Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | DEPRECADA CUMPRIMENTO CONFLITO DE COMPETÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | SJ200310160027305 | ||
Data do Acordão: | 10/16/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT | ||
Tribunal Recurso: | 3 J CR OEIRAS | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Sumário : | I - Estando criada uma situação de impasse processual não inteiramente recondutível à situação de típico conflito negativo de competência, impõe-se ao juiz ultrapassá-la, ainda que, se necessário, com recurso às disposições que analogamente prevêem a resolução do conflito negativo de competência, quanto mais não fosse, por obrigação funcional, que sobre o tribunal impende, de «providenciar pelo andamento regular do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for meramente impertinente ou dilatório» - art.º 265.º, n.º 1, do diploma adjectivo subsidiário. II - O tribunal deprecado só pode recusar o cumprimento da carta precatória com base, nomeadamente, em ilegalidade do acto deprecado. III - Porém tal obstáculo só pode ser triunfantemente invocado quando sobre o acto deprecado pese interdição absoluta e não, assim, quando se trate de ilegalidade relativa (o acto não é proibido em si, apenas na forma como é pedido). Por isso, em casos como o dos autos, em que tal proibição absoluta não existe, o tribunal deprecado não pode fazer outra coisa que não cumprir a deprecada, sem curar de saber se a diligência deprecada foi ou não mal ordenada, se ou não mal expedida. IV - Não se tratando de acto em absoluto proibido, o tribunal deprecado não pode sobrepor o seu veredicto ao do tribunal deprecante, e, assim, negar o cumprimento à carta com fundamento num facto ou razão de direito que o tribunal deprecante arredou, sendo certo que a este caberá a responsabilidade perante quem de direito pela legalidade/oportunidade/conveniência da sua opção. V - Assim, por louváveis e compreensíveis que tivessem sido os motivos invocados pela Juiz do tribunal deprecado, não lhe era lícito, não obstante, recusar a deprecada, sobrepondo o seu ponto de vista ao da Juiz deprecante, quanto à legalidade/oportunidade da diligência pedida - inquirição de testemunhas - por entender mais adequado o recurso à videoconferência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Em 6/1/03, a juiz do 3.º Juízo Criminal de Oeiras ordenou se deprecasse «aos tribunais competentes» a inquirição das testemunhas A, B e C, «quanto à matéria aí indicada», ou seja, na acusação. Uma das deprecadas veio a ser distribuída ao Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, onde a respectiva Juiz lavrou, em 14/3/2003, despacho liminar do seguinte teor: «Este Tribunal (assim como o Tribunal da Lousã), dispõe de sistema de videoconferência, sendo possível observar o disposto nos arts. 95.º a 99.º, do CPP. Com efeito, o juiz preside à diligência, o funcionário do tribunal em que a testemunha se apresenta elabora a acta, registando o depoimento que o Sr. Juiz lhe dita -, dá-a a assinar à testemunha, relendo-a antes se for necessário e envia-a por fax. O funcionário remeterá ao processo a acta que o juiz assinará - fax e o original. Deixa-se consignado que neste Tribunal não são expedidas cartas precatórias para inquirição de testemunhas, antes se efectuando a diligência nos termos supra descritos, sem que se verifique qualquer nulidade. Importa dar uso aos meios colocados à disposição dos Tribunais de forma a obter a máxima eficácia e rendimento, com o menor prejuízo para os serviços judiciários e respectivos utentes. Face ao exposto, devolva o deprecado, a fim de que a testemunha seja inquirida através do sistema de video, o que certamente evitará atraso processual». Devolvida a deprecada ao Tribunal de Oeiras, e continuado o processo com termo de conclusão, veio a respectiva Juiz, por seu turno, a tomar posição agora consoante o teor deste despacho, datado de 19/3/03: «Entendemos que na fase de instrução e no que à recolha de prova concerne, não vigora o princípio da oralidade, sendo que, no tocante às diligências de prova, ao contrário do que acontece no debate instrutório, a analogia processual a fazer-se deve ser feita em relação à fase do inquérito e não em relação à fase do julgamento, isto porque estamos no momento em que o juiz de instrução investiga livremente e não na fase em que cumpre dar lugar ao contraditório. Na verdade, o depoimento das testemunhas deve ser reduzido a auto - art.º 296.º do Código de Processo Penal - e o sistema de videoconferência é específico da fase de julgamento. Neste sentido, quanto ao entendimento a dar ao princípio do contraditório em fase de instrução, ver, entre outros: - M. Simas Santos e M. Leal Henriques, "Código de Processo Penal anotado", volume II, 2.ª edição, página 178; - Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", tomo 3, página 161. Deste modo e salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos não ser possível proceder à inquirição por videoconferência. Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que entendemos ser aqui aplicável por analogia, suscito junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a resolução do presente conflito. Para tal efeito, expeça ofício por mim assinado, acompanhado de cópia de fls. 136, 178 e do presente despacho». Os dois despachos transitaram em julgado já que não foram objecto de qualquer impugnação. O processo foi, consoante o ordenado, remetido à Relação de Lisboa, onde foi dado cumprimento ao disposto no artigo 36.º, 2 e 4, do CPPenal. Nessa sequência, só a juiz de Coimbra respondeu, defendendo a bondade do seu ponto de vista. Porém, por acórdão de 22 de Maio de 2003, aquele tribunal superior, tendo em vista que os tribunas em causa pertenciam a distritos judiciais diversos e o disposto no artigo 36.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, declarou-se incompetente para resolver o caso e ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça. Aqui chegados os autos, foi repetido, cautelarmente, o formalismo do artigo 36.º do Código de Processo Penal mas agora nada foi respondido. Ainda no Supremo Tribunal a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, considerando a situação de impasse criada equivalente à de conflito negativo, e, portanto, merecedora do mesmo tratamento processual, avançou o seu parecer no sentido de «incumbir ao tribunal deprecado o cumprimento do acto tal como foi requisitado pelo tribunal deprecante». 2. Cumpre decidir. Preliminarmente, cumpre adiantar que não é objecto do presente processo a questão de saber qual dos dois entendimentos opostos - o da juiz deprecante ou da deprecada - quanto à legalidade do recurso à videoconferência na fase de instrução é o mais correcto do ponto de vista legal positivado. E, por isso, não vai o Supremo Tribunal de Justiça tomar posição alguma sobre tal questão. O que está em causa, isso sim, é tão-só a questão de saber se, colocado perante uma diligência deprecada, o juiz deprecado a pode recusar com fundamento na sua pretensa ilegalidade e (ou) inoportunidade/(in)conveniência. Estabelecido este ponto de ordem, há então que indagar da lei e da solução que ela dá ao caso. Não sem antes se afirmar que, não sendo o caso tipificador de um autêntico conflito negativo de competência - na medida em que a juiz deprecada não se declarou incompetente e admitiu, mesmo, implicitamente, a sua competência para a prática do acto - o certo é que aquela magistrada se recusou a praticá-lo, e que, por seu turno, a juiz deprecante insiste em ver levado a cabo nos moldes deprecados. Está, assim, criada, pelo menos, uma situação clara de impasse processual que urge ultrapassar, ainda que com recurso às disposições que analogamente prevêem a resolução do conflito negativo de competência, quanto mais não fosse, por obrigação funcional, que sobre o tribunal impende, de «providenciar pelo andamento regular do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for meramente impertinente ou dilatório» - art.º 265.º, n.º 1, do diploma adjectivo subsidiário. Avançando: Nos casos em que se torne necessário solicitar a prática de acto dentro dos limites do território nacional, usa-se a carta precatória, tal como emerge do disposto no artigo 11.º, n.º 2, b), do Código de Processo Penal. Não disciplina a lei processual penal, directamente, o modo como as deprecadas devem ser cumpridas. Por isso, há que voltar a lançar mão, subsidiariamente, do Código de Processo Civil, por força do artigo 4.º daquele primeiro diploma adjectivo. Reza o artigo 184., n.º 1, º do Código de Processo Civil, que: «O tribunal deprecado só pode deixar de cumprir a carta quando se verifique algum dos casos seguintes: a) Se não tiver competência para o acto requisitado, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 177.º b) Se a requisição for para acto que a lei proíba absolutamente. Qual a atitude do tribunal deprecado perante o pedido? «Em princípio, o tribunal a quem é dirigida a carta tem de a cumprir. A sua atitude em face da situação contida na carta é, como já dissemos, de rigorosa e estrita conformidade: inclina-se perante o pedido que lhe é feito e dá-lhe satisfação. Eis o que virtualmente está expresso no artigo 184.º» (1) É certo que o tribunal deprecado pode recusar o cumprimento da carta com base, nomeadamente, em ilegalidade do acto deprecado. Porém tal obstáculo só pode ser triunfantemente invocado quando sobre o acto deprecado pese interdição absoluta. Não assim, quando se trate de ilegalidade relativa (o acto não é proibido em si, apenas na forma como é pedido). Por isso, em casos como o dos autos, em que tal proibição absoluta não existe, o tribunal deprecado não pode fazer outra coisa que não cumprir a deprecada, sem curar de saber se a diligência deprecada foi ou não mal ordenada, se ou não mal expedida. Não se tratando de acto em absoluto proibido, o tribunal deprecado não pode sobrepor o seu veredicto ao do tribunal deprecante. «O contrário implicaria a subversão dos princípios e a inversão das posições: o tribunal ad quem tem, em regra, de acatar o pedido feito pelo tribunal a quo: a sua posição normal é a de conformidade. Não pode pois, negar o cumprimento à carta com fundamento num facto ou razão de direito que o tribunal deprecante expressamente arredou, por improcedente». (2) Descendo ao caso: Perante estes princípios, pode concluir-se, assim, que, por louvável e compreensível que seja a postura da Juiz do tribunal deprecado, ao pretender dar uso e extrair a maior eficiência dos meios postos pelo Estado à sua disposição com vista a garantir, nomeadamente, a reclamada celeridade na execução dos actos judiciais - e é sempre - não lhe era lícito, não obstante, sobrepor o seu ponto de vista ao da Juiz deprecante, quanto à legalidade/oportunidade da diligência pedida, sendo certo, todavia, que, para o bem e para o mal, é sobre esta última que racairá, em último termo, a responsabilidade de, perante quem de direito, responder pela legalidade/oportunidade/(in)conveniência do acto deprecado. Tanto basta para concluir, como o faz a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, pela incumbência, ao tribunal deprecado - o TIC de Coimbra - de cumprir a deprecada nos termos em que lhe foram pedidos pelo tribunal a quo. 3. Assim se dirime do «conflito». Observe-se o disposto no n.º 5 do artigo 36.º citado, comunicando imediatamente aos tribunais em conflito, ao Ministério Público junto deles bem como ao(s) arguido(s) e assistente(s) se o(s) houver. Sem custas. Lisboa, 16 de Outubro de 2003 Pereira Madeira Santos Carvalho Simas Santos (com a declaração de que este entendimento que se assume plenamente viola jurisprudência fixada). ___________ (1) - Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, págs. 290 (2) - Autor o ob. cits, págs. 300. |