Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11967/24.3T8LSB-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: HABEAS CORPUS
PRESSUPOSTOS
MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 05/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
I- A providência de habeas corpus é plenamente apta, em tese, a apreciar casos relativos a alegada ilegalidade de medida de acolhimento residencial de menores tomada pela CPCJ e não apenas a casos de reclusão “clássica” como medidas punitivas, prisão preventiva, etc.. medida essa que, não sendo uma situação de verdadeira e própria “prisão”, tem natureza provisória, a qual, privando dois menores da sua liberdade junto dos pais e, em especial, da mãe comum, surgiu em circunstâncias de perigo para as crianças, próprios e mercê de uma ratio específica.

II- A pretensão de substituição por medidas subsequentes ou mesma a prorrogação da que já se encontrava em vigor terá de ser feita no devido processo de promoção, e não em sede de apreciação da providência de habeas corpus.

III- A prolação de despacho judicial do Tribunal de Família e Menores que convalida a medida de acolhimento residencial, a título provisório e cautelar, não obstante a mesma não ter sido comunicada ao Tribunal no prazo de 48 horas constitui elemento processual agregador de fixação de uma medida urgente e provisória, correctora dessa anomalia (demora de comunicação) de causa ainda que desconhecida no desenvolvimento do processo de protecção dos menores, cujos contornos de atraso terão de ser averiguados em sede própria, pelo que, sendo provisória a medida, tem a chancela de uma apreciação jurisdicional por autoridade competente (juiz de Tribunal de Família e Menores)

IV- A questão que a requerente, por si e em representação dos menores seus filhos, colocou no sentido de a medida de acolhimento residencial, à qual inicialmente aderiu e autorizou, de não ser a adequada, alegadamente por falta de condições do local de acolhimento e por não ter sido acolhida a sua proposta de, ao menos, se entregar a pessoa idónea e de confiança, hipótese esta hipótese em averiguação e na sua aparência e substância tratar-se de alternativa ainda não eliminada, não lhe concede o direito a peticionar a pretendida mudança da situação das menores suas filhas por via da petição de habeas corpus

V- A não comunicação ao Tribunal da medida de acolhimento institucional no prazo de 48 horas previsto no artº 92º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (LPCJP) não cumprida por razões desconhecidas ainda, não gera por si necessariamente a cessação da medida inicial, aliás tomada por adesão da própria mãe, o que não faria sentido em face da situação de perigo para os menores, incumprimento aquele que a todo o tempo a própria interessada poderia invocar directamente perante ou junto do próprio tribunal de Família.

VI- Em todo o caso, na apreciação do caso na sua configuração actualizada, o tribunal convalidou provisoriamente a medida e iniciou o processo de protecção dos menores em prazos que correm e não se mostram excedidos.

VII- Por isso que não faz sentido a intervenção excepcional da providência de habeas corpus, não se vislumbrando haver medida tomada por entidade incompetente, desproporcional às necessidades de protecção ou de averiguação de outras alternativas indiciadas, ou ilegais, porquanto a enumerada e assumida até então está prevista por lei e foi validada judicialmente.

VIII- É pois, nessas circunstâncias, infundado o pedido de habeas corpus visando a entrega das menores à mãe ou a pessoa de confiança.

Decisão Texto Integral:




Acordam em audiência na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça.


I-Relatório


1. O pedido de Habeas corpus


[No âmbito do Processo: 11967/24.3T8LSB do Tribunal Judicial da Comarca de ... Juízo de Família e Menores de ... - Juiz ...]


Por requerimento de 7 de Maio de 2024, e com referência aos processos de protecção de dois menores identificados no mesmo, veio a progenitora destes, AA, “(…) e Requerida nos Autos à margem referenciados, neles melhor identificada, nos termos do disposto no artigo 222.º do CPP e artigo 27.º da CRP, peticionar ao Supremo Tribunal de Justiça a restituição imediata dos seus filhos, mediante providência de HABEAS CORPUS em virtude de medida de acolhimento residencial ilegal daqueles, invocando as seguintes razões:

[“ DOS FACTOS:

1.º

No passado dia 06 de março de 2024 foram instaurados dois processos de promoção e protecção a favor dos dois filhos menores da Requerida.

2.º

A saber Processo n.º 270/23, a favor da menor BB, menor com três anos de idade, e processo n.º 147/24, a favor do menor CC, menor com 7 anos de idade, que correram seus termos na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens ....

3.º

Tal sucedeu por se ter detectado, após pesquisa de tóxicos na urina, motivada por episódio de urgência, realizada na Unidade Local de Saúde ..., a presença de anfetaminas no organismo da menor BB.

4.º

Circunstancialismo que levou à intervenção da já referida Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.

5.º

Tendo, de imediato, aquela Comissão, proposta medida cautelar de acolhimento residencial.

6.º

Proposta que a mãe dos menores aceitou, conforme acordo devidamente outorgado, naquela data.

7.º

Importa esclarecer que os menores são filhos de pais diferentes, sendo irmãos uterinos entregues à guarda da mãe.

8.º

Acontece que, apesar de se ter obtido o consentimento da mãe, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens não conseguiu obter o consentimento por parte dos pais das crianças que se encontram ausentes em parte incerta.

9.º

Motivo pelo qual foi o referido processo remetido de imediato para os Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Procuradoria Família e Menores da Comarca de ....

10.º

Tendo dado origem aosAutos em epígrafe.

11.º

Sucede, porém, que atendendo à tenra idade dos menores, o superior interesse das crianças, os princípios de proporcionalidade/actualidade, a importância da continuidade das relações psicológicas profundas dos menores com as pessoas de referência na vida dos menores, e a prevalência que deve ser dada às medidas que integrem as crianças em ambiente familiar procedeu a mãe das crianças à apresentação de proposta para substituição da medida cautelar de acolhimento residencial por medida de promoção e proteção de Confiança a pessoa idónea.

12.º

Para o efeito, a mãe dos menores apresentou, no dia 13 de março de 2024, como pessoa idónea, a Exma. Senhora DD, portadora do Cartão de Cidadão n.º ........ . .Z7, emitido pela República Portuguesa e válido até .../.../2029, contribuinte fiscal número .......13, residente em Rua....

13.º

Foi realizada a devida entrevista à pessoa indicada como pessoa idónea, no final do mês de março de 2024.

14.º

A pessoa indicada como pessoa idónea tem realizado visitas recorrentes aos menores.

15.º

A saber duas vezes por semana, não mais por forma a não prejudicar as visitas da mãe.

16.º

O contacto com os menores é bastante positivo.

17.º

Os menores sempre conviveram com a pessoa idónea indicada.

18.º

Desde o momento da gestação de cada uma das crianças, que a pessoa idónea convive c com a família.

19.º

Em regra, desde o momento do nascimento dos menores, que estes têm por hábito passar o fim de semana com a pessoa idónea.

20.º

A pessoa idónea é como um membro da família.

21.º

A saber, a pessoa idónea é madrinha do irmão da Requerida, sendo que a Requerida sempre teve uma forte relação com a pessoa idónea.

22.º

A Requerida e os seus filhos tratam a pessoa idónea por “Madrinha”, dado os laços afectivos existentes.

23.º

Os laços afectivos com a “Madrinha” fortaleceram ainda mais no momento em que faleceu a mãe da Requerida, que se tem mostrado um pilar para a família.

24.º

Motivo pelo qual, a confiança dos menores à pessoa idónea é indubitavelmente uma forma de conservar o meio natural de vida dos menores.

25.º

Proporcionando-lhes condições que permitem proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral.

26.º

Salvo melhor opinião, a medida aplicada in casu é desproporcional, abusiva e não se mostra necessária, tampouco adequada, considerando todo o circunstancialismo, a tenra idade das crianças, e a importância da manutenção do meio natural da vida das mesmas.

27.º

A institucionalização dos menores já dura desde o dia 6 de março de 2024, o que por si só já é bastante ameaçador da estabilidade emocional dos menores.

28.º

Entende-se que a medida de apoio junto da mãe ou a media de confiança das crianças a pessoa idónea é a única forma de conservar de igual forma o direito à segurança das crianças e o direito à manutenção dos laços familiares e do meio natural da vida das crianças.

29.º

Por outro lado, a media de acolhimento residencial das crianças agride gravemente o seu direito à estabilidade emocional.

30.º

Mais, provocará, inevitavelmente, sequelas para o resto da vida dos menores.

31.º

Sem que, se quer, se mostre necessário a aplicação de tal medida in casu.

32.º

A Requerida visita os filhos menores todos os dias, à excepção dos fins de semana, por não lhe ser permitido a visita nesses dias.

33.º

O filho menor queixa-se de ser agredido à noite, quando está na cama, por outra criança.

34.º

Circunstância que já foi reportada à casa de acolhimento.

35.º

Foi a mãe informada que tal se deve à presença de uma outra criança mais problemática.

36.º

Tendo as técnicas adoptado algumas medidas por forma a evitar a manutenção daquelas agressões.

37.º

Não obstante, o menor continua a reportar à mãe aquelas agressões, dizendo que estas ocorrem quando é hora de dormir.

38.º

Mais reporta que alguns meninos se juntam para lhe bater na cabeça enquanto dizem: “És um bebé chorão!”.

39.º

A mãe está desesperada, por temer as consequências destes acontecimentos na formação da personalidade dos menores.

40.º

A mãe assiste a todas as refeições dos menores.

41.º

Considerando que a alimentação dos mesmos é bastante diferente daquela que seria a habitual.

42.º

Nomeadamente, assistiu a uma das refeições em que o jantar dos menores foi “uma pescada no pão”.

43.º

A mãe considera que a refeição administrada aos menores não é a mais apropriada.

44.º

A pessoa idónea vive em casa própria, está reformada e tem experiência em tomar conta de

crianças, para além da relação afectiva que tem com os menores.

45.º

Os menores reagem com grande euforia quando vêm a “Madrinha”.

46.º

Nomeadamente, o menor CC, grita sempre, com grande euforia: “Madrinha, Madrinha eu

quero ir para a tua casa!”

47.º

A pessoa idónea tem a sua habitação preparada para receber os menores, inclusivamente tem roupa para os menores e quarto completamente mobilado e adaptado às necessidades das crianças.

48.º

É urgente alterar a medida de promoção aplicada por forma a salvaguardar o superior interesse das crianças.

49.º

Motivo pelo qual, no dia 24 de abril de 2024 a requerida apresentou requerimento à Digníssima Procuradora da República, por forma a substituir a medida de promoção e protecção aplicada aos menores.

50.º

A Mãe requerida não consome nem nunca consumiu qualquer tipo de droga.

51.º

Mais esclarece que à data da ocorrência dos factos que originaram o processo de promoção e protecção se encontrava a residir com mais duas pessoas adultas, não conseguindo garantir que a toxina detectada no organismo da menor não tivesse advindo de outro adulto que se encontrasse a residir naquela morada, o que já não sucede à presente data.

52.º

O companheiro da Requerida também não é consumidor de qualquer tipo de estupefaciente.

53.º

A mãe dos menores e o padrasto realizaram, voluntariamente, exames toxicológicos no dia 06- 03-2024, no Hospital de ..., cfr. Documentos já anexos aos Autos.

54.º

Tendo obtido resultado negativo para a pesquisa de qualquer substância tóxica.

55.º

A requerida encontra-se a viver na Rua..., no município de ..., freguesia de ..., imóvel objecto de um contrato de comodato.

56.º

A requerida trabalha, encontra-se bem inserida na comunidade em que vive, possui habitação completamente mobilada e com todas as condições necessárias ao bom desenvolvimento das crianças.

57.º

Tendo afastado qualquer possibilidade de perigo para os menores por já não mais partilhar

habitação com terceiros.

58.º

Considera-se assim, que não existem motivos para a manutenção das crianças em casa de

acolhimento.

59.º

Acresce que, a Requerida não pode deixar de comunicar, ainda, as condições físicas da

habitação em que os menores se encontram institucionalizados, já que, é visível os graves

problemas de humidade que se verificam por toda a estrutura, representando grave perigo para a saúde dos menores.

60.º

Não compreendendo, a Requerida, por que motivo não foi aplicada, pelo menos, a medida de promoção e protecção de confiança dos menores a pessoa idónea, com condições superiores àquelas que a instituição apresenta.

61.º

A Requerida salienta a importância de agir o mais rapidamente possível, considerando a tenra idade das crianças, e as implicações que a aplicação da medida que se encontra em vigor tem no desenvolvimento dos menores.

62.º

Denota a falta de condições de um espaço que recebe crianças tão jovens, tendo, aliás, presenciado um episódio com a sua filha menor BB, menor com três anos de idade, numa das visitas realizadas.

63.º

No dia 18 de abril de 2024, a menor caiu de costas, tendo a sua queda originado grande

preocupação na mãe, que deu conta de um caixote do lixo que se encontrava danificado, que ao invés de um pedal, tinha um pedaço de ferro.

64.º

A queda da menor BB, fê-la aterrar junto àquele pedal, que representa um claro risco para a segurança de todas as crianças que ali se encontrem.

65.º

Importa esclarecer ainda que durante o fim de semana as chamadas da mãe não são atendidas, pelo que, a mãe fica sem ter notícias dos filhos desde sexta-feira ao final do dia até segunda-feira de manhã.

66.º

Com respeito aos afazeres das técnicas que ali se encontram, a mãe dos menores solicitou que fosse agendada uma hora, para garantir que a sua chamada pudesse ser atendida, apenas com o intuito de saber como se encontravam os filhos menores.

67.º

Ainda assim, apesar de indicar a hora concreta em que iria realizar o telefonema, para garantir a disponibilidade das técnicas que ali se encontrassem presentes, a verdade é que, nem assim a mãe consegue obter reposta às suas chamadas.

68.º

A mãe bem sabe que não pode falar com os filhos menores ao telefone, a sua intenção seria somente saber em que estado se encontram os meninos, já que, tem por hábito, visitá-los todos os dias, e não suporta a ideia de ficar sem notícias dos menores durante todo o período do fim de semana.

69.º

A mãe não pode deixar de notar, ainda, no calçado das crianças, que é inadequado às temperaturas que se fazem sentir nestes dias.

70.º

Os meninos apresentam calçado de inverno, tendo o CC sofrido algumas assaduras nos pés por conta do calçado inapropriado.

71.º

A mãe já manifestou a sua vontade em oferecer vestuário e calçado à instituição o que foi recusado.

72.º

A mãe percebe que todos os meninos carecem de atenção podendo verificar-se alguns lapsos com alguns cuidados, já que considera que a dedicação de uma mãe será sempre mais minuciosa.

73.º

Porém, não consegue aceitar que os filhos menores se encontrem a viver nas condições supra descritas quando ela própria e a pessoa idónea apresentada possuem melhores condições para o bom desenvolvimento das crianças.

74.º

A mãe não pode ainda deixar de mencionar que as condições em que os menores se encontram são de tal forma preocupantes que até as escovas de dentes entregues aos menores são escovas de dentes claramente usadas por outras crianças, aparentando meses e meses de uso, conforme cópias que não pode deixar de juntar.

75.º

Mais, a mãe deu conta que os menores apresentam, diariamente, uma higiene dentária bastante descuidada.

76.º

A mãe sempre se empenhou pelo cuidado dos menores.

77.º

Motivo pelo qual não pode admitir que os menores se encontrem a viver nas condições em que se encontram.

78.º

A mãe cozinha todas as refeições em casa, achando inadmissível que os menores jantem uma pescada no pão, como tem sucedido na instituição em que se encontram.

DO DIREITO:

79.º

A privação da liberdade de uma criança só é legal se ordenada por um tribunal e prevista em lei detalhada, respeitando os princípios de necessidade e proporcionalidade.

80.º

Apenas um tribunal competente pode ordenar o acolhimento residencial.

81.º

O acolhimento residencial deve ser o último recurso e ser proporcional ao objetivo de proteger a criança ou jovem.

82.º

A detenção deve ser sempre supervisionada por um juiz.

83.º

Em caso de perigo imediato para a vida, saúde física ou mental de uma criança ou jovem, e se os pais ou responsáveis legais não consentirem com a intervenção, entidades de proteção à criança (Artigo 7º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo) ou comissões de proteção de crianças e jovens podem tomar medidas urgentes para garantir a sua segurança.

84.º

Porém, as entidades que intervirem nestes casos devem informar imediatamente o Ministério Público, salvo impossibilidade, e logo que essa impossibilidade cesse.

85.º

Ao tomar conhecimento da situação, o Ministério Público deve solicitar imediatamente ao tribunal competente um procedimento judicial urgente para garantir a proteção da criança ou jovem.

86.º

Por sua vez, o tribunal, a requerimento do Ministério Público, profere decisão provisória, no prazo de quarenta e oito horas, confirmando as providências tomadas para a imediata protecção da criança ou do jovem, aplicando qualquer uma das medidas previstas no artigo 35.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo ou determinando o que tiver por conveniente relativamente ao destino da criança ou do jovem.

87.º

Ora, in casu, os menores foram sujeitos ao acolhimento residencial no dia 06 de março de 2024.

88.º

Sem consentimento dos progenitores Pai de cada uma das crianças.

89.º

Porém, à presente data, 06-05-2024, ainda não existe um processo judicial, ou qualquer decisão que legitime a aplicação da medida de acolhimento residencial.

90.º

Assim, não se pode deixar de concluir que os menores CC e BB se encontram ILEGALMENTE entregues ao cuidado de Casa de Acolhimento.

91.º

Tal facto foi comunicado à Casa de Acolhimento que se recusa a proceder à entrega das crianças, ainda que conhecendo da não existência de Despacho com decisão de qualquer medida de promoção e protecção dos menores.

92.º

A falta de título que legitime a retenção dos menores na Casa de Acolhimento e o seu afastamento do meio natural em que cresceram, junto da sua família, é susceptível de consubstanciar, sem qualquer dúvida, um crime de sequestro, previsto e puído pelo Código Penal,

93.º

Motivo pelo qual deve ser ordenada a restituição imediata dos menores à mãe.

Recorde-se que falamos de crianças de tenra idade e que DOIS MESES de espera para que o competente Tribunal de venha pronunciar, é claramente violador dos Direitos Fundamentais de qualquer criança.

95.º

A institucionalização de uma criança deve ser autorizada pelo Tribunal para que possa ser legal.

96.º

O habeas corpus (artigos 220.º a 224.º do Código de Processo Penal) protege contra a detenção ilegal.

97.º

A interpretação constitucional do habeas corpus não pode deixar de ampliar o seu alcance para incluir a proteção de crianças e jovens em medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimentos adequados (art. 27.º, n.º 3 da Constituição).

98.º

A detenção de crianças e jovens é um tema complexo que exige rigorosa observância dos

princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade e controlo judicial.

97.º

O habeas corpus é um instrumento fundamental para garantir a proteção dos direitos das crianças e jovens contra a detenção ou medida de acolhimento residencial ilegal.

Termos em que, atento o disposto no art. 31.º, da CRP e 222.º do CPP, 35.º, 91.º e 92.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, a medida de acolhimento residencial das crianças, a peticionante pretende seja declarada ilegal e se proceda à entrega imediata dos menores, ou, seja substituída pela medida de apoio junto da mãe, ou em alternativa pela medida de confiança a pessoa idónea.”]

2.A informação judicial (artº 223º nº1 do CPP)


A Mmª Juíza do processo, por despacho de 7 de Maio corrente, prestou informação ao abrigo do artº 223º nº1 do CPP dizendo em suma:

“(…)Do pedido de “habeas corpus”

A progenitora dirige requerimento aos autos, nos termos do disposto no art.º 222º do Código de Processo Penal, pedindo que a medida de acolhimento residencial das crianças BB, nascida a ........2020, e CC, nascido a ........2016, seja declarada ilegal e se proceda à entrega imediata dos menores, sendo substituída por medida de apoio junto da mãe, ou em alternativa, pela medida de confiança a pessoa idónea, na pessoa de DD, que tem realizado visitas regulares às crianças e com quem estas têm uma relação privilegiada.

Decorre dos autos que a medida de acolhimento foi aplicada na CPCJ, a título cautelar, com o consentimento e acordo da progenitora, na sequência de episódio de urgência e por sinalização do Hospital de ..., por a criança CC e a irmã BB terem dado entrada no SU, trazidos pelos bombeiros, na madrugada do dia 2 de março de 2024, por suspeita de intoxicação por monóxido de carbono. A criança BB ficou internada em SOped por anfetaminas + na urina, não se tendo apurado os motivos dos resultados das análises, desconhecendo a progenitora e o padrasto o que motivou tais resultados.

Desconhecem-se, de momento, as razões pelas quais o expediente de propositura do presente processo e com pedido de aplicação da medida de acolhimento residencial, a título cautelar, ficou retido na Unidade Central deste Tribunal.

Com a prolação, na data de hoje, da decisão de aplicação da medida cautelar, a situação das crianças está neste momento salvaguardada e legitimada a intervenção judicial.

A providência excecional do “habeas corpus” está vocacionada para impedir situações de restrição à liberdade ilegais. A situação em apreço não é, no nosso modesto entendimento, uma restrição à liberdade, sendo que as medidas protetivas, como decorre do art.º 3º, 4º e 11º da LPCJP, têm como propósito a promoção dos direitos das crianças e retirá-las da situação de perigo.

A cessação da medida de acolhimento residencial, com eventual substituição por outra medida, designadamente em meio natural de vida, conforme é requerido pela progenitora, carece de outros elementos a carrear para o processo, com vista à definição do projeto de vida que melhor defende o superior interesse destas crianças.

A nosso ver, a cessação imediata da medida e a entrega das crianças à progenitora poderá colocá-las de novo em grave perigo para a sua integridade física, ou mesmo para a sua vida, atentos os factos graves que conduziram ao seu acolhimento, na sequência de terem sido conduzidas ao serviço de urgência do Hospital, pelos bombeiros, reconhecendo a progenitora a necessidade de intervenção, tendo então concordado com a medida.

A progenitora tem realizado visitas regulares às crianças, conforme a mesma alega no articulado em apreciação.

Assim, sopesando os factos indiciados referidos supra e para os quais se remete, afigura-se-nos que a medida de acolhimento residencial aplicada se mostra neste momento justificada, ancorada na necessidade premente de proteção destas crianças e se deverá manter, enquanto se procede a um melhor diagnóstico da sua situação vivencial e se define o seu encaminhamento.

*

Instrua o apenso a remeter de imediato a Sua Excelência, o Excelentíssimo Senhor Conselheiro, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com cópia de todo o processado e do presente despacho, desentranhando o requerimento de fls. 64-74, a incorporar naquele apenso, tudo por ordem cronológica.

..., d.s. (17h45 m)”

3. A tramitação do processo


Nessa mesma data (7 de Maio) e despacho em que tal informação foi produzida, foi decidido o seguinte:

[“(…)

Para os efeitos tidos por convenientes, faço consignar que os autos me foram apresentados para despacho no dia de hoje às 15h48m.

*

Os presentes autos foram remetidos à distribuição e distribuídos como procedimento judicial urgente.

Porém, consultados os autos, decorre que às crianças foi aplicada medida de acolhimento residencial ainda na CPCJ, por acordo alcançado com a progenitora, estando as crianças acolhidas desde o dia 6 de março de 2024 na Casa de Acolhimento ..., sita na Rua ....

Os autos foram instaurados a 22.03.2024, ainda que só na presente data tenham sido distribuídos, por razões que ainda não foi possível em concreto apurar.

De todo o modo, à data da sua propositura já haviam decorrido mais de 48 horas, desde o acolhimento, pelo que a situação em apreço não é subsumível ao disposto nos art.º s 91º e 92º da LPCJP.

Tendo a medida sido aplicada na CPCJ com o acordo da mãe, e sendo os autos remetidos a Tribunal por não ser conhecido o paradeiro dos pais que se encontram em parte incerta, devem estes autos ser tramitados como processo de promoção e proteção e, sendo requerida a aplicação da medida de acolhimento residencial, cumpre proferir decisão.

I. Aplicação de medida cautelar de acolhimento residencial, com caráter provisório a favor das crianças BB, nascida a ........2020, filha de AA, e CC, nascido a ........2016, filho de AA e EE

No presente processo de promoção e proteção, movido pelo Ministério Público em favor das crianças BB e CC, o Ministério Público promove a aplicação urgente de medida cautelar a favor das crianças, de acolhimento residencial, por estas estarem em perigo junto da mãe, mostrando-se esta incapaz de garantir os cuidados aos filhos.

Mostram-se indiciados os seguintes factos, com relevância para a decisão a proferir:

1. O processo de promoção e protecção a favor de BB, nascida a ........2020, filha de AA, e CC foram instaurados na CPCJ no dia 5 de maio de 2023, após sinalização telefónica anónima

2. No decorrer do PPP da criança foi rececionada sinalização do Hospital de ... com a seguinte referência «entrada a criança e da sua irmã no SU na madrugada do dia 02 de março de 2024, da qual se a irmã foi referenciada por: "F, 3 anos, trazido pelos bombeiros, em conjunto com o restante agregado (...)» (cit.)

3. Do relatório social proveniente do H.. em referência ao sinalizado é referido que a progenitora referiu estarem numa «(,..,) uma habitação, vivenda, composta por três quartos, cozinha e com gás de botija, um sótão com três camas. Segundo a mesma a habitação estava em más condições de higiene, humidade, pó, detritos vários (…) verifica-se uma história difícil de colher e confusa. Apesar disso, colaborante, adequada, demonstra aparente consciência da gravidade da situação e preocupação quanto ao futuro (...) refere que, tanto quanto sabe nenhum elemento do agregado tem consumos. Não presenciou, nem viu nada de estranho no comportamento da menor, não percebe o porquê do resultado da análise».

4. As crianças viviam integradas em agregado familiar constituído pela progenitora e atual companheiro, FF, sendo ambas as crianças acompanhadas em pedopsiquiatria

5. Do atendimento com o padrasto «(...) colaborante, adequado, discurso organizado e fluente, contudo sem justificação para o sucedido. Após o jantar refere ter-se sentido mal, perder a consciência não refere presença de cheiros fortes (para além dos detergentes de limpeza) ou indícios, sem fumo, fogo, incêndio. Refere não ter consumos»

6. A criança BB, de 3 anos, foi internada em SOPed por anfetaminas + na urina.

7. Do contacto telefónico efetuado pela CPCJ com o H.. é referido que os adultos presentes (progenitora, padrasto, progenitor e avós paternos do CC) recusaram observação médica, após o sucedido.

8. Do contacto telefónico com a GNR, informam que se trata de uma casa devoluta, teriam invadido a casa há cerca de 3 dias, chegaram lá já estavam os bombeiros. O pai das crianças referiu que ligou o gerador na garagem por volta das 20h da noite. As autoridades chegaram ao local por volta da meia-noite e meia. Já estariam todos fora de casa a mãe terá recusado ser vista. Relativamente à habitação estava mobilada, havia roupa das crianças pela casa. A mãe estaria calma, e explicou que seria porque teria tomado um comprimido para dormir.

9.Num dos quartos, que não seriam da mãe e crianças, encontraram haxixe na mesa de cabeceira. (sic.).

10.Confrontados com a real gravidade da situação, nenhum dos adultos consegue explicar o motivo pelo qual as análises deram positivo para anfetaminas.

11. A CPCJ concluiu que se apuraram os seguintes fatores de perigo: - Instabilidade habitacional;

- Instabilidade relacional da progenitora;

- Exposição das crianças a vários cuidadores;

- Falta de identificação por parte da progenitora da situação que originou a sinalização e atual perigo para a integridade física dos filhos;

- Intoxicação por monóxido de carbono;

- Existência de análises clínicas à criança que identificam a existência de anfetaminas na urina;

- Colocação das crianças aos cuidados de diversos adultos sem que exista relação de confiança;

- Situação de saúde especifica da criança CC, avaliada pela progenitora como sendo «atrasado».

12. As crianças foram acolhidas no dia 6 de março de 2024, na Casa de Acolhimento ..., sita na Rua ..., em execução da medida cautelar aplicada por deliberação da CPCJ ... datada de 04 de março de 2024.

Cumpre decidir:

Examinando os factos relatadas na p.i. para o qual se remete e a que sumariamente se aludiu supra, não se pode deixar de entender que está fortemente indiciada uma situação de perigo atual e iminente para a segurança e desenvolvimento dos menores BB e CC, que têm vivido num contexto familiar com falta de segurança e condições mínimas de conforto, expostas a grave negligência, não estando ainda minimamente esclarecido se houve intoxicação por monóxido de carbono na casa em que as crianças habitavam e dos motivos pelos quais as análises clínicas à criança realizadas no Hospital de ... identificam a existência de anfetaminas na urina.

Está assim fortemente indiciada uma situação de perigo grave para a segurança e desenvolvimento dos menores, uma vez que a progenitora não reúne as condições mínimas, matérias e psicológicas, para dos mesmos cuidar (vide art.3º/1 e 2-c) da LPCJP, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro).

A progenitora, eventualmente, tem limitações sérias no exercício da parentalidade, designadamente problemas de saúde e instabilidade, vindo agora propor, no requerimento de “habeas corpus” a confiança das crianças a pessoa idónea, que identifica como DD, mas não dispondo ainda os autos de informação relativa à pessoa indicada.

Desta forma, torna-se urgente tomar uma medida provisória que, no interesse superior dos menores, e de acordo com os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da

actualidade, providencie pela remoção dos perigos a que aquelas se encontram sujeitas e lhe proporcione condições de desenvolvimento adequadas (vide arts.4º alíneas a),c), e) e 34º/ a), b) e c) e 37º/1 da LPCJP).

Esta medida de promoção e protecção dos direitos dos menores só pode consistir, atendendo à situação de facto indiciada e à falta de conhecimento da existência de outros familiares ou outras pessoas de referência afetiva para as crianças, na colocação destas na Casa de Acolhimento onde já se encontram e que garante os cuidados necessários à promoção da segurança, educação e desenvolvimento integral (vide arts.35º/1- f), 2, in fine, 37º e 50º da LPCJP).

Assim, colocar-se-á as crianças, provisoriamente, aos cuidados da casa de Acolhimento identificada (vide art.º 50 da LPCJP).

A equipa técnica da CA, em articulação com o NATT-PP, deverá relatar, no prazo de 15 dias, de forma circunstanciada, a situação e o desenvolvimento dos menores, bem como a definição do seu projecto de vida, de modo a possibilitar a direcção e o controlo da execução da medida aplicada por este Tribunal (vide arts. 59º/ 2 e 62º/1 da LPCJP).

Decisão

Pelo exposto:

Decido aplicar, a título cautelar, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a favor das crianças BB, nascida a ........2020, e CC, nascido a ........2016, nos termos dos artigos 34º, 35.º, n.º 1, al. f) e 37.º, n.º 1 da LPCJP.

4. Nomeio o NATT-PP como entidade encarregada da execução da medida provisória, em articulação com a equipa da CA, que deve:

a) definir um plano de intervenção junto das crianças que assegure a prestação dos cuidados necessários à promoção da segurança, educação, saúde e desenvolvimento integral destas; os contactos regulares com a progenitora e outras pessoas de especial referência afetiva e a estabilização emocional das crianças.

b) acompanhar a execução da medida, dando conta da integração das crianças na CA e dos cuidados que lhe são prestados, nomeadamente de saúde e educação, elaborando relatório social com a máxima urgência, se não antes, no prazo limite de 15 dias, considerando que a integração das crianças já ocorreu no passado dia 6 de março e, por razões ainda não apuradas, os autos só agora foram distribuídos e conclusos.

* Notifique o Ministério Público.

Notifique o NATT-PP pela via mais expedita.

*

Deverá a Unidade central para esclarecer a informação constante dos autos a fls 52, em face da resposta do IGFEJ de que o expediente aguardava tratamento na pasta de receção de ...- unidade central, desde 2024-03-22, 17:01.

*

Conclua os autos com urgência à Mma Juiz titular do J., para eventual designação de data para audição dos progenitores e do Técnico gestor do processo, de acordo com a disponibilidade da sua agenda e o mais que for tido por conveniente.

(…)]


Remetido o expediente a este Supremo Tribunal de Justiça, feita distribuição nos termos legais, foi designada audiência de julgamento nos termos do artº 223º, nº 2 do CPP com a tramitação prevista no n.º 3 do artº supra, com produção de alegações finais do MPº e defensor(a) da requerente em representação das filhas menores tendo o MPº considerado que a providência não deve ser provida e não estarem reunidos os requisitos de apreciação.


Por sua vez a defesa manteve a posição já assumida no processo.


Cumpre então explicitar os fundamentos e a decisão deliberada.


II- O Direito


1- Os dados do processo


[efectuou-se consulta na plataforma Citius e da certificação ali constante]


Vistos os autos, confirma-se a exactidão da narrativa processual constante da informação da Mmª Srª Juíza do processo a qual já anteriormente se reproduziu bem como toda a elaboração de expediente que a antecedeu.


Foi produzido despacho, em simultâneo, a 7 de Maio, aplicando, a título cautelar, a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a favor das crianças BB, nascida a ........2020, e CC, nascido a ........2016, nos termos dos artigos 34º, 35.º, n.º 1, al. f) e 37.º, n.º 1 da LPCJP.


2. O Habeas corpus, pressupostos gerais e termos de aplicabilidade a situações de medidas de acolhimento de menores


De seguida relembraremos, em considerações gerais, os pressupostos fundamentais da providência de Habeas corpus.

• Como tem sido sublinhado na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a providência de habeas corpus não se destina a apreciar erros, de facto ou de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (cfr., v.g, o acórdão de 04.01.2017, no processo n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada, in www.dgsi.pt).

Tem sedimentado ainda a interpretação de que nela não se cuida da reanálise do caso trazido à sua apreciação mas que tão só se pretende almejar a constatação de uma ilegalidade patente, em forma de erro grosseiro ou de manifesto abuso de poder.

E, como se sublinha na anotação 4 ao artº 222.º, do CPP (in “Código de Processo Penal – Comentado”, Almedina, 2014, pág. 909), “o que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro directamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correcção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso ordinário”.

Podemos ainda afirmar ser consensual que, no âmbito da providência de habeas corpus não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça verificar a existência ou não de fortes indícios da prática dos factos imputados aos arguidos (artº. 202.º do CPP) nem dos requisitos gerais de aplicação das medidas de coação (artº. 204.º), ou se foram corretamente ponderados os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (artº. 193.º).

O controlo efetuado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na providência de habeas corpus, tem como objeto a situação existente tal como promana da decisão que aplica a medida e não envolvendo a valoração dos elementos de prova com base nos quais a mesma foi proferida.

O STJ pode e deve verificar se a medida foi aplicada por juiz competente, se ocorreu em relação a factos que em abstracto a admitam e se foram respeitados os limites temporais da privação de liberdade fixados pela lei ou em decisão judicial (vide entre outros, ac. STJ 5.9.2019 -Carlos Almeida).

A providência de habeas corpus também não decide sobre a regularidade de actos do processo, não constitui um recurso das decisões em que foi determinada a privação de liberdade, nem é um sucedâneo dos recursos admissíveis.
Nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira à situação processual do requerente, se os actos do processo produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos referidos no artº. 222.º, n.º 2, do CPP.

Como não se substitui nem pode substituir-se aos recursos ordinários, o habeas corpus não é o meio adequado a pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão ou equivalente, porquanto está reservado para os casos indiscutíveis de ilegalidade que impõem e permitem uma decisão tomada com a celeridade legalmente definida.

O habeas corpus não é pois, meio adequado para impugnar as decisões processuais ou arguir nulidades e irregularidades processuais, que terão de ser impugnadas através do meio próprio (cfr Ac. STJ de 16-03-2015)

Derradeiramente, a providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente, com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de privações de liberdade , detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: as primeiras previstas nas quatro alíneas do n.º 1 do artº. 220.º do CPP e as segundas, nos casos extremos de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do referido preceito ( (cfr. Ac. STJ de 13-02-2008 ; idem Ac. STJ de 18-10-2007 )

O habeas corpus não conflitua com o direito ao recurso, pois que (…) visa, reagir, de modo imediato e urgente - com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma detenção ou prisão manifestamente ilegais, decorrente de abuso de poder concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual «grave, grosseiro e rapidamente verificável» integrando uma das hipóteses previstas no artº 222º nº 2, do Código de Processo Penal”.-[ cfr AC. STJ de 12-12-2007 ]

A medida de habeas corpus não se destina pois a formular juízos de mérito sobre a decisão judicial de privação de liberdade ou a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades, cometidas na condução do processo. Para esses fins servem os recursos, os requerimentos e os incidentes próprios, na sede apropriada. Nesta sede cabe apenas verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante enquadrável em alguma das alíneas do n.º 2 do artº. 222.º do CPP.

O artº. 222.º, n.º 2, do CPP, constitui a norma delimitadora do âmbito de admissibilidade do procedimento em virtude de prisão ilegal, do objecto idóneo da providência, nela se contendo os pressupostos nominados e em numerus clausus, que podem fundamentar o uso da garantia em causa.( Ac. STJ de 9-11-2011 )

Os fundamentos de Habeas corpus devem ser apenas os enunciados nos artºs 220 e 222º do CPP.

Relativamente a outras vicissitudes terão de se utilizar formas de reacção distintas, destarte, de índole processual, como a arguição de invalidade, reclamação ou recurso (…) é um instituto de natureza extraordinária (cfr Milheiro, Tiago Caiado in Comentário Judiciário do CPP, Tomo III, pagª 547, § 13 , 14 e 16.

Não obstante a sua inserção sistemática no CPP a providência de Habeas corpus não é um verdadeiro modo de impugnação visto que o seu objecto se prende com a situação de objectiva ilegalidade e não com a decisão que lhe deu causa.- (cfr Ac STJ de 7.3.2019 (Júlio Pereira, procº 72/15.3GAAVZ-K.S1 5ª Sec; idem, Maia Costa, 2016, Habeas corpus, passado, presente e futuro, Julgar, 29, pag 48).

A apreciação de habeas corpus pelo STJ coloca-se, assim, em patamar supra processual e a apreciação de indícios ou sua insuficiência para aplicar o manter medida de coação ou medida privativa/restritiva de liberdade não lhe pode servir de fundamento (ibidem, Comentário citº, §26)- cfr Ac STJ 9.6.2020 (Helena Moniz) bem como assim será não ser de apurar se a prova foi ou não válida, se houve nulidades processuais (v.g. do auto de interrogatório ou outras, erro de valoração de prova, etc (cfr Ac. STJ de 31.1.2018 (M. Matos), Ac STJ de 3.1.2018 (Raúl Borges)

Assim, enquanto ao tempo do Decreto-lei n.º 35 043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus era um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não houvesse qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», após as alterações de 2007, com o aditamento do n.º 2 ao artº. 219.º do CPP, o instituto não deixou de ser um remédio, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso (artºs. 219.º/2, 212.º, no respeitante a medidas de coação)- (citº do Ac STJ de 19.11.2020 ( A. Gama).

Além do mais, os fundamentos do «habeas corpus» são, apenas, aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos susceptíveis de colocarem em causa a regularidade ou a legalidade da prisão-(cfr Ac. STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196)

No tocante a medidas em sede de protecção e acolhimento de menores:


A jurisprudência já esclareceu que o habeas corpus está vocacionado para corrigir e remediar atentados à liberdade hoc sensu das pessoas, em geral, e não especificamente apenas para os casos de prisão ou detenção em que classicamente se pensará somente.[Cf. Ac. deste STJ de 18-01-2017, Proferido no Proc.º n.º 3/17.6YFLSB; Ac. deste STJ de 08-03-2006, proferido no Proc.º n.º 06P885; Ac. deste STJ de 02-03-2011, proferido no Proc.º n.º 25/11.0YFLSB.S1.]


Não estamos perante uma situação de verdadeira e própria “prisão”, mas de uma medida provisória de acolhimento institucional, a qual, privando dois menores da sua liberdade junto dos pais e, em especial, da mãe comum, o faz com contornos próprios e mercê de uma ratio específica.


Neste segmento, no sentido da aplicabilidade da providência de Habeas corpus a situações como a dos autos envolvendo medidas de protecção e acolhimento de menores, acolhemos por identidade de argumentos e razões a linha de pensamento, em síntese, constante do AC do STJ de 09-06-2021 -procº 6/21.6T1PTG.S1 ( relator Paulo F. Cunha):

“ (…)

No caso sub judicio coloca-se, antes de mais, um problema interpretativo. Não estamos perante uma situação de verdadeira e própria “prisão”, mas de uma medida provisória de internamento, a qual, privando a menor da sua liberdade, o faz com contornos próprios e mercê de uma ratio específica. Nesse contexto, até que ponto se poderá considerar que a uma situação como a vertente se poderá aplicar o regime do habeas corpus?

2. Crê-se que a questão acaba por ser mais teórica do que prática, porquanto a jurisprudência já esclareceu que o habeas corpus está vocacionado para corrigir e remediar atentados à liberdade hoc sensu das pessoas, em geral, e não especificamente apenas para os casos de prisão ou detenção em que classicamente se pensará somente.

3. Com efeito, e brevitatis causa, a questão, em geral (porque é suscetível de encontrar matizes) encontra-se esclarecida nos primeiros pontos do Sumário do Ac. deste STJ de 18-01-2017, Proferido no Proc.º n.º 3/17.6YFLSB:

“I - Não obstante a medida de promoção e proteção prevista no art. 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP, ter por finalidade o afastamento do perigo em que a criança se encontra e proporcionar-lhe as condições favoráveis ao seu bem estar e desenvolvimento integral, ela não deixa de traduzir uma restrição de liberdade e, nessa medida, mesmo que não caiba nos conceitos de “detenção” e de “prisão” a que aludem os arts. 220.º e 222.º do CPP, configura uma privação da liberdade merecedora da proteção legal concedida pela providência extraordinária de “habeas corpus”, sob pena das ilegais situações de excesso da sua duração, por decurso do seu prazo máximo de duração (6 meses) ou por omissão de revisão (findos os 3 meses), ficarem desigualmente protegidas em relação aos casos de detenção ou prisão ilegais.

II - Daí que, embora o CPP, nos seus arts. 220.º e 222.º, n.º 1, preveja apenas a medida de habeas corpus para a detenção e prisão ilegais, atenta a filosofia subjacente a estas normas, tem-se por adequado aplicar, ao abrigo do disposto no art. 4.º do CPP e por analogia, o regime do “habeas corpus” previsto no citado art. 222.º ao caso dos autos, ou seja, à medida de provisória de acolhimento residencial do menor, sob pena de situações análogas gozarem de tratamento injustificadamente dissemelhante, com a consequente violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP.”

4. Idêntico resultado de admissibilidade de subsunção de casos como o presente na possibilidade de apreciação em sede de habeas corpus já fora alcançado, v.g., no Ac. deste STJ de 08-03-2006, proferido no Proc.º n.º 06P885, Relator: Conselheiro João Bernardo. Precisamente colocando idêntica questão à aqui posta supra, e respondendo-lhe, com significativos elementos:

“IV –(….) Atentando nos factos alegados e nos textos legais acabados de transcrever, levanta-se logo uma questão liminar, consistente em saber se, neste quadro, é possível o lançar mão da mencionada providência.

O texto constitucional alude a - "prisão" ou - detenção ilegal -, o referido preceito do CPP refere-se a - prisão - e ao requerente foi aplicada uma medida tutelar educativa de guarda em centro educativo, em regime semiaberto, por três meses.

Não se tratou, pois, de uma "detenção" ou de uma -prisão".

E o legislador procurou, de certo modo, afastar conceptualmente esta medida tutelar daquelas figuras, ao estabelecer no art.º 2.º da Lei n.º 169/99, de 14.9 que as medidas tutelares educativas visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável na vida em comunidade. Para precisar, no art.º 17.º, que a medida de internamento visa proporcionar ao menor, por via do afastamento do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, de futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável.

Ou seja, na medida do internamento está presente - pelo menos na vertente explícita da lei - apenas a ideia de favorecer o menor.

Teríamos, por aqui, um afastamento das ideias de detenção ou de prisão ligadas ao "habeas corpus". Com impossibilidade de recurso a esta figura.

V -Não nos parece, todavia, ser assim.

Logo se repararmos no art.º 40.º do Código Penal, vemos que um dos escopos da aplicação de penas aos maiores de 16 anos consiste na reintegração do agente na sociedade. Estamos longe das teorias retributivas, mesmo quanto aos imputáveis em razão da idade.

Mas, para o que aqui nos interessa, há, a nosso ver, que ter em conta, não a intenção legal relativa ao internamento de menores, mas a privação de liberdade que tal internamento determina.

É a própria Constituição da República ( art. 27.º, n.º3 ) que considera como excepção ao princípio da não privação de liberdade a -sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal competente-.

Aliás, este preceito tem manifesta inspiração no art.º 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que contém, em termos semelhantes, a ressalva, entendida como privação de liberdade, da detenção (no emprego desta palavra está uma ligeira diferença relativamente ao texto da nossa Constituição) de um menor para efeitos educativos.

Na verdade, conforme se define no ponto 11 do Anexo relativo às -Regras das Nações Unidas para a Protecção dos Jovens Privados de Liberdade-, adoptadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 45/113, de 14.12.1990, - privação de liberdade significa qualquer forma de detenção, de prisão ou a colocação de uma pessoa, por decisão de qualquer autoridade judicial, administrativa ou outra autoridade pública, num estabelecimento público ou privado do qual essa pessoa não pode sair pela sua própria vontade."

E têm os tribunais portugueses considerado expressamente esta ideia de que o menor sujeito a internamento está privado da liberdade (podendo ver-se, em www.dgsi.pt, os Ac.s da RL de 23.6.04 e 21.10.2004 ).

VI - Se há privação de liberdade, entendemos não poder a situação passar ao lado da providência de - habeas corpus -.

E tanto assim é, que a alínea d) do art.º 37.º da Convenção Sobre os Direitos da Criança adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21.9.1990, dispõe que:

- A criança privada de liberdade tem o direito de aceder rapidamente à assistência jurídica ou a outra assistência adequada e o direito de impugnar a legalidade da sua privação de liberdade perante um tribunal ou outra autoridade competente, independente e imparcial, bem como o direito a uma rápida decisão sobre a matéria."

Violar-se-ia, na verdade, o princípio da igualdade, consignado no art.º13.º da Constituição, distinguindo-se intoleravelmente, com a admissão de tal providência nos casos de detenção ou de prisão e não nos casos como o nosso.

O próprio art.º 7.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem refere que todos têm direito a igual protecção da lei, sendo certo que no atentar desta, há sempre que ter em conta o comando do n.º2 do art.º 16.º da Constituição.

Há, assim, que ir para a analogia e considerar o regime do "habeas corpus" previsto nos apontados preceitos como abrangedor dos casos de privação de liberdade de menores por decretamento de medida tutelar.

VII - A interpretação por analogia de tais preceitos de modo a neles incluir os casos de internamento não é desconhecida deste Tribunal. Foi acolhida nos Ac.s de 3.10.2001 e 30.10.2001 (ambos transcritos na CJ STJ IX, 3, 174 e 202, respectivamente). E na doutrina, é defendida em Leal Henriques, Medidas de Segurança e Habeas corpus, 61.

É certo que ambos os arestos e esta posição doutrinária se reportam a casos de internamento de inimputáveis por anomalia psíquica, mas a razão de ser não difere na essência.”

5. Será também de reter, mutatis mutandis, v.g., a solução alcançada no Ac. deste STJ de 02-03-2011, proferido no Proc.º n.º 25/11.0YFLSB.S1, recortando-se a seguinte passagem, aplicável a múltiplos casos de privação da liberdade, os quais, verificados os demais requisitos exigidos pela lei, são suscetíveis de se verem apreciados em sede de habeas corpus:

“A privação de liberdade a que vem de se aludir significa qualquer forma de detenção, prisão ou colocação da pessoa por decisão de qualquer autoridade judicial, administrativa ou pública, em estabelecimento público ou privado do qual não pode sair por sua livre vontade.

6. Seria, portanto, ocioso recolocar mais detidamente o problema prejudicial. A providência de habeas corpus encontra-se plenamente apta, em tese, a apreciar casos como o presente, e não apenas a reclusão “clássica” como medida punitiva, prisão preventiva, etc..]

• No desenvolvimento exposto nesse citado aresto, mutatis mutandis, importaria ainda salientar, a partir dele, algumas ideias a reter, por alguma identidade de razões com o presente recurso, a saber:

[“(…) A procura de eventuais medidas subsequentes ou mesma a prorrogação da que já se encontrava em vigor terá de ser feita no devido processo de promoção, e não em sede de apreciação da providência de habeas corpus.

Ora, nada garante que, durante o hiato temporal que medeia uma apreciação judicial e outra, a criança não seja, de facto, devolvida à situação de perigo em que se encontrava, com prejuízo para a proteção dos seus direitos e para o seu superior interesse, quanto mais não seja o simples interesse em evitar incertezas e permanente instabilidade na sua vida.

Assim, na prática, a aplicação da garantia de habeas corpus a crianças a quem tenha sido aplicada medida de acolhimento residencial pode, de facto, acarretar o risco de que as mesmas sejam recolocadas nas situações de perigo de que as mesmas haviam sido retiradas.” (p. 24).

Mutatis mutandis ainda se atente no que desenvolveu Ana Rita Gil, num extenso artigo (A garantia de Habeas corpus no contexto de aplicação de medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, in “Julgar”, Online, outubro de 2017, pag 24) 1

Em certo sentido, embora com possibilidade abstrata para o fazer, enxerta-se no iter processual normal, ex abrupto, uma providência que não pode ser apreciada na crueza fria dos prazos apenas, porque está em causa a vida e o desenvolvimento de uma menor, que, pelo menos, se encontrou numa situação psicológica de risco, e que não pode ser objeto passivo da questão, sendo de cautela o quieta non movere.

(…) Ora, releva a existência ou não de abuso de poder, como se refere no Ac. deste STJ de 26-06-2003, proferido no Proc.º n.º 03P2629 (Relator: Conselheiro Simas Santos):

“4 - Em sede de previsão constitucional, o acento tónico do habeas corpus é posto na ocorrência de abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, na protecção do direito à liberdade, constituindo uma providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual - grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável - que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional.

5 - Mas nesse caso é necessária a invocação do abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, do atentado ilegítimo à liberdade individual - grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável - que integre as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas na lei ordinária, para desencadear o exame da situação de detenção ou prisão em sede da providência de habeas corpus, invocação que obrigatoriamente aponte os factos em que se apoia, incluindo os referentes à componente subjectiva imputada à autoridade ou magistrado envolvido. (…)”]

Posto isto e expostas aquelas considerações gerais, retomemos agora o caso em concreto.


Deste, atentando nos dados que se recolhem dos autos, importa reter sobretudo:

“No passado dia 06 de março de 2024 foram instaurados dois processos de promoção e protecção a favor dos dois filhos menores da Requerida.

Tal sucedeu por se ter detectado, após pesquisa de tóxicos na urina, motivada por episódio de urgência, realizada na Unidade Local de Saúde ..., a presença de anfetaminas no organismo da menor BB.

Circunstancialismo que levou à intervenção da já referida Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.

Tendo, de imediato, aquela Comissão, proposta medida cautelar de acolhimento residencial.

Proposta que a mãe dos menores aceitou, conforme acordo devidamente outorgado, naquela data.

os menores são filhos de pais diferentes, sendo irmãos uterinos entregues à guarda da mãe.

Acontece que, apesar de se ter obtido o consentimento da mãe, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens não conseguiu obter o consentimento por parte dos pais das crianças que se encontram ausentes em parte incerta.

O referido processo remetido de imediato para os Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca ..., Procuradoria Família e Menores da Comarca ..., Tendo dado origem aos Autos.

Atendendo à tenra idade dos menores, o superior interesse das crianças, os princípios de proporcionalidade/actualidade, a importância da continuidade das relações psicológicas profundas dos menores com as pessoas de referência na vida dos menores, e a prevalência que deve ser dada às medidas que integrem as crianças em ambiente familiar procedeu a mãe das crianças à apresentação de proposta para substituição da medida cautelar de acolhimento residencial por medida de promoção e proteção de Confiança a pessoa idónea.

Foi realizada a devida entrevista à pessoa indicada como pessoa idónea, no final do mês de março de 2024.

Na perspectiva da requerente a medida de apoio junto da mãe ou a medida de confiança das crianças a pessoa idónea é a única forma de conservar de igual forma o direito à segurança das crianças e o direito à manutenção dos laços familiares e do meio natural da vida das crianças.

Por outro lado, considera que a medida de acolhimento residencial das crianças agride gravemente o seu direito à estabilidade emocional.

Considera assim, que não existem motivos para a manutenção das crianças em casa de acolhimento cujas más condições enuncia no seu petitório.

Por fim, referncia que à data do pedido de habeas corpus ainda não existe um processo judicial, ou qualquer decisão que legitime a aplicação da medida de acolhimento residencial.

Foi deste modo que concluíu que os menores CC e BB se encontram ILEGALMENTE entregues ao cuidado de Casa de Acolhimento.”

Aconteceu, entretanto, a prolação do despacho judicial de 7 de Maio, do Tribunal de Família e Menores, já integralmente transcrito e que, nos termos ali narrados, convalida a medida de acolhimento residencial, a título provisório e cautelar, assumindo, com base nos factos ali dados por indiciados e elencados, que estava

“(…)fortemente indiciada uma situação de perigo grave para a segurança e desenvolvimento dos menores, uma vez que a progenitora não reúne as condições mínimas, matérias e psicológicas, para dos mesmos cuidar (vide art.3º/1 e 2-c) da LPCJP, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro). A progenitora, eventualmente, tem limitações sérias no exercício da parentalidade, designadamente problemas de saúde e instabilidade, vindo agora propor, no requerimento de “habeas corpus” a confiança das crianças a pessoa idónea, que identifica como DD, mas não dispondo ainda os autos de informação relativa à pessoa indicada. (…)”

Mais ali se entendeu que:

“(…) à data da sua propositura já haviam decorrido mais de 48 horas, desde o acolhimento, pelo que a situação em apreço não é subsumível ao disposto nos art.º s 91º e 92º da LPCJP. Tendo a medida sido aplicada na CPCJ com o acordo da mãe, e sendo os autos remetidos a Tribunal por não ser conhecido o paradeiro dos pais que se encontram em parte incerta, devem estes autos ser tramitados como processo de promoção e proteção e, sendo requerida a aplicação da medida de acolhimento residencial, cumpre proferir decisão. Desta forma, torna-se urgente tomar uma medida provisória que, no interesse superior dos menores, e de acordo com os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da actualidade, providencie pela remoção dos perigos a que aquelas se encontram sujeitas e lhe proporcione condições de desenvolvimento adequadas (vide arts.4º alíneas a),c), e) e 34º/ a), b) e c) e 37º/1 da LPCJP).

Esta medida de promoção e protecção dos direitos dos menores só pode consistir, atendendo à situação de facto indiciada e à falta de conhecimento da existência de outros familiares ou outras pessoas de referência afetiva para as crianças, na colocação destas na Casa de Acolhimento onde já se encontram e que garante os cuidados necessários à promoção da segurança, educação e desenvolvimento integral (vide arts.35º/1- f), 2, in fine, 37º e 50º da LPCJP).

Assim, colocar-se-á as crianças, provisoriamente, aos cuidados da casa de Acolhimento identificada (vide art.º 50 da LPCJP).

A equipa técnica da CA, em articulação com o NATT-PP, deverá relatar, no prazo de 15 dias, de forma circunstanciada, a situação e o desenvolvimento dos menores, bem como a definição do seu projecto de vida, de modo a possibilitar a direcção e o controlo da execução da medida aplicada por este Tribunal (vide arts. 59º/ 2 e 62º/1 da LPCJP).

(…) Nomeio o NATT-PP como entidade encarregada da execução da medida provisória, em articulação com a equipa da CA, que deve:

a) definir um plano de intervenção junto das crianças que assegure a prestação dos cuidados necessários à promoção da segurança, educação, saúde e desenvolvimento integral destas; os contactos regulares com a progenitora e outras pessoas de especial referência afetiva e a estabilização emocional das crianças.

b) acompanhar a execução da medida, dando conta da integração das crianças na CA e dos cuidados que lhe são prestados, nomeadamente de saúde e educação, elaborando relatório social com a máxima urgência, se não antes, no prazo limite de 15 dias, considerando que a integração das crianças já ocorreu no passado dia 6 de março e, por razões ainda não apuradas, os autos só agora foram distribuídos e conclusos.

Deverá a Unidade central para esclarecer a informação constante dos autos a fls 52, em face da resposta do IGFEJ de que o expediente aguardava tratamento na pasta de receção de ...- unidade central, desde 2024-03-22, 17:01.

Conclua os autos com urgência à Mma Juiz titular do J., para eventual designação de data para audição dos progenitores e do Técnico gestor do processo, de acordo com a disponibilidade da sua agenda e o mais que for tido por conveniente.

(…)”

Surge este despacho judicial como um elemento processual agregador de fixação de uma medida urgente e provisória, correctora de uma anomalia (demora) de causa ainda desconhecida no desenvolvimento do processo de protecção dos menores, cujos contornos de atraso estão a ser averiguados em sede própria, pelo que, sendo provisória a medida, tem a chancela de uma apreciação jurisdicional por autoridade competente (juiz de Tribunal de Família e Menores). Na sua actualidade, a eventual entrega a pessoa idónea está em apreciação e estudo.


Nessa decisão, ainda que passível de eventual discordância por parte dos seus destinatários, e de recurso nos termos do artº 123º e ss da LPCJP, não se posterga a sua alteravidade, antevê-se o acompanhamento da sua evolução e faz-se a prognose de audição dos progenitores e técnico de gestão do processo.


3. A questão que a requerente, por si e em representação dos menores seus filhos colocou foi, pois, a de medida de acolhimento residencial, à qual inicialmente aderiu e autorizou, não ser a adequada, alegadamente por falta de condições que enumera no requerimento e por não ter sido acolhida a sua proposta de, ao menos, se entregar a pessoa idónea e de confiança . Esta hipótese está em averiguação e mostra-se na sua aparência e substância uma medida que não foi ainda eliminada, sendo perfeitamente legal a forma e os termos em que foi colocada e antevista.


A comunicação ao Tribunal da medida de acolhimento institucional no prazo de 48 horas previsto no artº 92º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (LPCJP) não foi cumprida por razões mencionadas no despacho judicial de 7 de Maio, mas tal incumprimento em si não gera necessariamente a cessação da medida, aliás tomada por adesão da própria mãe o que não faria sentido em face da situação de perigo para os menores, incumprimento aquele que a todo o tempo a própria interessada poderia invocar directamente perante ou junto do próprio tribunal de Família.


Em todo o caso, na apreciação do caso na sua configuração actual, o tribunal convalidou já provisoriamente a medida e iniciou o processo de protecção dos menores em prazos que correm e não se mostras excedidos. Por isso que não faz sentido a intervenção da presente providência, não se vislumbrando haver medidas tomadas por entidade incompetente, desproporcional às necessidades de protecção ou de averiguação de outras alternativas indiciadas, ou ilegais, porquanto as enumeradas e assumidas até então são previstas por lei e estão validadas já judicialmente.


Acresce que a medida de acolhimento foi determinada pela CPCJ e validada pelo tribunal (ainda que além do prazo de 48 horas, atraso esse de responsabilidade averiguanda meramente disciplinar) mas não se esgotou.


Dispõe o artº Artigo 37.º da LPCJP:

(Medidas cautelares)

“1 - A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.

2 - As comissões podem aplicar as medidas previstas no número anterior enquanto procedem ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, sem prejuízo da necessidade da celebração de um acordo de promoção e proteção segundo as regras gerais.
3 - As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.”

Ora, os menores foram acolhidos a 6 de Março de 2024, por isso que nenhum daqueles prazos se mostra esgotado à data sequer da publicação do presente acórdão.


A Requerente sujeitou à decisão deste Supremo Tribunal de Justiça questões que não cabem assim, no quadro normativo deste procedimento cautelar e excecional de habeas corpus que visa, como válvula de escape e segurança do Estado de Direito, prisões, detenções, privações ou perturbações da liberdade pessoal dos cidadãos que resultem de abusos de poder praticados por qualquer autoridade e que se radiquem na ilegitimidade desta última para as determinar, na ilegalidade do fundamento para as justificar e/ou na extemporaneidade daquelas limitações absolutas ou restrições parciais de liberdade da criança e progenitora visados.
Nessa medida, seria por via da utilização dos meios processuais normais, como as reclamações e os recursos ordinários, que deveria ter actuado e não por força do uso deste pedido de
HABEAS CORPUS. (neste sentido, mutatis mutandis, também, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2022, Processo n.º 2638/22.6T8LRA-A.S1, 5.ª SECÇÃO, Relator: ORLANDO GONÇALVES, publicado em www.dgsi.pt e em ECLI:PT:STJ:2022:2638.22.6T8LRA.A.S1.3D (2) e o Ac STJ de 11.10.2023- E.Sapateiro, com extensa recensão jurisprudencial)” (3).


III- DECISÃO


1. Dado o exposto, acordam os juízes desta 5ª secção em audiência em considerar infundada a presente providência de habeas corpus.


2. Taxa de justiça em 3 UC a cargo da requerente nos termos da tabela III do RCP.

Lisboa, 15 de Maio de 2024

[Texto Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artº. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelas restantes Senhoras Juízas Conselheiras infra indicados].

Os juízes Conselheiros

Agostinho Torres (Relator)

Leonor Furtado (1ª adjunta)

Albertina Pereira (2ª adjunta)

Helena Moniz (Presidente de Secção)

___________________________________________

1. Neste segmento, diremos nós, os perigos de aplicação da providência de habeas corpus enunciados, no âmbito das medidas de acolhimento residencial, pela autora citada, e que coloca a sua natureza em densificação constitucional diferente da mencionada no artº 27 da CRP não necessariamente qualificável como medida restritiva da liberdade, estão minimizados, senão mesmo afastados, conforme bem explicado foi já no AC deste STJ de 29 de Fevereiro de 2024 proferido no procº 685-15.3T8CBR-L.S1 ( Leonor Furtado):

“(…)

“5.Como já afirmado, a tendência jurisprudencial do STJ tem se vindo a fixar no sentido em que o habeas corpus também se aplica às medidas de promoção e protecção de acolhimento residencial, considerando alguma jurisprudência do TEDH – vd. Ac.do STJ de 24/02/2024, Proc. n.º 348/23.6T8OHP-B.S1, em www.dgsi.pt, em cujo sumário se diz “O habeas corpus constitui um meio de tutela que abrange qualquer forma de privação da liberdade não admitida pelo artigo 27.º da Constituição e pelo artigo 5.º da CEDH, aqui se incluindo a privação da liberdade de uma criança, fora das condições legais, por sujeição a medida de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado [artigo 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição] ou a detenção de um menor feita com o propósito de o educar sob vigilância [na formulação do artigo 5.º, n.º 1, al. d), da CEDH], no seu interesse, compreendendo muitos aspetos dos direitos e responsabilidades parentais para benefício e proteção da criança, independentemente de esta ser suspeita da prática de facto qualificado como crime ou de ser uma criança em risco”. A opção jurisprudencial não é isenta de dúvidas, porém, a verdade é que, como no caso presente, as crianças ficam mais desprotegidas que os adultos, quando se verifica uma situação de decurso do prazo da duração das medidas de acolhimento residencial, sem que tivessem sido acautelados os aspectos processuais relacionados com a sua cessação, manutenção ou prorrogação. (…)

Todavia há necessidade de atender à especificidade deste processo de habeas corpus no âmbito de medidas decretadas num processo de Promoção e Protecção pois, não se trata, apenas, da apreciação da ilegalidade da privação da liberdade, mas, primacialmente está em causa o dever de protecção exercido pelo Estado, em face do interesse superior da criança em ser protegida, havendo necessidade de se conciliar a tutela da liberdade com a necessidade de protecção da criança. “

Nesse aresto ainda se demonstrando que, apesar de se concordar com alguma incorreçāo no processo se poderiam tomar medidas sem que se colocasse a criança imediatamente na família que a pretendesse.↩︎

2. “(…) III - Não cabe apreciar na providência de habeas corpus, nem erros de direito, nem formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade, que vão além de ilegalidade evidente ou de erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei. IV - Resultando do art. 3.º, n.ºs 1 e 2, al. c), da LPCJP, que o Estado deve intervir na família a favor das crianças e dos jovens, quando estiver em causa o desenvolvimento integral destes, designadamente, quando os seus pais ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, não lhes dando os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal, está longe de ser uma ilegalidade evidente a aplicação da medida cautelar de acolhimento familiar com fundamento na falta, por parte dos ora peticionantes, do exercício do direito à educação, saúde e interação social em favor dos seus filhos menores, pelo que não se encontram razões para concluir que os menores se encontram em acolhimento residencial a título cautelar “por facto pelo qual a lei o não permite”.↩︎

3. Onde também se defendeu que: “(…) a maioria dos Arestos deste Supremo Tribunal de Justiça têm alargado, através de uma interpretação extensiva ou de integração analógica do referido regime jurídico e das finalidades que o legislador constitucional e ordinário persegue com o mesmo, num Estado de Direito como o nosso, a aplicação da figura do HABEAS CORPUS às medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo que, embora não se possam qualificar juridicamente como «prisão» ou «detenção», são suscetíveis, ainda assim e de alguma forma, de a elas se equipararem, ao afetarem a liberdade pessoal dos cidadãos visados pelas mesmas, através da sua privação, limitação ou restrição.Tal equiparação ou similitude, de facto, pode existir e, nessa medida, justificar plenamente, à falta da existência de um meio alternativo de reação, o recurso a este expedito meio cautelar que constitui o procedimento de HABEAS CORPUS. (…)”↩︎