Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
882/23.8T8STS-A.P1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: RECLAMAÇÃO
NULIDADES
Data do Acordão: 06/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

É infundada a pretensão do reclamante que invoca a nulidade do acórdão proferido em Conferência (num processo de Reclamação regulado nos termos do art.º 643.º do CPC), sem indicar qualquer das hipóteses previstas no art.º 615.º, n.º 1 do CPC.

Decisão Texto Integral:




Processo n.º 882/23.8T8STS-A.P1-A.S1


(Reclamação – art.º 643.º CPC)


Reclamante: AA


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA vem invocar nulidades do acórdão proferido por este tribunal, em Conferência, no dia 19.03.2024.


No seu requerimento, a reclamante apresenta as conclusões que se transcrevem:


«Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido nos autos, na firme convicção que a mesma enferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis.


2. O objeto do presente recurso consubstancia-se na impugnação do Acórdão proferida pelo Tribunal.


3. A decisão proferida e alvo do requerimento de nulidades mereceu uma análise por parte da visada pela mesma, e, apesar de abertamente não se concordar com o seu conteúdo, coisa diferente é considerar a mesma enfermada de determinados vícios.


4. No que concerne às nulidades suscitadas, confessa a recorrente que, se para si já foi constrangedor ler a sentença proferida, sinceramente não sabe o que dizer deste Acórdão que indefere as nulidades e inconstitucionalidades invocadas.


5. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais a ora recorrente poderá concordar com o entendimento do Tribunal recorrido.


6. Desta forma, violou o STJ a quo uma das formalidades do artigo 3.º n.º 3 do C.P.C.


NESTES TERMOS, cumpre concluir que, atento o supra exposto a sentença aqui em apreço é nulo atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas.


I – ERRO DE JULGAMENTO


II - DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO:


7. No seguimento daquilo que já supra melhor se mencionou, os fins do Processo Civil, resumidamente, são os de, em contraditório, determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, proferir o despacho destinado a identificar o objecto do litígio.


8. ACONTECE QUE, não obstante a existência de matéria controvertida, o STJ a quo, entendeu que os autos já possuíam todos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa e, como tal, proferiu o respetivo Acórdão, proferindo decisão no âmbito dos presentes autos.


9. Sucede que, nesta nova decisão, limita-se o Supremo Tribunal de Justiça a referir que “Quanto à valoração do alegado pelo requerente, não obstante a recorrente não concordar com a posição adotada por este tribunal tomou posição, considerando-as válidas e assertivas e respeitando o núcleo essencial do contraditório. A recorrente tem outra opinião, mas não foi a que a que logrou vencimento.


10. O que serve por dizer que, afirmando, sem mais, ter já tomado posição relativamente àquelas questões – o que, na verdade, não ocorreu - o Tribunal a quo descartou, mais uma vez, a possibilidade de se pronunciar quanto às mesmas, mantendo-se inalterada a omissão de pronúncia inicialmente apontada pela recorrente.


11. De novo se sublinha: a recorrente não pretende uma nova decisão de mérito quanto a questões que pretende é que sejam supridos vícios que tão claramente inquinam aquela decisão, porquanto o STJ, na sua decisão não o fez.


12. Conforme vertido no requerimento de nulidade da aqui recorrida “O Acórdão reclamado ignora olimpicamente.


13. E sobre esta questão sindicada em recurso e concretamente trazida de novo ao tribunal a quo em sede de arguição de nulidade, nenhum exame critico foi produzido, nenhum raciocínio lógico foi sustentado, nada!


14. Sucede que e, chamando à colação deste Tribunal Superior, questões concretas por si colocadas em recurso da decisão proferida em 1ª Instância e em relação às quais o T.R.P e STJ nem sequer se pronunciaram ou, tendo-se pronunciado, não lograram fundamentar, incorrendo por isso o Acórdão proferido em vários vícios de nulidade e, até inconstitucionalidade.


15. A falta de fundamentação é, de resto, outro dos vícios transversais no Acórdão proferido, daí não resultando em algum lado a fundamentação das suas opções decisórias. E a verdade é que esse vício não foi sanado pelo Acórdão de que ora se recorre.


16. Porém, ao arrepio da lei, designadamente, ao abrigo do disposto no art.º 3.º n.º 3 do C.P.C., o Tribunal recorrido decidiu sobre o mérito da causa nem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.


17. Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo3.º n.º 3 do C.P.C., cuja violação acarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais daí decorrentes.


18. Deste modo, violou o STJa quo um dos mais elementares princípios processuais, nomeadamente, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do CPC.


19. Face ao exposto, não restam dúvidas de que a prolação do Acórdão é proferida com preterição de uma formalidade essencial e, que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efetuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito.


20. Em face disso e, uma vez que a omissão de tal formalidade influi no exame ou na decisão da causa, tal decisão é nula, atenta a violação do art.º 3º n.º 3 do CPC.


21. Assim sendo e, sempre com o devido respeito, a verdade é que, muito mal andou o STJ de que se recorre.


22. Ora, é nessa sede que se define a essência do recurso, porque é este o único meio que assegura as garantias de defesa do arguido, já que permite a análise de todos os meios de prova produzidos, sindicando o processo de formação da convicção do tribunal julgador.


23. Ademais, em sede de inconstitucionalidade, aduziu a recorrente que o Tribunal recorrido, ao não conhecer do recurso da recorrente em concreto quanto às várias questões que suscitou, violou dessa forma o segundo grau de jurisdição contemplado pela Constituição da República Portuguesa no seu segundo grau de jurisdição contemplado pela Constituição da República Portuguesa no seu artigo 32 n.º 1.


24. Com efeito, perante as questões concretas (nulidades) suscitadas pela recorrente, expurgado o copy paste de elementos já conhecidos da recorrente, o que o Acórdão do STJ escreve em meia dúzia de parágrafos é que todos os argumentos, ou todos os pontos foram exemplarmente analisados e fundamentados.


25. Assim, o presente recurso visa o conhecimento por este Tribunal Constitucional das nulidades avocadas e, bem assim, da inconstitucionalidade.


26. A falta de fundamentação que aqui nos ocupa prende-se com a ausência, no nosso modesto entendimento, da exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão na medida em que, no que concerne a diversos pontos recursivos, este Tribunal não respondeu de forma bastante às questões cuja sindicância se requereu.


27. Uma vez que estas questões apenas se constituem, de forma definitiva, com o Acórdão ora recorrido, submete-se à apreciação deste Tribunal Constitucional, os ditos vícios de que enferma.


28. Tais questões mantêm-se absolutamente inalteradas com a análise que o Tribunal da Relação do Porto se propôs fazer, uma vez que, salvo o devido respeito, não cuidou o Tribunal de rebater qualquer uma, antes remetendo para a sua anterior decisão, a qual era já sobejamente conhecida pelo recorrente, mais afirmando que todos os pontos se acham devidamente fundamentos.


29. Subsistem assim os vícios avocados, nos termos acima referenciados, razão pela qual se requer a V.ex.as se dignem conhecer das nulidades suscitadas, tendo já alegado no processo dois acórdãos cuja a decisão sobre a mesma questão de direito foi em sentido divergente.


30. Finalmente, a acrescer à potencial inconstitucionalidade já invocada supra, cuja fundamentação aqui se repristina para os devidos efeitos legais, ainda assim subsiste uma outra referente ao próprio vício cometido pelo Tribunal da Relação do Porto e, aqui se suscita, nos termos infra melhor escalpelizados.


31. Em suma, não se conforma, de modo algum, a ora recorrente com o douto Acórdão em crise, por entender que a decisão judicial proferida é nula, atenta a violação de formalidades legais, conforme supra melhor se explanou, com todas as consequências legais daí decorrentes.


32. Diremos apenas que a oposição à insolvência contém, de forma perfeitamente inteligível, os factos que consubstanciam a causa de pedir, o direito aos mesmos aplicável e em que se funda o pedido, que também é absolutamente claro e consonante com a causa de pedir.


33. A requerente não está insolvente.


34. Bem pelo contrário, tem cumprido com o pagamento das suas dívidas com os credores, não podia o tribunal julgar os créditos vencidos sem qualquer prova documental ou testemunhal, teriam que ter sido ouvidos todos os credores.


35. SEM PRESCINDIR, o Tribunal “a quo” tinha ainda ao seu dispor a hipótese de proferir um despacho convidando ao aperfeiçoamento e dando prazo para tal, em respeito do princípio da cooperação prevista no art.º 7.º do CPC e, bem assim, cumprindo o disposto no n.º 2 do art.º 6.º do CPC, “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.


36. Sendo este um autêntico dever do juiz e não um simples princípio orientador ou programático – conforme ensina o Dr. Abílio Neto.


37. Pois, está previsto que o juiz convide as partes a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes, o que não foi feito.


Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se que seja declarada a nulidade do Acórdão datado de 20 de Março de 2024, depositado eletronicamente em 20 de Março de 2024, sob a referência 12269662, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, bem como por forma da inconstitucionalidade supra suscitada, determinando-se a sua substituição por um outro que venha a conhecer das questões suscitadas pela recorrente.


Pede deferimento.»


Cabe apreciar.


*


2. A reclamante parece ignorar completamente que estão em causa apenas autos de Reclamação baseada no artigo 643.º do CPC.


Embora afirme requerer que seja declarada a nulidade do acórdão de 19.03.2024, a reclamante nenhum fundamento de nulidade apresenta, antes parecendo que pretende a revogação do acórdão do tribunal da Relação.


Nos termos do artigo 613.º do CPC, uma vez proferida a decisão fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, só sendo possível, a partir daí, retificar erros materiais ou suprir as nulidades previstas no artigo 615.º do CPC.


Estabelece o artigo 615.º (Causas de nulidade da sentença) o seguinte:


«1- É nula a sentença quando:


a) Não contenha a assinatura do juiz;


b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;


c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;


e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.


2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.


4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades


No requerimento apresentado não existe qualquer referência às causas de nulidade previstas no artigo 615.º do CPC, limitando-se a reclamante a formular afirmações vagas sobre nulidades, entre múltiplas afirmações sobre inconstitucionalidades e outras incompreensíveis pretensões, dirigindo-se umas vezes ao STJ e outras ao Tribunal Constitucional.


3. Aliás, a reclamante chega a fazer afirmações incorretas sobre o conteúdo do acórdão reclamado, quando no ponto n.º 9 das conclusões afirma:


«9. Sucede que, nesta nova decisão, limita-se o Supremo Tribunal de Justiça a referir que “Quanto à valoração do alegado pelo requerente, não obstante a recorrente não concordar com a posição adotada por este tribunal tomou posição, considerando-as válidas e assertivas e respeitando o núcleo essencial do contraditório. A recorrente tem outra opinião, mas não foi a que a que logrou vencimento.»


É manifesto que tal afirmação não é feita no acórdão recorrido.


4. O requerimento da reclamante mais não é do que um expediente meramente dilatório, absolutamente desrespeitador da função e da dignidade dos tribunais, pois nenhuma pretensão elaborada de forma tecnicamente séria apresenta para conhecimento do tribunal.


Em resumo, dada a total falta de fundamento do requerido pela reclamante e sendo inequívoca a ausência de qualquer nulidade do acórdão reclamado, é de indeferir a pretensão apresentada.


*


DECISÃO: Pelo exposto, indefere-se a reclamação.


Custas pela reclamante, que se fixam em 3 UCs, sem prejuízo do apoio judiciário (art.º 7º, n.º 4 e Tabela II, penúltima linha, do Regulamento das Custas Processuais).


Lisboa, 25.06.2024


Maria Olinda Garcia (Relatora)


Ricardo Costa


Amélia Alves Ribeiro