanto para a edição em papel do dia seguinte, mas mais para publicar a notícia online no momento em que ela acontece, ou até quando ela ainda está a acontecer. 76. Tal mudança fez como que a passagem pela redação fosse mais prescindível, mas obrigou a todos os fotógrafos a andarem sempre com o computador “às costas” e trabalharem no próprio local onde as fotografias são feitas; 77. Os tempos de entrega do material fotográfico eram estabelecidos pelo editor de fotografia de acordo com a agenda e com os horários de fecho das publicações do jornal; 78. Era o editor quem indicava ao A. a urgência de cada trabalho específico, indicações essas que, algumas vezes, eram dadas no decurso do trabalho e, apenas aí, se percebia a necessidade de mandar rapidamente fotos devido à natureza do mesmo. 79. Por outro lado poderiam aparecer novos serviços durante o decorrer do dia; 80. Os quais eram distribuídos pelo editor de entre os fotógrafos, incluindo o A., e tendo em conta as agendas de véspera, os horários e os locais dos mesmos; 81. Em suma, os trabalhos de fotografia eram agendados e listados e consultados (pelo Autor e pelos restantes fotojornalistas) através duma página específica (......), 82. A qual poderia ser acedida mediante o uso de credenciais específicas, ou seja, nome de utilizador e palavra-passe, dispondo o Autor dessas credenciais, que lhe haviam sido fornecidas pela Ré. 83. Durante o tempo que o Autor esteve no Público, a Ré utilizou os serviços de fotógrafos colaboradores freelancers; 84. Quando havia um fluxo maior de trabalho, recorria a colaboradores ocasionais como EE, FF e GG; 85. O trabalho destes colaboradores-freelancers era pago à peça (…) (…) 87. A secção de fotografia da R. em Lisboa funcionava em dois turnos: o turno da manhã, das 9/10h às 17/18h e o turno da tarde, das 14/15h às 22h, com intervalo para almoço; 88. Os serviços agendados para antes das 9/10h da manhã eram realizados por um dos fotojornalistas que pertencesse ao turno da manhã; 89. Os serviços que estavam agendados para depois das 22h, eram realizados por fotojornalista que estivesse no turno da tarde. 90. O Autor trabalhou para Ré em ambos os turnos; 91. O A. fez por diversas vezes trabalho fora do seu turno; 92. A escala dos turnos era indicada em tabelas que periodicamente o editor, ou alguém designado por ele, remetia por e-mail a todos os fotojornalistas, incluindo ao Autor; 93. E nas quais estavam assinalados alem dos turnos, as folgas e férias; 94. O A. não constava do mapa de férias da R., mas apenas dos turnos usados pela seção de fotojornalistas; 95. Nessas tabelas consta, expressamente, o nome do Autor, pelas suas iniciais (AA), a par dos restantes fotojornalistas, incluindo os que pertenciam aos quadros da Ré. (…) 99. Assim, dessas tabelas constavam os dias de trabalho de cada um dos fotógrafos, o turno em que trabalhavam e os dias em que gozariam as férias e as folgas, para organização interna da seção de fotografia; 100. Normalmente, as escalas funcionavam num ratio de 10:4, ou seja, trabalhava-se 10 dias seguidos, após o que se folgava 4 dias consecutivos e, depois, iniciava-se novo período de 10 dias de trabalho e assim sucessivamente; 101. As tabelas mencionadas sofriam por vezes alterações e eram afixadas na redação; 102. Os pedidos de férias do A. eram feitos diretamente ao editor verbalmente ou por email; (…) 104. Durante o tempo que o A. trabalhou para a Ré, no jornal Público, teve sempre um posto físico de trabalho que podia ocupar, o qual não era específico do A., pois podia ser usado por qualquer outro fotojornalista, embora usualmente o A. ocupasse sempre o mesmo; 105. Tal posto de trabalho foi sempre mantido dentro da secção de fotografia nas diversas mudanças que se realizaram. 106. Aliás, tal como acontecia com os restantes fotojornalistas do quadro de pessoal, o posto de trabalho que o Autor podia ocupar indistintamente, ou qualquer outro fotojornalista, localizava-se dentro da área da secção de fotografia e era composto pelo seguinte: a) uma secretária; b) uma cadeira; c) um computador de mesa, com monitor e rato que era partilhado por vários fotojornalistas, havendo menos computadores que fotojornalistas; d) um telefone fixo, com uma extensão específica para si (a saber, 31144); e) um bloco de gavetas para guardar material de escritório; 107. Em 2005 trabalhava muito para o jornal em papel (…) 108. Porém, com o passar dos anos, o crescimento da utilização de internet para o consumo de notícias, as exigências do mercado de ter a notícia o mais rápido possível, obrigou aos fotógrafos (…) a acelerar o processo de edição, legendagem, tratamento e envio de fotografias e a concluir essas tarefas quase na hora; 109. Deixou-se de trabalhar aos ritmos do jornal em papel (…), para passar ao ritmo de internet e muitas vezes com o objetivo de serem os primeiros a publicar a notícia; 110. Na era digital, as fotografias eram quase sempre escolhidas, legendadas, tratadas e enviadas no próprio local da notícia, com o objetivo de reduzir ao máximo o tempo entre a notícia e a publicação da mesma, sendo que, muitas vezes, as fotografias até eram enviadas ainda no decorrer da notícia; 111. A presença física do A. na redação, assim como dos demais fotojornalistas tornou-se cada vez menor em virtude do exposto; 112. Ao Autor era disponibilizado pela Ré diverso material, como seja, impressora e fotocopiadora, cadernos e canetas, que solicitava à responsável do economato (HH), assim como outro material de papelaria (fita cola, agrafes, marcadores, etc.); 113. Do material de escritório específico da secção de fotografia, eram disponibilizadas ao Autor, mediante solicitação sua pilhas para utilização do flash; 114. Em termos de arquivo, ao Autor era facultado DVDs para o armazenamento dos ficheiros fotográficos (centenas de DVDs por ano), assim como pastas para guardar os mesmos; 115. Os fotógrafos que pertencem dos quadros recebem uma bolsa de material no valor (…) que se cifra entre €1800 a € 3.000,00 por ano; (…) 119. Este material, adquirido por essa via passava a ser propriedade do fotógrafo algum tempo após a aquisição; 120. O Autor nunca beneficiou desta bolsa; 121. O nome do A., mesmo fora do jornal, estava associado ao jornal Público; 122. Alguns jornalistas dos quadros do Público têm exclusividade, outros podem efetuar alguns trabalhos extra desde que não para a concorrência direta da R.; 123. A R. não ministrou formação profissional ao A.; 124. No início de 2017, começou a correr a notícia dentro do jornal que a Ré pretendia renegociar o contrato do Autor e do seu colega II. 125. Em Janeiro de 2017, o Autor reuniu com o então diretor do jornal, JJ, tendo o Autor referido, nessa reunião, que a sua situação se arrastava há mais de 11 anos, resultado de uma promessa não cumprida por parte da Ré, ou seja, a promessa de entrar nos quadros logo em 2006. 126. Numa segunda reunião foi referido ao Autor que a Ré pretendia reduzir custos e, por isso, a proposta que iam apresentar era a redução da retribuição do Autor para € 1.000,00 euros brutos por mês. 127. Nessa reunião, apenas foi abordada, portanto, a possibilidade de redução do ordenado do Autor, sem ter sido feita qualquer referência às contrapartidas de dias ou horários de trabalho que o A. disse ter feito a mais; 128. Em Abril de 2017, sem que tivesse ocorrido qualquer outra reunião com a Direção (ou com a Administração) e sem que o Autor tivesse recebido qualquer proposta formal de mudança de contrato, foi remetida ao Autor a carta de “colaborações” relativa ao trabalho prestado no mês anterior, que o Autor (por força do procedimento exigido pela Ré) recebia todos os meses para passar o recibo do trabalho efectuado. 129. Sem nenhum aviso prévio, nem proposta apresentada, nem nenhum novo contrato assinado, a referida carta de “colaborações” indicava, como valor a processar, a quantia de € 1.000,00 em vez dos € 1.750,00 130. Sendo certo que o Autor, no mês de Março de 2017, tinha trabalhado normalmente. 131. Depois de o Autor ter falado com diretor JJ sobre o sucedido, voltou a receber a carta de “colaborações”, na qual o valor da sua retribuição (€ 1.750,00) havia sido reposto. 132. Porém, chegados a Maio de 2017, voltou a Ré a remeter ao Autor nova carta de colaborações com o valor reduzido; 133. Em Abril de 2017, foi proposto ao Autor a redução do tempo de trabalho (trabalhar meio mês), para que ficasse a auferir, então, os € 1.000,00; 134. Foi-lhe dito, expressamente, que esta era a única proposta a ponderar e que ou o Autor aceitava trocar de contrato ou o seu terminaria. 135. Semanas mais tarde, no dia 10 de Maio de 2017, a R. remeteu ao Autor a minuta do novo contrato 136. Exigindo-se ao Autor que respondesse até dia 13, sendo certo que, no dia 11, o Autor estava escalado para ir a ... fazer a cobertura da ... a Portugal. 137. Em Janeiro de 2017 a R. renegociou o contrato de prestação de serviço noticioso que mantém com a L... SA; 138. O qual passou a abranger o fornecimento de fotografias, de eventos em Portugal e no estrangeiro; 139. Com o alargamento do objeto daquele contrato, a R. perdeu interesse na prestação do A.; 140. Pelo que propôs ao A. e ao outro fotojornalista com prestação idêntica à do A. a diminuição do número de serviços de reportagem fotográfica a prestar em cada mês e a consequente redução da respetiva contrapartida; 141. O A. não aceitou a proposta; 142. Face à proposta de redução do tempo e valor a pagar o A. veio a reclamar perante a R. um crédito correspondente a 172 serviços fotográficos não pagos e condicionou a aceitação da alteração do contrato de prestação de serviços ao pagamento desse crédito; 143. O que veio a ser recusado pela R. ; 144. Não necessitando a R. de serviços de fotografia com a extensão contratada com o A. em virtude do contrato com a L... mencionado em 137 dos factos assentes, e por pretender reduzir custos, a R. enviou ao A. uma carta a denunciar o contrato; 145. A R. enviou ao A. a carta datada de 22 de Maio de 2017, a qual foi por este recebida, com o assunto de “comunicação de denúncia de contrato de prestação de serviços”, referindo que o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes no dia 1 de Junho de 2008 iria cessar no dia 22 de Julho de 2017, que a cessação decorria da reestruturação efetuada na área de fotografia do jornal público imposta pela redução de trabalho na mesma área, e que o A. ficaria dispensado de prestar os serviços contratados com efeitos a contar do dia 31 de Maio de 2017, em termos e condições que constam de fls. 1462 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 146. Toda a situação supra descrita causou no A. ansiedade e desgaste psicológico; 147. O A. foi dispensado do serviço da R. desde 31 de Maio de 2017 mas continuou a ir trabalhar acedendo às instalações do jornal como sempre tinha feito; 148. A partir de 14 de Junho de 2017 a R. deixou de dar trabalho ao A. apesar deste continuar a apresentar-se nas instalações da R.; 149. No dia 3 de Julho de 2017 o A. foi impedido de entrar nas instalações do jornal; (…) 151. O A. voltou a apresentar-se ao serviço e no dia 23 de Julho foi impedido de entrar nas instalações da R. por ter cessado o seu contrato; 152. Tal situação causou desgaste psicológico e tristeza no A.; 153. Os colegas do A. reconheciam que o A. fazia um trabalho com profissionalismo; 154. Para a prossecução da sua atividade a R. contrata profissionais especializados na área de fotojornalismo de acordo com as suas necessidades; 155. O A. pretendia que a R. o reconhecesse como trabalhador, e manifestou junto da R. tal pretensão, pelo menos desde 2015; 156. O A. determinava em exclusivo o número e as características das fotografias que tirava em cada serviço, mas respeitando as exigências do serviço pretendido pela R. e estabelecido na agenda; 157. Muitas vezes selecionando o objeto da fotografia; 158. Editava as fotografias como entendia; 159. Utilizava os programas e aplicações informáticas que entendia; 160. Em cada serviço fotográfico o A. escolhia a fotografias a enviar à R., em número mínimo de quatro; 161. Utilizava para o efeito os equipamentos e demais meios que entendia, sem qualquer imposição da R. nesse tocante; 162. Sendo suas as câmaras fotográficas utilizadas, as respetivas lentes, flash e filtros; 163. Os cartões de memória e correspondente leitor; 164. Bem como o computador que utilizava para guardar, tratar, editar e enviar as mesmas fotografias; 165. E os programas necessários para o efeito; 166. Assim como os meios de transmissão à distância das fotografias como router, linha telefónica e correspondentes aplicações informáticas; 167. Foi o A. quem suportou o custo de renovação e reparação daqueles equipamentos; 168. A R. não disponibilizou ao A. qualquer dos equipamentos, meios e programas (referidos sob 162 a 167) nem suportou o respetivo custo; 169. A duração dos serviços a prestar pelo A. não se encontrava pré-determinada variando em função da natureza, características, local e extensão do acontecimento a fotografar, mesmo que este correspondesse a ocorrência localizada no tempo; 170. Variando também por efeito da decisão ou da vontade do Autor, que em cada serviço executava o número de fotografias que entendia realizar, no período de tempo que considerava adequado; 171. O número de horas que o Autor despendia na prestação dos serviços marcados, bem como o número de dias em que o fazia, era muito variável; 172. Por vezes e por sua iniciativa, o Autor regressava noutra hora ou noutro dia ao local onde tinha realizado o serviço fotográfico, para o repetir; 173. Podendo realizar serviços em dias distintos dos marcados; 174. Na marcação dos serviços, a Ré indicava o local e o tema da reportagem, quando aplicável; 175. Fazendo referência genérica ao objetivo pretendido com o serviço marcado, sempre que as características deste o justificassem; 176. A Ré não determinava nem concretizava, por outra qualquer forma, o modo como o Autor devia executar o serviço marcado, com ressalva do referido sob 63, b); 177. O A. efetuou algumas fotografias cujo serviço não estava atribuído, mas em número e circunstâncias concretas não apuradas; 178. Terminado o serviço de fotografia o A. não regressava necessariamente às instalações da R.; 179. Escolhendo, editando e enviando para a Ré as fotografias por correio eletrónico ou outro meio de transferência eletrónica de dados, a partir de lugar por si determinado; 180. O A. não estava sujeito a controle de pontualidade; 181. Nem registava eventuais ausências ao serviço; 182. A remuneração dos serviços a prestar pelo Autor foi paga em 12 prestações mensais; 183. O montante de cada prestação mensal manteve-se inalterado independentemente do número de horas despendidas pelo Autor, em cada mês, com o serviço efetuado; 184. Ao longo do período em que o A. trabalhou para a Ré, o Autor emitiu e entregou a esta recibo titulando as importâncias recebidas, do tipo fiscalmente definido para o rendimento de trabalho independente; 185. O Autor assumiu a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações de natureza fiscal e parafiscal decorrentes; 186. O Autor inscreveu-se, por sua iniciativa, no regime da segurança social dos trabalhadores independentes; 187. E procedeu ao pagamento de contribuições nessa qualidade. 188. (Eliminado pelo TRL) 189. Nas funções dos editores descritas em 63 dos factos provados incluía-se o A., exceto no que concerne aos horários; 190. As instruções dadas pelos editores sobre o trabalho do A. e dos demais fotojornalistas, são as que constam provadas em 174 e 175, não havendo qualquer outra concretização do trabalho, com ressalva do referido sob 63, b). 191. De novembro de 2005 a maio de 2008 o A. auferia €800 mensais e em Junho de 2008 tais condições mudam em virtude de negociações (facto provado em 33) e passam a ser as que constam do facto 31 e 35 e do documento de fls. 88 a 91 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. IV. a) – Se merece censura o acórdão do TRL de 29.01.2020, na parte em que confirmou o despacho de aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso do A. 19. “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do CPC), norma que se encontra em linha com o disposto no art. 637.º, n.º 2, do mesmo diploma, segundo o qual nas conclusões da alegação do recorrente “deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade”. Na expressão do Ac. deste Supremo Tribunal de 13.07.2017 (Proc. nº 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1, 6.ª Secção), “as conclusões são, pois, proposições sintéticas, através do qual o recorrente dá a conhecer ao Tribunal de recurso e à parte contrária, as razões da discordância com a decisão recorrida, de modo a que, cirurgicamente, o Tribunal ad quem aprecie as questões de que discorda, delimitadas pelo teor das conclusões, e o recorrido possa tomar posição perante os argumentos do seu antagonista”. Deste modo, basicamente, as conclusões, enquanto razões do pedido, têm uma função idêntica à da causa de pedir na petição inicial. E, sendo pelas mesmas delimitado o objeto do recurso e a área de intervenção do tribunal ad quem (salvo quanto a matérias de conhecimento oficioso), igualmente “exercem uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções, na contestação”.[2] 20. Na apelação em apreço, o A. apresentou três blocos de texto a que chamou “conclusões”, do seguinte teor: 1. A Decisão de Facto, quer no que diz respeito aos Factos Provados, quer aos Factos Não Provados, deverá ser modificada conforme explanado e requerido em sede de Alegação; 2. Deve ser declarada como de trabalho subordinado, a relação jurídica estabelecida entre o Recorrente e a Recorrida, com a antiguidade repostada a 2 de Novembro de 2005, com todas as legais consequências, nomeadamente, ser declarada a ilicitude do despedimento, condenando-se a Recorrida em todos e cada um dos pedidos formulados pelo Recorrente na ação; 3. Mais deve ser a Recorrida condenada em litigante de má-fé, com todas as legais consequências. Uma vez que o primeiro segmento se reporta ao recurso relativo à matéria de facto (que foi rejeitado) e o terceiro à alegada litigância de má-fé, verifica-se que todas as questões de direito atinentes à relação contratual estabelecida entre as partes se reconduzem ao nº 2. 21. Sendo certo que as conclusões recursórias devem limitar-se ao estritamente necessário para a delimitação do objeto do recurso, “através da enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, por forma, não só a melhor fazer exercer o contraditório pela parte recorrida, mas a permitir ao tribunal de recurso proceder à determinação e enunciação das questões a resolver” (Ac. do STJ de 22.09.2021, Proc. n.º 3840/17.8T8VCT-D.G1.S1, 6.ª Secção), é patente que in casu o A. levou longe de mais o imperativo de síntese que neste âmbito impende sobre o recorrente, sem indicar, propriamente, qualquer razão, motivo ou fundamento para impugnar a decisão recorrida. Como decidiu o Ac. do STJ de 19.02.2008, Proc. nº 08A194, 1.ª Secção, as conclusões não podem limitar-se a uma mera afirmação da procedência do pedido, sendo certo que “a sanção para a falta de cumprimento do dito ónus é, conforme decorre expressa e claramente dos arts. 637.º, n.º 2, e 641.º, n.º 2, al. b), do CPC, o indeferimento do recurso, o que exclui, naturalmente, a possibilidade de aperfeiçoamento” (mencionado aresto de 22.09.2021). E, sobre um caso em que as denominadas “conclusões” não configuram verdadeiras conclusões, constituindo, na realidade, uma extensão das alegações do recurso, vide o Ac. do STJ de 19.10.2021, Proc. n.º 3657/18.2LRS.L1.S1, 7.ª Secção. Em linha com a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, mais se decidiu no aludido Ac. de 22.09.2021 que “a interpretação do art. 639.º, n.º 3, do CPC, no sentido de que a falta de conclusões implica a não apreciação do recurso sem que a parte seja previamente convidada a aperfeiçoar não padece de inconstitucionalidade, seja por violação do princípio da proporcionalidade, seja por violação do direito a um processo equitativo”. Sobre as questões de constitucionalidade suscitadas por esta problemática, no sentido que em matéria cível não há um direito genérico ao aperfeiçoamento, cfr. os Acs. do Tribunal Constitucional n.º 536/2011 de 15.11.2011 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110536.html) e nº 462/2016 de 14.07.2016 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160462.html). 22. Ao contrário das situações em que sejam inexistentes, as conclusões deficientes, incompletas, são passíveis de aperfeiçoamento (art. 639º, nº 3, do CPC), sendo que «a “falta de conclusões” a que se refere a alínea b), parte final, do n.º 2 do art. 641.º do CPC, como fundamento de rejeição do recurso, deve ser interpretada num sentido essencialmente formal e objetivo, independentemente do conteúdo das conclusões formuladas, sob pena de se abrir caminho a interpretações de pendor subjetivo» (Ac. do STJ de 16.12.2020, Revista n.º 2817/18.0T8PNF.P1.S1, 2.ª Secção). Admitindo-se que sejam de equiparar às situações de falta de conclusões aquelas em que os blocos de texto assim designados careçam de um mínimo de substrato/racionalidade argumentativa, nunca poderá medida tão drástica prescindir de uma avaliação casuística, enformada por exigentes considerações de proporcionalidade. Vale por dizer que deverá reservar-se para casos flagrantes, isentos de qualquer dúvida, sendo certo que, “no que concerne ao ónus de alegar e formular conclusões (…), a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, numa linha muito bem sedimentada, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem privilegiado soluções que visem não obstaculizar o acesso ao direito, preservando o princípio constitucional de que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, nos termos do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e art.º 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem” (Ac. de 25.11.2020, Proc. n.º 2370/17.2T8VNG.P1.S1, desta 4.ª Secção). Ainda que muito imperfeitamente formuladas as conclusões apresentadas pelo A., afigura-se-nos que no caso em análise seria desproporcionado concluir no sentido da sua inexistência, tanto mais que o seu conteúdo permite perceber que o objeto central do litígio reside na qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, pugnando o recorrente pela natureza laboral da mesma, bem como pela ilicitude do seu despedimento. Improcede, pois, este recurso. b) – Se entre as partes foi celebrado um contato de trabalho (por tempo indeterminado). 23. A relação contratual em apreço iniciou-se em 2005, tendo as partes, no dia 1 de Junho de 2008, subscrito o documento particular a que se refere o nº 31 dos factos provados, que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, momento a partir do qual o A. passou a auferir mensalmente 1750€, em vez dos 800€ mensais que até aí recebia. Ao contrário da 1ª instância, que considerou aplicável ao caso dos autos a presunção de laboralidade constante do art. 12º do atual Código do Trabalho (de 2009), a Relação – tendo presente que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[3] tem entendido de forma consolidada que, para efeitos da qualificação de uma relação contratual, deve atender-se ao regime jurídico que vigorava à data em que a mesma se iniciou/consolidou, ou em que alguma alteração significativa tenha tido lugar – aplicou o art. 12º do Código do Trabalho de 2003, na redação introduzida pela Lei nº 9/2006, de 20/03. Artigo cujo teor é o seguinte: “Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição”. Sobre esta “presunção”, refere João Leal Amado[4] que a mesma “reproduzia todos os elementos constantes da noção legal de contrato de trabalho (…), não se coibindo de acrescentar ainda mais alguns (inserção na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e relação de dependência face a este último)”, acrescentando certeiramente a rematar: “a base da presunção mostrava-se, assim, mais exigente do que os próprios requisitos da noção legal de contrato de trabalho, pelo que, em bom rigor, não existia entre nós qualquer presunção legal de laboralidade”. Vale por dizer que (no caso vertente) para aferir se entre as partes vigorou um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviço se impõe recorrer ao método indiciário ou tipológico, numa abordagem metodológica idêntica à praticada pela jurisprudência nos casos regulados pela legislação anterior ao Código do Trabalho de 2003. Posto isto. (b.1.) – Considerações preliminares. 24. Segundo a respetiva noção legal[5], o contrato de trabalho reconduz-se a três elementos essenciais: (i) atividade (manual ou intelectual); (ii) retribuição; e (iii) subordinação jurídica. A distinção entre ele e outras figuras próximas (as diferentes modalidades do contrato de prestação de serviço e toda uma série de contratos atípicos/inominados afins) assenta em dois elementos essenciais: no objeto do contrato (prestação de atividade remunerada, vs. obtenção de um resultado); e, determinantemente, no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica vs. autonomia). 25. Nos casos duvidosos, os factos disponíveis (só por si) não permitem, em regra, confirmar direta e cabalmente todos os essencialia negotii do contrato de trabalho, pelo que – superando as limitações do método conceptual/subsuntivo – há que lançar mão de uma abordagem indiciária (de cariz tipológico e analógico)[6], baseada em todos os elementos e circunstâncias do caso, tendo em vista: (i) aferir do grau de aproximação do caso concreto ao paradigma contratual; (ii) em função de critérios de razoabilidade e adequada exigência, determinar se a proximidade existente é suficiente para reconduzir a imagem global do caso concreto, em toda a sua complexidade, ao tipo normativo. Dadas as dificuldades sentidas no desenho de um conceito rígido e absoluto de “subordinação jurídica”, é sobretudo na operacionalização deste elemento contratual (maxime no que tange ao seu momento organizatório) que – na impossibilidade de recorrer a uma efetiva presunção de laboralidade – se impõe recorrer ao método indiciário, com base numa “grelha” de tópicos ou índices de qualificação (elementos que exprimem pressupostos, consequências ou aspetos colaterais de certo tipo de vínculo contratual[7]), relativamente aos quais há significativo consenso na jurisprudência e na doutrina[8], apesar de o seu elenco não ser rígido e de nenhum deles (isoladamente) assumir relevância decisiva, não sendo assim exigível que todos eles apontem no mesmo sentido. 26. Os mais significativos e utlizados são os seguintes: (i) - Vontade real das partes quanto ao tipo contratual. (ii) - Objeto do contrato. - Prevalência da atividade ou do resultado. - Grau de (in)determinação da prestação. - Grau de disponibilidade do prestador da atividade relativamente às determinações e necessidades de serviço da contraparte. - Repartição do risco. (iii) - Momento organizatório da prestação. - Pessoalidade da prestação. - Local de trabalho e titularidade dos instrumentos de trabalho. - Tempo de trabalho e férias. - Tipo de remuneração (para além do mais, releva se o pagamento é feito à tarefa ou por unidade de tempo e se são pagas férias e subsídios de férias/Natal). - Ocupação em exclusividade (ou não) e grau dependência económica. - Grau de inserção na estrutura organizativa da contraparte [aferida em função da (não) presença, v.g., dos seguintes fatores: obediência a ordens e instruções diretas do empregador quanto ao modo de cumprimento/execução da prestação; sujeição a normas organizacionais/regulamentares (incluindo regras de conduta); existência de antecedentes em termos de ação disciplinar]. (iv) - Indícios externos: - Regime fiscal e de segurança social. - Sindicalização. 27. Quanto ao ónus da prova dos elementos integrantes do contrato de trabalho, ele cabe ao trabalhador, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, podendo a prova ser (i) efetuada diretamente (nos casos evidentes), (ii) através de presunção legal de laboralidade ou (iii) mediante recurso à referida metodologia indiciária. (b.2.) – Considerações genéricas quanto ao objeto do contrato de trabalho (atividade vs. resultado). 28. Ao contrário das relações de trabalho autónomo, nas quais se proporciona um resultado do trabalho, nas de trabalho subordinado [que correspondem a uma (mera) obrigação de meios], uma das partes obriga-se a prestar a outra uma atividade (positiva) e heterodeterminada, cujo conteúdo preciso é (em maior ou menor medida) unilateralmente fixado pelo empregador (apresentando, à partida, um certo grau de indeterminação, a prestação vai sendo “potestativamente”[9] determinada por este). Já o Prof. Vaz Serra explicava que, basicamente e a traço grosso, se um dos contraentes promete o próprio trabalho ao outro, que este orientará e dirigirá dentro de certos limites, o contrato é de trabalho; e se um dos contraentes promete ao outro um resultado do seu trabalho, obrigando-se a proporcioná-lo com independência, autonomia, trata-se de um contrato de prestação de serviço.[10] Deste modo, como se compreende, exige-se uma disponibilidade continuada e real do trabalhador (embora, naturalmente, este traço seja compatível, com situações mais ou menos pontuais de inatividade). Vale por dizer: no trabalho subordinado, a atividade do trabalhador é organizada e dirigida pela contraparte, tendo em vista um resultado que está “fora” do contrato (razão pela qual o empregador suporta o risco da não obtenção do resultado visado); ao invés, no trabalho autónomo, o resultado é o objeto primário do contrato, pelo que o devedor mantém o controlo da sua atividade, escolhendo e organizando ele próprio os meios para o atingir.[11] Todavia, são frequentemente inseparáveis a atividade e o seu resultado, pelo que as fragilidades deste critério – que “fazem com que ele deva ser considerado como um critério de mera prevalência” – apenas permitem afirmar que “no contrato de trabalho a atividade tem um valor prevalente para o empregador, enquanto no contrato de prestação de serviço é o resultado dessa atividade que tem mais relevo para o credor” [12]. Sobre esta dificuldade, muito expressivamente, se pronunciou, há já umas décadas Galvão Teles:[13] “Mas como se pode verdadeiramente saber se se promete o trabalho ou o seu resultado? Todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele. O único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora. Em caso afirmativo promete-se o trabalho em si, porque à outra parte competirá, ainda que porventura em termos bastante ténues, dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução dos resultados que se propõe. O trabalho integra-se na organização da entidade patronal, é um elemento ao serviço dos seus fins, um fator de produção quando se trate de uma empresa económica. Na outra hipótese promete-se o resultado do trabalho, porque é o prestador que, livre de toda a direção alheia sobre o modo de realização da atividade como meio, a oriente por si, de maneira a alcançar os fins esperados”. Conexamente, como nota Monteiro Fernandes[14], apesar de a obtenção do resultado não estar, em regra, “dentro do círculo do comportamento devido pelo trabalhador”, “esse resultado ou efeito pode, todavia, constituir elemento referencial necessário ao próprio recorte do comportamento devido”, pois, independentemente de o trabalhador conhecer, ou não, o “escopo global e terminal” visado pelo empregador, “o processo em que a atividade (...) se insere é naturalmente pontuado por uma série de objetivos imediatos, (...) fins técnico-laborais, os quais, ou uma parte dos quais (...), se pode exigir – presumir – sejam nitidamente representados pelo trabalhador”. Também nem sempre é fácil integrar na dicotomia atividade-resultado algumas situações em que, sendo contratualizado o próprio trabalho (e não o seu resultado), ele se desenvolve com elevado grau de independência e autonomia técnica, embora no âmbito do quadro organizativo do outro contraente, que – com maior ou menor nitidez, ainda que apenas potencialmente – orienta/dirige o seu trabalho. Paradigmáticas destas dificuldades são as múltiplas situações em que a atividade é suscetível de ser levada a cabo, indistintamente, quer num quadro de subordinação, quer em termos autónomos, como é o caso das profissões liberais (médicos, enfermeiros, arquitetos, engenheiros, advogados, etc.), dos (foto)jornalistas ou de alguns artistas (v.g. os profissionais de espetáculos, como é o caso dos músicos). (b.3.) – Considerações genéricas quanto à subordinação jurídica. 29. A subordinação jurídica corporiza-se: (i) na posição de desigualdade/dependência do trabalhador que é inerente à sua inserção, em maior ou menor grau, numa estrutura organizacional alheia (estrutura que não se reconduz necessariamente a uma empresa, podendo até ser muito rudimentar[15]) , dotada de regras de funcionamento próprias; (ii) na correspondente posição de domínio do empregador, traduzida na titularidade do poder de direção (que implica o dever de obediência às ordens e instruções do empregador, maxime no tocante ao modo de cumprimento/execução da prestação, bem como às regras organizacionais e de conduta estabelecidas) e do poder disciplinar. Diferentemente da “atividade” e da “retribuição”, categorias presentes em vários tipos contratuais, é na “subordinação jurídica” – elemento que no essencial o caracteriza e demarca de realidades fronteiriças – que reside a especificidade mais típica do contrato de trabalho. Não obstante, a nova economia digital (acarretando substituição do trabalho humano por tecnologia, hiperconectividade e teletrabalho e, em geral, exigências organizativas das empresas muito distanciadas do modelo taylorista/fordista) está a provocar profundas mudanças nos modelos de organização do trabalho e do emprego. Assistimos a toda uma panóplia de manifestações de flexibilidade laboral (temporal e espacial) e de fragmentação e externalização do processo produtivo, ganhando expressão a dependência económica, em face da dependência organizativa. Aumentando muito significativamente as margens e expressões de autonomia no campo do trabalho subordinado, esbate-se a oposição tradicionalmente existente entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo. Deste modo, enquanto fator identificativo do contrato de trabalho, a subordinação perspetiva-se atualmente como elemento dotado de grande plasticidade, munido de “novos rostos”, e, nessa medida, num “identificador problemático”[16]. Na verdade, uma vez que “aumentaram, de forma significativamente relevante, por um lado, as margens e expressões de autonomia no campo do trabalho subordinado (...), mas também foi possível verificar, por outro lado, que o próprio domínio do trabalho independente ou autónomo passou a conhecer, de forma crescente, expressões de tutela e enquadramento que são mais próprias do típico trabalho subordinado”, a oposição tradicionalmente existente entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo vai-se esbatendo e diluindo, “através de um processo de metamorfose das formas jurídicas de exercício do poder por parte do empregador”.[17] Por conseguinte, nem sempre estando presentes alguns dos seus traços tradicionais e mais característicos, a subordinação deve perspetivar-se enquanto conceito de “geometria variável”, que comporta graus de intensidade diversos, em função, nomeadamente, da natureza da atividade e/ou da confiança que o empregador deposita no trabalhador, assumindo natureza jurídica e não técnica, “no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica (...) e se articula com as aptidões profissionais especificas do próprio trabalhador e com a autonomia inerente à especificidade técnica da (...) atividade”, sendo, deste modo, consentânea com atividades profissionais altamente especializadas ou que tenham uma forte componente académica ou artística[18], tal como pode ser meramente potencial, bastando a possibilidade de exercício dos inerentes poderes pelo empregador. Na verdade, como paradigmaticamente refere sobre esta problemática Monteiro Fernandes:[19] “A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemática; mas, a final verifica-se que existe, na verdade (...). [N]ão é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. Isto é tanto mais real quanto mais se avança na sofisticação e diferenciação das qualificações profissionais. Muitos trabalhadores conhecem melhor o trabalho que têm que realizar do que o empregador. (...) Neste sentido, observava, já há décadas, Mazzoni: Quanto mais o trabalho se refina e assume carácter intelectual, mais difícil é estabelecer uma nítida diferenciação, porque a subordinação tende a atenuar-se cada vez mais, na relação de trabalho subordinado, e a avizinhar-se daquela genérica supervisão (..) que se encontra também na relação de trabalho autónomo (...). Para além das situações em que, de facto, não ocorrem comportamentos diretivos do empregador, há que considerar aquelas em que constituem objeto do contrato de trabalho (...) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (...). Em tais casos, o trabalhador apenas ficará adstrito à observância das diretrizes mais gerais do empregador em matéria de organização do trabalho (local, horário, normas de procedimento burocrático, regras disciplinares (...). (...) Passa a ser necessário, perante cada situação concreta, saber-se ao certo se o médico, o advogado ou o engenheiro atuam (...) como (...) empregados ou (...) como “profissionais livres”, isto é, trabalhadores autónomos. Tendo em consideração a natureza de tais profissões, deve-se presumir que os negócios tendo por objeto atividades próprias delas são contratos de prestação de serviços (...). De resto, persistem, amiúde, nessas mesmas situações [quando] de trabalho subordinado, resquícios do conteúdo tradicional dos contratos de prestação de serviços, em cujos moldes se vazava, com prevalência, o exercício das chamadas profissões liberais. (...) entre elas, o regime de retribuição por tarefa e a correlativa maleabilidade do esquema de duração do trabalho.” (b.4.) – Quanto ao caso dos autos. 30. A vontade real das partes no tocante ao tipo contratual: 30.1. O contrato de trabalho é “um produto da autonomia privada, resultando do encontro de uma proposta e uma aceitação”[20], inserindo-se a sua disciplina legal no direito privado, pelo que “estamos fora de um modelo de mera execução ou de aplicação da lei, mas [num âmbito] em que se toma sobretudo como referência a autonomia [privada]”[21], “com as suas componentes de autonomia da vontade e da autonomia contratual, como expressão do princípio de liberdade”[22]. Nos casos duvidosos – e sendo certo que quando “o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida” (art. 236º, nº 2, C. Civil) –, um dos elementos fundamentais a atender é, pois, a vontade real das partes relativamente ao tipo contratual: “O facto último, no tocante à distinção do contrato de trabalho, deve ser colocado na autonomia da vontade e na sua exteriorização juridicamente eficaz. Seria uma distorção acentuada julgar que o Direito (…) obriga as pessoas a celebrar contratos de trabalho ou proíbe as mesmas pessoas de celebrar contratos de prestação de serviços diferentes dos de trabalho. A legitimidade última para considerar um certo contrato como de trabalho, aplicando-lhe o competente regime, reside na vontade das partes que, livremente, o tenham celebrado. Trata-se (…) sempre de indagar, à luz das regras da interpretação negocial – artigos 236º ss. do Código Civil – quais as opções jurídicas relevantes de quem tenha celebrado o contrato questionado.”[23] Como se sabe, o nomen juris utilizado pelas partes na titulação formal dada ao contrato não é decisivo quanto à sua qualificação (e muito menos, naturalmente, no tocante à determinação da correspondente disciplina jurídica), embora seja um dos elementos auxiliares a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, sobretudo quando os contraentes são pessoas esclarecidas e no contrato figuram cláusulas características do correspondente tipo negocial. 30.2. No documento que titula o contrato em causa ele é expressamente denominado por “prestação de serviços” (nº 31 dos factos provados). Ambas as partes conheciam certamente a diferença existente entre os contratos de trabalho e de prestação de serviço, bem como, no fundamental, as implicações jurídicas e práticas que lhes estão associadas. Com efeito, “apesar de o A. ter vontade de entrar para os quadros da R., o que esta lhe propôs foi o contrato mencionado no número anterior, tendo este aceite o contrato como forma de continuar a trabalhar para a R.” (nº 32), provando-se ainda que “o contrato mencionado (…) resultou das negociações entre A. e R. que decorreram de forma livre e esclarecida” (nº 33). Apesar do nomen juris selecionado pelas partes, descortinam-se no documento em apreço alguns elementos típicos de laboralidade. Desde logo, foi acordada uma retribuição certa, paga periódica e regularmente: a partir de junho de 2008, o A. recebeu sempre o valor mensal de 1.750 € por conta do trabalho prestado, independentemente do número de serviços realizados, quantia que foi paga sempre doze meses por ano (cfr. nº 35, 182 e 183 dos factos provados). E, embora a atividade do A. estivesse balizada por “um pack/mês de 22 serviços fotográficos”, eles eram “efetuados ao ritmo da agenda”, agenda que era naturalmente fixada pela R. [v.g. nºs 56, 63, a), 65 e 67 dos factos provados]. Ou seja: o exato conteúdo da atividade do A. não se encontrava à partida determinado; ia sendo fixado pela R., unilateral e “potestativamente”. 31. Quanto ao objeto do contrato: Como em aprofundado estudo nos dá conta Júlio Manuel Vieira Gomes[24], alguns autores consideram que a natureza do trabalho subordinado é incompatível com a natureza infungível da atividade artística de primeira linha, com muito elevada autonomia artística, nomeadamente quando esteja em causa a realização de “obra diretamente criadora”, ou quando o artista tenha um interesse próprio (em termos de carreira) no sucesso dessa “obra”. Conexamente, também interessa sinalizar o entendimento segundo o qual é de presumir que os negócios relativos a atividades características de “profissões liberais” – e, em geral, às quais estejam associados especiais imperativos de autonomia técnica – são contratos de prestação de serviços.[25] Para além de ser patente que a atividade de um fotojornalista não é, à partida, uma “atividade artística de primeira linha”, nos dias de hoje praticamente todas as atividades podem ser indistintamente exercidas subordinada ou autonomamente, por muito elevada que seja a “concentração de perícia” ou criatividade que lhes seja inerente (como será o caso, por exemplo, de um desportista profissional de primeiro plano). No plano das prestações a que nuclearmente o A. estava adstrito, “atividade” (tirar fotografias) e “resultado” (as fotografias) apresentam um elevado grau de justaposição e não são facilmente destrinçáveis. Prestações que, como se viu, não se encontravam concreta, clara e previamente determinadas ab initio: fundamentalmente, o A. prestava a sua atividade onde a R. ia determinando, fotografando o que por esta ia sendo definido, o que aponta no sentido de uma relação de subordinação. Sem quebra de rigor, pode dizer-se que a contrapartida da remuneração acordada foi a disponibilidade da “energia laborativa” do A., sendo certo que quanto menos amplos e concretizados forem os termos da predefinição do objeto contratual, mais plausível será a existência de uma relação de subordinação. Relativamente ao grau de disponibilidade do A. no tocante às determinações e necessidades de serviço da contraparte, é patente que ela era muito elevada [v.g. nºs 55, 57, 63, a), 65, 67, 69, 70, 78 a 80 e 87 a 90 dos factos provados]. Por outro lado, nos contratos de trabalho a assunção do risco da não produção dos resultados corre por conta do empregador, o que significa que é sempre devida a retribuição, ainda que os resultados contratualizados não sejam atingidos (ou não o sejam em termos adequados). Tudo leva a crer que era o que ocorria no caso em apreço, uma vez que a remuneração acertada foi sempre paga e não decorre dos factos provados que existisse algum nexo entre retribuição e resultados. 32. Quanto ao momento organizatório da prestação. 32.1. Pessoalidade da prestação: O contrato de trabalho é um negócio intuitu personae, pelo que a possibilidade de o prestador da atividade se fazer substituir por outrem, bem como a de ter trabalhadores ao seu serviço ou de poder socorrer-se de auxiliares, indicia, em princípio, uma relação de autonomia. As prestações a que o A. se obrigou revestem, sem dúvida, natureza marcadamente pessoal. 32.2. Local de trabalho e titularidade dos instrumentos de trabalho. A atividade do A. era basicamente desenvolvida nas instalações do jornal, onde o A. teve sempre um posto físico de trabalho (o qual não era específico do A., pois podia ser usado por qualquer outro fotojornalista, embora usualmente o A. ocupasse sempre o mesmo) e nos próprios locais das notícias e onde as fotografias eram feitas [v.g. nºs 73, 74, 76 e 104 a 106 dos factos provados], portanto, direta ou indiretamente, nos locais determinados pela R. Ao A. era disponibilizado pela R. diverso material de trabalho [v.g. nºs 112 a 114 dos factos provados], embora o material mais técnico (máquinas fotográficas, lentes, flashes, computador portátil e programas informáticos) fosse, como se compreende, adquirido por aquele (que se insurge por não ter beneficiado de uma bolsa para a sua aquisição, ao contrário dos demais fotojornalistas). 32.3. Tempo de trabalho e férias. O A. trabalhava por turnos [v.g. nºs 87 a 91 dos factos provados], os quais, definindo, no fundo, as horas de início e termo do período normal de trabalho (cfr. art. 200º, nº 1, do CT), se reconduziam basicamente a um horário de trabalho, como é típico das relações laborais. O A. gozava férias, embora não constasse dos mapas de férias da R. [v.g. nºs 55, 94, 102 e 103 dos factos provados]. 32.4. Tipo de remuneração. Como já referido, foi acordada uma retribuição certa, paga periódica e regularmente ao A., embora nunca lhe tenha sendo pago o subsídio de férias nem de Natal, tão pouco quaisquer prémios, subsídios de refeição ou qualquer outra quantia (nº 35,182 e 183 dos factos provados). 32.5. Exclusividade e dependência económica. A factualidade provada é omissa quanto à existência, ou não, de exclusividade. Todavia, o tempo dedicado ao cumprimento das suas obrigações para com a R. (cerca de 8 horas diárias, como emerge do nº 87 dos factos provados) era muito expressivo, facto que, conjugado com o montante da sua retribuição, aponta para um grau de dependência económica não despiciendo. 32.6. Grau de inserção do A. na organização do R.: Tendo em conta a especial correlação que existe entre a subordinação e a integração na estrutura empresarial, na qualificação de uma relação contratual como laboral ou de prestação de serviço, assume em regra relevância decisiva a intensidade com que o prestador da atividade se encontra inserido na organização da contraparte. Intensidade que no caso sub judice é muito significativa. Estando em causa atividades que impliquem máxima autonomia técnica, artística ou deontológica está naturalmente afastada a possibilidade de serem dadas ordens ou instruções quanto à forma de, concretamente, executar a prestação, havendo, pois, neste âmbito, que fazer apelo a aspetos externos à prestação laboral propriamente dita, ou seja para o seu enquadramento organizativo e administrativo.[26] Apesar da sua autonomia técnica e do facto de lhe pertencerem os instrumentos de trabalho de cariz mais técnico, o A., durante quase 12 anos (entre novembro de 2005 e julho de 2017) manteve-se fortemente integrado e enquadrado na estrutura empresarial da R. (v.g. nºs 38, 39, 40, 51 a 55, 57, 59, 63, 64, 65, 79, 80, 92, 100, 101, 174 e 175 dos factos provados), sujeito a instruções que influenciavam decisivamente a sua atividade de fotojornalista, pois no fundamental prestava a sua atividade onde a R. ia determinando, fotografando o que por esta ia sendo definido (v.g. nºs 55, 63, 79, 89, 92, 100, 101, 174 e 175 factos provados); desenvolvia parcialmente (por razões inerentes à natureza das funções) o seu trabalho em posto físico localizado nas instalações do jornal e com parte do material de trabalho fornecido pela R.; isto de acordo com agendas de turno traduzidas em cargas de trabalho de cerca de 8 horas diárias (nº 87 dos factos provados) e mediante remuneração certa e regular (ao contrário do trabalho desenvolvido pelos freelancers, cuja remuneração era efetuada à peça – nºs 83 a 86 factos provados). Nada se provou quanto ao exercício do poder disciplinar, o que constitui um elemento neutro, que não permite quaisquer ilações, positivas ou negativas, no tocante às teses em confronto. Como bem já se notava no Ac. da Rel. Lisboa de 12.07.2012 (Apelação n.º 441/10.5TTLSB.L1 – 4.ª Secção) “tal vertente da subordinação jurídica está latente, adormecida, escondida, podendo nunca emergir e vir a ser exercida ao longo da vigência do contrato de trabalho, mesmo com muitos anos de duração, sem que tal implique a sua inexistência e, por consequência, a descaracterização jurídica em termos laborais”. Na verdade, como conexamente se refere no Ac. de 09.11.2011 da mesma Relação (Proc. n.º 308/09.0TTPDL.L1-4.), “do não exercício do poder disciplinar – apenas compreensível em situações de crise contratual – não pode, sem mais, retirar-se a sua não titularidade”, uma vez que o “exercício de prerrogativas laborais tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho”, mas é de lhe “negar firmemente, na hipótese contrária, valor negativo excludente dessa qualificação”. Também não assume expressão significativa a circunstância de não haver controlo de assiduidade do A. (o TRL eliminou o facto nº 188, com a finalidade de evitar contradições com outros factos provados, mas esta realidade decorre inequivocamente dos factos nºs 180 e 181). Na verdade, não se tendo provado que os demais fotojornalistas dotados de contrato de trabalho estivessem sujeitos a tal controlo, e sendo ainda certo que a entidade empregadora pode prescindir do seu direito de controlar a assiduidade dos trabalhadores (no limite, isentando-os, até, de horário de trabalho), para mais quando (como no caso dos autos) estão em causa atividades que exigem flexibilidade temporal e espacial, esta circunstância carece de qualquer relevância distintiva na situação concreta. Não nos esqueçamos, como mais pormenorizadamente se referiu acima, que – em resultado de fatores como a digitalização e o teletrabalho (acelerados pela pandemia da COVID 19) – assistimos na atualidade a múltiplas manifestações de flexibilidade laboral e de fragmentação e externalização do processo produtivo. Para além da confusão e sobreposição dos tempos de trabalho e descanso, as TICs permitem novas formas de controlo e intromissão do poder empresarial (e, assim, novas formas de dependência), que se projetam para além e independentemente da presença física do trabalhador no tradicional “local de trabalho”. Aliás, a própria empresa se desmaterializa progressivamente, de tal forma que alguns preveem que “terminaremos utilizando uma noção de empresa como sujeito ou núcleo de imputação de responsabilidades”.[27] Quanto aos chamados “indícios externos” (v.g., regime fiscal e de segurança social e sindicalização), como é habitual nas situações de desconformidade entre a substância da relação laboral e a qualificação jurídica constante do documento que titula o contrato – e por isso mesmo também sem qualquer peso determinante no juízo que nesta matéria se impõe, não estão presentes as notas típicas do trabalho subordinado (cfr. nºs 184 a 187 dos factos provados). * * * 33. Em suma: tudo ponderado, confrontando o universo dos elementos e circunstâncias do caso concreto com o paradigma legal do contrato de trabalho, deparamo-nos, com uma imagem global que, no essencial, a ele se reconduz claramente. b) – Irrelevância das alterações da decisão de facto operadas na Relação. 34. As alterações da decisão de facto levadas a cabo na Relação em nada afetam ou influem na qualificação da relação jurídica existente entre as partes, sendo certo que nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto. Com efeito, de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. Arts. 6º, nº 1, 30º, nº 2, e 130º). Neste sentido, v.g., Acs. do STJ de 22.06.2022, Proc. n.º 4280/17.4T8MTS.P3.S1 (desta 4.ª Secção), de 19.05.2021, Proc. n.º 1429/18.3T8VLG.P1.S1 (também desta Secção Social), de 09.02.2021, Proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 (1.ª Secção), de 30-06-2020, Proc. n.º 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1 (6.ª Secção), de 28.01.2020, Proc. nº 287/11.3TYVNG-G.P1.S1 (6.ª Secção), de 22.03.2018, Proc. n.º 992/14.2TVLSB.L1.S1 (7.ª Secção) e de 10.10.2017, Proc. n.º 8519/12.4TBCSC-A.L1.S1 (1.ª Secção). 35. As alterações da matéria de facto operadas no caso vertente pelo TRL não tiveram qualquer influência na decisão do pleito, o mesmo se verificando, aliás, relativamente aos factos aditados pela 1ª instância, na sequência da ampliação da matéria de facto determinada pela Relação (factos nº 188, posteriormente eliminado pelo acórdão do TRL de 06.04.2022, e nºs 189 a 191). Com efeito: Como já se explicou em supra nº 32.6, o TRL eliminou o facto nº 188 (“Não havia controlo de assiduidade do A.”) apenas com a finalidade de evitar contradições com outros factos provados, mas esta realidade decorre inequivocamente dos factos nº 180 e 181), pelo que a mesma foi tomada em consideração no presente acórdão. Para além disso, remetendo para outros factos já provados, o TRL limitou-se no nº 168 a aditar o esclarecimento/precisão que se encontra entre parênteses: “A R. não disponibilizou ao A. qualquer dos equipamentos, meios e programas (referidos sob 162 a 167) nem suportou o respetivo custo”. 36. Independentemente da irrelevância das alterações da decisão de facto operadas nas instâncias, sempre claudicaria a posição neste âmbito sustentada pela R., dada a sua manifesta falta de fundamento. Na verdade, ainda que rejeite total ou parcialmente o recurso de facto, a Relação mantém intocados os amplos poderes oficiosos que detém nesta matéria, podendo sempre determinar, para além do mais, a ampliação da matéria de facto [cfr. art. 662º, do CPC, maxime a alínea c) do nº 2], sem que isso envolva qualquer violação do caso julgado, ao contrário do sustentado pela recorrente. Como em situação conexa decidiu o Ac. deste Supremo Tribunal de 24.05.2018, Proc. n.º 90/13.6TVPRT.P2-A.S1, 2º Secção: “De acordo com o disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c) do CPC, o Tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância sempre que repute deficiente a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto, pelo que, mesmo que as partes não tenham impugnado a decisão de facto, não se pode considerar que esta decisão formou caso julgado, o qual depende da própria decisão da Relação sobre ela”. Aliás, como decorre de lei expressa e como julgou o mesmo aresto: “Da decisão do Tribunal da Relação que reputou deficiente a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância sobre a matéria de facto e que anulou esta decisão, à luz do nº 2, al. c) do art. 662.º do CPC, não cabe recurso para o STJ, nos termos do n.º 4 deste mesmo artigo, ficando, por isso, vedada a este Supremo Tribunal a possibilidade de apreciar se a Relação extravasou, ou não, os poderes conferidos por aquele preceito normativo”. Improcede, pois, manifestamente, também esta questão. c) – Se apenas é devido ao A. o valor das retribuições vencidas desde 17 de junho de 2018 (e não desde a data do despedimento). 37. Por razões que não primam pela clareza, sustenta a R. que «a ilicitude do despedimento gera a obrigação de pagamento da “retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento” [Código do Trabalho, art.º 390.º/2, alínea b)]». Contrariamente ao assim sustentado, a invocada disposição legal contempla uma dedução à retribuição calculada nos termos da regra geral ínsita no nº 1 deste artigo, a saber: “Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”. Em estrita observância do regime legal assim instituído, o acórdão recorrido condenou a R. “a pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir (incluindo subsídio de férias e subsídio de Natal) desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do disposto no nº2 do art. 390º do CT”, pelo que manifestamente improcede a questão em apreço. * * * 38. Vejamos agora as questões suscitadas na revista do A. d) – Se o acórdão do TRL de 06.04.2022 enferma de nulidade, por omissão de pronúncia. 39. Invoca o recorrente: i) não foi declarada a nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entre A. e R.; ii) o TRL não se pronunciou sobre o pagamento dos proporcionais devidos com a cessação do contrato. A primeira questão encontra-se prejudicada, por carecer de qualquer relevância para a decisão do pleito, tendo em conta a solução já dada às questões suscitadas na revista da R. (apesar de ser evidente que a invocada nulidade do contrato de prestação de serviços carece de autonomia, encontrando-se contida/consumida pela problemática da qualificação da relação contratual existente entre as partes). Quanto aos reclamados proporcionais, eles encontram-se abrangidos pelo ponto e) do dispositivo do acórdão recorrido, segundo o qual se condenou a R. a pagar ao A. “as retribuições que deixou de auferir (incluindo subsídio de férias e subsídio de Natal) desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do disposto no n°2 do art. 390° do CT”. e) – Se o A. tem direito a indemnização por danos não patrimoniais. 40. Neste âmbito, considerou o acórdão recorrido: “Quanto à indemnização por danos não patrimoniais, resulta do disposto no art. 389º, nº1, a) do CT que sendo o despedimento declarado ilícito o empregador é condenado por todos os danos não patrimoniais causados. De acordo com o disposto no art. 496º, nº1 do Código Civil, apenas relevam os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Sob 146 dos factos provados resultou provado que toda a situação supra descrita causou no A. ansiedade e desgaste psicológico. E sob 152 dos factos provados resultou assente que tal situação causou desgaste psicológico e tristeza no A.” Ora, estes sentimentos de tristeza e ansiedade (ao contrário, designadamente, de uma situação de depressão) não assumem a gravidade suficiente para os efeitos previstos no citado art. 496º do CC.” Não será, por isso, a recorrida condenada no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais.” 41. Subscrevemos este entendimento. Como tem julgado este Supremo Tribunal de Justiça, “em direito laboral para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador que provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objetivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável” [v.g. Acs. do STJ de 15.12.2011, proc.º n.º 588/08.87TTVNG.P1.S1, e de 19.04.2012, proc.º 1210/06.2TTLSB.L1.S1, ambos desta 4.ª Secção]. No mesmo sentido, v.g. Ac. da Rel. de Coimbra de 15.03.2019, Proc. nº 1647/17.1T8GRD.C1. Na verdade, nos termos do art. 496º, do Código Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, norma da qual resulta ser exigível um quadro de gravidade qualificada, que vá para além dos incómodos e desconforto psicológico normalmente inerentes a determinada situação da vida, encontrando-se estes já contemplados nos critérios gerais de compensação do despedimento ilícito (cfr. arts. 389º, nº 1, e 390º, do CT). Sentir o que em regra qualquer pessoa sente em idênticas circunstâncias adversas, não é suficiente para se afirmar a existência de um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito. Como se consignou no Ac. da Rel. do Porto de Porto de 24.01.2018, Proc. nº 233/13.0TTSTS.P1: “Pode afirmar-se com segurança que na generalidade dos casos, o despedimento ilícito é sempre gerador de incómodo, insegurança profissional e desconforto psicológico, designadamente, suscitando um sentimento de injustiça. É a reação normal de qualquer trabalhador que vê ocorrer a rutura da relação laboral e que, por múltiplos fatores que variam de caso para caso, considera não haver razões que justifiquem esse desfecho e a conduta da entidade empregadora. Contudo, como é também entendimento pacífico, quer da doutrina quer da jurisprudência, isso só por si não basta para dar direito a reparação de danos não patrimoniais, sendo sempre necessário que esses danos assumam alguma gravidade, refletindo-se de modo relevante na estabilidade psicológica do trabalhador, de modo a consubstanciarem um dano com gravidade suficiente para ser merecedor da tutela do direito.” * * * 42. Uma vez que o A. obteve no essencial ganho de causa e que a rejeição parcial do recurso de facto que interpôs em sede de apelação em nada é passível de influir na decisão dada àquilo em que decaiu na presente revista, fica prejudicada a apreciação de tal matéria. f) – Se a R. deve ser condenada como litigante de má-fé. 43. Como bem decidiu o acórdão recorrido, no caso em apreço, as divergências entre as partes respeitam fundamentalmente ao diverso enquadramento dos factos e sobretudo à diversa qualificação jurídica dos mesmos, pelo que não estão reunidos os pressupostos da condenação da R. como litigante de má-fé (cfr. art. 542º, nº 2, do CPC). V. 44. Em face do exposto, negando as revistas, acorda-se em manter a decisão recorrida. Custas pelo A. e pela R. na proporção do decaimento, quanto às revistas, bem como nas instâncias. Lisboa, 12 de janeiro de 2023 Mário Belo Morgado (Relator) Júlio Manuel Vieira Gomes Ramalho Pinto ____________________________________________
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