Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15/23.0JAGRD.C1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
FURTO QUALIFICADO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
VALOR DIMINUTO
TENTATIVA
COARGUIDO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ROUBO
FURTO
CÚMULO JURÍDICO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I - Estabelecendo o nº 4 do art. 204º do C. Penal que não há lugar à qualificação se a coisa ou o animal furtados forem de diminuto valor, a indeterminação do valor dos bens que poderiam ser objecto dos crimes tentados de furto determina, por imposição do princípio in dubio pro reo, que os mesmos sejam considerados objectos de diminuto valor, com a consequente degradação dos crimes de furto qualificado tentado em crimes de furto simples.
II - Tendo o recorrente praticado dois crimes de furto tentado, um crime de furto, um crime de furto qualificado e dois crimes de roubo agravado, e sendo a moldura penal abstracta aplicável ao concurso a de 6 anos e 3 meses de prisão a 18 anos e 2 meses de prisão, considerando, atento o disposto no art. 77º, nº 1 do C. Penal, relativamente à gravidade do ilícito global, a existência de crimes contra o património com relativa proximidade temporal, semelhantes modus operandi e tendo por móbil a obtenção de meios de satisfação da dependência de consumo de estupefacientes do recorrente, e relativamente à personalidade unitária, que este apresenta uma personalidade pouco estruturada e desconforme ao direito, considerando também a inexistência de antecedentes criminais e a confissão, entende-se adequada, necessária e proporcional a pena única de 9 (nove) anos e 2 (dois) meses de prisão.
Decisão Texto Integral:

RECURSO Nº 15/23.0JAGRD.C1.S1.


Recorrente: AA.


Recorrido: Ministério Público.


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Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, dos arguidos AA e BB, ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática dos seguintes crimes:


- Aos arguidos, em co-autoria material, três crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art. 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1, 203º e 204º, nº 2, e), todos do C. Penal, e dois crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 14º, nº 1, 22º, nºs 1 e 2, c), 23º, 30º, nº 1, 203º, nºs 1 e 2 e 204º, nº 2, e), todos do mesmo código;


- Ao arguido, em autoria material, a prática um crime de sequestro agravado, p. e p. pelos arts. 14º, nº 1, 26, 30º, nº 1 e 158º, nºs 1 e 2, b) e e), todos do C. Penal, e dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1 e 210º, nºs 1 e 2, b), com referência ao art. 204º, nº 1, f), todos do mesmo código;


- À arguida, em autoria material, a prática de um crime de simulação de crime, p. e p. pelos arts. 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1 e 366º, nº 1, todos do C. Penal, e um crime de auxílio material, p. e p. pelos arts. 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1 e 232º, nº 1, todos do mesmo código.


Os ofendidos CC e DD deduziram pedido de indemnização civil contra os arguidos, com vista à sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 2000,00 por danos patrimoniais [€ 1000,00] e não patrimoniais [€ 1000,00] sofridos, acrescidos de juros de mora desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento.


O Centro Hospitalar Universitário ..., EPE, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 514,09 pela assistência hospitalar prestada ao ofendido, e no pagamento da quantia de € 220,51 pela assistência hospitalar prestada à ofendida.


Por acórdão de 15 de Novembro de 2023, foram os arguidos absolvidos da prática, em co-autoria, de dois crimes de furto qualificado, foi o arguido absolvido da prática do crime de sequestro agravado, e foram os arguidos condenados:


- Ambos os arguidos, pela prática, em co-autoria, de um furto qualificado, p. e p. pelo art. 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1, 203º e 204º, nº 2, f), todos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, cada um; de um crime furto qualificado na forma tentada, 14º, nº 1, 22º, nºs 1 e 2, c), 23º, 30º, nº 1, 203º e 204º, nº 2, f), todos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, cada um; de um crime de furto, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nºs 1, f) e 4, com referência ao art. 202º, c), todos do C. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, cada um; de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2, 23º, 203º e 204º, nº 1, f), todos do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, cada um e; de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, e), ambos do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, cada um;


- O arguido, pela prática, em autoria, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), por referência ao art. 204º, nº 1, f), ambos do C. Penal, na pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão e na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão;


- A arguida, pela prática, em autoria, de um crime de simulação de crime, p. e p. pelo art. 366º, nº 1 do C. Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, e pela prática de um crime de auxílio material, p. e p. pelo art. 232º, nº 1 do mesmo código, na pena de 8 (oito) meses de prisão;


- Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, e foi a arguida condenada na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de quatro anos e seis meses.


Mais foi o arguido condenado no pagamento da quantia de € 1350,00 aos ofendidos CC e DD, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.


Foi ainda o arguido condenado no pagamento da quantia de € 734,60 ao Centro Hospitalar Universitário ..., EPE, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.


Por último, foi declarada perdida a favor do Estado a vantagem obtida pelos arguidos, no montante global de € 5050,00.


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Inconformado com a decisão, recorre o arguido AA para o Tribunal da Relação de Coimbra, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:


1.ª Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir de uma moldura definida, no seu mínimo, pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e, no seu máximo, pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (cfr. artigo 77.º, n.º 1 e 2, do Cód. Penal).


2.ª A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa (cfr. art.º 40.º do Cód. Penal).


3.ª Na determinação da pena única, observando-se os critérios da culpa e da prevenção, devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, aqui se incluindo, designadamente:


- as suas condições económicas e sociais, reveladoras da necessidade de socialização;


- a sensibilidade à pena e a susceptibilidade de por ela ser influenciado;


-as qualidades ou características da personalidade, manifestadas na preparação (ou impreparação) para manter uma conduta lícita.


4.ª Importa saber se os factos praticados pelo arguido são a expressão de uma tendência criminosa mais ou menos perene, ou se resultaram, apenas e tão só, de factores ocasionais, endógenos e/ou exógenos.


5.ª A privação ou a compressão do direito à liberdade estão sujeitas ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade (Cfr. artigos 18.º e 27.º da CRP).


6.ª O tribunal deverá suspender a execução da pena de prisão sempre que conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, valorando conjuntamente todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, traduzida na sua reintegração na sociedade e no afastamento da prática de novos crimes.


7.ª No caso sub judice foi o arguido condenado na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, em cúmulo jurídico:


a) pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, al. f), do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;


b) pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts 203º e 204º, nº 1, al. f), 22º, nº 1 e 2 al. c) e 23º do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;


c) pela prática de um crime de furto, p. e p. pelos arts 203º e 204º, nº 1, al. f) e nº 4, e 202º, al. c), do Cód. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;


d) pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts 203º e 204º, nº 1, al. f), 22º, nº 1 e 2 al. c) e 23º do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;


e) pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, al. e), do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;


f) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por refª ao art. 204.º, n.º 1, alínea f, todos do Cód. Penal, nas penas de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão (crime em que é ofendido CC) e de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão (crime em que é ofendida DD).


8.ª Da discussão da causa, com relevo para a decisão de mérito, foi dado como provado, além do mais que:


- os factos praticados pelo arguido balizam-se, temporalmente, entre os meses de Julho de 2022 e Janeiro de 2023;


- o arguido iniciou precocemente o consumo de estupefacientes, tendo frequentado o Centro de Respostas Integradas (CRI de ...), onde foi acompanhado no âmbito da psicologia e controle da adição de estupefacientes;


- recentemente recaiu nos consumos;


- os seus pais apresentam uma adequada integração social no meio e estão disponíveis para o acolher e apoiar, até se conseguir autonomizar;


- poderá ir trabalhar novamente para a área da agricultara, como tractorista;


- a sua presente situação processual é conhecida da comunidade em que vive, sendo recebida com alguma surpresa, pois não estava conotado com tais comportamentos;


- encontra-se preso preventivamente, à ordem do presente processo, no Estabelecimento Prisional ..., desde 28/02/2023 e tem mantido uma conduta adequada às regras institucionais.


9.ª Militam, outrossim, a favor do arguido:


- a sua idade à data da prática dos factos (porque nascido a .../.../1986, tinha 36 anos);


- a inexistência de antecedentes criminais;


- o seu importante contributo para a descoberta da verdade, uma vez que assumiu ab initio a prática dos factos, que descreveu minuciosamente aos agentes da Polícia Judiciária;


- a confissão integral e sem reservas que fez no início da audiência de julgamento, assumindo a culpa e mostrando-se arrependido.


10.ª As condições pessoais, económicas e sociais do arguido não evidenciam especiais necessidades de socialização, já que não havia, anteriormente, cometido qualquer crime, evidencia elevada sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser influenciado por ela, e manifesta vontade e disponibilidade para manter futuramente uma conduta conforme à lei e às regras e expectativas da comunidade.


11.ª Da aplicação dos critérios e da factualidade referidos nas precedentes conclusões, ter-se-ia por adequada a condenação do arguido na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.


12.ª Decidindo como decidiu – e como a montante se deixou expendido – o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 40.º, 50.º, 71º, nº 1 e 2 do Código Penal e nos artigos 18.º e 27.º, n.º 1, da C.R.P.


Nestes termos, e com o douto suprimento que se invoca, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e, em consequência, decidir-se que o arguido deverá ser condenado na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pois que assim farão Vossas Excelências, respeitáveis Juízes Desembargadores, a habitual JUSTIÇA!


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O recurso foi admitido por despacho de 21 de Dezembro de 2023.


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Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando, em síntese, serem elevadas as exigências de prevenção geral e serem prementes as exigências de prevenção especial, pois o arguido não demonstrou arrependimento, ter o tribunal recorrido desenvolvido adequada fundamentação quanto à determinação da medida concreta das diversas penas aplicadas, pelo que, tendo a moldura penal do concurso como limite mínimo, 7 anos e 10 meses de prisão e como limite máximo, 18 anos e 10 meses de prisão, a pena fixada de 9 anos é ajustada à gravidade dos ilícitos praticados e à sua personalidade, não estando, por outro lado, verificados os pressupostos legais de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, e concluiu pelo não provimento do recurso.


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Por despacho de 2 de Fevereiro de 2024 foi ordenada a remessa dos autos para o Tribunal da Relação de Coimbra.


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Por decisão sumária da Exma. Juíza Desembargadora relatora do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de Março de 2024, face às conclusões formuladas pelo recorrente, foi declarada a incompetência da Relação para conhecer do recurso e ordenada a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer, no sentido de ser este o Tribunal competente para conhecer do recurso, de não tendo o recorrente impugnado as penas parcelares, e tendo a mais elevada delas a duração de 6 anos e 3 meses de prisão, não poder aspirar a uma pena única de 5 anos de prisão, de integrarem o ilícito global sete crimes praticados contra a propriedade, dois deles, roubos contra vítimas especialmente vulneráveis, envolvendo a subtracção de bens no valor de € 5152, ocorridos ao longo de cinco meses, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral e manifestando o arguido, ao nível da prevenção especial, dificuldades em superar a sua adição de estupefacientes, embora tenha confessado os factos, tenha hábitos de trabalho, não tenha antecedentes criminais e tenha apoio familiar, pelo que, nesta ponderação, face à moldura abstracta aplicável ao concurso, a pena de 9 anos e 6 meses de prisão fixada pela 1ª instância, é ajustada ao comportamento criminoso global e à personalidade do arguido, sem afrontar o princípio da proporcionalidade, devendo, pois, ser mantida, e concluiu pela improcedência do recurso.


Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.


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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.


Cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO


A) Factos provados


A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte:


“(…).


- Da acusação:


1. Em data que concretamente não se logrou apurar, mas anterior a Abril de 2022, o arguido AA, conjuntamente com a sua companheira, a arguida BB, de nacionalidade ..., decidiram regressar de ... para Portugal, passando a residir na localidade de ....


2. Após se instalarem em território português, combinados entre si, decidiram dedicar à atividade criminosa de introdução em habitações pertencentes a terceiros, com vista à apropriação de quantias monetárias e bens desses terceiros, mediante plano que previamente elaboraram ou aderiram ao longo da sua execução.


NUIPC 95/22.6...


3. No dia 18/07/2022, a arguida BB, aproveitando ausência de EE e de FF, proprietários da residência, sita na ..., local onde residia com o arguido AA, decidiu remexer diversas mobílias.


4. Acto contínuo, contactou telefonicamente a GNR ... e apresentou denúncia por furto, declarando que foi passear o seu cão e não trancou a porta e, quando regressou a casa, esta encontrava-se remexida e que lhe tinham sido retirados €250,00.


5. A arguida BB actuou com a intenção, concretizada, de denunciar a prática de um crime de furto qualificado por desconhecidos junto da autoridade policial competente, não obstante saber que o mesmo não se verificou e, desse modo, ocultar a sua própria conduta, acima descrita.


NUIPC 106/22.5...


6. No período compreendido entre as 2h00 e as 3h00 do dia 09/08/2022, os arguidos AA e BB, combinados entre si, dirigiram-se à empresa M..., Crl, sita na ..., pertencente a GG, com vista a apoderarem-se de bens e valores que encontrassem.


7. Ali chegados e, de forma não apurada, abriram a porta do referido estabelecimento que se encontrava fechada.


8. Uma vez no interior do estabelecimento, retiraram do interior de uma gaveta €4.000,00 em notas do BCE, valores que fizeram seus, tal como foi combinado previamente entre eles.


9. Os arguidos sabiam que não podiam forçar a porta para entrar no estabelecimento comercial e apoderarem-se de bens que bem sabiam não serem seus e podendo agir de forma diferente actuaram contra o determinado na lei, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.


NUIPC 145/22.6...


10. No período compreendido entre as 17h35 do dia 15/09/2022 e as 07h25 do dia 16/09/2022, os arguidos AA e BB, combinados entre si, decidiram-se voltar à empresa M..., Crl, com vista a apoderarem-se de mais bens e valores que ali encontrassem.


11. Ali chegados e, de forma não apurada, abriram a porta do referido estabelecimento que se encontrava fechada.


12. Uma vez no interior do estabelecimento não se apoderaram de qualquer bem, porquanto não lograram localizar bens de valor para se apoderarem.


13. Os arguidos sabiam que não podiam forçar a porta para entrar no estabelecimento comercial e apoderarem-se de bens que bem sabiam não serem seus e, que apenas não se apoderaram por inexistência dos mesmos.


NUIPC 108/22.1...


14. No dia 12/08/2022, cerca das 03h00, os arguidos AA e BB, combinados entre si, dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado “Café ...”, sito no ... e pertencente a HH, com vista a apoderarem-se de bens e valores que encontrassem.


15. Ali chegados e, de forma não apurada, abriram a porta traseira do referido estabelecimento que se encontrava fechada.


16. Uma vez no interior do estabelecimento, retiraram do interior da caixa registadora a quantia de €50,00 euros, assim como as chaves daquele estabelecimento, cujo valor não se apurou, valores e objectos que fizeram seus, tal como foi combinado previamente entre eles.


17. Os arguidos sabiam que não podiam forçar a porta para entrar no estabelecimento comercial e apoderarem-se de bens que bem sabiam não serem seus e podendo agir de forma diferente actuaram contra o determinado na lei, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.


NUIPC 138/22.3...


18. Em data não concretamente apurada, mas compreendia entre o dia 09/09/2022 e 11/09/2022, os arguidos AA e BB, combinados entre si, dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado “Bar...”, sito na ... de ... e pertencente a II, com vista a apoderarem-se de bens e valores que encontrassem.


19. Ali chegados e, de forma não apurada, abriram a porta traseira e partiram uma das janelas do referido estabelecimento que se encontravam fechadas.


20. Uma vez no interior do estabelecimento não se apoderaram de qualquer bem, porquanto não lograram localizar bens de valor para se apoderarem.


21. Os arguidos sabiam que não podiam forçar a porta para entrar no estabelecimento comercial e apoderarem-se de bens que bem sabiam não serem seus e, que apenas não se apoderaram por inexistência dos mesmos.


NUIPC 185/22.5...


22. Em data não concretamente apurada, mas compreendia entre o dia 09/11/2022 e 07/12/2022, os arguidos AA e BB, combinados entre si, dirigiram-se a um barracão agrícola, sito no ... e pertencente a JJ, com vista a apoderarem-se de bens e valores que encontrassem.


23. Ali chegados e, de forma não apurada, cortaram uma corrente e o respectivo cadeado que a fechava.


24. Uma vez no seu interior, retiraram e apoderaram-se de um gerador a gasolina, de cor amarela, no valor de €1000,00, tal como foi combinado previamente entre eles.


25. Os arguidos sabiam que não podiam forçar a porta para entrar naquele espaço fechado e apoderarem-se de bens que bem sabiam não serem seus e podendo agir de forma diferente actuaram contra o determinado na lei, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.


NUIPC 15/23.0...


26. No dia 15.01.2023, pelas 20h40, o arguido AA deslocou-se à residência, sita na ... e, pertencente a CC, nascido a .../.../1938, e de DD, nascida a .../.../1951.


27. Ali chegado, desligou o quadro de electricidade que se encontrava instalado no exterior da habitação.


28. Nessa sequência, CC deslocou-se até ao exterior da habitação e ligou o referido quadro e, de seguida regressou ao interior da sua casa, deixando a porta destrancada.


29. Nesse momento, é surpreendido por trás por pelo arguido AA que o atira para o chão com força e tapa-lhe a boca com a sua mão.


30. Acto contínuo, o arguido desfere-lhe com uma pedra atingindo-o na cabeça, deixando-o inconsciente.


31. De seguida, o arguido AA prendeu-lhe as suas mãos e amordaçou-o com ligaduras, deixando-o em estado manietado no exterior da habitação, onde voltou a desferir-lhe diversas pancadas com uma pedra na cabeça, deixando-o inanimado e amarrado.


32. Após, o arguido AA deslocou-se para o interior da casa, onde surpreende DD no interior da casa-de-banho, localizada no rés-do-chão da habitação.


33. Acto contínuo, o arguido AA enrolou o seu braço no pescoço de DD, fazendo o que se vulgarmente denomina-se por “golpe mata leão”.


34. Nesse instante, quando a DD se tentou virar para fugir, o arguido desfere-lhe uma pancada com a referida pedra, tendo os seus óculos saltado do rosto.


35. De seguida, o arguido AA atira-a com tamanha força contra a sanita que a partiu, espalhando-se água pelo chão da casa de banho.


36. Ao mesmo tempo, o arguido lhe disse o seguinte: “ouro, dinheiro, está quieta”.


37. Posteriormente, o arguido AA puxou-a pela roupa para o exterior da casa de banho, direcionando-a para o hall e, acto contínuo abriu a primeira gaveta da cómoda, de onde retirou os seguintes objectos:


. Um anel de cor prateada e dourada;


. Uma pulseira rígida de cor dourada e aberta;


. Uma pulseira em ouro;


. Uma pulseira em ouro;


. Um fio em ouro;


. Três anéis em ouro,


cujo valor se desconhece, mas seguramente superior a €102,00.


38. De seguida, o arguido puxou a DD pela roupa em direcção ao quarto, que ainda tentou soltar-se e fugir para a cozinha, mas aquele voltou a agarrá-la pela roupa e, logo de seguida, desferiu-lhe com um objeto na cabeça.


39. Em virtude das condutas supra descritas, CC sentiu dores e sofreu as seguintes lesões no crânio: escoriações hemicranianas à esquerda e sinais de cicatrização no pavilhão auricular direito e equimose de tom amarelado na hemiface direita, sinais de ferida contusa no lábio superior e inferior bilateral.


40. Tais lesões determinaram dez dias de doença, sem qualquer dia de incapacidade para o trabalho.


41. Por sua vez, em virtude das condutas supra descritas, DD sentiu dores e sofreu as seguintes lesões:


- crânio: vestígios de feridas em cicatrização na região parietal posterior;


- face: vestígios de equimose de tom amarelado a nível palpebral superior e inferior bilateral, região zigomática bilateral e nariz;


- tórax: vestígios equimose de tom amarelado na região supra mamária direita com 5cm;


- membro inferior direito: vestígios de equimose com 3cm de diâmetro na região nadegueira direita de tom amarelado. Vestígios de equimose com 3cm de diâmetro na região nadegueira direita de tom amarelado 3cm acima da anterior.


42. Tais lesões determinaram dez dias de doença, sem qualquer dia de incapacidade para o trabalho.


43. Após, o arguido AA fugiu ensanguentado com os referidos objectos, fazendo-os coisa sua.


44. Após, o AA chegou a casa e contou o sucedido à arguida BB, tendo combinado com aquela, vender as peças de ouro, em estabelecimento comercial apropriado, na cidade de ..., tendo a arguida BB utilizado o documento de identificação para concretizar a venda.


45. Pelo que, a 16/01/2023, os arguidos AA e BB deslocaram-se à cidade de ..., conseguindo, aí vender, mediante a apresentação do documento de identificação de BB, as peças de ouro, referidas em 37º, pelo valor de €350,00.


46. Agiu o arguido AA de forma livre, com o propósito concretizado de se apropriar de tais objectos, sabendo que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade dos ofendidos, causando-lhes o consequente prejuízo patrimonial, resultado que representou.


47. Utilizando a violência descrita para concretizar os seus intentos.


48. Na prática dos factos indicados nos artigos 26. a 43., o arguido AA agiu de forma consciente, livre e voluntária, querendo molestar fisicamente o corpo e a saúde dos ofendidos CC e DD,


49. Para além disso, o arguido AA agiu ainda de forma deliberada, livre e consciente quando obrigou o ofendido CC a permanecer no exterior da sua habitação amarrado, limitando a sua liberdade de movimentação, contra a sua vontade.


50. A arguida BB sabia perfeitamente da proveniência ilícita daquelas peças de ouro, por o arguido AA lhe ter revelado que era parte do produto de crime que praticara no interior de uma residência e quis ajudá-lo a aproveitar-se do respectivo beneficio.


51. Aliás, com aquele conhecimento, a arguida BB quis e aceitou contribuir, de forma decisiva, para a venda desses bens, o que fez com o fito de proporcionar um imediato ganho, em dinheiro, para si e para o arguido AA.


52. Praticando os factos descritos de 6.º a 25.º, agiram voluntária, deliberada e conscientemente de comum acordo e em conjugação de esforços com o propósito de acederem, pela força e com destruição, ao interior dos estabelecimentos cujas portas se encontravam trancadas, e de aí se apoderarem e fazerem seus os objectos atrás descritos e existentes naqueles espaços fechados, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, nessa conformidade, actuaram contra a vontade e sem autorização dos seus proprietários.


53. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.


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- Da discussão da causa, com relevo para a decisão de mérito:


- AA:


1- AA, natural de ..., desenvolveu o seu percurso pessoal/social num agregado constituído pelos progenitores e um irmão mais velho.


2- Como atividade laboral, o pai trabalhava na área da agricultura para uma Cooperativa local e a mãe em residência sénior, acumulando com funções no posto dos correios local.


3- O agregado apresentava uma dinâmica familiar adequada e uma situação económica considerada pelos próprios como estável.


4- O arguido iniciou a escolaridade em idade própria, tendo até ao início do terceiro ciclo um percurso regular, altura em que começa a apresentar falta de motivação e interesse pela atividade letiva.


5- Aos 17 anos e depois de concluir o 7º ano de escolaridade abandona os estudos.


6- Mais tarde e em regime pós-laboral conclui o 9º ano de escolaridade.


7- Já em adulto frequenta o curso de Auxiliar Técnico de Saúde, que lhe deu equivalência ao 12º ano.


8- A nível laboral, começou por exercer trabalho na construção civil e mais tarde na área da criação/tratamento de gado bovino, exercendo a função de tratorista.


9- Os últimos cinco anos esteve em ... a trabalhar na área da agricultura, país onde conheceu a sua companheira e coarguida no presente processo, estando juntos há cerca de dois anos.


10- O casal regressou a Portugal em abril de 2022, inicialmente fixou residência em casa dos pais, posteriormente passaram a residir em habitação cedida por familiares.


11- AA iniciou precocemente o consumo de estupefacientes.


12- Frequentou o Centro de Respostas Integradas (CRI ...), onde foi acompanhado no âmbito da psicologia e controle da adição de estupefacientes.


13- Apesar do esforço que lhe foi reconhecido em manter-se abstinente, recentemente (antes da medida de coação de prisão preventiva) veio novamente a recair nos consumos.


14- À data da alegada prática dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido residia com a companheira na freguesia de ..., em habitação cedida por familiares, junto à dos seus pais, contando com o apoio destes, a nível da alimentação e financeiro.


15- Refere que antes de ser preso preventivo trabalhava na empresa vinícola “Q..... ... ...... “situada em ... (estando numa fase experimental), a companheira ainda trabalhou numa Queijaria local, mas passado um mês abandonou a mesma, ficando desempregada.


16- O casal apresentava uma situação económica deficitária, valendo os proventos dos trabalhos que o arguido ia executando e o apoio dos pais deste.


17- A nível afetivo, apesar do comportamento instável da companheira, menciona que mantinham um bom relacionamento.


18- Aquando da alegada prática dos factos o arguido tinha recaído no consumo de estupefacientes, vivenciando uma fase de instabilidade comportamental.


19- Segundo o arguido, a companheira tem problemas de saúde mental, apresentando um quadro depressivo, sendo medicada e acompanhada há vários anos na especialidade em ..., reconhecendo que ultimamente a companheira andava descompensada.


20- Os pais estão disponíveis para o acolher e apoiar, até este se conseguir autonomizar.


21- O arguido refere a possibilidade de ir trabalhar novamente para a área da agricultara, como tratorista.


22- Na comunidade local, a presente situação processual de AA é conhecida, sendo recebida com alguma surpresa pois não estava conotado com tais comportamentos.


23- A família apresenta uma adequada integração social no meio.


24- AA encontra-se preso preventivamente, à ordem do presente processo, no Estabelecimento Prisional ..., desde 28/02/2023.


25- Durante a presente prisão preventiva, AA tem mantido uma conduta adequada às regras institucionais.


26- Como ocupação e devido ao facto de já ter o 12º ano concluído, frequenta como atividade formativa o curso de Espanhol.


27- O arguido está a ser acompanhado em consultas de psicologia no E.P. ....


28- Nada consta no c.r.c. do arguido (c.r.c. refª .....65, de 20.10.2023).


- Arguida BB:


1- O desenvolvimento da arguida ocorreu em ..., com os progenitores e a irmã, até aos 11 anos, momento do divórcio dos pais.


2- O pai desenvolvia atividade na construção civil, a mãe vendia produtos cosméticos por catálogo.


3- Ficou a viver com a mãe e o companheiro da mesma, a quem chama de pai.


4- Foi mantendo contatos com o pai, até à data da sua reclusão no presente processo, referindo que o mesmo a abandonou e não a apoiou nesta fase difícil da sua vida.


5- Terminou os estudos com 16 anos, tendo frequentado o 6º ano, no entanto, revela apenas possuir como certificação o 1º ciclo.


6- Menciona ter tido contatos com drogas nesta fase de estudante, conotando-se como jovem rebelde.


7- Refere ter consumos de cocaína, durante um ano, tendo tido tratamento em clínica especializada, com recuperação definitiva, verbalizando não ter tido ao longo da sua vida mais contatos com drogas.


8- A nível formativo indica ter três cursos, nomeadamente, informática, cabeleireira e jardinagem.


9- Ao longo da sua vida, a nível profissional, refere ter trabalhado como cabeleireira por conta própria, deslocando-se a casa de pessoas, sem vinculo contratual.


10- A nível afetivo, verbaliza que em 2008 encetou relação de namoro de 5 anos e viveu com o referido companheiro 2,5 anos.


11- Nesta relação foi vítima de maus tratos, com recurso à justiça, tendo ficado a usufruir, durante 3 anos, de uma prestação de 575€/mensais, por ter estatuto de vítima, tendo ido viver com a mãe e o padrasto.


12- Refere esta situação como traumática, tendo recorrido a psicólogos e psiquiatras, passando a sofrer de depressão.


13- Em 2012, conheceu o pai das suas duas filhas, com quem casou, tendo o relacionamento terminado em 2020.


14- Nesta fase nunca trabalhou, dependendo do companheiro, o qual exercia funções na construção civil.


15- Após a separação foi novamente para casa da mãe e do padrasto, tendo trabalhado nas limpezas, esporadicamente.


16- Em 2021, encetou novo relacionamento com o coarguido do presente processo, AA, tendo ambos decidido vir viver para Portugal, ..., onde residiam próximo dos progenitores do companheiro.


17- As filhas da arguida ficaram entregues ao pai das mesmas, mantendo contatos regulares e visitas quinzenais.


18- Menciona que em Portugal trabalhou numa queijaria, e em campanhas na agricultura, como a apanha da uva e da azeitona.


19- À data dos factos do presente processo vivia com o coarguido, relatando a relação como conflituosa.


20- De acordo com informações recolhidas no meio, ..., é detentora de uma imagem com falta de hábitos de trabalho, passando os dias em casa, sendo vista apenas à noite nos cafés, acompanhada do companheiro.


21- No âmbito do presente processo iniciou medida de coação de OPHVE desde 14 de abril de 2023, tendo apoio económico da mãe e do padrasto, com casa arrendada em Portugal para esse fim, mantendo o seu cumprimento sem ocorrências relevantes.


22- Atualmente e mediante a medida aplicada, com o apoio incondicional da mãe, que veio para Portugal para apoiar a filha, vive em casa arrendada com a mesma, o padrasto e um novo companheiro.


23- Depende economicamente da mãe e do padrasto, ambos reformados com condição económica favorável.


24- A nível de saúde a arguida refere problemática respiratória e de saúde mental.


25- A arguida, atualmente, tem como fator protetor o apoio incondicional da mãe e do padrasto, dependendo de ambos para a sobrevivência, quer a nível habitacional, quer a nível económico.


*


- Do pedido de indemnização civil de CC e de DD:


1- Dão-se por reproduzidos os factos da acusação dados como provados.


2- Da agressão de que foi vítima por parte do arguido AA, o ofendido CC, ora demandante, sofreu dores, assim como os traumatismos e lesões e que vêm elencados nos factos provados da acusação pública, tendo tais lesões determinado 10 (dez) dias de doença.


3- Da agressão de que foi vítima por parte do mesmo arguido AA, a ofendida DD, ora demandante, sofreu dores assim como os traumatismos e lesões e que vêm elencados nos factos proados da acusação pública, tendo tais lesões determinado 10 (dez) dias de doença.


4- Os ora ofendidos/demandantes ficaram muito abalados, assustados e indignados com a conduta do arguido AA.


5- O qual agiu de forma violenta e inesperada, atacando o casal com 84 e 71 anos de idade à data dos factos.


6- O arguido AA atacou o ofendido CC, agredindo-o pelas costas, sem que este tivesse a mínima possibilidade de reagir.


7- Já no chão, amordaçado e com as mãos atadas, o ofendido foi novamente, e de forma violenta, agredido pelo arguido, que lhe desferiu várias pancadas na cabeça com uma pedra, deixando-o inconsciente.


8- Por virtude dos factos, os ofendidos ficaram traumatizados e, durante um período de um mês e meio, não conseguiram permanecer na sua habitação, tendo ficado alojados em casa de um familiar.


9- Desde então, os hábitos diários do casal mudaram drasticamente.


10- Os ofendidos passaram a ter medo de ambientes escuros, não se deslocando ou permanecendo no interior da habitação sem acender as luzes.


11- Os ofendidos passaram a ter medo de sair de casa e permanecer no quintal durante o dia.


12- Também passaram a trancar as portas de acesso ao quintal e a fechar os estores das janelas antes de anoitecer.


13- Depois do sucedido, os ofendidos começaram a sofrer de ansiedade e a ter necessidade de tomar medicação para dormir.


14- Também começaram a ter, ambos, acompanhamento psicológico, com consultas mensais no Centro de Saúde ....


15- Desde os factos, o ofendido CC começou a sofrer de uma diminuição das suas capacidades físicas e cognitivas, ficando menos autónomo e com faltas de memória.


16- Os ofendidos tiveram, também, de submeter-se a perdas de tempo e incómodos para apresentar queixa, conferenciar com a sua advogada e deslocar-se ao Tribunal para ver assegurados os seus direitos.


17- Os ofendidos ficaram sem os objectos em ouro retirados do interior da sua habitação pelo arguido, identificados no artigo 37º da acusação pública (dado como provado).


18- Tais objectos foram vendidos pelos arguidos em ..., pelo valor de € 350, como provado em 45 dos factos da acusação dados como assentes.


*


- Dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelo CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E.:


1- Dão-se por reproduzidos os factos da acusação dados por assentes.


2- Por virtude da agressão física praticada pelo arguido, o ofendido CC foi assistido no Centro Hospitalar Universitário ..., E.P.E., nos dias 15.01.2023 e 19.01.2023.


3- Da assistência prestada ao ofendido CC foi contabilizado um prejuízo patrimonial para o demandante de 514,09 € (quinhentos e catorze euros e nove cêntimos) – nota de débito nº 26/2023 (doc. junto com o pedido).


4- Por virtude da agressão física praticada pelo arguido, a ofendida DD foi assistida no Centro Hospitalar Universitário ..., E.P.E., no dia 15.01.2023.


5- Da assistência prestada à ofendida DD foi contabilizado um prejuízo patrimonial para o demandante de 220,51 € (duzentos e vinte euros e cinquenta e um cêntimos) – nota de débito nº 25/2023 (doc. junto com o pedido).


(…)”.


B) Factos não provados


A matéria de facto não provada que provém da 1ª instância é a seguinte:


“ (…).


-Do pedido cível de CC e de DD:


1- Os objectos em ouro subtraídos pelo arguido aos ofendidos tinham o valor global de € 1000 (mil euros) e os seguintes valores parciais:


a) Um anel de cor prateada e dourada (mistura de prata e ouro): 75,00€ (setenta e cinco euros);


b) Uma pulseira rígida de cor dourada e aberta (ouro): 100,00€ (cem euros);


c) Uma pulseira em ouro: 250,00€ (duzentos e cinquenta euros);


d) Uma pulseira em ouro: 100,00€ (cem euros);


e) Um fio em ouro: 250,00€ (duzentos e cinquenta euros);


f) Três anéis em ouro: 225,00€ (duzentos e vinte e cinco euros), ou seja 75,00€ (setenta e cinco euros) cada um.


2- A arguida BB teve intervenção nos factos praticados contra os ofendidos CC e de DD.


(…)”.


C) Fundamentação da medida concreta da pena


“(…).


Quanto aos crimes de furto qualificado (al. a), de furto qualificado tentado (als. b) e d), de furto (al. c), de simulação de crime (al. g) e de auxílio material (al. h), decorre do art. 70º, do C. Penal, que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, finalidades que se traduzem na protecção de bens jurídicos que os diversos tipos de crime visam salvaguardar e na reintegração do agente na sociedade, como estatui o art. 40º, nº 1, do citado código.


No caso “sub-judice” é de concluir que a simples pena de multa não realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição decorrentes dos tipos de crime em causa, dada a ligação entre os arguidos na prática dos crimes e a gravidade e encadeamento dos crimes, no seu conjunto, praticados pelos arguidos, numa janela temporal de cerca de 9 meses; assim, não obstante a ausência de antecedentes criminais por parte de cada um dos arguidos, não se afigura suficiente a aplicação de uma simples pena de multa, optando-se pela pena de prisão.


Nestes termos, dentro dos limites estabelecidos em cada um dos tipos legais de crime, a determinação da medida da pena faz-se em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção (artº 71º/1, e 40º/1 e 2, ambos do CP), havendo que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido (leia-se, cada um dos arguidos) considerando, nomeadamente, os factores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do art. 71º do Código Penal.


Por seu turno, dispõe o n.º 2, do artigo 40º, do Código Penal, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.


Deste modo, como salienta Eduardo Correia , “há-de ser essencialmente o grau de culpa a determinar o quanto da punição. (…). Na verdade, (…) ela valerá tão-só para fixar o limite máximo da punição. (…). Por outro lado, (…) mesmo dentro da moldura variável da punição que corresponde a um crime, o quanto concreto da pena, medido pela culpa, não é inteiramente fixo, mas contém ainda um resto de variabilidade, uma margem maior ou menor de variação. (…). Ora precisamente nesta margem de variação cabe a consideração dos fins de prevenção geral e especial que no caso concreto sejam de tomar em conta.”.


Para além disso, estatui o artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.


A este respeito, dir-se-á, em primeiro lugar, que o grau de ilicitude dos factos é mediano, relativamente a todos os crimes praticados, com excepção dos 2 crimes de roubo agravado; o modo de actuação adoptado pelos arguidos não revela particular engenho ou reflexão acerca dos meios utilizados – salvo quanto aos 2 mencionados crimes de roubo agravado.


No que tange aos 2 crimes de roubo agravado, praticados pelo arguido, o grau de ilicitude é muito elevado, considerando o modo como foram praticados, o factos de serem vítimas 2 pessoas já idosas, atacadas na sua própria casa (sendo certo que a entrada na habitação constitui agravante do próprio tipo de ilícito, não se tendo aqui em conta, uma vez que já faz parte do tipo de crime.


Por outro lado, o grau de intensidade do dolo é acentuado, na medida em que os arguidos agiram com dolo directo que, como é sabido, configura a modalidade mais grave que o dolo pode revestir.


Para além disso, não deixará de se notar que os factos a que se tem vindo a aludir foram praticados pelos arguidos em momentos de elevada instabilidade pessoal, decorrentes de necessidades que os próprios atribuem à necessidade de uso de substancias ilícitas, com os custos económicos e pessoais inerentes.


Tendo em conta as concretas circunstâncias em que ocorreram os factos praticados pelos arguidos, é manifesto que os factores mencionados influenciaram, de alguma forma, a sua actuação.


Os arguidos não apresentam antecedentes criminais, o que também será tido em conta na fixação da medida das penas a aplicar.


Ambos os arguidos confessaram a factualidade apurada.


*


Assim, ponderadas todas as circunstâncias a que se aludiu, o Tribunal Colectivo considera adequado e ajustado aplicar aos arguidos as seguintes penas:


1- Factos provados n.ºs 6 a 9: um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, al. f), do C.Penal, praticado por ambos os arguidos, em co-autoria material e na forma consumada - 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, para cada arguido;


2) Factos provados n.ºs 10 a 13: 1 crime de furto qualificado, na forma tentada p. e p. pelos arts 203º e 204º, nº 1, al. f), 22º, nº 1 e 2 al. c) e 23º do C.Penal, praticado por ambos os arguidos, em co-autoria material - 1 (um) ano de prisão, para cada arguido;


3) Factos provados n.ºs 14 a 17: 1 crime de furto, p. e p. pelos arts 203º e 204º, nº 1, al. f) e nº 4, e 202º, al. c), do C.Penal, praticado por ambos os arguidos, em co-autoria material e na forma consumada - 8 (oito) meses de prisão, para cada arguido;


4) Factos provados n.ºs 18 a 21: 1 crime de furto qualificado, na forma tentada p. e p. pelos arts 203º e 204º, nº 1, al. f), 22º, nº 1 e 2 al. c) e 23º do C.Penal, praticado por ambos os arguidos, em co-autoria material - 1 (um) ano de prisão, para cada arguido;


5- Factos provados n.ºs 22 a 25: um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 2, al. e), do C.Penal, praticado por ambos os arguidos, em co-autoria material e na forma consumada - 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, para cada arguido;


6- Factos provados n.ºs 26 a 43 - dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por refª ao art. 204.º, n.º 1, alínea f, todos do Código Penal, praticados pelo arguido, em autoria material e na forma consumada:


- 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão (crime em que é ofendido CC);


- 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão (crime em que é ofendida DD);


7) Factos provados n.ºs 3 a 5: 1 crime de simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366.º, n.º 1, do Código Penal, praticado pela arguida BB, em autoria material e na forma consumada - 4 (quatro) meses de prisão;


8) Factos provados n.ºs 44, 45, 50 e 51: 1 crime de auxílio material, p. e p. pelo artigo 232º, n.º 1, do Código Penal, praticado pela arguida BB, em autoria material e na forma consumada - 8 (oito) meses de prisão.


*


Não se substituem as penas de 1 ano, de 8 meses e de 4 meses de prisão, acima referidas, aplicadas aos arguidos respectivos, por penas de multa ou por outras penas não detentivas, por se afigurar que a prisão se mostra necessária para prevenir a prática de futuros crimes.


***


3.3- DO CÚMULO JURÍDICO DE PENAS:


Tendo cada um dos arguidos praticado 7 (sete) crimes, aos quais se aplicaram penas de prisão, deverão ser condenados numa pena única, nos termos do disposto no art. 77º, n.ºs 1 e 2, do CP.


Assim, relativamente ao cúmulo jurídico a efectuar há que considerar que: a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos mencionados crimes (18 anos e 10 meses para o arguido AA e 7 anos e 10 meses para a arguida BB), e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos crimes em apreço (6 anos e 3 meses para o arguido AA e 2 anos e 6 meses para a arguida BB) – art. 77º, n.º 2, do CP.


Há que ter ainda em conta o critério geral do art. 71º do CP, com referência à globalidade dos factos e da conduta do agente. Considera-se, de uma forma geral, o grau de intensidade do dolo e de necessidade de prevenção geral e especial, atenta a gravidade patenteada nos factos e ao modo homogéneo como estes crimes foram praticados (salvo os 2 crimes de roubo agravado, estes de gravidade muito acentuada, pelos motivos acima referidos), sendo que os crimes, no seu conjunto, foram praticados em momentos temporais situados numa janela com cerca de nove meses.


Assim, entende o Tribunal que, dentro das molduras do cúmulo, já referidas, se mostra adequada a aplicação:


- de uma pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, para o arguido AA;


- de uma pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, para a arguida BB.


(…)”.


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Âmbito do recurso


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.


Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.


Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.


Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).


Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:


- A de saber se foi incorrectamente determinada a medida concreta da pena única de prisão;


- A de saber se deve ser substituída a pena de prisão.


Haverá ainda que conhecer, oficiosamente – porque oficioso é o seu conhecimento (AFJ nº 4/95, de 7 de Junho, DR I-A de 6 de Julho d 1995 e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2014, processo nº 714/12.2JABRG.S1, de 6 de Fevereiro de 2014, processo nº 411/12.9JAFUN.L1.S1 e de 28 de Maio de 2008, processo nº 08P1129, in www.dgsi.pt) –, e em primeiro lugar, dada a precedência lógica relativamente às questões acima enunciadas, a questão da qualificação jurídica dos factos narrados nos pontos 10 a 13 e 18 a 21 dos factos provados.


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Da qualificação jurídico-penal dos factos narrados nos pontos 10 a 13 e 18 a 21 dos factos provados


1. Os pontos 10 a 13 dos factos provados, relativos ao NUIPC 145/22.6... têm o seguinte teor:


10. No período compreendido entre as 17h35 do dia 15/09/2022 e as 07h25 do dia 16/09/2022, os arguidos AA e BB, combinados entre si, decidiram-se voltar à empresa M..., Crl, com vista a apoderarem-se de mais bens e valores que ali encontrassem.


11. Ali chegados e, de forma não apurada, abriram a porta do referido estabelecimento que se encontrava fechada.


12. Uma vez no interior do estabelecimento não se apoderaram de qualquer bem, porquanto não lograram localizar bens de valor para se apoderarem.


13. Os arguidos sabiam que não podiam forçar a porta para entrar no estabelecimento comercial e apoderarem-se de bens que bem sabiam não serem seus e, que apenas não se apoderaram por inexistência dos mesmos.


Por sua vez, os pontos 18 a 21 dos factos provados, relativos ao NUIPC 138/22.3... têm o seguinte teor:


18. Em data não concretamente apurada, mas compreendia entre o dia 09/09/2022 e 11/09/2022, os arguidos AA e BB, combinados entre si, dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado “Bar...”, sito na ... de ... e pertencente a II, com vista a apoderarem-se de bens e valores que encontrassem.


19. Ali chegados e, de forma não apurada, abriram a porta traseira e partiram uma das janelas do referido estabelecimento que se encontravam fechadas.


20. Uma vez no interior do estabelecimento não se apoderaram de qualquer bem, porquanto não lograram localizar bens de valor para se apoderarem.


21. Os arguidos sabiam que não podiam forçar a porta para entrar no estabelecimento comercial e apoderarem-se de bens que bem sabiam não serem seus e, que apenas não se apoderaram por inexistência dos mesmos.


As duas situações foram qualificadas pela 1ª instância como crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2, c), 23º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, f) do C. Penal.


Seguramente que não se suscita qualquer dúvida quanto a estas duas distintas acções criminosas consubstanciarem a prática de dois crimes de furto na forma tentada. Da mesma forma que também relativamente a ambas, se mostra preenchida a circunstância qualificativa do furto prevista na alínea f) do nº 1 do art. 204º do C. Penal, posto que os arguidos se introduziram em tais estabelecimentos de forma ilegítima, isto é, de forma ilícita, portanto, além do mais, contra a vontade, expressa ou presumida de quem de direito.


Acontece que, como resulta dos respectivos factos provados, em ambas as situações os arguidos não lograram localizar no interior de cada um dos estabelecimentos onde se introduziram, bens de valor, para deles se apoderarem.


Dispondo o nº 4 do art. 204º do C. Penal que, não há lugar à qualificação se a coisa ou o animal furtados forem de diminuto valor, a indeterminação do valor dos bens a serem objecto dos crimes tentados de furto determina, por imposição do princípio in dubio pro reo, que os mesmos sejam tidos como objectos de diminuto valor, com a consequente degradação dos furtos qualificados tentados em furtos simples, como vem, aliás, sendo decidido por este Supremo Tribunal (acórdãos de 5 de Maio de 2021, processo nº 53/20.5GHCTB.C1.S1, de 21 de Janeiro de 2021, processo nº 202/20.3PAPTM.S1, de 14 de Janeiro de 2004, processo nº 03P3372, todos in www.dgsi.pt, e de 21 de Abril de 1999, BMJ 486, pág. 132).


Nesta decorrência, há que modificar a qualificação jurídico-penal dos factos descritos nos pontos 10 a 13 dos factos provados e dos factos descritos nos pontos 18 a 21 dos factos provados, aos quais passará a corresponder a prática, em co-autoria, pelo arguido AA e pela arguida BB, de dois crimes de furto na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nº 2, 73º, nº 1 e 203º, nºs 1 e 2 do C. Penal.


Note-se que a diferente natureza atribuída, agora, aos crimes praticados pelos arguidos, não constitui obstáculo à operada modificação da qualificação jurídica, uma vez que, relativamente à matéria de facto dos pontos 10 a 13, o legal representante da ofendida declarou tempestivamente desejar procedimento criminal (fls. 5 do NUIPC 145/22.6...), o mesmo tendo feito, relativamente à matéria de facto dos pontos 18 a 21, o respectivo ofendido (fls. 4 do NUIPC 138/22.3...).


Acresce, não haver lugar à comunicação prevista no nº 3 do art. 424º do C. Processo Penal, dada a relação de especialidade entre o furto qualificado e o furto, não implicando a degradação daquele, neste, qualquer surpresa para os arguidos ou diminuição das suas garantias de defesa.


Por último, tendo os crimes em causa sido praticados em co-autoria pelos arguidos, ainda que só o arguido AA tenha recorrido, a alteração da qualificação jurídica e suas consequências, nos termos do disposto no art. 402º, nº 2, a) do C. Processo Penal, aproveitam à arguida.


2. Em consequência do que se deixou dito, cumpre agora determinar a medida concreta da pena a aplicar a cada um dos crimes requalificados, relativamente a ambos os arguidos, dada a diferente moldura penal aplicável.


Vejamos.


a. A finalidade das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1 do C. Penal), mas a pena em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa do agente do crime (nº 2 do mesmo artigo).


Prevenção e culpa são, pois, os factores a ter em conta na determinação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto, enquanto a culpa, dirigida ao agente do crime, constitui o seu [da pena] limite inultrapassável (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.).


A moldura penal abstracta aplicável ao crime de furto na forma tentada é a de prisão até 2 anos ou multa de 10 dias a 240 dias.


Segundo o disposto no art. 70º do C. Penal, que prevê o critério legal de escolha da pena, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Haverá, pois, quanto aos questionados crimes tentados, que proceder à escolha da pena.


A propósito de outros crimes, incluindo um de furto, praticados pelos arguidos, e puníveis, em alternativa, com pena privativa e pena não privativa da liberdade, a 1º instância concluiu que a simples pena de multa não realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição decorrentes dos tipos de crime em causa, dada a ligação entre os arguidos na prática dos crimes e a gravidade e encadeamento dos crimes, no seu conjunto, praticados pelos arguidos, numa janela temporal de cerca de 9 meses; assim, não obstante a ausência de antecedentes criminais por parte de cada um dos arguidos, não se afigura suficiente a aplicação de uma simples pena de multa, optando-se pela pena de prisão.


Concordamos globalmente com as considerações formuladas, não obstante a sua brevidade, às quais acrescentamos a circunstância de às apuradas condutas dos arguidos não ser alheia a adição de estupefacientes que afectava o recorrente e a sua incapacidade para se manter abstinente do consumo de tais substâncias.


Assim, o número de crimes praticados em hiato temporal limitado, a sua gravidade, o modus operandi, e a adição que está na sua génese, naturalmente geradores de significativo alarme social, impõem a conclusão de que a opção por pena não privativa da liberdade, não dará adequada e suficiente realização às finalidade da punição, impondo-se, consequentemente, a aplicação de pena de prisão.


b. O critério legal de determinação da medida concreta da pena encontra-se previsto no art. 71º do C. Penal. Nos termos do disposto no seu nº 1, a determinação dessa medida é feita, dentro dos limites definidos pela moldura penal abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, dispondo o seu nº 2 que, para este efeito, devem ser atendidas todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, designadamente, as enunciadas nas diversas alíneas deste mesmo número.


Podemos, pois, dizer, com Figueiredo Dias, que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).


A medida concreta da pena resultará então do grau de necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), mas sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela (Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 43 e seguintes) ou, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2014, proferido no processo nº 1081/11.7PAMGR.C1.S1 (in www.dgsi.pt), a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.


Não se trata, portanto, do exercício de um poder discricionário do juiz e da sua arte de julgar, mas do uso de um critério legal, sendo a pena concreta o resultado de um procedimento juridicamente vinculado. Porém, porque estamos perante a aplicação de um critério legal sujeito a diversos parâmetros, o quantum da pena não é fixável com precisão matemática.


Retomando o caso concreto, verificamos que na determinação da medida concreta das penas, a 1ª instância ponderou, por um lado, o grau de ilicitude mediano, o modo de execução não sofisticado, o dolo acentuado porque directo, a prática dos factos em momentos de elevada instabilidade pessoal de ambos os arguidos, e por outro, a confissão da factualidade apurada e a inexistência de antecedentes criminais.


Concordamos, no essencial, com as considerações formuladas, sem prejuízo de dois reparos. O primeiro, prende-se com a confissão dos arguidos que, como se pode ler na motivação de facto do acórdão recorrido, terá sido integral e sem reservas, mas que não consta, como devia, enquanto tal, dos factos provados. O segundo prende-se com a afirmação, quer na motivação de facto, quer na fundamentação da medida concreta das penas, de que a arguida não tem antecedentes criminais, sendo certo que, seguramente por lapso, tal circunstância não consta dos factos provados.


Acrescentamos ainda serem elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que continuam a ser praticados crimes contra a propriedade, e não serem de desprezar, não obstante a inexistência de antecedentes criminais, as exigências de prevenção especial, face aos sinais de personalidades poucos estruturadas e deficientemente alinhadas com o direito, apresentadas pelos arguidos.


Assim, considerando a moldura penal aplicável, as referidas exigências de prevenção e a relativa sobreposição das circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, temos por adequada, necessária, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa dos arguidos, a pena de 8 meses de prisão, para cada um, e por cada um dos dois crimes de furto tentado.


*


Da incorrecta determinação da medida concreta da pena única de prisão


3. Alega o arguido recorrente – conclusões 7ª a 11ª – que os factos por si praticados ocorreram entre Julho de 2022 e Janeiro de 2023, que tendo-se iniciado precocemente no consumo de estupefacientes, se submeteu a tratamento e acompanhamento psicológico, mas recaiu em tais consumos, que tem apoio familiar e possibilidade de trabalho na agricultura, que tem mantido comportamento adequado no estabelecimento prisional, que confessou integralmente os factos e mostrou arrependimento, que não tem antecedentes criminais e tem 36 anos de idade, e que as suas condições pessoais, económicas, sociais não evidenciam especiais necessidades de socialização pelo que, a aplicação dos critérios estabelecidos nos arts. 40º e 77º do C. Penal ditariam a aplicação de uma pena única de 5 anos de prisão, daí que, a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão decretada pela 1ª instância, viole não só as normas referidas como também, os arts. 18º e 27º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.


Cumpre desde já deixar claro que a modificação da qualificação jurídica de dois dos crimes praticados em co-autoria pelos arguidos, determinante de novas penas parcelares, nos termos que se deixaram expostos, tem como consequência, independentemente da validade, ou não, da pretensão do recorrente, a realização de novo cúmulo jurídico, relativamente a cada um deles.


Dito isto.


O art. 77º do C. Penal, com a epígrafe «Regras da punição do concurso», dispõe na 1ª parte do seu nº 1 que, [q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.


É, assim, pressuposto da aplicação deste critério especial de determinação da medida da pena que o agente tenha praticado uma pluralidade de crimes constitutiva de um concurso efectivo – real ou ideal, homogéneo ou heterogéneo –, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, distinguindo este último aspecto os casos de concurso dos casos de reincidência. Verificado este pressuposto, o agente é condenado numa pena única.


O C. Penal afastou o sistema da acumulação material de penas, tendo optado pela instituição de um sistema de pena conjunta, resultante de um princípio de cúmulo jurídico (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 283 e seguintes e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 2013, Coimbra Editora, pág. 56 e seguintes). Com efeito, estabelece o nº 2 do art. 77º do C. Penal que, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limites mínimos a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.


A determinação da medida concreta da pena única a aplicar ao concurso de crimes exige a observância de um determinado procedimento.


Em primeiro lugar, há que determinar a medida concreta da pena de cada crime que integra o concurso, de acordo com o critério geral de determinação da medida da pena, previsto no art. 71º do C. Penal.


Em segundo lugar, há que fixar a moldura penal do concurso, correspondendo o seu limite máximo à soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes que integram o concurso – limite que, contudo, não pode ultrapassar os limites expressamente fixados na lei – e correspondendo o seu limite mínimo à mais elevada das penas parcelares (nº 2 do art.77º do C. Penal).


Em terceiro lugar, há que determinar a medida concreta da pena conjunta do concurso, dentro dos limites da respectiva moldura penal, em função dos critérios gerais da medida da pena – culpa e prevenção – fixados no art. 71º do C. Penal, e do critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final do mesmo código, nos termos do qual, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.


Por último, e quando se verifiquem os respectivos pressupostos de aplicação, há que ponderar a substituição da pena única por uma pena de substituição, de acordo com o critério geral de escolha da pena, previsto no art. 70º do C. Penal.


A ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, para efeitos da medida da pena única aconselha uma explicação, ainda que breve.


Neste âmbito, podemos dizer que o conjunto dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante para a sua valoração a conexão que possa existir entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade unitária do agente permitirá saber se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa ou se, pelo contrário, é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante. É igualmente importante a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 290 e seguintes). No mesmo sentido pode ver-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2013, processo nº 455/08.5GDPTM, in www.dgsi.pt, no qual se escreveu, além do mais, «[f]undamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade.».


Aqui chegados, revertamos para o caso concreto, analisando separadamente, a situação do recorrente e a situação da co-arguida.


a. O arguido foi condenado nos autos – considerando já a alteração operada pela via do presente recurso – nas seguintes penas parcelares:


- crime de furto qualificado [pontos 6 a 9 dos factos provados], 1 ano e 8 meses de prisão;


- crime de furto tentado [pontos 10 a 13 dos factos provados], 8 meses de prisão;


- crime de furto [pontos 14 a 17 dos factos provados], 8 meses de prisão;


- crime de furto tentado [pontos 18 a 21 dos factos provados], 8 meses de prisão;


- crime de furto qualificado [pontos 22 a 25 dos factos provados], 2 anos e 6 meses de prisão;


- crime de roubo agravado [pontos 26 a 43 dos factos provados], 6 anos e 3 meses de prisão;


- crime de roubo agravado [pontos 26 a 43 dos factos provados], 5 anos e 9 meses de prisão.


Totalizam as penas parcelares 18 anos e 2 meses de prisão.


Deste modo, a moldura penal aplicável ao concurso é a de 6 anos e 3 meses de prisão a 18 anos e 2 meses de prisão.


i) Tendo presente que os factores enumerados no art. 71º do C. Penal, globalmente considerados, podem servir de guia para a determinação da medida da pena única do concurso, verificamos que no acórdão recorrido, em sede de determinação da medida concreta das penas parcelares, foram considerados, o grau mediano de ilicitude do facto e o modo de execução comum adoptado relativamente aos crimes de furto, e o grau elevado de ilicitude e o modo de execução dos crimes de roubo, a elevada intensidade do dolo, posto que, em todas as condutas, assumiu a modalidade de dolo directo, a prática dos factos em momentos de instabilidade emocional, decorrente da adição do arguido e da necessidade de obtenção de meios para a satisfazer, a inexistência de antecedentes criminais e a confissão dos factos.


Pois bem.


Considerando a moldura penal acima definida, como bem nota o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer emitido, não pode o arguido, porque não impugnou a medida das penas parcelares, pretender o seu sancionamento com uma pena única de 5 anos de prisão, por ser a mesma inferior ao limite mínimo a considerar.


Quanto ao mais.


Entende o arguido, se bem percebemos a sua argumentação, que a 1ª instância não valorou ou, pelo menos, não valorou com a intensidade por si pretendida, algumas das circunstâncias susceptíveis de o beneficiarem na determinação da medida concreta da pena única.


Assim, e em primeiro lugar, realça o arguido a sua idade – 36 anos – em conjugação com a inexistência de antecedentes criminais. Embora a idade do recorrente não conste dos factos provados do acórdão recorrido, pode ler-se no seu Relatório que nasceu a ... de ... de 1986, pelo que, tem hoje, 38 anos de idade. Consta, por outro lado, dos factos provados que o arguido não regista antecedentes criminais. Ora, sendo o arguido um homem em idade madura, ainda que relativamente jovem, não se vê como possa aquela – mesmo considerada à da data dos factos – ter relevância acrescida, para além da que resulta da inexistência de antecedentes criminais, pois não estamos na presença de um cidadão de idade avançada e criminalmente impoluto.


Em segundo lugar, convoca o arguido a sua manifestação de arrependimento. Acontece que o arrependimento não consta dos factos provados e o recorrente não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto.


Em terceiro lugar, convoca o arguido a provada disponibilidade dos progenitores para o acolherem e apoiarem e a possibilidade de trabalho na agricultura. É certo que este circunstancialismo não mereceu qualquer referência no segmento do acórdão recorrido respeitante à operação de determinação da medida concreta das penas parcelares. Não podendo deixar de ser ponderado, para efeitos de densificação das perspectivas de ressocialização do arguido, a sua concreta relevância sofre, porém, as limitações decorrentes da circunstância de este apoio familiar, a nível habitacional e económico, e a actividade na agricultura, já serem uma realidade a partir do momento em que o recorrente [e companheira, co-arguida] regressou a Portugal, [pontos 10, 14, 15 e 16 dos factos provados], em Abril de 2022, não tendo, no entanto, constituído suficiente incentivo para a adopção de comportamentos socialmente responsáveis.


Em suma, com ressalva do reparo acabado de fazer, quanto ao demais circunstancialismo, a 1ª instância ponderou o que devia ponderar, restando aqui relembrar, ao nível das exigências de prevenção, serem elevadas as de prevenção geral e não serem de desprezar as de prevenção especial, atenta a personalidade pouco estruturada e desconforme ao direito, que o arguido apresenta.


ii) Considerando agora o critério previsto na segunda parte do nº 1 do art. 77º do C. Penal, relativamente à gravidade do ilícito global, atento o que se deixou dito, supra, referido agora ao conjunto dos factos, porque estamos perante crimes da mesma natureza – crimes contra a propriedade –, com alguma proximidade temporal, semelhanças de modus operandi e tendo por móbil a obtenção de meios de satisfação da adição do arguido, concluímos estar perante uma ilicitude de grau médio/elevado.


No que respeita à personalidade unitária do arguido, damos por reproduzidos os traços já identificados, a fim de evitar desnecessárias repetições.


Ponderando tudo isto com a inexistência de antecedentes criminais, é nosso entendimento que a iniciada conduta desviante do arguido, motivada pela sua adição de estupefacientes, não significa, neste momento, a existência de o início de uma carreira criminosa, com raízes na sua personalidade, pelo que, não deve o concurso de crimes funcionar como agravante, na determinação da pena conjunta.


Deste modo, atenta a moldura penal aplicável ao concurso, consideramos adequada, necessária e proporcional a pena única de 9 (nove) anos e 2 (dois) meses de prisão a qual, situada que está próximo do primeiro quarto daquela moldura, se mostra plenamente suportada pela medida da culpa do arguido.


b. A arguida foi condenado nos autos – considerando já a alteração operada pela via do presente recurso – nas seguintes penas parcelares:


- crime de furto qualificado [pontos 6 a 9 dos factos provados], 1 ano e 8 meses de prisão;


- crime de furto tentado [pontos 10 a 13 dos factos provados], 8 meses de prisão;


- crime de furto [pontos 14 a 17 dos factos provados], 8 meses de prisão;


- crime de furto tentado [pontos 18 a 21 dos factos provados], 8 meses de prisão;


- crime de furto qualificado [pontos 22 a 25 dos factos provados], 2 anos e 6 meses de prisão;


- crime de simulação de crime [pontos 3 a 5 dos factos provados], 4 meses de prisão;


- crime de auxílio material [pontos 44, 45, 50 e 51 dos factos provados], 8 meses de prisão.


Deste modo, a moldura penal aplicável ao concurso é a de 2 anos e 6 meses de prisão a 7 anos e 2 meses de prisão.


i) Em sede de determinação da medida concreta das penas parcelares, relativamente à arguida, a 1ª instância ponderou ser mediano o grau de ilicitude de todos os crimes por ela praticados, ser comum o modo da sua execução, ser elevada a intensidade do dolo, posto que foi dolo directo, a prática dos factos em momento de instabilidade pessoal, causada pela necessidade de uso de substâncias ilícitas, com os inerentes custos económicos, a inexistência de antecedentes criminais e a confissão dos factos.


Um reparo cumpre fazer. Podendo aceitar-se que a arguida praticou os factos em período de instabilidade pessoal, pois sofre de depressão [ponto 12 dos factos provados relativos às suas condições pessoais], vivia uma situação conflituosa com o co-arguido [ponto 19 dos mesmos factos] e tem problemas de saúde mental [ponto 24 dos mesmos factos], não vemos que resulte dos factos provados que essa instabilidade seja causada pela necessidade de uso de substâncias ilícitas, pois que, tendo a arguida admitido ter tido contactos com drogas nos tempos de estudante, nomeadamente, consumos de cocaína, referiu ter sido tratada em clínica especializada, com recuperação definitiva, não voltando a ter mais contactos com tais substâncias [pontos 6 e 7 dos mesmos factos].


Em suma, com ressalva do reparo feito, quanto ao demais circunstancialismo, a 1ª instância ponderou o que devia ponderar, restando relembrar, ao nível das exigências de prevenção, serem elevadas as de prevenção geral quanto aos crimes de furto, e não serem de desprezar as de prevenção especial, atenta a personalidade frágil e desconforme ao direito, que a arguida revela.


ii) Convocando o critério previsto na segunda parte do nº 1 do art. 77º do C. Penal, relativamente à gravidade do ilícito global, atento o que se deixou dito, supra, referido agora ao conjunto dos factos, porque estamos, essencialmente, perante crimes da mesma natureza – crimes contra a propriedade – ou consequência destes, com alguma proximidade temporal e semelhanças de modus operandi, concluímos estar perante uma ilicitude de grau médio.


No que respeita à personalidade unitária da arguida, damos por reproduzidos os traços supra identificados, evitando desnecessárias repetições.


Ponderando tudo isto com a inexistência de antecedentes criminais, é nosso entendimento que a iniciada conduta desviante da arguida não significa, neste momento, a existência de o início de uma carreira criminosa, com raízes na sua personalidade, pelo que, o concurso de crimes não deve funcionar como agravante, na determinação da pena única.


Assim, atenta a moldura penal aplicável ao concurso, consideramos adequada, necessária, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa da arguida, a pena única de 4 (quatro) anos de prisão.


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Da substituição da pena única de prisão


4. Tendo como pressuposto que, pela via do presente recurso, a pena única que lhe foi imposta pela 1ª instância seria reduzida a não mais de cinco anos de prisão, pretende o arguido que a mesma seja suspensa na respectiva execução, uma vez que não se evidenciam especiais necessidades de socialização – conclusões 10ª e 11ª.


Pelas razões que se deixaram expostas resulta não está verificado o pressuposto de que parte o recorrente pois, não obstante a operada redução da pena única, ela mantém-se acima dos cinco anos de prisão.


Esta circunstância, por si só, inviabiliza a aplicação da pretendida pena de substituição, na medida em que é condição de tal aplicação que a pena de prisão aplicada e a substituir, não seja superior a cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1 do C. Penal).


Improcede, pois, esta pretensão do recorrente.


5. Relativamente à arguida BB, cumpre apenas dizer que a pena de 4 anos de prisão, em que vai agora condenada, se mantém suspensa na respectiva execução nos exactos termos em que foi decidido pela 1ª instância, portanto, pelo período de quatro anos e seis meses.


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6. Na conclusão 12º afirma o recorrente, além do mais, ter a 1ª instância feito errada interpretação e aplicação dos arts. 18º e 27º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, densificando a alegação no corpo da motivação, com o entendimento, se bem entendemos a argumentação, de que a pena única fixada e a sua não substituição violam os princípios da proporcionalidade e da necessidade.


Para além da brevidade da alegação, pelas razões sobreditas, quando foram tratadas as questões da medida da pena única e da sua substituição, não reconhecemos a violação, in casu, de tais princípios constitucionais.


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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, se bem que por distintas razões, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência – também ao abrigo do disposto no art. 402º, nºs 1 e 2, a) do C. Processo Penal –, decidem:


A) 1. Revogar o acórdão recorrido na parte em qualificou as condutas dos arguidos AA e BB, que constam dos pontos 10 a 13 e 18 a 21 dos factos provados, como a prática, em co-autoria, de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2, c), 23º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, f) do C. Penal.


2. Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou os arguidos AA e BB pela prática, em co-autoria, de tais crimes, na pena de 1 (um) ano de prisão, cada um, por cada um dos crimes.


3. Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido AA, na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.


4. Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou a arguida BB, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.


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B) 1. Condenar os arguidos AA e BB pela prática, em co autoria, de dois crimes de furto, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nº 2, 73º, nº 1 e 203º, nºs 1 e 2 do C. Penal – resultantes da convolação dos dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, referidos em A, que antecede – na pena de 8 (oito) meses de prisão, cada um, e por cada um dos crimes de furto tentado.


2. Condenar o arguido AA na pena única de 9 (nove) anos e 2 (dois) meses de prisão.


3. Condenar a arguida BB na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, que se mantém suspensa na respectiva execução pelo período de quatro anos e seis meses.


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C) Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido.


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D) Recurso sem tributação, atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal, a contrario).


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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).


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Lisboa, 20 de Junho de 2024


Vasques Osório (Relator)


Leonor Furtado (1ª Adjunta)


Jorge Bravo (2º Adjunto)