Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97B308
Nº Convencional: JSTJ00032004
Relator: MIRANDA GUSMÃO
Descritores: EXECUÇÃO DE MEAÇÃO
PRÉDIO URBANO
EXECUTADO
CÔNJUGE
LEGITIMIDADE ACTIVA
Nº do Documento: SJ199706190003082
Data do Acordão: 06/19/1997
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: PROJECTO DO CPC IN BMJ N123 PAG132.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC. DIR CIV - DIR OBG.
DIR TRIB - DIR CUSTAS JUD.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 680 N1 N2 ARTIGO 824.
CCIV66 ARTIGO 819.
CCJ62 ARTIGO 18 N2.
Sumário : A agravante tem legitimidade para interpor recurso do despacho, proferido em execução movida contra o marido, a ordenar a penhora no direito à meação do executado em prédio urbano pertencente ao casal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, A intentou execução ordinária, para pagamento de quantia certa, contra
B, com o fundamento de ser dono da letra de câmbio exequenda, por si sacada e aceite pelo executado, do montante de 4200000 escudos, devolvido por falta de pagamento por parte do executado, na data do seu vencimento.
Tendo sido devolvido à exequente o direito de nomeação de bens à penhora, esta requereu se procedesse na
"meação do executado no prédio urbano, composto por..."
O Senhor Juiz "a quo" ordenou a penhora.
2. D veio interpôr recurso do Despacho que ordenou a penhora, que foi admitido, como de agravo, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo.
3. Subidos os autos ao Tribunal da Relação do Porto, o Excelentíssimo Desembargador/Relator levantou a questão prévia da ilegitimidade do agravante para interpôr o presente recurso, questão esta decidida no sentido da ilegitimidade da agravante mulher para interpôr este recurso, por acórdão de 21 de Novembro de 1996.
4. D agravou para este Supremo Tribunal - dever ser revogado o douto despacho recorrido, e ser o mesmo substituído por outro que ordene o levantamento da penhora, formulando-se as seguintes conclusões:
1) a fracção do prédio urbano penhorado é bem comum do casal da ora agravante com o executado.
2) Nas execuções fundadas em título de crédito, o pagamento das dívidas comerciais de qualquer dos cônjuges, que tiver de ser feita pela meação do devedor nos bens comuns do casal, só está livre de moratória, se estiver provada a comercialidade substancial da divida exequenda.
3) Cabendo o "ónus probandi" dessa comercialidade ao exequente.
4) Podendo o cônjuge embargar de terceiro, se forem penhorados bens comuns do casal.
5) Pelo que a ora agravante é parte legitima no presente pleito.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Questões a apreciar no presente recurso.
1. A apreciação e a decisão do presente recurso passa pela análise da questão de saber se a mulher do executado tem legitimidade para interpôr recurso do despacho que ordenou a penhora da meação do executado em prédio urbano identificado, pertença do casal.
2. Na apreciação de tal questão há que ter em conta os seguintes elementos:
- é exequente na acção executiva a sociedade "C" e executado o B;
- aquela é sacadora da letra de câmbio exequenda; e este último, sózinho, o seu aceitante;
- citado o executado, não pagou a quantia exequenda nem nomeou à penhora bens para pagamento;
- por isso, a exequente veio requerer se proceda à penhora da meação do executado no prédio urbano, composto de ...;
- sobre o que recaiu despacho judicial: "Procede-se à penhora e notificação nos termos requeridos";
- por discordar deste despacho, D (diz: "por ordenar a penhora no bem comum do casal" (Sic) interpõe recurso de agravo.
3. Posição da Relação e da agravante:
3a) A Relação do Porto, por acórdão de 12 de Março de
1997, decidiu não conhecer do objecto do recurso dada a ilegitimidade da agravante mulher, porquanto:
- segundo o artigo 680 n. 1 do Código de Processo
Civil, a agravante mulher não assume a posição de parte principal e, como tal, também não pode considerar-se como parte que tenha ficado vencida;
- o "seu n. 2 atribui legitimidade para recorrer às posições directamente prejudicadas por uma decisão, embora não sejam partes ou sejam partes acessórias: basta que esta haja sido prejudicada directamente pela decisão que pretende impugnar, mas é preciso que o prejuízo resulte imediatamente da decisão proferida: há-de o prejuízo ser actual e positivo, que não indirecto, eventual ou reflexo;
- limitando-se o exequente a nomear à penhora o direito de meação do executado a um prédio, a mulher/agravante não tem qualquer espécie de interesse: o despacho recorrido não prejudicou nem a posse nem a propriedade da mulher em relação a metade do apartamento.
3b) A agravante sustenta ter legitimidade para recorrer nos termos do artigo 680 do Código de Processo Civil, porquanto a penhora do imóvel nestes autos, referenciado por metade, representa um encargo em bens certos e determinados o que não é permitido pelo artigo
824 do Código de Processo Civil, de sorte que representa um prejuízo directo e efectivo para a ora agravante.
Que dizer?
4. A regra é a de que só tem legitimidade para recorrer a parte principal que tenha ficado vencida - artigo 680 n. 1 do Código de Processo Civil) (anterior).
No n. 2 do artigo 680 admite-se a recorrer quem não é parte principal na causa; mas, nesse caso, exige-se-lhe que tenha sido "directa e efectivamente prejudicada pela decisão", expressão esta que é justificada pela
Comissão Revisora do Código Actual deste modo:
"Consagra-se expressamente na lei a doutrina de que não basta um prejuízo directo para legitimar a interposição de recurso por quem não pode considerar-se parte principal vencida. Há casos em que o prejuízo proveniente da decisão, embora seja directo (no sentido de que não é simplesmente mediato ou reflexo) é todavia eventual, longínquo, incerto, apenas provável ou possível.
"A nova redacção dada ao n. 2 significa que um prejuízo dessa natureza não basta para legitimar a posição do recorrente" (Projecto do Código de
Processo Civil no Boletim do Ministério da Justiça n. 123, página 132).
5. O artigo 824 do Código de Processo Civil depois de estabelecer a permissão da penhora do direito do executado a uma universalidade indivisa ou a outros bens indivisos, proíbe que o juiz ordene a penhora nos próprios bens compreendidos na universalidade, numa fracção de qualquer deles ou numa parte especificada dos bens indivisos.
A proibição de o juiz ordenar a penhora nos termos referidos entronca na própria natureza do instituto em que se integram: ou constituem formas de compropriedade
(sujeita ao regime do artigo 1403 e seguintes) ou casos da chamada comunhão de mão comum ou propriedade colectiva (trata-se de um património afectado a certo fim, que pode ser integrado por relações jurídicas de diversa natureza... e que pertence em contitularidade a dois ou mais indivíduos ligados por determinado vínculo, familiar, societário ou de outra ordem).
Conforme notícia Pires de Lima e Antunes Varela, Código
Civil anotado volume III, 2. edição, páginas 347) a doutrina costuma recorrer ao conceito de comunhão de mão comum para enquadrar o regime a que a lei subordina o património comum dos cônjuges, o das sociedades não personalizadas e o da herança indivisa, regime este que se caracteriza pelo "facto de o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre tudo ele concebido como um todo unitário, o que equivale a dizer que "aos membros da comunhão, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos sobre cada um dos bens que integram o património global, não lhes sendo lícito, por conseguinte, dispôr desses bens, ou onerá-los, no seu todo ou em parte".
6. Perante as considerações expostas, não temos dúvidas em afirmar que perante o despacho do Sr. Juiz a ordenar a penhora no direito e acção do executado a certo e determinado bem que integra o património comum do seu casal, a mulher do executado não tinha outro meio de evitar o cumprimento do despacho se não através da interposição de recurso.
A situação da mulher do executado é idêntica à do herdeiro e ao do condómino: alguém porá em crise a legitimidade do herdeiro ou do condómino para recorrer do despacho do juiz que ordene a penhora de bem certo de herança indivisa em execução movida contra um dos co-herdeiros ou a do bem comum na execução movida contra um dos condóminos?
Concretizar a penhora, a mulher do executado, o co-herdeiro e o condómino vêm-se ou não privados de parte do direito que têm sobre o património conjugal, herança ou património comum, concebido como um todo unitário?
Concretizada a penhora, não verão os seus actos de disposições ou oneração cerceados face ao preceituado no artigo 819 do Código Civil?
As respostas necessariamente afirmativas determinam que se considera que a mulher do executado sofrerá um prejuízo directo caso se cumpra o despacho que ordenou a penhora no direito de meação do executado a um prédio (apartamento) do casal.
Tem, pois, legitimidade para interpôr recurso do despacho que ordenou a penhora no direito de meação do executado em prédio urbano identificado pertença do casal.
III
Conclusão:
Do exposto, poderá precisar-se que:
1) A agravante tem legitimidade para interpor recurso do despacho, proferido em execução movida contra o marido, a ordenar a penhora no direito de meação do executado em prédio urbano identificado, pertença do casal.
2) O acórdão recorrido não pode ser mantido por ter inobservado o afirmado em 1).
Termos em que se concede provimento ao recurso e, assim, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se que o Sr. Juiz da 1. instância profira despacho a admitir o recurso interposto pelo agravante do despacho que ordenou a penhora no direito de meação do executado em prédio urbano identificado.
Custas pela recorrida, fixando-se a taxa de justiça nos termos do artigo 18 n. 2, do Código Custas Judiciais.
Lisboa, 19 de Junho de 1997.
Miranda Gusmão,
Sá Couto,
Sousa Inês.