Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
252/19.2T8OAZ.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 02/01/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A RECLAMAÇÃO DA RÉ REFORMADO O ACÓRDÃO QUANTO A CUSTAS
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I. A omissão de pronúncia só é causa de nulidade da sentença quando o juiz não conhece questão que devia conhecer, e não quando apenas não tem em conta alguns dos argumentos aduzidos pela parte.

II. Não existe abuso de direito por parte de uma vítima de assédio em não invocar na vigência do contrato o seu direito ao pagamento de trabalho suplementar e descanso compensatório, por tal atitude não ser contrária à boa fé, já que é natural o desejo de não agudizar ainda mais a sua situação laboral.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 252/19.2T8OAZ.P1.S1

Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

MDA – Moldes de Azeméis, S.A., veio arguir a nulidade do Acórdão proferido por este Tribunal nestes autos.

O Autor, AA, veio responder, defendendo não existir qualquer nulidade.

MDA – Moldes de Azeméis, S.A., invoca, desde logo, omissão de pronúncia por o Tribunal não ter tomado, segundo diz, conhecimento do conteúdo das conclusões 74 a 81 do recurso de revista. Haveria, assim, omissão de pronúncia quanto à questão da existência de abuso de direito por parte do Autor ao pretender o pagamento do trabalho suplementar por si realizado.

Começando por esta alegada nulidade, importa referir que, como recentemente afirmou o Acórdão deste Tribunal, proferido a 10/12/2020 no processo n.º 12131/1806T8LSB.L1.S1, em que foi Relatora a Conselheira Maria do Rosário Morgado, “a nulidade de omissão de pronúncia apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as “questões” pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes”. Em suma, e como se pode ler no mesmo Acórdão, “o dever de pronúncia a que o juiz está adstrito não abrange todas as razões e contra-argumentos invocados pelas partes em defesa das suas teses”.

Em todo o caso, o Acórdão recorrido decide expressamente a questão do abuso de direito, negando a sua existência.

Nele se afirmou, com efeito, que;

“O trabalhador era um quadro superior, mas não era o empregador e não lhe cabia a ele introduzir na empresa os acordos escritos de isenção de horário de trabalho. Não havendo acordo escrito de isenção o Autor tinha como qualquer trabalhador um horário que só poderia ser (e nenhum outro foi invocado) o que consta do facto 220. E um horário não deixa de ser um horário por o empregador não fiscalizar o seu cumprimento e só se interessar na realização de objetivos. E também não ocorre qualquer abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium: o trabalhador que quer conservar o seu posto de trabalho não reage e não lhe é exigível que reaja enquanto o contrato está em vigor. Assim improcede o recurso da Ré também na matéria da condenação no pagamento do trabalho suplementar e descanso compensatório não gozado”.

Na verdade, decorre do próprio artigo 337.º n.º 1 do CT que os créditos laborais emergentes da execução, violação e cessação do contrato de trabalho não prescrevem enquanto o contrato está em vigor, mas apenas um ano a contar do dia seguinte àquele em que o contrato de trabalho cessou. Assim, o trabalhador não tem que exigir os créditos – mormente os que resultam da realização de trabalho suplementar – durante a vigência do contrato. A figura do abuso de direito é excecional e supõe uma utilização do direito manifestamente contrária à boa fé e ao fim económico e social do direito. O que não ocorre quando no caso vertente a vítima de assédio só invoca os seus direitos a este nível quando o contrato cessa, porque quis evitar que a sua situação se agudizasse.

Não existe, por conseguinte, qualquer nulidade por omissão de pronúncia relativamente à questão do abuso de direito.

Relativamente à existência ou inexistência de assédio (e de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador) a Ré e ora Reclamante não invoca, em rigor, uma omissão de pronúncia, afirmando antes que “o acórdão não se pronunciou sobre a totalidade da argumentação apresentada pela R., no sentido da inexistência de assédio laboral e, consequentemente, da inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho”.

Reitera-se que a omissão de pronúncia verdadeira e própria supõe que o Tribunal não tenha conhecido a questão que devia ter conhecido e não apenas alguns dos argumentos aduzidos pelas partes.

E a possibilidade de arguir nulidades de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que resulta das normas conjugadas dos artigos 685.º, 666.º e 615.º, n.º 1 do CPC, não corresponde a um novo recurso.

Mas o que decorre da reclamação ora apresentada é que o Recorrente pretendia decompor a conduta assediante nos seus vários episódios ou segmentos e tentar explicar, um a um, como os mesmos careceriam de relevância. O acórdão recorrido afirmou, precisamente, que não se pode perder de vista, ao analisar os casos de assédio, a necessidade de uma visão de conjunto, porquanto isoladamente considerados os vários episódios que integram o assédio podem parecer condutas lícitas ou carecidas de relevância. A Ré e ora Reclamante discorda da solução, mas tal não é fundamento para uma reclamação à luz dos já citados artigos 685.º, 666.º e 615.º

Assim, há que indeferir a reclamação apresentada pela Ré.

O Autor, AA, veio também, por seu turno, pedir a reforma do Acórdão quanto a custas, à luz do disposto nos artigos 616.º, 666.º e 685.º do CPC.

Nas suas palavras, “o acórdão pronunciou-se sobre a totalidade do objeto do processo, seja da ação, seja da reconvenção, por se ter entendido não existir dupla conforme” e a condenação em custas deve ser global.

Assiste-lhe razão, pelo que as custas da ação devem ser suportadas pelo Autor e pela Ré na proporção do seu decaimento e as custas da reconvenção integralmente pela Ré.

Decisão:

Indeferida a reclamação interposta por MDA – Moldes de Azeméis, S.A.

Deferido o pedido de reforma do Acórdão quanto a custas, apresentado pelo Autor, decidindo-se que as custas da ação ficarão a cargo do Autor e da Ré na proporção do seu decaimento e as custas da reconvenção integralmente a cargo da Ré.

Lisboa, 1 de fevereiro de 2023

Júlio Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Domingos José de Morais