Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
| Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA ABANDONO DA OBRA DEFEITOS INCUMPRIMENTO DEFINITIVO INDEMNIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ200703060741 | ||
| Data do Acordão: | 03/06/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | I – No contrato de empreitada aplicam-se as normas especiais dos arts 1207 e segs do C.C. e as gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com as primeiras se não revelem incompatíveis . 2 – Tendo a obra sido voluntariamente abandonada pela empreiteira, antes de concluída, tal evidencia o seu propósito firme e definitivo de não cumprir a prestação, ficando aquela, a partir de então, colocada numa situação equivalente à de incumprimento definitivo . 3 – Havendo abandono, equivalente a incumprimento definitivo, não é exigível ao dono da obra que interpele o empreiteiro para eliminar os defeitos . 4 – Na hipótese de abandono definitivo de obra inacabada, por ocorrer incumprimento definitivo, deve ser considerado legítimo que o dono da obra conclua os trabalhos e corrija os defeitos, por sua iniciativa, justificando-se a concessão da indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, mediante a colocação do dono da obra na situação em que estaria se esta tivesse sido concluída e o contrato pontual e exactamente cumprido | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 21-9-01, AA instaurou a presente acção ordinária contra a ré BB, L.da, pedindo : - que seja declarado resolvido o contrato de empreitada celebrado entre o autor e a ré ; - que se condene a ré no pagamento das seguintes quantias: - 4.500.000$00, correspondente ao valor actual da empreitada de carpintaria, necessários para a execução dos trabalhos em falta e correcção dos defeitos ; - 450.000$00, acrescida de juros, referente a prejuízos causados na pintura do imóvel; - 51.585$00, acrescida de juros, correspondente ao valor dos vidros das portas de que se apropriou . Para tanto, alega ter celebrado com a ré a execução de uma empreitada de carpintaria da sua moradia, pelo preço de 2.350.000$00, e o revestimento da escadaria, por 550.000$00 . Do preço contratado já pagou a quantia de 2.500.000$00. Todavia, a ré abandonou a empreitada, sem a concluir, executou-a com defeitos, apropriou-se de portas ali colocadas e danificou a pintura. A ré contestou, por excepção e por impugnação, pugnando pela improcedência da acção . Em reconvenção, pede a condenação do autor a pagar-lhe a importância de 1.435.880$00, correspondente à parte do preço em falta, bem como de trabalhos extra. Houve réplica. Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que decidiu : 1- Julgar a acção totalmente procedente e, consequentemente: a) – Declarar a resolução do contrato de empreitada celebrado entre o autor e a ré, referente à execução da carpintaria do prédio do autor ; b) condenar a ré a pagar ao autor a quantia global de 24.947,60 euros (correspondente à soma dos pedidos de indemnização), acrescida de juros, à taxa legal de 7% desde a citação até 30 de Abril de 2003 e de 4% desde 1 de Maio de 2003 até efectivo pagamento . 2 – Julgar a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo o autor do pedido reconvencional . * Apelou a ré, mas sem êxito, pois a Relação do Porto negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida. Continuando inconformada, a ré pede revista, onde conclui: 1 – Não pode ser considerado que a ré incumpriu o contrato de empreitada, em razão do abandono definitivo da obra . 2 – Também não pode ser entendido que a comunicação que o autor dirigiu à ré, datada de 13-3-01, possa valer como interpelação admonitória a que se refere o art. 808, nº1, do C.C., sendo que nem sequer se provou que o seu conteúdo fosse do conhecimento da ré . 3 – A resolução do contrato não se coaduna com o peticionado pedido de indemnização pelo interesse contratual positivo . 4 – A ré não pode ser condenada no pagamento da quantia de 4.500.000$00, que o autor peticiona como correspondente ao valor actual da empreitada, pois o dono da obra apenas tem direito a ser indemnizado pelos danos negativos, isto é, pelos danos que não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato . 5 – Não resultou provado qual o montante necessário para a conclusão da empreitada, por um lado, e para o serviço de levantamento das madeiras ali existentes, por outro, o que torna a decisão sobre a matéria de facto deficiente e obscura, a evidenciar a necessidade da sua anulação, para ampliação . 6 – A condenação no pagamento do referido montante de 4.500.000$00, correspondente a 22.445,90 euros, configura um abuso do direito . 7 – Considera violados os arts 224, 334, 436, 562, 563, 801, 808 e 1218 do C.C. Não houve contra-alegações . Corridos os vistos, cumpre decidir : A Relação considerou provados os factos seguintes : 1 - A ré exerce a actividade de execução de empreitadas de carpintaria . 2 – O autor acordou com a ré o fornecimento, na sua moradia, de apainelados, rodapés, portas, vãos das portas e janelas, guarnições, faixas rodapé, armários e roupeiros, bem como de soalho em carvalho francês, em três quartos, pelo preço de 2.350.000$00 . 3 – O acordo foi celebrado em Junho de 2000. 4 – Também em Junho de 2000, a ré, a pedido do autor, acordou em revestir a escadaria interior da referida moradia, em madeira de carvalho francês, com balaústres, mediante o preço de 550.000$00. 5 – A ré recebeu do autor a quantia de 2.500.000$00 . 6 – O autor, por intermédio do seu advogado, enviou à ré a carta datada de 13-3-01, com o seguinte teor : “ Acordaram V. Ex.as a execução de uma empreitada de carpintaria no prédio do meu cliente ... Apesar da obra não estar concluída, a verdade é que a mesma apresenta graves defeitos de execução, nomeadamente : a) Todas as portas estão empenadas e necessitam de afinação ; b) A madeira das mesmas é de péssima qualidade, apresentando galhos ; c) Os tectos não são em afizélia, conforme o acordado, e estão empenados ; d) O soalho dos quartos apresenta galhos e tem de ser substituído, além de que apresenta emendas visíveis . O meu cliente solicitou orçamento para eliminação de tais defeitos, o que tudo orça na quantia de cerca de 1.500.000$00, a que acrescerá a mão de obra. Atendendo a que tem necessidade premente de ver concluída a casa, vem pela presente solicitar o seu acabamento, no prazo máximo de 15 dias, e bem assim a eliminação dos defeitos aqui denunciados . Findo este prazo sem que V. Ex.as dêem cumprimento ao solicitado, o meu cliente considera rescindido o contrato, por incumprimento da vossa parte, adjudicando os trabalhos a outrem e debitando o que for devido. Por último, solicita lhe sejam entregues as chaves da casa que V. Ex.as mantém em vosso poder “ . 7 – O autor enviou a carta referida no anterior nº6 porque a ré tinha deixado de comparecer na obra há várias semanas . 8 – No dia 23-3-01, após ter recebido a mencionada carta, a ré retirou da cave uma porta de duas folhas e uma porta de acesso ao vão de escada . 9 – E retirou do 1º andar uma porta de duas folhas, na sala, e uma outra de acesso ao vão de escada, a porta da cozinha, três portas dos quartos, uma porta da casa de banho, a porta da casa de banho privativa do quarto de casal, quatro portas do guarda-fatos e cinco portas de outro guarda-fatos . 10 – Nas portas referidas nos nºs 8 e 9 estavam colocados vidros lapidados, pagos pelo autor, no valor de 51.585$00 . 11 – Na empreitada estavam incluídas duas portas corta fogo, as quais não foram colocadas pela ré . 12 – Ao retirar as portas indicadas nos nºs 8 e 9, a ré danificou a pintura interior da moradia. 13 – A pintura das paredes, em consequência do indicado no nº12, ascende à quantia de 450.000$00 . 14 – A escada interior, forrada a carvalho, tem degraus fora de esquadria . 15 – A madeira do soalho, em carvalho francês, dos três quartos está deficientemente assente e muitas das tábuas são emendadas. 16 – Em consequência, o soalho tem de ser levantado e colocado de novo. 17 – Toda a madeira utilizada pela ré está “bichada” e podre. 18 – A madeira aplicada nos apainelados das portas e janelas estão em muito mau estado, sendo visíveis nós na madeira . 19 – A maioria dos balaústres da escadaria interior e os degraus estão partidos, estando alguns dos balaústres desalinhados dos restantes . 20 – Os tectos exteriores, em afizélia, estão abaulados, necessitando de substituição . 21 – Os aros das portas e janelas estão emendados, alguns com tacos ou rolhas de madeira . 22 – Os roupeiros estão forrados com contraplacados de madeiras diversas, com emendas mal rematadas e prumos emendados . 23 – A madeira da escada interior tem nós, está manchada e mal rematada e o corrimão está empenado, quer vertical, quer horizontalmente. 25 – E os balaústres não têm todos a mesma medida, estando alguns deles desligados dos degraus e partidos e alguns aumentados com colas e serrim. 26 – Os serviços de carpintaria que a ré não executou e o levantamento das madeiras ali existentes ascendem a 4.500.000$00 . Por acordo da ré, constante do artigo 59 da contestação, está ainda provado, ao abrigo dos arts 659, nº3, 713, nº2 e 726 do C.P.C., que a aludida carta de 13-3-01 foi recebida pela mesma ré em 15-3-01 . Vejamos agora o mérito do recurso . Entre o autor e a ré foi celebrado o ajuizado contrato de empreitada da carpintaria . O contrato de empreitada é um contrato bilateral ou sinalagmático de que resultam prestações recíprocas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra: a obrigação de executar a obra e a do pagamento do preço – art. 1207 do Cód. Civil. O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que reduzam ou excluam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário previsto no contrato – art. 1208. O preço deve ser pago, não havendo cláusula em contrário, no acto da aceitação da obra- art. 1211, nº2. O lesado com a defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos respectivos prejuízos, deverá observar o regime estabelecido nos arts 1221, 1222 e 1223 do Cód. Civil, os quais conferem ao dono da obra uma série de direitos . O dono da obra não pode seguir qualquer uma das vias apontadas, a seu livre arbítrio, estando antes obrigado, em princípio, a observar a ordem de prioridade dos direitos consagrados nos referidos preceitos legais . No entanto, importa salientar que ao contrato de empreitada se aplicam as normas especiais dos arts 1207 e segs do C.C. e as gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com as primeiras se não revelem incompatíveis . No não cumprimento, em sentido lato, incluem-se a impossibilidade de cumprimento, o incumprimento definitivo propriamente dito, o incumprimento proveniente da conversão da situação de mora e a recusa categórica de cumprir . É susceptível de se integrar na figura de recusa tácita, categórica, de cumprir o abandono definitivo, pelo empreiteiro, de obra inacabada. Pois bem . No caso concreto, apurou-se que a obra não foi concluída e apresenta defeitos . Quanto ao momento do pagamento do preço acordado, não se provou que algo tivesse sido convencionado, mas a ré recebeu do autor 2.500.000$00 . A ré abandonou a obra e não procedeu à sua conclusão, nem à reparação dos defeitos, conclusão e reparação que foram solicitadas pela carta de 13-3-01, recebida por esta em 15-3-01, sendo que tal comunicação se tornou eficaz nos termos do art. 224, nºs 1 e 2, do C.C., por ter sido recebida pela ré . Com efeito, não logrou provar-se que a entrada da ré na obra fosse impedida pelo autor, através da mudança da fechadura, como foi invocado pela mesma ré para justificar a falta de conclusão da empreitada ( resposta negativa ao quesito 43º) . Os serviços de carpintaria que a ré não executou e o levantamento das madeiras ali existentes ascendem a 4.500.000$00. Só alguns dos defeitos que ficaram demonstrados foram denunciados, como resulta do confronto dos factos provados com o teor da dita carta de 13-3-01. Todavia, tendo a obra sido voluntariamente abandonada pela empreiteira, antes de concluída, tal evidencia o seu propósito firme e definitivo de não cumprir a sua prestação, ficando a ré, a partir de então, colocada numa situação equivalente à de incumprimento definitivo . Havendo abandono, equivalente a incumprimento definitivo, não é exigível ao dono da obra que interpele o empreiteiro para eliminar os defeitos, nos termos do art. 1220, nº1, do C.C. Nessa hipótese de abandono definitivo de obra inacabada, como é o caso, por ocorrer incumprimento definitivo, deve ser considerado legítimo que o dono da obra conclua os trabalhos em falta e corrija os defeitos, por sua iniciativa, justificando-se a concessão da indemnização, correspondente ao interesse contratual positivo, mediante a colocação do dono da obra na situação em que estaria se esta tivesse sido concluída e o contrato pontual e exactamente cumprido ( Ac. S.T.J. de 21-10-03, Sumários de Acordãos do S.T.J., nº 74, pág. 71). A condenação da ré no pagamento da referida quantia de 4.500.000$00 ao autor não configura qualquer abuso do direito, face aos factos que resultaram provados e ao disposto no art. 334 do C.C. A matéria de facto apurada constitui base suficiente para a decisão de direito, não se justificando a sua ampliação – art. 729, nº3, do C.P.C. Termos em que, embora com diversa fundamentação, negam a revista . Custas pela recorrente . Lisboa, 6-3-2007 Azevedo Ramos ( relator) Silva Salazar Afonso Correia |