Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NULIDADE DE ACÓRDÃO ARGUIÇÃO DE NULIDADE ARGUIÇÃO DE NULIDADES EXCESSO DE PRONÚNCIA RECLAMAÇÃO INDEFERIMENTO | ||
Data do Acordão: | 03/13/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | ACLARAÇÃO INDEFERIDA | ||
Sumário : | I. Vem a assistente arguir a nulidade, por excesso de pronúncia, do acórdão de 19.12.2023, que declarou nulo o acórdão do Tribunal da Relação de 12.10.2022, mantendo o decidido no acórdão da 1.ª instância de 1 de julho de 2020, o qual julgou a acusação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolveu o arguido de dez crimes de abuso sexual de criança, alegando que o acórdão se fundou num erro de apreciação determinante da decisão ao considerar que não houve recurso para a Relação da decisão em matéria de facto do acórdão da 1.ª instância, e que, por esse motivo, a Relação não podia modificar a matéria de facto com base nas declarações gravadas, por a isso se opor o artigo 431.º do CPP, o que, diz, não ocorreu. II. Embora se admita que a reclamante pretendia ver alterada a matéria de facto, não foi isso que pediu ao tribunal da Relação; o que pediu, em cumprimento do n.º 1 do artigo 412.º do CPP, foi que o acórdão da 1.ª instância que absolveu o arguido fosse «considerado nulo» nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), e do artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por remissão para o artigo 374.º do CPP. III. Pelo que, como se concluiu no acórdão objeto de reclamação, não tendo havido recurso da decisão em matéria de facto, com impugnação da matéria de facto nos termos impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, não podia a Relação modificar a decisão em matéria de facto dada como provada e como não provada na 1.ª instância, com base na prova por declarações objeto de gravação, face ao disposto no artigo 431.º, al. b), do CPP; e mesmo que se pudesse admitir que o identificado “erro na apreciação da prova” poderia significar um vício de “erro notório na apreciação da prova” [artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP], também não seria aceitável a alteração da decisão com base na prova gravada por esta não se poder incluir na previsão da al. a) do mesmo preceito. IV. O acórdão de 13.12.2023, objeto de reclamação, tendo-se pronunciado sobre questão relativamente à qual se lhe impunha o dever de pronúncia, não enferma de qualquer nulidade, nomeadamente da nulidade arguida pela assistente, da previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1066/16.7T9CLD.C3.S1 3.ª Secção ACÓRDÃO Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, assistente nos autos, vem arguir a nulidade do acórdão de 19 de dezembro de 2023, que declarou nulo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de outubro de 2022 e, consequentemente, o acórdão da 1.ª instância de 18 de março de 2022, mantendo o decidido no acórdão da 1.ª instância de 1 de julho de 2020, o qual, na sequência do reenvio do processo pelo acórdão da Relação de Coimbra de 06.02.2019, julgou a acusação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolveu o arguido BB dos dez crimes de abuso sexual de criança que lhe eram imputados pelo Ministério Público e pela assistente. Alega que (transcrição): «O douto Acórdão proferido pelo STJ decretou a nulidade do Acórdão da Relação de Coimbra, de 07/04/2021, que modificou a matéria de facto que havia sido decidida pelo Acórdão da primeira Instância, proferido em 1/07/2020, determinando, em consequência, a manutenção do decidido naquele Acórdão da 1ª Instância. Acontece que, com o devido respeito, que é muito, tal Acórdão labora num manifesto equívoco, na medida em que o aresto do STJ refere que o recurso interposto da decisão da primeira instância não recai sobre a matéria de facto, quando, afinal, o mesmo incide, efectivamente, sobre a matéria de facto, como resulta à saciedade da leitura e interpretação integral do recurso interposto, e bem assim como das conclusões apresentadas pela Assistente no âmbito desse recurso. Dito de outra forma, o Acórdão do STJ labora numa falsidade, decorrente de uma errada ou, pelo menos, precipitada interpretação do sentido do Recurso que foi interposto pela Assistente e que deu origem ao Acórdão da Relação de Coimbra, de 07/07/2021. A manter-se o Acórdão proferido, nos exactos termos em que o mesmo se encontra redigido, verifica-se, manifestamente, que a decisão nele ínsita assenta numa mentira. Palavra que usamos, sempre salvaguardando o devido respeito, por não encontrarmos sinónimo mais adequado para transmitir aquela que é a realidade processual dos presentes autos. Pois, a decisão cuja nulidade ora se requer assume como verdadeira uma circunstância que não existe e funda a sua decisão nesse equívoco. Pelo exposto, não se pode deixar de invocar a nulidade do Acórdão proferido, com base no disposto no art.º 379.º n.º 1 do CPP, porquanto o STJ conheceu sobre questões que não podia tomar conhecimento, na medida em que proferiu a decisão com base na conclusão que o recurso interposto para o Tribunal da Relação não refere o que, de facto, menciona de forma clara e expressa. Analisando por partes, O douto aresto do STJ determinou a nulidade do Acórdão da Relação de Coimbra, de 07/04/2021, que alterou radicalmente a matéria de facto provada, julgando provados factos que o Acórdão da primeira Instância havia considerado como não provados e determinando a condenação do Arguido, quando o mesmo havia sido absolvido em sede de primeira Instância. A principal fundamentação desta decisão encontramo-la no ponto 34 do Douto Aresto, quando o STJ conclui que: “Não tendo havido recurso da matéria de facto da 1ª Instância – como se viu apenas foram arguidos vícios e nulidades da decisão – nos termos do disposto no artigo 412.º n.º 3 do CPP, nem renovação da prova – que depende sempre do recurso em matéria de facto e de pedido… o Tribunal da Relação apenas pode modificar a matéria de facto, para remover um vício que for identificado e que impeça a decisão de direito.” Mais adiante, reforçando a mesma ideia e fundamento da conclusão da nulidade do Acórdão da Relação, no ponto 37, o Acórdão do STJ refere: “O Acórdão recorrido, que se limita a concluir pela ocorrência de «erro na apreciação da prova» não concretiza se se verifica um «erro notório na apreciação da prova» ou um erro de julgamento, sendo que, atendendo ao discurso argumentativo que fundamenta a decisão, é seguro concluir que o erro indicado corresponde, na avaliação da Relação, e um erro de julgamento … Ora, não tendo havido recurso da decisão em matéria de facto, com impugnação da matéria de facto nos termos impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, não podia o Tribunal da Relação modificar a decisão em matéria de facto dada como provada e como não provada na 1ª Instância, face ao disposto no artigo 431.º al. b) do CPP:” No fundo, em termos práticos, o STJ decidiu pela NULIDADE do Acórdão da Relação, de 07/04/021, com base no seguinte entendimento: Como o recurso da decisão da primeira instância apenas foi interposto invocando nulidades do Acórdão dessa instância e não sobre a matéria de facto, ou seja, não foi interposto recurso da matéria de facto e não se requereu a alteração dos factos dados como provados e não provados e nem se requereu a reapreciação da prova, o Tribunal da Relação estava impedido de analisar e reapreciar a prova e, por conseguinte, de modificar o sentido dos factos dados como provados e não provados. Decidindo assim, o STJ incorre num manifesto lapso. Certamente que o engano decorre do facto de não ter havido oportunidade de ler, na íntegra, o Recurso interposto pela Assistente em relação à decisão da primeira Instância de 01/07/2020 e que originou o Acórdão da Relação de Coimbra ora anulado pelo Acórdão do STJ. O que pode ser devido à extensão e dimensão do processo, que não tenha conferido a possibilidade de os Excelsos Juízes Conselheiros lerem, na íntegra, todas as peças processuais que compõem os autos, ou de apenas se terem centrado nas alegações de recurso interpostas pelo Ministério Público, ou mesmo de terem sido induzidos em erro pelo Relatório do próprio Acórdão da Relação que ora foi anulado, o qual apresenta em resumo aqueles que foram os termos do recurso apresentado pela Assistente, sem se reportar ao recurso da matéria de facto. Seja por alguma das razões supra mencionadas ou por qualquer outra, a verdade é que, com toda a certeza algum facto dos presentes autos (extensos, diga-se em abono da verdade) terá escapado ao douto olhar crítico e criterioso dos Senhores Conselheiros. A verdade inequívoca é que a decisão de determinar a nulidade do Acórdão da Relação de Coimbra assenta numa realidade putativa, proveniente de um erro de análise, que não pode deixar de ser reanalisado e reapreciado, sob pena de termos uma decisão final assente numa falsidade, o que, certamente, jamais merecerá a anuência do Supremo. Considerando a actual estrutura do sistema jurídico processual no direito português, em sede de processo penal, o STJ configura a última instância na hierarquia do sistema judiciário, na certeza que todas as pessoas, principalmente os sujeitos processuais intervenientes no processo, depositam, de forma legítima, diga-se em abono da verdade, uma elevada expectativa de ser feita, nesta instância, a mais elevada e insindicável justiça. Seja pela excelência dos excelsos magistrados que a integram, seja pelo facto de ser a mais alta instância judiciária do sistema português. Os sujeitos processuais e todos os intervenientes, em cada processo, mantêm a firme convicção de as decisões provenientes do STJ configurarem uma decisão de elevado nível e sem mácula. Na verdade, tal expectativa ficará defraudada se a decisão proferida no Acórdão de 20 de Dezembro de 2023 se mantiver inalterada, porquanto, ninguém pode aceitar e conformar-se que a decisão assente num pressuposto falso e que decida com base numa realidade ficcionada, porque, afinal, os factos não se processaram e o processo não decorreu como o Acórdão refere terem ocorrido. Tudo isto é afirmado nos termos supra mencionados pelo facto de o Acórdão ter partido de um pressuposto que não tem conformidade com a realidade processual dos autos. Na verdade, e sempre importará, pelo menos, a expectativa da Assistente é essa, que deverá prevalecer a realidade efectiva e não a proveniente de um erro de análise. Não podendo ser tida como justiça adequada ao caso concreto aquela que assente num pressuposto errado e que refere que não ocorreu nos autos o que, afinal, se verifica. O que pretendemos com isto dizer é que, se a decisão ora colocada em crise assentou em qualquer lapso, cuja origem não importará descortinar, como refere o velho vocábulo do latim errare humanum est, mas o que já não se pode conceder é que, quem tenha errado, alertado para o erro e verificando que, de verdade incorreu nesse engano, o mantenha, não alterando o sentido da decisão e procurando buscar a verdade! Mais concretamente não se pode aceitar que o Tribunal da Relação não pudesse ter decidido o recurso, alterando os factos definidos na decisão da primeira instância, pelo facto de não ter havido recurso da matéria de facto, quando, de facto e na verdade, houve esse recurso. Apelamos, por conseguinte, a um olhar atento e meticuloso do recurso que a Assistente interpôs para o Tribunal da Relação, do Acórdão proferido em 1 de Julho de 2020, pela primeira Instância, por nele residir o ponto essencial que faz inquinar o sentido do douto Acórdão proferido. Dessa análise detalhada e cuidada é possível aferir que, a partir da pág. 24 (numeração que o próprio subscritor do documento fez constar do mesmo) das alegações de recurso e até à página 51, a Assistente reporta-se para o depoimento de 5 testemunhas, com indicação concreta dos minutos de gravação de cada parte dos referidos depoimentos e respectiva transcrição. Reporta-se, ainda, às declarações da Assistente. E conjuga todos estes depoimentos com o relatório pericial do INML, as explicações da própria médica forense, o relatório social das técnicas da ... social e, principalmente, o depoimento para memória futura da criança vítima. Para, mais adiante, no parágrafo V, pag. 66 e ss. concluir pela afirmação de terem havido factos que foram indevidamente considerados como não provados, o que é mencionado da seguinte forma: “V – Dos factos indevidamente considerados não provados: O Tribunal a quo considerou, entre outros, como não provados os seguintes factos: a. alguma vez, o arguido BB, colocou a sua mão por baixo da roupa da filha CC, e lhe tocou nas nádegas, e em frente da mãe DD; b- o arguido praticou "actos de cariz sexual" no interior da sua residência em ..., quando a filha CC se encontrava sozinha consigo; c. alguma vez, o arguido BB acariciou a filha CC manualmente nas nádegas, nem que friccionou, com os dedos, a sua zona vulvar, com movimentos para a frente para trás, causando-lhe dores nessa região; d- alguma vez, quando a filha CC se encontrava a dormir na cama, o arguido BB retirou-lhe o pijama, até a mesma ficar nua, nem que após, friccionou a sua língua na boca, nos seios e na vagina da menor, nem que tenha colocado o seu corpo em cima da mesma, ou sequer tenha friccionado o seu pénis na zona vulvar da menor, com movimentos pélvicos para a frente e para trás; e- alguma vez, o arguido BB, após despir-se, solicitou à filha CC que lhe acariciasse o pénis nem que esta o tenha feito; f- alguma vez, o arguido BB, encontrando-se despido, colocou o seu pénis nos lábios da filha CC nem que lhe tenha solicitado que a mesma beijasse o seu pénis nem que esta o tenha feito; g- alguma vez, o arguido BB, introduziu os seus dedos e objetos (pinos de uma luz de presença e uma agulha grande) no interior da vagina da filha CC nem que tenha colocado bolachas na vagina da CC nem que tenha comido qualquer bolacha colocada na vagina da filha; h- alguma vez, quando se encontrava sozinho com a filha CC, na ..., o arguido BB tirou a roupa a esta, aproximou a sua boca junto da sua vagina, e trincou-lhe a zona vulvar; j - CC tenha pedido ao arguido BB para parar (com actos que se não provaram) nem que este se tenha recusado a parar de praticar actos (que não se demonstraram); … n - o arguido, alguma vez, agiu sobre a filha CC para satisfação dos seus desejos sexuais nem que tenha praticado "actos de cariz sexual", tendo perfeita consciência da sua idade e de que era sua filha, bem sabendo que o fazia contra a sua vontade; o - o arguido, alguma vez, tenha actuado sobre a filha CC com qualquer conduta proibida e punida por lei; p - a menor CC passou a dormir mal devido a qualquer comportamento do arguido; r - a menor CC temia a chegada do pai a casa da mãe; s - a menor CC pedia que fechassem portas e janelas; t - voluntariamente e de forma espontânea, a menor CC descreveu à mãe e aos avós maternos "as práticas que o pai lhe infligiu"; u - a menor CC alguma vez relatou qualquer situação passada com o pai num pinhal próximo da casa dos avós maternos; v - a menor CC deixou de se referir ao arguido como "pai" nem que, por sua iniciativa, o chamava de "maluco", "palerma" e "tarado"; Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, mas não se pode acreditar que se tenha de inutilizar nem o depoimento para memória futura, nem o relatório do INML e nem o depoimento das técnicas da CPCJ e respectivo registo de atendimento. Bem pelo contrário, tudo revela que se tratam de provas credíveis, das quais, devidamente concatenadas entre si se afere que, contrariamente ao que consta da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo se deve concluir que se considera provado que: 1. O arguido praticou actos de cariz sexual no interior da sua residência em ..., quando a filha CC se encontrava sozinha consigo; 2. O arguido BB, pelo menos uma vez, acariciou a filha CC manualmente nas nádegas, friccionou, com os dedos a sua zona vulvar, com movimentos para a frente e para trás, causando-lhe dor nessa região; 3. Quando a filha, CC, se encontrava a dormir na cama, o arguido BB, pelo menos por duas vezes, retirou-lhe o pijama, até a mesma ficar nuca, e friccionou a sua língua na boca dela, nos seis e na vagina da criança, tendo colocado o seu corpo em cima da criança, friccionando o seu pénis na zona vulvar da criança, com movimentos pélvicos para afrente e para trás; 4. O arguido, pelo menos por uma vez, após despir-se, solicitou à filha, CC, que lhe acariciasse o pénis tendo esta feito; 5. O BB, pelo menos por uma vez, estando nu, colocou o seu pénis sobre os lábios da filha e disse para ela o beijar nessa zona, o que a criança acabou por fazer; 6. O arguido, pelo menos por três vezes introduziu os dedos e um objecto com luz e outro idêntico a uma agulha na vagina da criança, causando-lhe dor; 7. O arguido pelo menos por uma vez, colocou bolachas na vagina da criança, sua filha, comendo a as mesmas; 8. O arguido BB, pelo menos por uma vez, encontrando-se na zona da ..., trincou a zona vulvar da sua filha, CC, que se encontrava nua; 9. A CC reagiu aos actos do pai dando-lhe pontapés; 10. O arguido praticou sobre a filha actos de cariz sexual para satisfazer os seus instintos sexuais, tendo perfeita consciência da sua idade e de que era sua filha. O que significa que os factos considerados não provados em a), b), c), d), e), f), g), h), n) e o) do douto acórdão, pela conclusão apresentada resultante das provas: . Relatório do INML . Registo de atendimento da CPCJ . Depoimento de EE e FF . Depoimento para memória futura. Devem ser considerados provados.” Ou seja, nesta parte das alegações de Recurso, a Assistente refere quais as provas que foram indevidamente analisadas, ou, pura e simplesmente, ignoradas, mencionando o que foi considerado como não provado e que resulta negado pelas referidas provas e acaba concluindo pelo sentido dos factos que devem ser considerados provados. Dito de outra forma, nesta parte, o Recurso interposto pela Assistente, daquela decisão da primeira instância, reporta-se, inequivocamente, a um recurso sobre a matéria de facto decidida, cumprindo, integralmente, e de forma inequívoca, aos requisitos previstos no art.º 430.º do CPP. Mas as alegações de recurso prosseguem e mais adiante, no que se denominou “Correcta apreciação da Prova”, a pags 77 das alegações, a Assistente menciona: “VII – Da correcta apreciação da prova A prova deve ser apreciada correctamente, devendo ser corrigido este erro no qual o tribunal a quo insiste em incorrer e que já revelou à saciedade, que, por mais determinações que resultem do Tribunal Superior, se manterá sempre fiel ao seu entendimento inicial. O que significa que a reapreciação da prova deve conduzir o Tribunal a entendimento diferente acerca dos factos considerados provados e não provados. Os factos evidenciados pelas provas produzidas pressupõem que se considere provado que: O arguido praticou actos de cariz sexual no interior da sua residência em ..., quando a filha CC se encontrava sozinha consigo, nomeadamente, a) O arguido BB, pelo menos uma vez, acariciou a filha CC manualmente nas nádegas, friccionou, com os dedos a sua zona vulvar, com movimentos para a frente e para trás, causando-lhe dor nessa região; b) Quando a filha, CC, se encontrava a dormir na cama, o arguido BB, pelo menos por duas vezes, retirou-lhe o pijama, até a mesma ficar nua, e friccionou a sua língua na boca dela, nos seios e na vagina da criança, tendo colocado o seu corpo em cima da criança, friccionando o seu pénis na zona vulvar da criança, com movimentos pélvicos para afrente e para trás; c) O arguido, pelo menos por duas vezes, após despir-se, solicitou á filha, CC, que lhe acariciasse o pénis tendo esta feito; d) O Arguido BB, pelo menos por uma vez, estando nu, colocou o seu pénis sobre os lábios da filha e disse para ela o beijar nessa zona, o que a criança acabou por fazer; e) O arguido, pelo menos por três ocasiões introduziu os dedos e um objecto com luz e outro idêntico a uma agulha na vagina da criança, causando-lhe dor; f) O arguido pelo menos por uma vez, colocou bolachas na vagina da criança, sua filha, comendo as mesmas; g) O arguido BB, pelo menos por uma vez, encontrando-se na zona da ..., trincou a zona vulvar da sua filha, CC, que se encontrava nua; A conclusão terá de ser que o arguido praticou sobre a filha actos de cariz sexual para satisfazer os seus instintos sexuais, tendo perfeita consciência da sua idade e de que era sua filha.” Mas tal questão (RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO) não foi olvidada em sede de conclusões de recurso, nem no pedido formulado no âmbito do mesmo. Nomeadamente, vejamos o que a Assistente refere em sede das conclusões de recurso, ponto 48: “48. Pois, da prova produzida, se deve concluir, contrariamente ao que concluiu o Tribunal a quo, que se encontram provados os seguintes factos: a. O arguido praticou actos de cariz sexual no interior da sua residência em ..., quando a filha CC se encontrava sozinha consigo; b. O arguido BB, pelo menos uma vez, acariciou a filha CC manualmente nas nádegas, friccionou, com os dedos a sua zona vulvar, com movimentos para a frente e para trás, causando-lhe dor nessa região; c. Quando a filha, CC, se encontrava a dormir na cama, o arguido BB, pelo menos por duas vezes, retirou-lhe o pijama, até a mesma ficar nuca, e friccionou a sua língua na boca dela, nos seios e na vagina da criança, tendo colocado o seu corpo em cima da criança, friccionando o seu pénis na zona vulvar da criança, com movimentos pélvicos para afrente e para trás; d. O arguido, pelo menos por uma vez, após despir-se, solicitou À filha, CC, que lhe acariciasse o pénis tendo esta feito; e. O ArguidoBB, pelo menos por uma vez, estando nu, colocou o seu pénis sobre os lábios da filha e disse para ela o beijar nessa zona, o que a criança acabou por fazer; f. O arguido, pelo menos por três vezes introduziu os dedos e um objecto com luz e outro idêntico a uma agulha na vagina da criança, causando-lhe dor; g. O arguido pelo menos por uma vez, colocou bolachas na vagina da criança, sua filha, comendo a as mesmas; h. O arguido BB, pelo menos por uma vez, encontrando-se na zona da ..., trincou a zona vulvar da sua filha, CC, que se encontrava nua; i. A CC reagiu aos actos do pai dando-lhe pontapés; j. O arguido praticou sobre a filha actos de cariz sexual para satisfazer os seus instintos sexuais, tendo perfeita consciência da sua idade e de que era sua filha.” Enquanto que no pedido final, entre outros é formulado, o pedido que a decisão a proferir: “Devendo, por conseguinte e em sequência, ser a matéria de facto alterada e a decisão final modificada com a consequente A) Condenação do arguido na prática de 4 crimes de Abuso Sexual de criança, p. e p. no art.º 171.º n.º 2 do Código Penal; e 6 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171.º n.º 1 do Código Penal, todos praticados sob a forma de autoria material, com dolo directo e plena consciência da ilicitude do facto, considerando a agravação prevista no art.º 177.º, n.º 1 al a) do Código Penal e as consequências do art.º 69.º C do Código Penal Desta Forma Vossas excelências farão a Almejada JUSTIÇA!!!!!” Dúvidas não subsistem que, quer em sede de fundamentação do recurso, quer no âmbito das conclusões apresentadas no mesmo e no pedido final formulado, a Assistente requereu que o Tribunal da Relação reapreciasse a prova e procedesse à alteração dos factos provado e dos tidos como não provados. A interpretação do conteúdo das alegações de recurso apresentadas pela Assistente e que supra se referem, com o devido respeito, é apenas uma: a de a Assistente ter recorrido da decisão em matéria de facto, o que fez invocando as provas que, no seu entendimento terão sido interpretadas de forma incorrecta pela primeira instância, ou, pelo menos, indicando o sentido que, no seu entender, tais provas deveriam ter sido interpretadas, requerendo que os depoimentos das testemunhas fossem novamente ouvidos tidos em conta, mencionando, em concreto, os pontos dos mesmos que deveriam ser ouvidos e objecto de reapreciação, invocando todas as demais provas que deveriam ser objecto de reapreciação e mencionando o sentido que a decisão deveria seguir, com indicação dos factos que, afinal, deveriam ser julgado como provados e que haviam sido julgados como não provados. Ora, se esta realidade não configura um recurso da matéria de facto, mais nenhuma poderá ter esse valor e significado. Por isso mesmo, como lhe competia e se impunha, o Tribunal da Relação procedeu à reapreciação e decisão acerca da matéria de facto e do elenco dos factos tidos como provados e não provados. Assim, forçoso será de concluir que, ao contrário do que decidiu o STJ, no Acórdão em crise, o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 7 de Abril de 2021, alterou a matéria de facto dada como provada e não provada, pelo Acórdão da primeira Instância de 1 de Julho de 2020, porque, pelo menos, a Assistente recorreu da matéria de facto, num recurso que cumpriu todos os requisitos substantivos e formais para o efeito, pelo que, o Tribunal da Relação podia e devia (era sua obrigação por ser esse um dos objectos do recurso) reapreciar a matéria de facto, como, de resto, o fez. Face ao exposto, a decisão ínsita no Aresto do STJ não pode permanecer nos termos em que foi proferida. A questão que ora se levanta não tem como fundamento o mero descontentamento do sentido da decisão, mas outrossim o facto de a Assistente não se poder conformar que a decisão final, proferida nos presentes autos e assente num pressuposto falso, permaneça sem alteração. Porque, a manter-se, a decisão, nos termos e com os fundamentos que a compõem, manchar-se-á, de forma indelével, a magistratura judiciária e a sua credibilidade, porquanto deparada com esta realidade inequívoca, e perante a evidência do equívoco no qual incorreu, insistirá em manter uma decisão que labora num verdadeiro logro. O Acórdão proferido não pode deixar de ser considerado nulo, com base no art.º 379.º n.º 1 al. c) do CPP. Porquanto, ao concluir por uma realidade que é manifestamente negada pelos elementos constantes dos autos, ao afirmar que não foi interposto recurso da matéria de facto do Acórdão da primeira Instância – datado de 1 de Julho de 2020 – quando afinal esse recurso foi interposto e com esse objecto e finalidade, o Tribunal está a conhecer de questões que não podia tomar conhecimento, porque elas não existem, ou melhor, porque a realidade demonstra que se passou exactamente o contrário. O Supremo Tribunal de Justiça não podia conhecer de um recurso interposto que não existe nos termos que afirma ter existido. A decisão não pode ser mantida nos termos proferidos. O STJ terá de considerar que, afinal, ponderados, devidamente, os elementos reais constantes dos autos, o Tribunal da Relação de Coimbra podia e devia ter decidido do recurso da matéria de facto, inexistindo qualquer nulidade que afecte tal decisão, permanecendo válido todo o processado posterior. Um Acórdão que labora num equívoco que o leve a afirmar que não consta do processo o que è evidência lá está plasmado não pode deixar de ser inválido, pois, tudo o que assente num pressuposto falso encontra-se ferido de invalidade. Caso assim não se entenda, o que, com o devido respeito, que é muito, apenas equacionamos como hipótese mas sem conceder, pelo menos, o Acórdão deverá ser corrigido, nos termos do art.º 380.º n.º 1 al. b) do CPP, porquanto o mesmo contém, manifestamente, um erro, o qual deve ser sanado. Porque a função dos Tribunais é, essencialmente, fazer justiça. Ora, a justiça não pode ser feita se a decisão proferida disser que não consta dos Autos o que, afinal, consta. A correcção desse lapso implicará, inevitavelmente a emenda de todo o sentido decisório, mormente, fazendo cessar a causa de nulidade invocada e decidida, considerando que, na verdade, o Tribunal da Relação decidiu e bem reapreciar a matéria de facto, por ter sido interposto recurso nesse sentido. Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências (…), deve o Acórdão proferido ser declarado nulo e revogado e substituído por outro que admita a validade do Acórdão da relação de Coimbra, datada de 7 de Abril de 2021 e bem assim como todo o processo subsequente, mantendo o sentido da condenação do arguido pelos crimes pelos quais foi condenado.» 2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronuncia-se pelo indeferimento do requerimento agora apresentado, dizendo (transcrição): «(…) parece-nos evidente que a Recorrente parte de um equívoco e, salvo o devido respeito, assenta toda a sua pretensão numa deficiente compreensão do douto acórdão que pretende impugnar. E, também salvo o devido respeito, essa deficiente compreensão decorre num também deficiente conhecimento da diferença entre os vícios a que alude o disposto no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal e o recurso sobre a matéria de facto a que alude o disposto no artigo 412º, nº 2 do mesmo diploma legal. Com efeito, os recursos interpostos do acórdão proferido a 1 de julho de 2020 pelo Juízo Central Criminal de Leiria apenas se reportaram aos acima aludidos vícios, não tendo sido impugnada a matéria de facto, nos termos e com observância do disposto no artigo 212º, nº 2 do Código do Processo Penal. Por isso, ao conhecer de matéria que não podia apreciar, o acórdão do Tribunal da Relação de 12 de outubro de 2022 é nulo, o que determina a invalidade do acórdão da 1.ª instância de 18 de março de 2022, e conduz a que se mantenha o decidido no acórdão da 1.ª instância de 1 de julho de 2020. Ou seja, e concluindo, o requerimento deve ser indeferido.» 3. No mesmo sentido se pronuncia o arguido, dizendo (partes essenciais da resposta): «(…) 7.º Ora, a assistente, no seu requerimento de 31/12/2023, invoca a nulidade do Acórdão do STJ, com base no art. 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), porém, nem sequer especifica qual a alínea em que se fundamenta. 8.º Também refere, no final do 3.º parágrafo da segunda página, que invoca a nulidade com base no artigo referido “porquanto o STJ conheceu sobre questões que não podia tomar conhecimento, na medida em que proferiu decisão com base na conclusão que o recurso interposto para o Tribunal da Relação não refere o que, de facto, menciona de forma clara.”. 9.º Porém, não faz sentido, com todo o respeito, esta alegação por parte da assistente: o facto de a mesma considerar que o recurso por si apresentado para o Tribunal da Relação menciona determinada matéria, não implica que o STJ “conheceu sobre questões que não podia tomar conhecimento”. 10.º Mas entende o arguido que não lhe assiste razão – não tendo qualquer cabimento invocar a nulidade do Acórdão do STJ com o fundamento referido supra. 11.º Até porque a discordância quanto ao decidido não constitui fundamento de nulidade. (…) 13.º Não podia o Tribunal da Relação, no seu acórdão de 7/4/2021, alterar a matéria de facto considerada provada. 14.º Contudo, não se pode olvidar que o STJ refere que para que fosse impugnada a matéria de facto, a recorrente teria de interpor recurso em harmonia com o disposto dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP (..) 15.º Não tendo a assistente impugnado a matéria de facto nos termos consagrados e exigidos na lei, o Tribunal da Relação poderia proceder à alteração da matéria, tal como refere o Acórdão do STJ, na página 125: [transcrição] 16.º Resulta claramente da leitura do requerimento da assistente, que esta se encontra inconformada e que entende que o STJ agiu mal ao considerar que a mesma não apresentou recurso da matéria de facto. 17.º Porém, no seu extenso requerimento e, bem assim, no seu recurso de 19/7/2020, a assistente, efetivamente, não recorre da matéria de facto, não requer a reapreciação da prova, não demonstra os motivos pelos quais entende que determinados factos deveriam considerar-se provados, sustentando esse entendimento. SENÃO VEJAMOS, 18.º No Recurso da assistente, interposto na data de 19/7/2020 e que veio a dar origem ao Ac. do Tribunal da Relação de 7/4/2021, ora considerado nulo pelo STJ, 19.º A assistente não recorre da matéria de facto, muito menos nos termos e com os requisitos consagrados na lei. 20.º Tal como já referido, o n.º 3 do artigo 412.º do CPP determina o modo de impugnação da matéria de facto […] 21.º Ora, não obstante o esforço por parte da assistente em tentar transmitir que recorreu da matéria de facto, a verdade é que não o fez. 22.º No que concerne aos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (al. a), n.º 3), a assistente apenas os elenca, em bloco, no seu todo, não justificando o motivo pelo qual considera cada um dos factos, concretamente, como incorretamente julgados. 23.º Sem nunca sequer mencionar a expressão “incorretamente julgados” ao longo do seu Recurso. 24.º Ora, não se pode impugnar matéria de facto, no seu todo – ou praticamente – impugnando-a em bloco, sem concretizar os pontos concretos. 25.º Se a assistente tinha como intenção impugnar a matéria de facto, além de suscitar vícios e nulidades, deveria tê-lo feito nos termos do artigo 412.º do CPP, resulta lógico. 26.º O que não fez. 27.º No que concerne às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do n.º 3), a assistente não as menciona de forma clara e indubitável – muito menos de modo concreto - limitando-se a colocar umas alegadas transcrições – feitas sem qualquer rigor e pela própria, não sendo merecedoras de credibilidade –, sem identificar o motivo pelo qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida. 28.º Essas transcrições não identificam os minutos em que ocorreram – se iniciaram e se concluíram -, nem sequer concretizam a data em que terão sido prestadas as declarações a que se referem. 29.º Aliás, limita-se a assistente a transcrever os depoimentos das diversas testemunhas sem nunca explicitar, concretamente, as concretas provas que impunham decisão diversa. 30.º De resto, faz variadas considerações de senso comum e coloca diversas questões ao longo do seu Recurso, como se de uma conversa se tratasse. 31.º As questões que a assistente coloca – cerca de 20 –, não correspondem a uma concretização do motivo pelo qual a matéria de direito deveria ser alterada ou reapreciada. 32.º Conclui-se assim que a assistente não chega a apresentar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, ao contrário do que afirma. 33.º Relativamente às provas que devem ser renovadas (al. c) do n.º 3), mais uma vez, a assistente nada concretiza. 34.º De resto, nenhuma vez essa expressão ou sequer a palavra “renovadas” é empregue no Recurso da assistente. 35.º Em nenhum momento a assistente refere que provas deveriam ser renovadas para que houvesse alteração da matéria de facto. 36.º Por último, no que concerne ao n.º 4 do artigo 412.º do CPP, “4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” 37.º Ora, não obstante as inquirições – prova testemunhal – terem sido gravadas, a Assistente opta por incumprir o disposto no n.º 4 do artigo 412.º do CPP, nunca indicando concretamente as passagens em que se fundam as suas impugnações até porque, 38.º A assistente também não concretiza, individualmente, qual a matéria de facto de que recorre, nem os respetivos fundamentos. 39.º De igual modo, também a assistente não utiliza uma transcrição idónea, merecedora de credibilidade, porquanto as suas transcrições, designadamente, não contêm os minutos em que ocorre cada intervenção nem identifica a data e momento do dia em que ocorreu a inquirição, nem sequer o nome do ficheiro áudio que deu origem às referidas transcrições. 40.º A assistente não identifica as transcrições das inquirições a cada facto que considera incorretamente provado, utilizando a totalidade das mesmas para todos os factos que pretende impugnar, genericamente. 41.º Nunca impugnando facto a facto, com a devida fundamentação. 42.º Por tudo quanto exposto se conclui que, de facto, a assistente não recorre da matéria de facto, não indicando os concretos pontos de facto que entende incorretamente julgados, as provas que impõem decisão diversa, as provas que devem ser renovadas, nem sequer indica corretamente as passagens em que se funda a impugnação. 43.º Sendo que, quando a assistente refere no seu requerimento de 31/12/2023: “Ou seja, nesta parte das alegações de Recurso, a Assistente refere quais as provas que foram indevidamente analisadas, ou, pura e simplesmente, ignoradas, mencionando o que foi considerado como não provado e que resulta negado pelas referidas provas e acaba concluindo pelo sentido dos factos que devem ser considerados provados.”, na página 10, 44.º Tal não corresponde à verdade uma vez que, através de um olhar atento e crítico se concluí que a assistente não refere as provas indevidamente analisadas, nem o que “resulta negado pelas referidas provas” não aplicando os requisitos obrigatórios do artigo 412.º do CPP. TAMBÉM, 45.º Na página 11 do requerimento da assistente, esta confirma, integralmente, que não impugnou a matéria de facto à luz dos requisitos imperativos do 412º do CPP, tendo apenas sumária e genericamente referido que “A prova deve ser apreciada corretamente (…)” o que é redundante e nada concretiza, “devendo ser corrigido este erro” que também nada concretiza, e também “O que significa que a reapreciação da prova deve conduzir o Tribunal a entendimento diferente acerca dos factos considerados provados e não provados. Os factos evidenciados pelas provas produzidas pressupõem que se considere provado que (…)”, “A prova deve ser apreciada corretamente (…)” o que é redundante e nada concretiza, “devendo ser corrigido este erro” que também nada concretiza, e também “O que significa que a reapreciação da prova deve conduzir o Tribunal a entendimento diferente acerca dos factos considerados provados e não provados. Os factos evidenciados pelas provas produzidas pressupõem que se considere provado que (…)”, 46.º Elencando em seguida os factos que entende que deveriam considerar-se provados. 47.º Ora, considerando que este excerto pertence ao tema “VII – Da correta apreciação da prova”, tal como refere a assistente no seu requerimento de 31/12/2023, resulta lógico que este seria o momento em que deveria pronunciar-se sobre as suas razões de discordância da matéria de facto, o que não fez! 48.º Resulta claro que a assistente se absteve de concretizar qualquer impugnação de facto, tentando uma impugnação genérica de praticamente toda a factualidade, sustentada também em transcrições genéricas e não identificadas nos factos concretos. 49.º Corresponde à verdade que a assistente, nas suas conclusões de recurso, elencou os factos que considera que devem ser considerados provados porém, em momento algum refere a razão da sua discordância, os fundamentos para a impugnação da matéria de facto nem a prova que deve ser renovada, 50.º Sempre se limitando a transcrever parte de alguns dos depoimentos. 51.º Não concorda o arguido com o exposto no requerimento da assistente, uma vez que não fica de modo algum concretizada qual a extensão e concretização da impugnação da matéria de facto. 52.º Essa impugnação não é clara, nem cumpre os requisitos formais. DE IGUAL MODO, 53.º Muito embora, no 1.º parágrafo da página 15 do requerimento, a assistente entenda que “Dúvidas não subsistem que, quer em sede de fundamentação do recurso, quer no âmbito das conclusões apresentadas no mesmo e no pedido final formulado, a Assistente requereu que o Tribunal da Relação reapreciasse a prova e procedesse à alteração dos factos provado e dos tidos como não provados.”, facto é que não houve pedido concreto para apreciação da prova, muito menos na motivação do recurso. 54.º Também, no que concerne ao 2.º parágrafo da mesma página, não é verdade que a assistente tenha requerido que “os depoimentos das testemunhas fossem novamente ouvidos” uma vez que, em momento algum do recurso, há referência a tal. 55.º Muito menos refere no seu recurso “os pontos dos mesmos que deveriam ser ouvidos e objecto de reapreciação, invocando todas as demais provas que deveriam ser objecto de reapreciação”, como consta do final do 2º parágrafo. 56.º A assistente ora alega que cumpriu os requisitos legalmente impostos, porém, muito embora identifique esses pressupostos gerais no requerimento a que se responde, facto é que nunca os aplicou ao caso concreto, não o fez também no Recurso, não agiu no sentido de cumprir o disposto no artigo 412º do CPP, não obstante o seu entendimento incorreto, com todo o respeito. 57.º Por sua vez se refira que nunca a assistente, no seu Recurso de 19/7/2020, mencionou o artigo 410.º, n.º 3, al c) do CPP “Erro notório na apreciação da prova.” 58.º Existe diversa jurisprudência que concretiza o dever-ser das motivações de Recurso, designadamente no que concerne à impugnação da matéria de facto. (…) 62.º Pelo que, bem andou o STJ na decisão que verte no Acórdão. 63.º Entende o arguido que inexiste qualquer nulidade no Acórdão do STJ, não estando o mesmo ferido de qualquer invalidade contrariamente ao que alega a assistente na página 17 do seu requerimento. 64.º Mais que, não existe qualquer nulidade, uma vez que a assistente efetivamente não impugnou a matéria de facto devidamente. 65.º Que não se olvide que a decisão do STJ não se funda no facto de que o Tribunal da Relação não poderia decidir da matéria de facto – por não ter sido objeto de Recurso – mas, 66.º Pelo facto de que, caso o Tribunal da Relação pretendesse alterar a matéria de facto, poderia fazê-lo, desde que fosse nos termos da Lei, como consta nos pontos 34 e ss do Acórdão do STJ, página 125 e seguintes, como segue […]. 67.º A assistente aparenta ter desconsiderado este fundamento do STJ porém, não pode o mesmo ser afastado da decisão uma vez que coloca a possibilidade de o Tribunal da Relação se pronunciar e decidir sobre matéria de facto – ainda que não suscitado – desde que cumpra o já exposto. 68.º A alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nos moldes supra descritos, não foi o único fundamento apresentado pelo STJ para declarar nula tal decisão, de 12/10/2022. 69.º Acontece que o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/04/2021, não procedeu à determinação da medida da pena, ordenando a descida à 1.ª instância para tal efeito. 70.º A aplicação da sanção por esse tribunal superior, em conformidade com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2016, cuja observância, no entender do STJ, se impunha, teria evitado a referida devolução à 1.ª instância. 71.º Assim, ao não aplicar a sanção, estaria o acórdão de 7/04/2021, e também por este motivo, ferido de nulidade, por não ter conhecido de questão de que deveria ter conhecido – nulidade por omissão de pronúncia. 72.º A omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que se verifica quando o tribunal se não pronuncia sobre questões cujo conhecimento a lei lhe imponha, sejam as mesmas de conhecimento oficioso ou sejam suscitadas pelos sujeitos processuais. 73.º Conforme estabelece o artigo 379.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do n.º 4 do artigo 425.º do mesmo diploma. 74.º Omissão de pronúncia significa ausência de conhecimento ou de decisão do tribunal sobre matérias que a lei impõe que o juiz resolva – o que se verificou no caso concreto. 75.º A nulidade daquele acórdão (mesmo que apenas quanto à questão da culpabilidade), tornaria inválida a devolução à 1.ª instância para determinação da sanção, bem como as decisões subsequentes (acórdão da 1.ª instância de 18/03/2022 e acórdão da Relação de 12/10/2022) na medida em que as nulidades de um ato processual tornam inválido o ato em si e aqueles que “dele dependerem e aquelas puderem afetar”. 76.º O vício de nulidade por omissão de pronúncia (artigo 379.º/1, al. c) do CPP), pode ser sanado pelo tribunal que proferiu a decisão, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, mas não pelo tribunal de recurso. 77.º Ou seja, as duas causas de nulidade do acórdão do TRC de 7/04/2021 estão interligadas quanto à decisão final. 78.º Só sendo nulo o acórdão pelo primeiro motivo (questão da culpabilidade) é que não se coloca a possibilidade de sanar esta nulidade. PARALELAMENTE 79.º Vem ainda a assistente, na página 17 do seu requerimento, afirmar: “Caso assim não se entenda, o que, com o devido respeito, que é muito, apenas equacionamos como hipótese mas sem conceder, pelo menos, o Acórdão deverá ser corrigido, nos termos do art.º 380.º n.º 1 al. b) do CPP, porquanto o mesmo contém, manifestamente, um erro, o qual deve ser sanado.” 80.º Mais afirmando que “A correcção desse lapso implicará, inevitavelmente a emenda de todo o sentido decisório” 81.º Ora, assim como não se verifica a nulidade invocada, também não subsiste qualquer erro na decisão que antecede. 82.º Muito menos há qualquer reparo a fazer no sentido decisório. 83.º O artigo 380.º do CPP permite a correção da decisão que contenha “erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade, cuja eliminação não importe modificação essencial”. 84.º Desde logo, é por demais evidente que a eliminação do erro que a assistente alega existir – sempre sem conceder – importaria uma modificação essencial, concretamente alteraria todo o sentido da decisão. 85.º E neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2021, Processo n.º 128/19.3JAFAR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt: [transcrição]. 86.º Não só não padece a decisão de qualquer erro como nunca seria, em qualquer caso, este o meio de acautelar a situação, porquanto tal conduziria a uma radical alteração do decidido. DE RESTO 87.º O Acórdão reclamado é claro e preciso no desenvolvimento da fundamentação, explicando, com rigor, as razões das posições que assumiu, e extraindo, também, uma conclusão lógica e coerente com as premissas adotadas. Não existindo qualquer reparo ou alteração a fazer ao mesmo.» Decidindo. II. Fundamentação 4. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo, porém, lícito ao juiz suprir nulidades, as quais devem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário (artigos 613.º e 615.º do CPC, na parte aplicável, ex vi artigo 4.º do CPP). Dispõe o artigo 379.º, n.º 1, do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, que é nula a sentença: “a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Para além disso, pode o tribunal proceder à correção da sentença, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, do CPP, oficiosamente ou a requerimento, quando, fora dos casos previstos no artigo 379.º, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º, que estabelece os requisitos a que deve obedecer a sentença, ou a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. 5. Argui a assistente a nulidade do acórdão de 19 de dezembro de 2023 por, na sua alegação, se encontrar ferido da nulidade cominada na citada alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por excesso de pronúncia, pois que, em síntese, ao declarar a nulidade do «acórdão da Relação de Coimbra de 07.04.2021 que modificou a matéria de facto que havia sido decidida pelo Acórdão da primeira Instância, proferido em 1/07/2020, determinando, em consequência, a manutenção do decidido naquele Acórdão da 1ª Instância», fundou a sua decisão num erro de apreciação determinante da decisão ao considerar que não houve recurso para a Relação da decisão em matéria de facto do acórdão da 1.ª instância, e que, por esse motivo, a Relação não podia modificar a matéria de facto com base nas declarações gravadas, por a isso se opor o artigo 431.º do CPP, o que, diz, não ocorreu. Recordando o fundamento da arguição da nulidade, diz a requerente, em afirmação conclusiva: «O Acórdão proferido não pode deixar de ser considerado nulo, com base no art.º 379.º n.º 1 al. c) do CPP. Porquanto, ao concluir por uma realidade que é manifestamente negada pelos elementos constantes dos autos, ao afirmar que não foi interposto recurso da matéria de facto do Acórdão da primeira Instância – datado de 1 de Julho de 2020 – quando afinal esse recurso foi interposto e com esse objecto e finalidade, o Tribunal está a conhecer de questões que não podia tomar conhecimento, porque elas não existem, ou melhor, porque a realidade demonstra que se passou exactamente o contrário. O Supremo Tribunal de Justiça não podia conhecer de um recurso interposto que não existe nos termos que afirma ter existido. A decisão não pode ser mantida nos termos proferidos. O STJ terá de considerar que, afinal, ponderados, devidamente, os elementos reais constantes dos autos, o Tribunal da Relação de Coimbra podia e devia ter decidido do recurso da matéria de facto, inexistindo qualquer nulidade que afecte tal decisão, permanecendo válido todo o processado posterior. Um Acórdão que labora num equívoco que o leve a afirmar que não consta do processo o que é evidência lá está plasmado não pode deixar de ser inválido, pois, tudo o que assente num pressuposto falso encontra-se ferido de invalidade.» Em síntese, funda a assistente o seu requerimento de arguição de nulidade num alegado erro sobre os pressupostos em que assenta a declaração de nulidade do acórdão recorrido, o que, diz, fere de nulidade o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2023 («acórdão reclamado»). 6. Não questiona a assistente os poderes do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer, mesmo oficiosamente, da nulidade do acórdão da Relação que julgou verificada – poderes que, como se consignou no acórdão reclamado, lhe são legalmente conferidos pelo n.º 2 do artigo 379.º do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma. Questiona unicamente a base em que assenta a decisão que declarou a nulidade, que considera inexistente, pois, afirma, no recurso interposto para a Relação, diferentemente do que consta do acórdão reclamado, deu cumprimento ao disposto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP (norma que, como se verifica da simples leitura, nunca invocou no recurso, saliente-se desde já). Donde, na sua argumentação, resulta que, sendo tal base inexistente («uma realidade putativa», «um equívoco», «uma falsidade», como a denomina), este Tribunal não a poderia ter em conta e, tendo-a em conta, pronunciou-se sobre questão sobre a qual não podia pronunciar-se. Importa precisar que o acórdão agora reclamado não declarou a nulidade do acórdão da Relação de Coimbra de 07.04.2021, pois não era este o acórdão recorrido; verificou a nulidade resultante da alteração da matéria de facto operada por esse acórdão, mas considerou-a absorvida pelo acórdão recorrido, que é o acórdão da Relação de 12.10.2022. Lê-se no ponto 41 do acórdão reclamado: «A nulidade daquele acórdão [de 07.04.2021], absorvida pelo acórdão recorrido, quanto à questão da culpabilidade, em resultado da modificação da decisão em matéria de facto não admitida por lei, tornaria inválida a decisão de devolução à 1.ª instância para determinação da sanção («para ser proferida decisão condenatória») e as decisões subsequentes, nomeadamente o acórdão da 1.ª instância de 18.03.2022 e o acórdão da Relação de 12.10.2022.». E no dispositivo: «Nestes termos, e com os fundamentos expostos, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em declarar nulo o acórdão do Tribunal da Relação de 12 de outubro de 2022 e, consequentemente, o acórdão da 1.ª instância de 18 de março de 2022, mantendo-se o decidido no acórdão da 1.ª instância de 1 de julho de 2020.» Porém, dada a «absorção» da nulidade do acórdão de 2021 pelo acórdão recorrido, que serviu de fundamento à decisão deste Tribunal de 19.12.2023, considera-se a arguição da nulidade dirigida a este acórdão. 7. Alega a requerente, na invocação da nulidade por excesso de pronúncia, cominada na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, que, diferentemente do afirmado no acórdão reclamado, «recorreu da matéria de facto, num recurso que cumpriu todos os requisitos substantivos e formais para o efeito, pelo que, o Tribunal da Relação podia e devia (era sua obrigação por ser esse um dos objectos do recurso) reapreciar a matéria de facto, como, de resto, o fez». Não convoca, porém, a reclamante qualquer norma em apoio da afirmação de que cumpriu «todos os requisitos substantivos e formais» para que a Relação pudesse alterar a matéria de facto. Tais normas, como se disse no acórdão reclamado, são as que constam do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, que se recordam: «3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.» 8. Embora se deva admitir que a reclamante pretendia ver alterada a matéria de facto – e daí todas as longas e detalhadas considerações que fez sobre as provas produzidas e não produzidas em julgamento e sobre a apreciação que o tribunal da 1.ª instância fez desses provas, em manifestação de frontal discordância – não foi isso que pediu ao tribunal da Relação. O que a reclamante pediu ao tribunal da Relação, em cumprimento do n.º 1 do artigo 412.º do CPP – segundo o qual a motivação de recurso enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido – foi que o acórdão da 1.ª instância que absolveu o arguido fosse «considerado nulo» nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), e do artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP por remissão para o artigo 374.º do CPP. Transcreve-se o pedido da recorrente, para que não subsistam dúvidas a este respeito: «(…) Termos em que, com o mui douto suprimento de vossas Excelências, Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência: A) Ser o douto acórdão que absolveu o arguido ser considerado nulo nos termos do art.º 120.º n.º 2 al. d) do CPP; B) Ser o douto acórdão considerado nulo, nos termos do art.º 379.º n.º 1 a) por remissão para o 374.º do CPP. Devendo, por conseguinte e em sequência, ser a matéria de facto alterada e a decisão final modificada com a consequente C) Condenação do arguido na prática de 4 crimes de Abuso Sexual de criança, p. e p. no art.º 171.º n.º 2 do Código Penal; e 6 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171.º n.º 1 do Código Penal, todos praticados sob a forma de autoria material, com dolo directo e plena consciência da ilicitude do facto, considerando a agravação prevista no art.º 177.º, n.º 1 al a) do Código Penal e as consequências do art.º 69.º C do Código Penal Desta Forma Vossas excelências farão a Almejada. JUSTIÇA!!!!!». E nota-se, a este propósito, que, no requerimento que agora apresenta, a assistente, dizendo transcrever o texto do pedido formulado perante o Tribunal da Relação (pág. 14 do requerimento), omite as alíneas A) e B) agora transcritas e atribui à alínea C) a designação de alínea A), ligando-a diretamente (pela expressão «Devendo, por conseguinte e em sequência, ser a matéria de facto alterada») aos pontos anteriores, mas ocultando agora que o que pediu à Relação foi a declaração de nulidade do acórdão e, na sequência disso, a alteração da matéria de facto, o que, como é óbvio, carece de sentido (a alteração só poderia ocorrer em 1.ª instância, se disso fosse o caso, na sequência da pretendida declaração de nulidade, pela Relação, do acórdão absolutório e não no acórdão da Relação, pois que a declaração de nulidade sempre obstaria ao conhecimento de mérito). Recorda-se também o que agora vem alegado no requerimento de arguição de nulidade: «(…) Enquanto que no pedido final, entre outros é formulado, o pedido que a decisão a proferir: “Devendo, por conseguinte e em sequência, ser a matéria de facto alterada e a decisão final modificada com a consequente A) Condenação do arguido na prática de 4 crimes de Abuso Sexual de criança, p. e p. no art.º 171.º n.º 2 do Código Penal; e 6 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171.º n.º 1 do Código Penal, todos praticados sob a forma de autoria material, com dolo directo e plena consciência da ilicitude do facto, considerando a agravação prevista no art.º 177.º, n.º 1 al a) do Código Penal e as consequências do art.º 69.º C do Código Penal Desta Forma Vossas excelências farão a Almejada JUSTIÇA!!!!!”» 9. Nas conclusões, em que resumiu as razões do pedido cujos fundamentos expôs na motivação, como exige o n.º 1 do artigo 412.º do CPP, e que delimitam o objeto e o âmbito do recurso, disse: «(…) 5. Acontece que a primeira instância não cumpriu, na íntegra, as determinações do Tribunal da Relação, limitando-se a solicitar esclarecimentos à senhora perita; 6. Não tendo procedido a outras diligências de obtenção de prova (por exemplo a inquirição da criança) nem voltando a ponderar a restante prova (a qual, de resto, ignorou); 7. Fazendo tábua rasa da determinação do Tribunal superior, mantendo a decisão e não logrando ultrapassar as dúvidas que insiste em manifestar se encontrar; 8. Os esclarecimentos da senhora perita foram claros, esclarecedores e revelam que a criança, na entrevista que manteve consigo falou de forma séria, espontânea, sem sinais de influência ou sugestionabilidade no seu discurso e que tinha maturidade e compreensão para relatar aqueles factos e usar a linguagem e as expressões que usou; 9. A fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo labora numa contradição insanável, que inquina o seu conteúdo, pondo em causa as conclusões alcançadas; 10. Na medida em que o Tribunal a quo considerou que as declarações e os relatos da criança, prestados perante a perita do INML “foram credíveis, mas não se pode concluir que o relato corresponda ao sucedido”; 11. Tal decisão afigura-se incompreensível, desde logo, porque assenta numa manifesta contradição, na medida em que, se os relatos da criança são credíveis, ou seja confiáveis, não podem suscitar a dúvida sobre o seu conteúdo; 12. Tal contradição afecta a sentença de nulidade, nos termos do art.º 410.º n.º 2 al. b) do CPP; 13. Também não se pode aceitar que o Tribunal afirme ter permanecido na dúvida; 14. Desde logo, porque a determinação do Tribunal superior era no sentido de o tribunal promover as diligências necessárias para afastar as dúvidas e o Tribunal a quo ter decidido apenas ouvir os esclarecimentos da senhora perita, dando a entender não ter dúvidas e acabar a decidir que se encontra perante uma dúvida razoável; 15. Se tinha dúvidas deveria ter esclarecido as mesmas; 16. E ainda mais por o único fundamento que serve de motivação ao Tribunal para questionar os relatos que considera credíveis, assenta no facto de o arguido negar os mesmos; 17. Toda a prova produzida aponta no mesmo sentido, mas o arguido nega os factos e isso é o bastante para o Tribunal ficar na dúvida, ou seja, o Tribunal revela que apenas condenaria o arguido se este tivesse confessado os factos; 18. O Tribunal deveria ter valorado os relatos diversos da criança, quando a evidência revela que se trata da única prova adequada para clarificar a verdade material dos factos; 19. O Tribunal a quo, para além do mais, desvalorizou o valor probatório da prova pericial, em grosseira violação do disposto no art.º 163.º do CPP; 20. O relatório do INML tem natureza de relatório científico, sendo revelador de uma clareza cristalina sobre a autenticidade e a veracidade dos relatos que a criança aí efectuou; 21. Estando dotado de descrições claras que revelam a prática de actos pelo arguido que consubstanciam a prática de crimes de abuso sexual da menor; 22. O Tribunal a quo acabou por desvalorizar o efeito probatório do relatório pericial sem que, no entanto, apresentasse a devida fundamentação sobre os motivos pelos quais não confere tal valor ao mesmo relatório, violando assim o disposto no art.º 379.º, n.º 1 al. c) do CPP; 23. O Acórdão viola o disposto no art.º 163.º, revela-se carecido de fundamentação e labora num manifesto, evidente e já denunciado pelo Tribunal superior, Erro na apreciação da prova; 24. Na certeza que o único motivo pelo qual retira força probatória ao relatório pericial é a negação dos factos por parte do arguido, acabando por equiparar a força probatória das declarações do arguido a um relatório pericial; 25. O Tribunal a quo não cumpriu, para além do mais, a determinação de proceder a uma nova valoração da restante prova; 26. Mais grave ainda, na decisão proferida, omitiu a referência a qualquer outra prova, quer documental, quer testemunhal; 27. Verificando-se uma evidente omissão de pronúncia, que configura causa de nulidade do Acórdão, nos termos do art.º 379.º n.º 1 c) do CPP, na medida em que não podia deixar de se pronunciar acerca do eventual valor probatório das provas produzidas; 28. A decisão deveria ter procedido a uma reapreciação da restante prova e concatená-la com a prova pericial; 29. Nomeadamente, o registo de atendimento da CPCJ (fls 4 e 5) e os esclarecimentos das testemunhas EE e FF, ambas testemunhando que a criança relatara os abusos do arguido perante si de forma espontânea; 30. O Depoimento de GG, médico psiquiatra que ouviu a criança e obteve desta relatos idênticos, com a mesma genuinidade e clareza; 31. O depoimento da testemunha arrolada pelo arguido, HH, técnica da Segurança Social, a quem a criança em contexto de visita vigiada ao progenitor, narrou semelhantes factos, de forma igualmente sincera; 32. Ainda os depoimentos da assistente, a quem a criança, por diversas, vezes narrou os factos, os mesmos factos que contou a todas as restantes testemunhas e que relatou à técnica do INML; 33. E o depoimento de II, avô materno, a quem a criança relatou com autenticidade os mesmos factos; 34. Toda esta prova aponta no mesmo sentido que os relatos prestados pela criança no INML, no tal relato que o Tribunal considerou credível; 35. Ao omitir a apreciação desta prova, o Tribunal, acentua, por essa via, o erro na apreciação da prova; 36. O Tribunal alicerça a sua dúvida razoável, nas incertezas do depoimento para memória futura, aquele que denomina da única prova directa dos relatos da criança; 37. Apontando defeitos para a forma como as questões foram efectuadas e como a criança terá respondido; 38. Mas tal comentário crítico do Tribunal acerca do depoimento para memória futura afigura-se vago, assentando em adjectivações e sem mencionar de onde advêm essas incertezas; 39. Incertezas que não se vislumbram, pois, a criança revela factos semelhantes aos que havia relatado às testemunhas inquiridas e narrado à perita do INML; 40. Com destaque para o facto de os relatos mais descritivos e pormenorizados e coincidentes com os anteriores, terem surgido no âmbito de perguntas de carácter aberto, do estilo, e que mais aconteceu ou do que te lembras mais; 41. O Tribunal a quo não logrou proceder a uma conveniente e correcta leitura e interpretação da prova decorrente das declarações da criança prestadas para memória futura; 42. Muito menos, teve capacidade para concluir o óbvio, pois, se as declarações para memória futura contêm, no essencial, os mesmos relatos prestados perante as testemunhas a quem a criança contou o sucedido e sobretudo a descrição feita de forma credível à perita do INMl, mesmo que a criança tivesse um discurso pouco claro e desenvolvido estava a narrar a verdade; 43. Também na interpretação que fez acerca das declarações para memória futura, o Tribunal incorreu num erro de apreciação da prova; 44. Na medida em que o pensamento do Tribunal está viciado pela grande credibilidade que confere à negação que o arguido fez dos factos; 45. Mas uma realidade se deve afigurar evidente, se o depoimento das testemunhas o diz, os relatórios técnicos o confirmam, a perícia o mostra de forma clarividente e o depoimento para memória futura o reitera, tais factos, correspondem à verdade, não sendo a negação do arguido, ainda que feita de forma veemente, que o contradiz e suscita dúvida razoável; 46. O Tribunal procedeu a uma deficiente leitura das provas; 47. A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo assenta num erro notório na apreciação da prova, fazendo constar como factos não provados factos que deveriam ser considerados provados e considerando outros factos como provados, quando, da prova produzida resultou o contrário; 48. Pois, da prova produzida, se deve concluir, contrariamente ao que concluiu o Tribunal a quo, que se encontram provados os seguintes factos: […] 49. O Tribunal labora ainda num manifesto erro na apreciação da prova que foi apresentada pela Assistente e que corresponde ao Relatório de Avaliação Psicológica feito pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra; 50. Concluindo de forma errada que desse relatório se extrai a veracidade do discurso do arguido na negação dos factos; 51. Mas o que o mesmo revela é uma veracidade nos relatos que conduziram à conclusão que o arguido, no que concerne às quais competências parentais: parecem identificar-se fragilidades ao nível do investimento afectivo (e.g. desconhecimento das características e interesses da filha), fraco insight acerca das suas dificuldades e do impacto do seu comportamento na filha, bem como a desvalorização que faz das manifestações de sofrimento que a CC apresenta nos convívios; 52. Para além de revelar à saciedade que a criança manifesta fobia à pessoa do progenitor, ora, arguido, sob a forma de medo/terror; 53. E o Tribunal a quo consegue transformar estas afirmações numa conclusão que o arguido fala com verdade, revelando absoluta inabilidade e incapacidade para interpretar o conteúdo do relatório, ficando a sensação de não o ter lido na íntegra, como se exigia; 54. O último e decisivo argumento sustentado pelo Tribunal a quo para fundamentação da sua decisão, labora numa dupla MENTIRA; 55. Pois, conclui haver estranheza na mudança de atitude do Ministério Público por no primeiro julgamento ter pedido a absolvição do arguido e no novo julgamento ter pedido a sua condenação, o que é falso, pois em ambos o Ministério Público, nas suas alegações orais, pugnou pela condenação do arguido nos crimes pelos quais vinha acusado; 56. Sendo também falso e deturpador da verdade que a prova produzida fosse a “mesmíssima” do julgamento anterior, pois apenas no novo julgamento, feito após o reenvio, foram obtidos os esclarecimentos à senhora perita; 57. Esta última deturpação da verdade ainda revela uma maior gravidade porquanto significa esvaziar de valor e relevância a prova que foi obtida; 58. A decisão proferida deverá ser revogada, e substituída por outra que condene o arguido pela autoria, com dolo directo de 4 crimes de Abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º n.º 2 do CP, e 6 crimes de abuso sexual de criança p. e . pelo art.º 171.º n.º 1 do CP, todos com a agravação prevista no art.º 177.º n.º 1 al a) do CP; 59. Com as consequências previstas no art.º 69.º C do CP; 60. E condenação no PIC deduzido. Das normas violadas A decisão proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 120.º n.º 2 al. d), 163.º, 374.º n.º 2, 379.º n.º 1 a) e c) todos do CPP, bem como art.ºs 171.º, 177.º e 69.º C do Código Penal.» 10. Foi assim que, no acórdão reclamado, depois de se identificarem as questões suscitadas pelo Ministério Público, de natureza substancialmente idêntica, se levou em consideração a síntese das questões colocadas perante o Tribunal da Relação, que este formulou nos seguintes termos (transcrição): «30.2. Por sua vez, na mesma síntese, o recurso da assistente suscitou as seguintes questões: «- contradição insanável da fundamentação – art.º 410.º, n.º 2, al. b), do CPP; - inaplicabilidade do in dubio pro reo; - violação do disposto no art.º 163.º do CPP com a consequente nulidade do acórdão - art.º 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, por falta de devida fundamentação da desvalorização do efeito probatório do relatório pericial; - erro na apreciação da prova por declarações para memória futura – os factos não provados devem transitar para os factos provados; - omissão de pronúncia - por falta da reapreciação da prova produzida no seu conjunto e respectiva concatenação com a prova pericial.» 11. Depois de se mencionar que o acórdão da Relação, considerou «no mesmo plano institutos e figuras processuais distintas, como nulidades, vícios e princípios de apreciação da prova» (ponto 31), como se confirma, e de se convocarem as normas legais em que se opera a distinção entre arguição, em recurso, de vícios da decisão, que resultam do texto recorrido por si ou em conjugação com as regras da experiência (artigo 410.º, n.º 2, do CPP), e erros de julgamento da matéria de facto, a impugnar nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, e em que se recortam os poderes do tribunal de recurso para modificação da matéria de facto (artigo 431.º do CPP), concluiu-se no acórdão agora posto em crise que «não tendo havido recurso da decisão em matéria de facto, com impugnação da matéria de facto nos termos impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, não podia o Tribunal da Relação modificar a decisão em matéria de facto dada como provada e como não provada na 1.ª instância, face ao disposto no artigo 431.º, al. b), do CPP» (ponto 37). Esta conclusão, de que a assistente discorda e agora contesta, mostra-se solidamente justificada, como se comprova pelas transcrições efetuadas, das conclusões e do pedido do recurso do acórdão da 1.ª instância para o Tribunal da Relação (supra, 7 e 8) e da síntese que este elaborou (supra, 9). Toda a argumentação que estrutura o recurso se organiza em função do objetivo que a assistente lhe assinala no pedido que formula ao Tribunal da Relação – o de declaração da nulidade do acórdão nos termos dos artigos 120.º, n.º 2, al. d) (omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade), e 379.º, n.º 1, al. a) (falta de fundamentação), por remissão para o artigo 374.º do CPP. E nesse sentido vêm invocados vícios da previsão do artigo 410.º, n.º 2, e nulidades do acórdão recorrido, a que acrescem longas considerações e severas críticas sobre a forma como a 1.ª instância apreciou a prova, num juízo de profunda discordância, que obviamente se respeita. Mas, em momento algum a assistente invocou e especificou os concretos pontos da matéria de facto que considerou incorretamente julgados, fundamentando erros de julgamento da matéria de facto, nem especificou e demonstrou as provas que impunham decisão diversa, com referência, quanto às provas gravadas, ao consignado na ata e com indicação das concretas passagens em que se fundava a impugnação, em satisfação do ónus, que lhe era imposto pelos no n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, para que o tribunal de recurso procedesse à sua audição e, na sequência disso, ouvindo a gravação de outras, se necessário (n.º 6 do mesmo preceito), pudesse modificar a matéria de facto (pedido que nunca foi formulado) nos termos permitidos pelo artigo 431.º do CPP. 12. Pelo que, como se concluiu no acórdão objeto de reclamação, «não tendo havido recurso da decisão em matéria de facto, com impugnação da matéria de facto nos termos impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, não podia o Tribunal da Relação modificar a decisão em matéria de facto dada como provada e como não provada na 1.ª instância», com base na prova por declarações objeto de gravação, face ao disposto no artigo 431.º, al. b), do CPP; e «mesmo que se pudesse admitir que o identificado “erro na apreciação da prova” poderia significar um vício de “erro notório na apreciação da prova” [artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP], também não seria aceitável a alteração da decisão com base na prova gravada por esta não se poder incluir na previsão da al. a) do mesmo preceito». Recordando o que a este propósito se consignou no acórdão reclamado: «34. É assim que o artigo 431.º do CPP impõe requisitos específicos e restrições aos poderes das relações para modificação, em recurso, das decisões proferidas em matéria de facto, ao dispor que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.” A Relação não estaria, assim, impedida de, embora com fortes restrições, alterar a matéria de facto constante da sentença da 1.ª instância, mesmo que não tivesse sido interposto recurso da decisão em matéria de facto, por alegado erro de julgamento [caso da al. b)]. Porém, como se consignou no acórdão de 22.06.2022, proferido no Proc.º 215/18.5JAFAR.E1.S1, em www.dgsi.pt, que se segue de perto, esta possibilidade só poderia ocorrer por via e na sequência da verificação e declaração de vício a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente do vício de erro notório na apreciação da prova, nas condições impostas pelos artigos 426.º e 431.º, al. a), do CPP, em vista da superação desse vício, para uma boa decisão de direito. Estabelece o n.º 1 do artigo 426.º que «sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio». O que impõe ao tribunal da relação uma dupla decisão ou uma decisão em dois momentos: em primeiro lugar, a deteção e aferição (determinação e concretização) do vício e, em segundo lugar, a verificação e avaliação das possibilidades de sanação do vício e, sendo caso disso, a respetiva sanação, com base num juízo sobre a suficiência das provas necessárias para essa finalidade, que são as provas existentes no processo que serviram de base à decisão [al. a) do artigo 431.º do CPP]. Não tendo havido recurso em matéria de facto da decisão da 1.ª instância – como se viu apenas foram arguidos vícios e nulidades da decisão (supra, 30) –, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, nem renovação da prova – que depende sempre do recurso em matéria de facto e de pedido (artigos 412.º, n.ºs 1 e 3, al. c), 423.º, n.º 2 e 430.º do CPP) –, o Tribunal da Relação apenas pode modificar a matéria de facto, para remover um vício que for identificado e que impeça a decisão de direito, «se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base» [al. a) do artigo 431.º do CPP – neste sentido, designadamente, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 30.1.2002 (Armando Leandro), Proc. 3264/01-3.ª, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 3.ª ed., Quid Juris, 2020, p. 1067-1068, de 23.3.2006 (Santos Carvalho), Proc. 06)547, em www.dgsi.pt, e de 24.5.2018 (Carlos Almeida), Proc. 632/13.7PARGR.L2.S1, apud Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, cit., 3.ª ed., p. 1384). 35. Como se afirmou no mencionado acórdão de 22.06.2022 (Proc.º 215/18.5JAFAR.E1.S1), havendo arguição de vício do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, o Tribunal da Relação deve verificar se «é possível decidir da causa» (artigo 426.º, n.º 1, do CPP) com os «elementos de prova que constam do processo», excluindo a documentação (gravação) da prova em audiência, que apenas pode servir de base à modificação da decisão em matéria de facto «se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º» – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2000, p. 368, onde se lê: «Não havendo lugar a reenvio para novo julgamento [por existirem os vícios do n.º 2 do artigo 410.º], a decisão do tribunal da 1.ª instância em matéria de facto pode ser impugnada (art.º 431.º): a) Se do processo constarem todos os elementos de prova quer serviram de base á decisão; b) Se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412.º, n.º 3; c) Se tiver havido renovação da prova. (…) Havendo documentação da prova, para que o tribunal possa modificar a decisão em matéria de facto, é necessário que esta tenha sido impugnada» (no mesmo sentido, Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, Católica Editora, 2007, p. 1181). Se assim não fosse, perderia sentido a autonomização das alíneas a) e b) do artigo 431.º, pois que a previsão da al. a) absorveria a da al. b), conferindo à apreciação dos vícios em matéria de facto um âmbito e uma dimensão idêntica à da impugnação da matéria de facto, a que é imposto o ónus de especificação do n.º 3 do artigo 412.º do CPP, ou mesmo mais alargada na ausência de tal ónus. Assim se devendo considerar que a eliminação da expressão «havendo documentação da prova» constante da al. b), pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, não introduziu qualquer elemento de novidade na sua previsão, que se define pela conjugação com o n.º 4 do artigo 412.º, que se refere à gravação (documentação) das provas. Com efeito, como se extrai da história do artigo 431.º do CPP, introduzido pela Lei n.º 59/98, de 25/08, este preceito veio suprir uma lacuna do regime processual do direito ao recurso em matéria de facto (cfr., a este propósito, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 322/93 e respetivos votos de vencido), inspirando-se no artigo 712.º («Modificabilidade da decisão de facto»), n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil de 1961, então vigente, segundo a qual, «[a] decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida». 36. Como se vê, o Tribunal da Relação, depois de verificar que o tribunal recorrido «respeitou o valor da prova pericial, após os esclarecimentos da perita, concluindo pela credibilidade do depoimento da menor» e que «ficou afastada a possibilidade de que o depoimento da CC estivesse condicionado pela influência da mãe», procedeu à análise das declarações da menor ofendida para memória futura, concluindo que «é de lhe atribuir total credibilidade, até em face da consentaneidade global com o depoimento (prestado em audiência, das 10h40m as 12h31 - fls 441) da testemunha DD, sua mãe – a quem confidenciou o sucedido», relatando também «factos idênticos» às testemunhas EE e FF (prestados em audiência - cfr fls 441 e 442) e notando que «também o Dr GG, médico psiquiatra, que em audiência de julgamento (depoimento com duração de 29 m - cfr fls 442) referiu que a menor CC lhe fez relatos revelando ter sido vítima» e o depoimento «de II, avô materno, a quem a CC também relatou os mesmos factos». Com base nestas provas – e exclusivamente com base nelas –, concluiu a Relação, em resultado de diferente apreciação, que os «juízos lógico-dedutivos» da sentença da 1.ª instância «não são acertados, incorrendo o tribunal a quo em erro na apreciação da prova.» 37. O acórdão recorrido, que se limita a concluir pela ocorrência de «erro na apreciação da prova» não concretiza se se verifica um «erro notório na apreciação da prova» [artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP] ou um erro de julgamento, sendo que, atendendo ao discurso argumentativo que fundamenta a decisão, é seguro concluir que o erro indicado corresponde, na avaliação da Relação, a um erro de julgamento, identificado na decorrência de apreciação e valoração das provas efetuadas pelo Tribunal da Relação, em divergência da decisão da 1.ª instância. Ora, não tendo havido recurso da decisão em matéria de facto, com impugnação da matéria de facto nos termos impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, não podia o Tribunal da Relação modificar a decisão em matéria de facto dada como provada e como não provada na 1.ª instância, face ao disposto no artigo 431.º, al. b), do CPP. E mesmo que se pudesse admitir que o identificado «erro na apreciação da prova» poderia significar um vício de «erro notório na apreciação da prova» [artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP], também não seria aceitável a alteração da decisão com base na prova gravada por esta não se poder incluir na previsão da al. a) do mesmo preceito. 38. Assim sendo, se deve concluir que, ao apreciar as provas e ao decidir sobre a matéria de facto, alterando-a, o acórdão do Tribunal da Relação se pronunciou sobre uma questão de que não podia tomar conhecimento, o que constitui causa de nulidade da sentença prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma.» 13. Ora, verificada esta nulidade, com fundamento incontroverso, a este Supremo Tribunal de Justiça se impunha extrair as consequências legalmente exigidas – conhecer e declarar a nulidade do acórdão recorrido, nos termos em que o fez, em cumprimento do dever estabelecido no n.º 2 do artigo 379.º do CPP na redação resultante da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro (assim, também, Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 4.ª ed., pp 1167.1168, em comentário que se subscreve). Como se disse no acórdão sob reclamação: «23. (…) O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo, se for caso disso, dos poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP [acórdão de fixação de jurisprudência («AFJ») n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995], de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).» «28. Neste quadro, no uso dos poderes de conhecimento oficioso conferidos ao Supremo Tribunal de Justiça (supra, 22 e 23), há que, antes do mais, averiguar e decidir se ocorrem nulidades da decisão recorrida, entendida nos termos acabados de referir, que, a existirem, prejudicarão o conhecimento das questões suscitadas no recurso. Situam-se neste âmbito as questões prévias de saber (a) se o Tribunal da Relação poderia, no acórdão recorrido, considerar alterada a matéria de facto nos termos em que o fez, por considerar transitada em julgado uma sua anterior decisão (no âmbito do recurso do segundo acórdão da 1.ª instância, de 01.07.2020) sobre essa matéria, de que não fora admitido recurso, e (b) se a decisão sobre a culpabilidade, resultante da alteração da matéria de facto, não seguida de decisão de determinação da sanção, em vez de determinar a devolução à 1.ª instância, para esse efeito, em divergência com a jurisprudência fixada por este Supremo Tribunal da Justiça, comporta efeito que deva manter-se.» 14. Em conformidade com o que vem de se expor se conclui que o acórdão de 13 de dezembro de 2023, que agora é objeto de reclamação, tendo-se pronunciado sobre questão relativamente à qual se lhe impunha o dever de pronúncia, não enferma de qualquer nulidade, nomeadamente da nulidade arguida pela assistente, de excesso de pronúncia, da previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma. Concluindo-se também que, nesse sentido, não procede a alegação da assistente de que não ocorre o que, na sua tese, seria pressuposto da nulidade do acórdão, por erro na determinação do fundamento da modificabilidade da matéria de facto do acórdão da 1.ª instância a que se refere a alínea b) do artigo 431.º do CPP, ou seja, a impugnação da prova em recurso da matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 412.º do CPP. 15. Para além disso, pretende a assistente que, na improcedência da arguição da nulidade, o acórdão seja «corrigido, nos termos do art.º 380.º n.º 1 al. b) do CPP, porquanto o mesmo contém, manifestamente, um erro, o qual deve ser sanado», pois que, diz, «a função dos Tribunais é, essencialmente, fazer justiça. Ora, a justiça não pode ser feita se a decisão proferida disser que não consta dos Autos o que, afinal, consta». Completando: «[a correcção desse lapso implicará, inevitavelmente a emenda de todo o sentido decisório, mormente, fazendo cessar a causa de nulidade invocada e decidida, considerando que, na verdade, o Tribunal da Relação decidiu e bem reapreciar a matéria de facto, por ter sido interposto recurso nesse sentido.» Nos termos deste preceito, o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando esta «contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial». Mas, como a própria requerente reconhece, a pretendida correção implica «inevitavelmente a emenda de todo o sentido decisório, mormente, fazendo cessar a causa de nulidade invocada», pelo que não é legalmente admitida. Diz a reclamante – e bem – que a função dos tribunais é fazer justiça, administrar a justiça, o que justificaria a correção. Só que, ao fazê-lo, incumbe-lhes, para além do mais, reprimir a violação da legalidade democrática (artigo 202.º, n.º 2, da Constituição), o que inclui a justiça criminal, através de um conjunto de garantias processuais conformadas pelo princípio da legalidade do processo (artigo 2.º do CPP), que impõe direitos e deveres aos sujeitos processuais, no estrito respeito da lei processual que os tribunais têm o dever de assegurar. E não se pode afirmar, como faz a reclamante, «que não consta dos autos o que, afinal, consta», o que, traduzindo a sua própria visão, não encontra, como se viu, apoio nos autos e não poderia, em caso algum, servir de suporte à pretendida correção do acórdão, em violação da citada alínea b) do artigo 380.º do CPP. Termos em que também improcede a reclamação nesta parte. III. Decisão 16. Pelo exposto, decide-se em conferência: a) Declarar que o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2023 não sofre de qualquer nulidade, nomeadamente da nulidade resultante de excesso de pronúncia quanto a questão de que não podia conhecer, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma; b) Em consequência, indeferir o requerimento de arguição de nulidade do acórdão apresentado pela assistente AA; e c) Condenar a assistente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais. Supremo Tribunal de Justiça, 13 de março de 2024. José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Relator) Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta) Ana Maria Barata de Brito (Juíza Conselheira Adjunta) |