Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1546/10.8TBGMR.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: ROSA TCHING
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
OFENSA DO CASO JULGADO
CASO JULGADO MATERIAL
DEMARCAÇÃO
TERRENO
CAMINHO PÚBLICO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : A autoridade de caso julgado formado por decisão proferida na oposição à execução para prestação de facto positivo, obsta que a relação ou situação jurídica processo de execução.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




***


I. Relatório

1. AA, instaurou a presente execução para prestação de facto positivo contra BB e CC, invocando como título executivo a sentença proferida em --.03.2009 no processo nº 631/06.5… da -ª Vara das Varas de Competência Mista de …, transitada em julgado e que homologou a transação celebrada pelas partes, em --.02.2009, nos termos da qual:

a) Os aí autores, ora executados, obrigaram-se a proceder no prazo de 30 dias contados da data da transação, à limpeza de um terreno identificado nos autos, pertencente em parte aos autores e em parte idêntica à ré, de modo a deixá-lo completamente livre e desimpedido de quaisquer ervas, arbustos ou construções;

b) Os aí autores, ora executados, e a aí ré, ora exequente, obrigaram-se a, conjuntamente, após a operação de limpeza do prédio que os 1ºs deviam efetuar, procederem à demarcação dos prédios de uns e outra;

c) Para concretizar a demarcação, cada uma das partes obrigou-se a nomear o seu perito próprio, cuja identificação deveria ser comunicada à contraparte, no prazo de 30 dias após a conclusão da limpeza;

d) Tais peritos deveriam ficar incumbidos de proceder à medição dos terrenos pertencentes a cada uma das partes, com vista a separá-los com implantação de marcos, por forma que quer o prédio dos aí autores, quer o prédio da aí ré, tivessem, a final, áreas iguais;

e) Prevenindo a hipótese de qualquer desacordo entre os peritos que inviabilizasse a demarcação unânime, convencionaram as partes que esses peritos escolhessem um terceiro perito, para que este desempatasse, optando por um ou outro dos laudos iniciais.

2.  Citados os executados deduziram oposição.

3. No prosseguimento da execução, foi junto aos autos o auto de Diligência levado a cabo pela Sra. Agente de execução constante de fls. 188, onde se refere que:

« No dia de hoje, … de janeiro de 2018, pelas 9:30 h, dando cumprimento à sentença do Supremo Tribunal de Justiça, chegada ao local, verificou a signatária e a mandatária da exequente, Drª DD, que o prédio objeto de demarcação se encontrava delimitado por rede, rede esta colocada pelos executados.

Na demarcação efetuada pelos executados, foi contemplado o caminho público como fazendo parte do prédio da exequente pelo que a área da exequente é manifestamente inferior à dos executados.

No decorrer da diligencia, apresentou-se o mandatário dos executados, Dr. EE, o qual não conformado com a diligência a ser levada a efeito, disse que o mesmo estava vedado pelos seus constituintes pelo sítio certo. Mais disse que o caminho público, não era caminho público, mas sim parte integrante do prédio. Com vista a manter a ordem pública, dado haver troca de palavras entre exequente e executados, foi requerida a Força Pública "G.N.R." no local.

Dando cumprimento à sentença, a rede de demarcação colocada pelos executados, bem como arame farpado foi retirada e depositada no prédio dos executados.

De seguida e na presença do topógrafo, Sr. FF, depois de devidamente e previamente medido o terreno, sem integrar o caminho público, foi colocada pela exequente vedação em chapa ondulada, ficando exequente e executado com a mesma área de terreno, excluindo o caminho público na área a dividir.

O mandatário dos executados não assinou o presente auto de diligencia para demarcação dos prédios, ficando exequente e executado com a mesma área, (excluindo a área do caminho público), por não estar de acordo com a mesma demarcação, mostrando intenção de se opor.

Verifica a A.E. que o distinto mandatário dos executados não quer assumir a decisão do Supremo Tribunal.

Igualmente pelo mandatário dos executados, foi dito que era inadmissível que a A.E. não permitisse ao mesmo expor literalmente o que este pretendia no presente auto.

A diligencia foi efetuada, ficando os prédios com área idêntica, tendo terminado pelas 13:16 h.».

4. Vieram, então, os executados BB e mulher CC requer  que se declare:

 a) nula a diligência de demarcação efetuada pela Agente de Execução em -- de janeiro de 2018 por a mesma, de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de -- proferido no apenso 1546/10.8TBGMR - A.G1.S1, em  … .03.2016 e já transitado em julgado, ter de ser realizada de acordo com os trâmites fixados em transação, isto é, com a presença dos mandatários e mediante notificações e marcações prévias aí melhor descritas para o qual se remete;

b) de forma clara e inequívoca, que o terreno a dividir deverá desconsiderar e excluir existência de caminho público na área a dividir, sendo o seu leito o prolongamento e parte integrante do terreno a dividir em partes iguais.

5.  Notificada, a exequente pugnou pelo indeferimento da pretensão dos executados, por falta de fundamento legal, pedindo a condenação dos litigantes de má-fé em multa e indemnização exemplares.

6. Realizada, sem sucesso, tentativa de conciliação, o Tribunal de 1ª Instância, em ---.10.2018, proferiu decisão, considerando que «os elementos existentes nos autos e sendo certo que o Supremo Tribunal de Justiça não apreciou a questão de fundo dos presentes autos, não apreciando o recurso interposto por falta de um pressuposto processual (a legitimidade da recorrente), nada mais resta do que ordenar que seja dado cumprimento ao decidido pelo Tribunal da Relação de …, ou seja, a demarcação dos prédios tem de ser efetuada partindo da aceitação de que o leito do caminho é parte integrante do prédio da exequente (mandando, por isso, excluir a área identificada pela exequente como "caminho público", uma vez que pertence ao seu prédio, tendo tal área de ser considerada para efeitos de demarcação dos prédios, decisão que não foi alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Assim sendo, nada mais resta que dar provimento à reclamação apresentada, declarando nula a diligência de demarcação efetuada em --.01.2018.

Por outro lado, tal diligência também não obedeceu ao decidido pelo Tribunal Superior, uma vez que a Sr. agente de execução não demonstrou ter notificado as partes para darem cumprimento ao acordado na cláusula 45 da ação ordinária nº 631/06.5…, que correu termos na 2 - Vara Mista de --, ou seja notificar as partes para indicarem os respetivos peritos, cuja identificação será comunicada à contraparte, ficando os mesmos incumbidos de procederem à medição dos terrenos e implantação dos marcos, devendo ter presente que o leito do caminho é parte integrante do prédio da exequente, tendo tal área de ser considerada para efeitos de demarcação dos prédios. (…) ».

E com base nesta fundamentação julgou «procedente a reclamação apresentada e, em consequência, declarou nula a diligência de demarcação efetuada em --.01.2018», determinado, para além do mais, « a Sr. Agente de execução para demonstrar nos autos que procedeu à notificação das partes, no prazo de 5 dias, que dispõem do prazo de 10 dias, para indicarem um perito cuja identificação será comunicada à contraparte, ficando os peritos incumbidos de procederem à medição dos terrenos e implantação dos marcos, devendo ter presente que o leito do caminho é parte integrante do prédio da exequente, tendo tal área de ser considerada para efeitos de demarcação dos prédios.

Deverá ainda a Sr. agente de execução proceder à marcação de data para a realização da diligência com uma dilação máxima de 30 dias, após a notificação do presente despacho».

7. Inconformada com esta decisão, a exequente AA dela apelou para o Tribunal da Relação de -- que, por acórdão proferido em --.10.2019, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

8. Notificada, a exequente AA requereu a aclaração deste acórdão e invocar a sua nulidade, nos termos do art. 615º, nº1, als. c) e d), do CPC, tendo o Tribunal da Relação proferido, em ...07.2020, acórdão que julgou improcedente a pretendida aclaração e as invocadas nulidades.

9. Inconformada com acórdão do Tribunal da Relação, de --.10.2019, veio a exequente dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« 1ª – Os executados reclamaram de uma demarcação efetuada sob a responsabilidade da agente de execução e em cumprimento de despacho do juiz do processo, demarcação essa que atribuiu a ambos os prédios, de exequente e executados área igual, em consequência da área global ter sido excluída a área de um caminho público a norte, tendo a reclamação sido julgada procedente e demarcação julgada nula, em consequência do que se determinou que nova demarcação se fizesse, incluindo, porém, a área do referido caminho público no prédio da exequente, por dever ter-se “presente que o leito do caminho é parte integrante do prédio da exequente, tendo tal área de ser considerada para efeitos de demarcação dos prédios”.

2ª – Dessa decisão, a exequente interpôs recurso de apelação, sustentando a mesma:

a) Violava o caso julgado formado por várias decisões anteriores (a sentença que julgou as oposições à execução, de --/06/2014, o acórdão da Relação de -- de --/03/2016, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça , de --/02/2017, que confirmou o precedente, o despacho de --/03/2017, do anterior Juiz do processo, todos transitados em julgado, e que haviam decidido o contrário, pois determinaram que a demarcação devia efetuar-se “excluindo-se a área identificada pela exequente como caminho público”).

b) era nula por ser produzida na sequência de requerimento que enferma de impropriedade de meio processual uma vez que uma outra reclamação precisamente com o mesmo objeto da agora apresentada, já havia sido apresentada e decidida (fls. 314 a 319 do apenso A – 1º Volume, 454 a 467 do apenso A – 2º Volume e 481 a 545 do apenso A – 2º Volume), não podendo, pois, ocorrer nova decisão sobre a mesma questão já decidida com trânsito em julgado;

c) nunca podia proceder como reclamação contra o ato dos peritos porque o ato da agente de execução foi precedido de um pedido de esclarecimento ao Juiz do processo sobre se devia ou não englobar o caminho em causa na área da exequente, e foi executado de acordo com as instruções dadas e notificadas à mesma agente de execução, segundo as quais a área identificada como caminho público devia ser excluída do terreno a demarcar.

3ª – Assim sendo, a reclamação não podia proceder como tal porque, que mais não fosse, a demarcação tinha sido executada em cumprimento do determinado no douto despacho de fls. 594 do apenso-A – 2º Volume, o que acarretaria, sequencialmente, a nulidade da decisão recorrida por falta de fundamento (art. 615.º, n.º 1, al. c.) do Código de Processo Civil) e incidindo sobre requerimento que enferma de impropriedade de meio processual, pois não era da demarcação que se devia ter reclamado, mas sim, devia ter-se recorrido do despacho que a ordenou e que, não tendo sido objeto de recurso, transitou em julgado.

4ª – O acórdão recorrido confirmou, porém, a decisão precedente, tendo apenas analisado esta e os demais elementos constantes do processo principal, pois os dois processos apensos a esse e que continham elementos relevantes para a decisão nem sequer foram remetidos para o Tribunal da Relação, por entender, em suma, o seguinte:

a) em conclusão – aliás única – apesar de no texto se não reconhecer a existência de qualquer caso julgado a atender – disse-se que “havendo duas decisões contraditórias transitadas em julgado sobre a mesma pretensão cumpre-se a que passar em julgado em primeiro lugar”;

b) Remeteu genericamente para os termos do relatório, de onde o intérprete devia extraí-los, a fixação dos factos materiais da causa, julgando assim cumprido o ónus de fixar a matéria de facto, por remissão, em desrespeito pela lei, que manda que a Relação fixe esses factos, e o faça, em princípio, definitivamente,

c) Entendeu não poder apreciar a invocada nulidade da decisão recorrida por, embora sem razão, diga-se desde já, sustentar que a recorrente não invocou quaisquer argumentos que justificassem a arguida nulidade;

d) Declarou não entender como se invocava impropriedade de meio processual”, não obstante ser claro o facto de os executados reclamarem do ato dos peritos, em vez de recorrerem do despacho judicial que o ordenou, quando esse ato cumpriu rigorosamente a decisão, e esta transitou em julgado;

e) não julgou verificada a violação de caso julgado, com o argumento de que a Relação, no referido acórdão anterior, “apreciou” todas as questões relevantes, sem se aperceber de que a decisão, e não os fundamentos é que devia ser analisada, de que esta decisão foi confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, escudando-se, para mais, num despacho do relator que precedeu esse acórdão, para concluir erradamente que o Supremo Tribunal de Justiça “não se pronunciou quanto ao fundo da questão”, o que também não é verdade, pois o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se por acórdão sobre o fundo da questão.

5ª – A decisão recorrida é inaceitável e mal fundada, pelas razões que sucintamente se passam a enunciar:

a) é nula, por excesso de pronúncia, por ter decidido sob questões de que não tinha conhecimento, pois os processos que deviam ter acompanhado este e de onde constam elementos essenciais à decisão (apensos-A e B) nem sequer foram remetidos à Relação (artigo 615.º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil);

b) é nula por não ter fixado a matéria de facto provada, limitando-se a dar por reproduzido o relatório que precedeu a decisão, sem escolher e definir os factos provados – nulidade insuscetível de sanação e que implica a necessidade de repetição do julgamento (artigo 615.º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil);

c) julgou não ter ocorrido qualquer nulidade da decisão da primeira instância por sustentar que a recorrente não a fundamentou, mas, ao contrário, ela foi perfeita e totalmente explicada, por forma que devia ter sido apreciada e discutida;

d) julgou não ocorrer impropriedade de meio processual, que contudo se afigura existir, pois tendo sido a demarcação precedida de um despacho que a ordenou e sendo conforme com ele, não cabia qualquer reclamação da demarcação, mas sim, quando muito, recurso do despacho, que, porém, transitou em julgado;

e) julgou que a ação podia ser decidida conforme o que leu nos fundamentos utilizados pelo primeiro acórdão da Relação de -- de /03/2016, quando devia decidir conforme a decisão desse acórdão e não conforme os fundamentos, e respeitar a interpretação que da decisão desse acórdão fez o posterior acórdão do STJ, transitado em julgado (em cujos termos a demarcação devia fazer-se “excluindo a área identificada pela exequente como caminho público”);

f) decidiu, pelo contrário, que a demarcação devia fazer-se por forma a que “o leito do caminho público é parte integrante do prédio da exequente”, o que, só por si já constitui uma aberração jurídica, porque nenhum caminho público pode julgar-se integrado em prédio particular, porque os bens do domínio público estão fora do comércio, mas também porque é seguramente uma forma de violação das decisões transitadas em julgado supra referidas, designadamente a do Juiz do processo a fls. 594 do apenso-A;

g) decidiu, copiando acriticamente o que os recorridos diziam e a decisão da primeira instância respaldava, que o STJ nada decidira quanto ao fundo da questão por se ter limitado a produzir um despacho de não recebimento do recurso, quando, bem pelo contrário, o STJ se pronunciara sobre o fundo da questão, por acórdão junto aos autos, que foi totalmente ignorado;

h) lavrou uma conclusão única (“havendo duas decisões contraditórias transitadas em julgado sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”) que é totalmente incomportada pelo precedente e inexplicável texto, porque neste, ou seja, na fundamentação nega-se a existência de qualquer caso julgado; mas, se houvesse colisão de decisões transitadas em julgado, impunha-se, em obediência ao artigo 625.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, julgar o recurso procedente, porque todas as decisões que contrariam a recorrida são anteriores a esta.

6.ª – De facto, o acórdão recorrido confirmou a decisão da primeira instância segundo a qual o leito do caminho público referido nos autos é parte integrante do prédio da exequente, isto é, decidindo que o leito do caminho devia ser incluído nesse prédio, quando estava decidido com trânsito em julgado que o leito do caminho devia ser excluído da área do prédio da exequente, pelo que a decisão não pode manter-se.

7ª – Na verdade, a sentença de --/06/2014, o acórdão do Tribunal da Relação de -- de --/03/2016, que a confirmou apenas em parte, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de --/02/2017, que confirmou o acórdão da Relação, e o despacho do Juiz de fls. 594 do apenso-A, todos decidiram que a demarcação dos prédios devia efetuar-se “excluindo-se a área identificada pela exequente como caminho público” (fls. 455, 466, 313, 467 verso) enquanto a decisão da primeira instância, de 09/10/2018, que o acórdão recorrido coonestou, decidiu antes que a área identificada como leito do caminho público “é parte integrante do prédio da exequente”.

8ª – O Tribunal da Relação de -- (autos de fls. 361 a 403 do apenso-A, 1.º Vol., produzido em --/03/2016, fls. 454 a 457, apenso –A, 2.º Vol. ), que a decisão recorrida diz confirmar, bem pelo contrário decidiu, após a correção parcial da sentença que o precedeu, “determinar, em consequência, a demarcação dos prédios excluindo-se a área identificada pela exequente como caminho público”

9ª – De qualquer modo, a exequente, visando a clarificação da situação, porque os fundamentos do acórdão da Relação estavam em oposição à decisão, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por, embora concordando com a decisão do acórdão da Relação, discordar dos seus fundamentos, pedindo, a final, com fundamento na verificação de violação do caso julgado, a revogação do acórdão recorrido, “com a consequência de se ordenar que se proceda à demarcação dos terrenos por forma a excluir da área do terreno da exequente o caminho público em causa, e que, feita essa exclusão, os dois prédios fiquem com áreas precisamente iguais” (folhas 481 do apenso A – 2º Volume).

10ª – O recurso de revista não foi admitido, por despacho do relator (folhas 545 do apenso A – 2º Volume), de --/10/2016, confirmado por acórdão do STJ transitado em julgado (folhas 585 e 587 do apenso A – 2º Volume), produzido nos termos do artigo 652º, número 2 do Código de Processo Civil, pelos seguintes motivos:

“Na decisão (sentença) da 1ª Instância foi decretada a exclusão da área identificada pela exequente como caminho público- cfr. fls. 455,466 e 313.

No acórdão recorrido foi decidido manter tal parte da sentença recorrida, mantendo-se, pois, o decretamento da exclusão da área identificada pela exequente como caminho público – cfr. fls. 467 vº.

A pretensão recursória da ora recorrente, AA é precisamente a de que seja decidido “que se proceda à demarcação dos terrenos por forma a excluir da área do terreno da exequente o caminho público em causa.”(cfr.fls. 481)

Constata-se assim que, considerado o objeto do interposto recurso, a recorrente não ficou, quanto a tal, vencida.”.

11ª – A agente de execução veio, em --/10/2015 (processo principal a folhas 168) requerer que fosse esclarecida sobre se “da decisão oportunamente tomada por esse tribunal, é para englobar o caminho na área da exequente”, informação que veio a ser prestada e lhe foi notificada (apenso-A – 2º Volume página 597) através de despacho transitado em julgado, no qual o Exmo. anterior Magistrado titular do processo, referindo-se ao que constava a fls. 313 a 319, 454 a 467, 559, 585 a 587, decidiu o seguinte:

“Procedi à leitura do acórdão do Insigne Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação da decisão que não admitiu o recurso de revista do acórdão do Venerando Tribunal da Relação de -- que revogou o segmento da decisão recorrida (na parte que determinou a demarcação dos prédios nos termos inicialmente efetuados pelos oponentes) mantendo que se deve desconsiderar (excluir) a área identificada como “caminho público”.

12ª – Em consequência do exposto decidindo-se a reclamação deduzida pela sua procedência e determinando-se o que se determinou (“a demarcação dos prédios tem de ser efetuada partindo da aceitação de que o leito do caminho é parte integrante do prédio da exequente”), foi flagrantemente violado o caso julgado formado pelas precedentes decisões do tribunal da Relação e do STJ respetivamente de --/03/2016 e de --/02/2017 (folhas 468 verso do apenso A – 1º Volume e folhas 467 verso e 481 do mesmo 1º Volume, e ainda folhas 585 a 587 do apenso A – 2º Volume), quer se considere caso julgado como simples exceção processual, quer se considere o seu efeito impositivo (cfr. entre muitos os acórdãos do STJ de 10/07/1977, Col. Jurisp. STJ V, 2, 165, e da Relação do Porto de 02/04/1998, disponível em www.dgsi.pt, bem como os acórdão do STJ de 30/04/1996, Col. Jurisp. IV, 2, 49 e de 09/06/1996, BMJ 454, 599, e ainda Anselmo de Castro, Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil).

13ª – Com efeito, a Relação e o Supremo decidiram, sempre com trânsito em julgado que a demarcação dos prédios deve ser feita “excluindo-se a área identificada pela exequente como caminho público”, tendo o Supremo (folhas 545 do apenso A – 2º Volume) decidido que “constata-se assim que, considerado o objeto do interposto recurso (pedia-se no recurso de revista que se determinasse a revogação do acórdão recorrido “com a consequência de se ordenar que se proceda à demarcação dos terrenos, por forma a excluir da área do terreno da exequente o caminho público em causa”) a recorrente não ficou quanto a tal vencida”.

14ª – Daí que o acórdão recorrido não podia, e fazendo-o errou grosseiramente, considerar que, onde aqueles acórdãos disseram que a área do caminho público em questão deve ser excluída da área dos prédios a demarcar, devia ler-se, antes que tal área deve ser incluída na área do prédio da exequente, pois “excluir” é uma coisa e “incluir” é o seu contrário (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, Edição Verbo, excluir significa “não considerar como fazendo parte de um todo ou de um grupo; excetuar; o contrário de incluir, =a eliminar, retirar”, enquanto incluir significa “conter em si = abranger, compreender, integrar, o contrário de excluir”).

15ª – De resto, importa ainda considerar que a decisão adequada (a exclusão da área a demarcar da área do caminho público referido) não tem suporte apenas no dever de obediência ao caso julgado, mas também na justiça e na verdade material, pois que o caminho público em questão existe e não pode evidentemente, por impossibilidade legal, ser integrado no prédio da exequente, é demonstrado pelo facto de estar junta aos autos (fls. 174 do apenso A, 1º Volume) uma certidão, emitida em --/06/2008 pelo Departamento de Administração Geral da Câmara Municipal de --, na qual se certifica que “da análise da cartografia existente, conclui-se que o caminho sito no loteamento da Gandra (terreno Casal da Torre), da freguesia de Silvares deste concelho é público”, certidão essa que, como sua parte integrante anexa uma planta numerada e rubricada representando o caminho em discussão (folhas 174 a 178 do mesmo apenso A, 1º Volume e folhas 284 a 286 do mesmo apenso), o que significa que ficou provada, através de documento autêntico, cuja força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade, (art. 362.º, n.º 1 do Código Civil) a natureza pública do dito caminho, que, como tal está fora do comércio jurídico, não podendo sentença alguma considera-lo integrado numa propriedade particular, o que sempre tornaria a decisão inexequível, porque um caminho público é irredutível à propriedade privada (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, ed. de 1960, p. 277) ».

Termos em que requer seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que indefira a reclamação contra a demarcação efetuada e julgue esta correta e legal, porquanto respeita as         várias decisões transitadas em julgado segundo as quais o leito do caminho público em causa não é parte integrante do prédio da exequente e a sua área deve ser excluída da demarcação, pois fica fora da área do prédio a dividir e demarcar, que nunca integrou.

10. Os executados responderam, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1. A Recorrente exibe um comportamento errante em toda a tramitação processual.

2. Esse comportamento errante está patente na alegação de que, afinal, a sentença de 1.ª instância de 03/06/2014 e o Acórdão do Tribunal da Relação de -- de 10/03/2016, decisões proferidas nos presentes autos, afinal, deram-lhe razão.

3. O que fica por explicar todo o périplo de recursos que tem intentado, exatamente, por ter interpretado e defendido o contrário: que as citadas decisões não lhe deram razão e que ficou vencida.

4. A inversão de entendimento das decisões acontece porque a Recorrente quer esquecer toda a fundamentação da sentença e dos Acórdãos e incide a sua discussão nas frases e palavras soltas desligadas de qualquer contexto processual.

5. Essa alegação é feita num exercício temerário de averiguação do sentido exato das palavras, tentando desviar as atenções do essencial das questões.

6. A leitura rápida, não precisa de ser muito atenta, da sentença de 1.ª instância de --/06/2014, bem como do Acórdão da Relação de -- de --/03/2016, habilita o leitor e intérprete a obter o sentido exato das decisões.

7. Outro facto que emerge das alegações da Recorrente, é que em todo o seu arrazoado nenhuma vez fez a transcrição das decisões completas: fixa-se na desconsideração (excluir) e não na parte dispositiva que lhe está imediatamente atrás.

8. Assim, a sentença de 1.instância prolatou o seguinte:

“Pelo exposto, decide-se julgar procedente a presente oposição à execução e determinar, em consequência, a demarcação dos prédios nos termos inicialmente efectuados pelos oponentes, excluindo-se a área identificada pela exequente como “caminho público”.---

9. A sentença determina a demarcação dos terrenos nos termos inicialmente efectuados pelos oponentes;

10. Como é que os Oponentes fizeram a demarcação: desconsideraram a existência de qualquer caminho.

11. Ao mandar excluir a área identificada como caminho público, dirigiu a determinação à Agente de Execução porque esta, na demarcação que efectuou, tinha considerado a existência do caminho público.

12. Essa conclusão e sentido resulta claramente dos factos provados e na motivação da sentença que nos atrevemos a transcrever:

“assim, teve-se em consideração o teor da transação celebrada no processo n.º 118/2002 (nomeadamente as áreas ali referidas) e, como já se referiu, a planta para o qual a mesma remete, ou seja, aquela que havia sido junta, pela aqui exequente, àqueles autos e cuja junção foi determinada na ultima sessão de julgamento.---

Ora, em nenhuma das transações é referida a existência de uma parcela que cumpra excluir das medições, e, como facilmente decorre da mera observação da planta anexa à contestação, não se encontra assinalado qualquer caminho (publico ou de outra natureza), na confrontação sul do prédio.---

Na falte de referência a essa parcela, não cumpriria ao tribunal decidir da existência da mesma. Como frequentemente acontece, pretenderam as partes suprir omissões ocorridas na fase declarativa, e que culminaram com acordos livre e esclarecidamente celebrados entre as partes, sendo que não é em sede de processo executivo que cumpre definir o direito das partes, mas apenas concretizá-lo.---“

“A mesma conclusão alcançamos relativamente à oposição oferecida no apenso B.---

Com efeito, contrariamente à demarcação efectuada pelos oponentes, apurou-se que a demarcação efectuada em sede de execução, com o acompanhamento da exequente, não obedeceu ao acordado.---

A demarcação documentada no auto referido na alínea c) dos factos provados excluiu da área a dividir uma parcela de 229,88 m2, área essa que havia sido inicialmente considerada aquando da celebração do acordo e, assim, fez com que a área a atribuir aos oponentes ficasse inferior à área atribuída à exequente.—

Constata-se, pois, que assiste razão aos oponentes, devendo proceder as pretensões pelos mesmos formuladas e realizar-se a demarcação nos termos inicialmente efectuada pelos oponentes.---“

13. Interposto recurso, pela ora Recorrente, daquela decisão, necessariamente com a consciência de que ficou vencida, relativamente à área a dividir o Tribunal da Relação de -- veio deliberar o seguinte:

“De quanto vem de ser exposto se conclui que a decisão impugnada não viola o caso julgado no segmento em que manda desconsiderar (“excluir”) a área identificada pela Exequente como “caminho público”.

14. Essa deliberação resultou da fundamentação que se transcreve:

“Relativamente à primeira (i) questão os autos demonstram inequivocamente que, por motivos que não podem ser de simples distração, a Apelante e os Oponentes negociaram e contrataram partindo da aceitação de que o leito do caminho era o prolongamento do prédio, sendo, pois, sua parte integrante.”

Outra   interpretação não pode  ser extraída   da conjugação dos seguintes dados fácticos: a) a planta para o qual remete a transação celebrada na ação de divisão de coisa comum, representa a estrema norte do prédio como coincidindo com a estrema do prédio pertencente a GG, designada como confrontante na descrição promovida pela própria Apelante na C.R.P.; b) na mesma planta o valor da área total do prédio – 4.586 m2 (cuja divisão em dois dá 2.293 para cada) – reflecte a área do caminho (229,88) o que a ora Apelante nunca antes pôs em dúvida, sendo certo que na impugnação que dirigiu ao referido documento não opõe qualquer reticência nem à localização da estrema referida, nem ao valor indicado como sendo a área total do prédio.

E conclusão adversa também não se retira do historial do prédio, reflectido no registo.

Com efeito, no primeiro registo, a dita confrontação a norte era com “caminho de servidão”. O sentido técnico-jurídico do termo – encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio de dono diferente (cfr. art.º 1543.º do C.C) – passou, com a mesma significação para a linguagem vulgar e corrente. Foi, pois, entendido que o leito do “caminho de servidão” integrava a área do prédio e a própria Exequente/Apelante demonstrou entendimento coincidente fazendo constar como confrontação norte (da parte que lhe ficou a pertencer) a acima referida GG e caminho de servidão, que as imagens do Google deixam perceber que é a parte correspondente ao canto norte/nascente (elemento de confrontação, de resto, essencial para que não seja havido este como prédio encravado)

Entende-se o interesse que resultará, mesmo em sede de valorização económica do terreno, da classificação do caminho como sendo de natureza pública, atenta a sua contiguidade com uma urbanização, que poderá ter constituído motivo suficiente para que a “doadora/vendedora” HH promovesse a alteração, no registo, da designação do confrontante norte e “caminho de servidão” para “caminho público”, sendo de reconhecer que, na actualidade, apenas a ora Apelante retirará benefício de tal classificação.

Relativamente às certidões juntas aos autos, da autoria da Câmara Municipal, não se têm por capazes de contrariar quanto vem acima referido, porque esta Entidade não tem competência material para decidir se um caminho é público ou privado, e a alteração da natureza (pública ou privada) de um caminho depende da verificação de pressupostos que estão legalmente definidos.

Acresce que a mesma Entidade emitiu, em tempos diferentes, três documentos nos quais faz constar que o dito caminho: é público (certidão de fls. 174, datada de 12/06/2008); é caminho de servidão “Em conformidade com a informação prestada pela Junta de Freguesia de Silvares” (certidão de fls. 224, datada de 04/01/2002; é público vicinal, ou seja, um caminho de mero interesse rural (docs. fls. 284/286), segundo a informação prestada em 26/07/2011 à Junta de Freguesia de … .

15. O Tribunal da Relação analisou de forma rigorosa e exaustiva a existência ou não de uma caminho público no terreno a dividir e cuja área poderia não contar, bem como, na esteira da 1.ª instância, as declarações das partes quanto à existência desse caminho.

16. Numa fundamentação lógica, factual, critica, decidiu que não existia qualquer caminho público nem que a área ocupada pelo leito desse pretenso caminho não pertencesse ao terreno da Recorrente e dos Recorridos a dividir.

17. Insistir na existência do caminho, que aparece sempre referido entre aspas, é bater no molhado para tentar que uma falsidade dita muitas vezes pareça verdadeira.

18. A decisão quanto à não existência do caminho, dentro destes autos, é caso julgado formal.

19. E se não existe caminho, a ideia de existir, a consideração da sua existência tem de ser excluída, desconsiderada,

20. principalmente pela Agente de Execução e pela exequente que consideraram a sua existência, para aumentar à sua área e para beneficiar com essa alegação.

21. Por outro lado, os factos provados nos presentes autos, que não podem ser alterados, levam a que o sentido das decisões seja o que se defende, quer a Juiz de Execução quer o Tribunal da Relação de --: que o terreno se divida desconsiderando, excluindo a existência de caminho público.

22. O Acórdão da Relação não contém qualquer nulidade. 23.

Os Recorridos adoptaram o meio processual idóneo para reagir contra a 2.ª demarcação.

24. A divisão do terreno deve fazer-se desconsiderando a existência de um caminho público; de outra forma é que se estaria a violar o caso julgado e a adoptar posições completamente antagónicas com o decidido e fundamentado.

25. O STJ, nos presentes autos, nunca conheceu de fundo a questão nem revogou qualquer decisão do Tribunal da Relação de --, mormente o Acórdão de --/03/2016.

26. Não conheceu pura e simplesmente do recurso em função do objecto proposto pela Recorrente.

27. Logo, não pode a Recorrente prevalecer-se dessa aparente decisão que não é ».


Termos em que requer seja confirmado o acórdão recorrido


11. Colhido os vistos e posto que o presente recurso tem por fundamento especial a ofensa de caso julgado prevista no artigo 629.º, n.º 2, alínea, a), parte final, do CPC, na base do qual a revista é sempre admissível mesmo em caso de ocorrência de dupla conforme, em conformidade com a ressalva feita no n.º 3 do artigo 671.º do mesmo diploma, cumpre, pois,  apreciar e decidir.


***


II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as únicas questões a decidir consistem em saber se o acórdão recorrido:


1ª- enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. d), do CPC;


2ª- se ofende o caso julgado formado pela sentença  proferida, em 03.06.2014, nas oposições ( apensos A e B ) à presente execução e confirmada pelo Acórdão da Relação de -- de --.03.2016. 


***


III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


Pelo Tribunal da Relação foram considerados provados os factos constantes do relatório do acórdão recorrido.


***


3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se com as  questões de saber se o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. d), do CPC e se ofende o caso julgado formado pela sentença proferida, em --.06.2014, nas oposições (apensos A e B) à presente execução e confirmada pelo Acórdão da Relação de -- de --.03.2016. 


3.2.1. Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia.

Sustenta a recorrente padecer a decisão recorrida da nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. d) do CPC, por excesso de pronúncia, quer por ter decidido sob questões de que não tinha conhecimento, pois os processos (apensos A e B), que continham elementos essenciais á decisão nem sequer foram remetidos à Relação, quer porque não fixou a matéria de facto provada, limitando-se a dar por reproduzido o relatório que precedeu a decisão, sem escolher e definir os factos provados, o que implica a necessidade de repetição do julgamento.

Segundo a alínea d) do n.º1 do citado artigo 615º do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por via da norma remissiva do n.º 1 do art.º 666.º do mesmo Código, é nula a decisão «quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Este vício, conforme jurisprudência unânime, traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no n.º 2 do art. 608º do CPC (aplicável aos acórdãos da Relação por força do disposto no nº 2 do art. 663º do mesmo diploma) e que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras.

E, por outro lado, o dever de ocupar-se tão somente das questões suscitadas pelas partes e/ou daquelas que a lei lhe impuser o conhecimento oficioso.

Assim, como vem sendo entendimento pacífico, tanto doutrinária como jurisprudencialmente, para tal efeito relevam apenas as questões que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir, pedido e exceções que hajam sido deduzidas pelas partes ou que devam  ser suscitadas oficiosamente[2].

Particularmente, na fase de recurso, constituem ainda questões solvendas, as que delimitam o objeto daquele e que se traduzem,  quer nos invocados erros de direito na determinação, interpretação e aplicação das normas que constituem fundamento jurídico da decisão, nos termos  do disposto no art.º 639.º, n.º 2, do CPC, quer, em sede  de impugnação da decisão de facto, na especificação dos pontos de facto tidos por incorretamente julgados e que cumpre ao impugnante indicar nos termos do art.º 640.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

Mas se assim é, evidente se torna que a mera afirmação de que a Relação decidiu «sob questões de que não tinha conhecimento» feita com base na alegada falta de remessa dos apensos A e B à Relação, não consubstancia a invocada nulidade.

De igual modo não se vislumbra que o acórdão recorrido seja nulo por falta de fixação da matéria de facto provada, pois, nele afirmou-se que «os factos a atender são os que constam do relatório que antecede».

E isto independentemente de se considerar que este procedimento é incorreto e que a complexidade da causa impunha que no acórdão recorrido se tivesse elencado, discriminadamente, a factualidade dada por provada.

Daí ser de concluir no sentido de que não ocorre a invocada nulidade do acórdão recorrido.


*


3.2.2. Ofensa de caso julgado


3.2.2.1. Vejamos, então, se o acórdão recorrido ofende o caso julgado formado pela decisão definitiva proferida nas oposições à presente execução deduzidas pelos executados (Apenso 1546/10.8TBGMR-A.G1.S1), impondo-se, para tanto, reordenar e sintetizar a factualidade dada  por provada pelo Tribunal da Relação por forma a conferir-lhe maior clareza.

Assim, do relatório do acórdão recorrido e dos elementos constantes dos autos, colhe-se o seguinte:

1º- BB e CC instauraram contra AA ação declarativa, com processo ordinário, que correu termos na 2ª Vara das Varas de Competência Mista de --, sob o nº 631/06.5…, no âmbito da qual  foi, em --.03.2009, proferida sentença, já transitada em julgado, que homologou a transação celebrada pelas partes, em --.02.2009, nos termos da qual:

a) Os autores, BB e CC obrigaram-se a proceder no prazo de 30 dias contados da data da transação, à limpeza de um terreno identificado nos autos, pertencente em parte aos autores e em parte idêntica à ré, AA, de modo a deixá-lo completamente livre e desimpedido de quaisquer ervas, arbustos ou construções;

b) Os autores e a aí ré obrigaram-se a, conjuntamente, após a operação de limpeza do prédio que os 1ºs deviam efetuar, procederem à demarcação dos prédios de uns e outra;

c) Para concretizar a demarcação, cada uma das partes obrigou-se a nomear o seu perito próprio, cuja identificação deveria ser comunicada à contraparte, no prazo de 30 dias após a conclusão da limpeza;

d) Tais peritos deveriam ficar incumbidos de proceder à medição dos terrenos pertencentes a cada uma das partes, com vista a separá-los com implantação de marcos, por forma que quer o prédio dos aí autores, quer o prédio da aí ré, tivessem, a final, áreas iguais;

e) Prevenindo a hipótese de qualquer desacordo entre os peritos que inviabilizasse a demarcação unânime, convencionaram as partes que esses peritos escolhessem um terceiro perito, para que este desempatasse, optando por um ou outro dos laudos iniciais;

2. Em --.04.2010, AA instaurou contra BB e CC a presente ação executiva para prestação de facto positivo, pretendendo que estes sejam compelidos a procederem aos trabalhos de limpeza a que se obrigaram pela transação que celebraram na referida ação nº 631/06.5…, a fim de, como aí ficou definido, se proceder à demarcação dos prédios dela, exequente, e dos executados.

3. Citados os executados BB e CC deduziram oposição (Apenso 1546/10.8TBGMR-A.G1.S1), alegando, para além do mais, que  para cumprirem a obrigação de demarcação  dos terrenos em causa contrataram um perito, que remeteu à exequente uma carta, datada de --.02.2010 e recebida por esta em --.02.2010, dando-lhe conhecimento  de que no dia--- de fevereiro, pelas 10 horas se iria proceder  à divisão e marcação dos lotes, pelo que, não tendo a exequente comparecido a esta diligência, procederam à  divisão da área total de 4586 m2 do prédio, tendo a parte sul do terreno  ficado para eles e a parte norte para a exequente.  

4. No prosseguimento da execução, em sede de diligência dirigida pela Agente de Execução e realizada no dia --.10.2011, procedeu-se à demarcação do prédio, tendo ficado a constar do respetivo auto, para além do mais, que «(…) pelo exequente foi cedido  cerca de 25 cm  uma vez que  se fosse separada  a área real  o limite seria a meio da porta (…) » ( cfr. fls. 134 e 135).

5. Os executados deduziram oposição alegando que, em resultado dela a exequente ficou com 2.446 m2 enquanto que a parte deles ficou apenas com 2.140m2, o que viola as transações, homologadas por sentença, que eles e a exequente celebraram (Apenso 1546/10.8TBGMR-A.G1.S1).

6. Apensadas ambas as oposições (Apensos A e B, que passaram a fazer parte do apenso único Apenso 1546/10.8TBGMR-A.G1.S1), procedeu-se ao seu julgamento conjunto, após o que foi proferida, em ---.06.2014, sentença (constante de fls. 314 a 319) que, considerando, resultar da matéria de facto provada que «contrariamente à demarcação efectuada pelos opoentes, apurou-se que a demarcação efectuada em sede de execução, com o acompanhamento da exequente, não obedeceu ao acordado» e que a mesma «excluiu da área a dividir  uma parcela de 229,88m2, área essa que havia sido inicialmente  considerada aquando da celebração do acordo e, assim,  fez com  que a área a atribuir aos opoentes ficasse inferior  à área atribuída à exequente», decidiu  julgar procedente a oposição à execução e determinar, em consequência, a demarcação dos prédios  nos termos inicialmente efectuados pelos opoentes, excluindo-se a área identificada pela exequente  como “ caminho público” »  .

7. Inconformada com esta decisão, dela apelou a exequente para o Tribunal da Relação de --, invocando, para além do mais, violação do caso julgado.

8. Em  --.03.2016, o Tribunal da Relação de -- proferiu acórdão ( constante de fls. 454 a 467) que, ante a decisão  do Tribunal de 1ª Instância de “ determinar a demarcação dos prédios  nos termos inicialmente efectuados pelos opoentes, excluindo-se a área  identificada pela exequente como caminho público”, considerou que,  para saber se esta decisão violava ou não o caso julgado, impunha-se indagar:

« i) se o caminho que existia a norte foi ou não considerado pelas Partes integrado na área do prédio, contribuindo, assim, para apuramento do valor da sua superfície;

ii) se a demarcação dos prédios levada a efeito pelos oponentes obedeceu ou não ao estabelecido nas transações que celebraram, acima transcritas».

Assim, apreciando estas duas questões, relativamente à primeira (i) questão, entendeu que « os autos demonstram inequivocamente que, por motivos que não podem ser de simples distração, a Apelante e os Oponentes negociaram e contrataram partindo da aceitação de que o leito do caminho era o prolongamento do prédio, sendo, pois, sua parte integrante (…) .", concluindo  que « (…). De quanto vem de ser exposto se conclui que a decisão impugnada não viola o caso julgado no segmento em que manda desconsiderar (excluir) a área identificada pela Exequente como "caminho público".

Relativamente à segunda (ii) questão enunciada, entendeu que «devido a deficiente actuação dos Executados/Opoentes, a Exequente não acompanhou a acção da demarcação promovida por aqueles». E considerando ainda  nem então nem na demarcação realizada no  processo executivo, em que esteve presente apenas a exequente, se conseguiu  proceder à demarcação com a presença simultânea  de peritos  nomeados pelas Partes, conclui que « não tendo sido observado o que ficou estabelecido  nas supra mencionadas cláusulas da transacção, a decisão em apreço  viola o caso julgado no segmento em que determina “a demarcação  dos prédios nos termos inicialmente efectuados pelos opoentes», pelo que ter-se-ia de « proceder agora a nova ( e quiçá definitiva) diligência de demarcação, que obedeça  ao que ficou estipulado».

E com base nesta fundamentação, decidiu julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela exequente AA, «revogando a sentença impugnada no segmento em que determina 2 a demarcação dos prédios nos termos inicialmente efetuados pelos opoentes”, por violar o caso julgado, mantendo-se a parte restante decisória».

9. Inconformada com este acórdão, a exequente AA dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido proferido, em --.10.2016, o despacho singular constante de fls. 545, com o seguinte teor:

«Na decisão (sentença) da 1ª instância, foi decretada, a exclusão da área identificada pela exequente como caminho público- cfr. fls. 455, 466 e 313.

No acórdão recorrido, foi decidido manter tal parte da sentença recorrida, mantendo-se, pois, o decretamento da exclusão da área identificada pela exequente como caminho público – cfr. fls. 467 vº.

A pretensão recursória da ora recorrente, AA é, precisamente, a de que seja decidido “ que se proceda à demarcação  dos terrenos  por forma a excluir  da área dos terrenos por forma a excluir  da área do terreno da exequente o caminho público em causa” (cfr. fls. 481).

Constata-se, assim, que, considerando o objeto do interposto recurso, a recorrente não ficou, quanto a tal, vencida.

Por outro lado, o facto de o recurso ter sido admitido na Relação não vincula este Supremo (art. 641, nº 5 do CPC).

Entendo, assim, que, por falta de legitimidade da recorrente – art. 631º, nº1 do CPC- o interposto recurso não é admissível, não sendo, pois, cognoscível o respetivo objeto.

Assim, ordeno que se dê cumprimento ao preceituado no art. 655º do CPC».

10. Notificada, reclamou a recorrente AA para a conferência, nos termos do art. 652, nº3 do CPC, na sequência do que, em 07.02.2017, foi proferido acórdão indeferiu que a reclamação apresentada.

 11. Nos presentes autos de execução, foi junto aos autos o auto de Diligência levado a cabo pela Sra. Agente de execução constante de fls. 188, onde se refere que:

« No dia de hoje, -- de janeiro de 2018, pelas 9:30 h, dando cumprimento à sentença do Supremo Tribunal de Justiça, chegada ao local, verificou a signatária e a mandatária da exequente, Drª DD, que o prédio objeto de demarcação se encontrava delimitado por rede, rede esta colocada pelos executados.

Na demarcação efetuada pelos executados, foi contemplado o caminho público como fazendo parte do prédio da exequente pelo que a área da exequente é manifestamente inferior à dos executados.

No decorrer da diligencia, apresentou-se o mandatário dos executados, Dr. EE, o qual não conformado com a diligência a ser levada a efeito, disse que o mesmo estava vedado pelos seus constituintes pelo sítio certo. Mais disse que o caminho público, não era caminho público, mas sim parte integrante do prédio. Com vista a manter a ordem pública, dado haver troca de palavras entre exequente e executados, foi requerida a Força Pública "G.N.R." no local.

Dando cumprimento à sentença, a rede de demarcação colocada pelos executados, bem como arame farpado foi retirada e depositada no prédio dos executados.

De seguida e na presença do topógrafo, Sr. FF, depois de devidamente e previamente medido o terreno, sem integrar o caminho público, foi colocada pela exequente vedação em chapa ondulada, ficando exequente e executado com a mesma área de terreno, excluindo o caminho público na área a dividir.

O mandatário dos executados não assinou o presente auto de diligencia para demarcação dos prédios, ficando exequente e executado com a mesma área, (excluindo a área do caminho público), por não estar de acordo com a mesma demarcação, mostrando intenção de se opor.

Verifica a A.E. que o distinto mandatário dos executados não quer assumir a decisão do Supremo Tribunal.

Igualmente pelo mandatário dos executados, foi dito que era inadmissível que a A.E. não permitisse ao mesmo expor literalmente o que este pretendia no presente auto.

A diligencia foi efetuada, ficando os prédios com área idêntica, tendo terminado pelas 13:16 h.».

12. Vieram, então, os executados BB e mulher CC requer que se declare:

 a) nula a diligência de demarcação efetuada pela Agente de Execução em -- de janeiro de 2018 por a mesma, de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de -- proferido no apenso 1546/10.8TBGMR- A.G1.S1, em   --.03.2016 e já transitado em julgado, ter de ser realizada de acordo com os trâmites fixados em transação, isto é, com a presença dos mandatários e mediante notificações e marcações prévias aí melhor descritas para o qual se remete;

b) de forma clara e inequívoca, que o terreno a dividir deverá desconsiderar e excluir existência de caminho público na área a dividir, sendo o seu leito o prolongamento e parte integrante do terreno a dividir em partes iguais.

13. Notificada, a exequente pugnou pelo indeferimento da pretensão dos executados, por falta de fundamento legal, pedindo a condenação dos litigantes de má-fé em multa e indemnização exemplares.

14. Realizada, sem sucesso, tentativa de conciliação, o Tribunal de 1ª Instância, em 09.10.2018, proferiu decisão, considerando  que « os elementos existentes nos autos e sendo certo que o Supremo Tribunal de Justiça não apreciou a questão de fundo dos presentes autos, não apreciando o recurso interposto por falta de um pressuposto processual (a legitimidade da recorrente), nada mais resta do que ordenar que seja dado cumprimento ao decidido pelo Tribunal da Relação de --, ou seja, a demarcação dos prédios tem de ser efetuada partindo da aceitação de que o leito do caminho é parte integrante do prédio da exequente (mandando, por isso, excluir a área identificada pela exequente como "caminho público", uma vez que pertence ao seu prédio, tendo tal área de ser considerada para efeitos de demarcação dos prédios, decisão que não foi alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Assim sendo, nada mais resta que dar provimento à reclamação apresentada, declarando nula a diligência de demarcação efetuada em ---..01.2018.

Por outro lado, tal diligência também não obedeceu ao decidido pelo Tribunal Superior, uma vez que a Sr. agente de execução não demonstrou ter notificado as partes para darem cumprimento ao acordado na cláusula 45 da ação ordinária nº 631/06.5 …, que correu termos na 2- Vara Mista de --, ou seja notificar as partes para indicarem os respetivos peritos, cuja identificação será comunicada à contraparte, ficando os mesmos incumbidos de procederem à medição dos terrenos e implantação dos marcos, devendo ter presente que o leito do caminho é parte integrante do prédio da exequente, tendo tal área de ser considerada para efeitos de demarcação dos prédios. (…) ».

E com base nesta fundamentação julgou « procedente a reclamação apresentada e, em consequência, declarou nula a diligência de demarcação efetuada em --.01.2018», determinado, para além do mais, «a Sr. Agente de execução para demonstrar nos autos que procedeu à notificação das partes, no prazo de 5 dias, que dispõem do prazo de 10 dias, para indicarem um perito cuja identificação será comunicada à contraparte, ficando os peritos incumbidos de procederem à medição dos terrenos e implantação dos marcos, devendo ter presente que o leito do caminho é parte integrante do prédio da exequente, tendo tal área de ser considerada para efeitos de demarcação dos prédios.

Deverá ainda a Sr. agente de execução proceder à marcação de data para a realização da diligência com uma dilação máxima de 30 dias, após a notificação do presente despacho».

15. Inconformada com a decisão, a exequente AA dela apelou para o Tribunal da Relação de -- que, por acórdão proferido em --.10.2019, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.



*

3.2.2.2. Assente este quadro factual e com vista a indagar se o acórdão recorrido ofende o caso julgado formado pela decisão definitiva proferida na oposição à presente execução (Apenso 1546/10.8TBGMR-A.G1.S1), impõe-se definir, ainda que em traços gerais, o alcance do caso julgado material formado pelas decisões judiciais  que versem sobre a relação material controvertida e que, uma vez transitadas em julgado,  passam a ter força obrigatória dentro e fora do processo nos limites subjetivos e objetivos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC  e nos precisos termos em que julga, conforme o disposto nos arts 619º, nº1 e 621º, do  mesmo código.

Segundo a noção dada por Manuel de Andrade[3], o caso julgado material « consiste  em a definição dada à relação jurídica controvertida se impor a todos os tribunais ( e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão».

A força obrigatória reconhecida ao caso julgado material, ainda segundo o mesmo autor[4], assenta na necessidade de garantir o prestígio dos tribunais, que ficaria seriamente comprometido «se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente».

Impõe-se por razões de «certeza ou segurança jurídica», pois, sem a força do caso julgado, cairíamos «numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa - fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas».

E tem por finalidade, no dizer do mesmo Professor[5], obstar  a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas), a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por anterior decisão e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados.

Diversamente da exceção de caso julgado, que comporta um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda ação, obstando a nova decisão de mérito da causa e impondo ao juiz a absolvição do réu da instância (cfr. art. 576º, nº 2 do CPC),  a autoridade do caso julgado tem, antes, o efeito positivo de impor a primeira decisão  à segunda decisão de mérito[6].

Dito de outro modo e nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[7], « quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição  no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente».

De igual modo, consideram Lebre de Freitas e outros[8]que:   «(…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.»

Assim, nesta linha de entendimento, na qual que se posiciona a jurisprudência,  afirmou-se, no acórdão do STJ, de 22.02.2018 (revista nº 3747/13.8T2SNT.L1.S1) [9], que « a  autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa» e, no Acórdão do STJ, de 08.10.2018 (processo nº 478/08.4TBASL.E1.S1)[10] , que « nesta linha, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.

              


*


3.2.2.3. Ora, analisando o quadro factual supra traçado no ponto 3.2.2.1  à luz deste regime jurídico,  não podemos deixar de  reconhecer  à  sentença proferida, em --.06.2014, na oposição deduzida pelo executados (Apenso 1546/10.8TBGMR-A.G1.S1), no segmento em que manda que se proceda à demarcação dos terrenos por forma a excluir  da área dos terrenos a área identificada pela exequente como "caminho público", efeitos de caso julgado, nos termos dos arts. 619º, nº 1 e 621º, do C.P. Civil.

É que tendo esta sentença, no que concerne ao segmento decisório que manda desconsiderar (excluir) da área dos terrenos a demarcar a área identificada pela Exequente como "caminho público", sido confirmada pelo Acórdão pelo Tribunal da Relação de --, proferido em -- .03.2016 e tendo este acórdão transitado em julgado, nos termos do art. 628º, do CPC, na medida em que não foi objeto de apreciação por parte do Supremo Tribunal de Justiça, não pode deixar de se considerar o efeito de autoridade de caso julgado material dela decorrente, no sentido de que a demarcação dos terrenos a realizar no âmbito da presente execução  tem de ser feita em conformidade com o decidido na referida sentença.

Daí nenhuma censura merecer o acórdão recorrido ao confirmar a decisão proferida, em --.10.2018, pelo Tribunal de 1ª Instância que, respeitando o caso julgado material formado pela sentença proferida, em --.06.2014, na oposição à execução, determinou que a  demarcação dos prédios a realizar no âmbito da presente execução tem de ser efetuada partindo da aceitação de que o leito do caminho é parte integrante do prédio da exequente, sendo, por  isso, de excluir a área identificada pela exequente como "caminho público".

Termos em que improcedem também, neste particular, as razões da recorrente.  


***


IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Notifique.


***


Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade da Exmª. Senhora Conselheira Catarina Serra e do Exmº Senhor Conselheiro Bernardo Domingos que compõem este coletivo.

***


Supremo Tribunal de Justiça, 11 de novembro, de 2020

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Catarina Serra

José Manuel Bernardo Domingos

_______

[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Neste sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto,  in “Código de Processo Civil Anotado”, 2º volume, pág. 646 e, entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 11.02.2015 (proc. nº 1099/11) in Sumários, 2015, pág. 67.
[3] In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, 305, 
[4] In, “ Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 306.
[5] Neste sentido, vide, Manuel de Andrade, in, Noções Elementares, Coimbra Editora, 1979, 318.
[6] Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 23.01.2014 (revista  nº 3076/03.5TVPRT.P1.S1)
[7] In, “Objecto da Sentença  e Caso Julgado Material”, publicado no BMJ, nº 325, págs. 171ª 179.
[8] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, p. 354.
[9] No sentido exposto, vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 20/06/2012 (processo 241/07.0TLSB.L1.S1), acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[10] Não publicado.