Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CELSO MANATA | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM MEDIDA CONCRETA DA PENA PRISÃO DOLO DIRETO ROUBO AGRAVADO IMPROCEDÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 11/19/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - Sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena - parcelar ou única - por este STJ abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. II - Não tendo sido violados os aludidos princípios, tendo o arguido cometido o crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 2, als. a) e b), com referência às als. f) dos n.os 1 e 2 do art. 204.º, ambos do CP, sendo a ilicitude muito alta, o dolo direto e intenso, as consequências do facto graves, registando-se apenas a favor do arguido a falta de antecedentes criminais, a sua juventude, a sua inserção social, familiar e profissional e a boa conduta prisional e mostrando-se que as necessidades de prevenção especial não são particularmente acentuadas mas as necessidades de prevenção geral são muito altas, não se mostra desproporcionada a pena de 6 anos de prisão. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: A - Relatório A.1.A decisão da primeira instância. Através de acórdão proferido a 24 de junho de 2025, pelo Juízo Central Criminal de Faro, – Juiz 2, AA foi condenado, como autor material e na forma consumada, pela prática de “crime de roubo agravado, previsto e punível pelo artigo 210º, nº 1 e 2, als. a) e b), por referência às alíneas f), dos números 1 e 2, bem como ao número 3 do art.º 204.º do Código Penal, na pena de seis anos de prisão”. A.2. O recurso O arguido não se conformou com essa decisão, pelo que dela recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça. O arguido termina a sua peça recursiva com as seguintes conclusões (transcrição integral): “III – Conclusões 1. Orecorrente vem interpor recurso do douto acórdão proferido em primeirainstância, que o condenou numa pena de (6) seis anos de prisão, pela prática em coautoria material de um crime de roubo agravado p. e p. pelo art.º 210.º n.º 1 e 2.º, al. a) e b), por referência à alínea f) dos n.ºs 1 e 2, bem como n.º 3 do art.º 204.º do Código Penal. 2. No modesto entendimento do recorrente, não houve, por parte do Tribunal recorrido um entendimento correto da Lei, pecando a pena aplicada por excessiva, e não visar a finalidade das penas. 3. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele – (art.º 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal). 4. Em face das condições pessoais do arguido, que decorrem do relatório social, e que foram julgadas provadas, e em obediência aos critérios de determinação da medida concreta da pena enunciados no art.º 71.º do Código Penal, haveremos de reconhecer, desde logo, que o arguido agiu com dolo direto, de alguma intensidade é o grau de ilicitude dos factos. 5. O Tribunal a quo aplicou uma pena de 6 anos de prisão, manifestamente excessiva e desproporcional às circunstâncias pessoais e factuais do caso concreto, violando o disposto nos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º do Código Penal; 6. O Tribunal recorrido não ponderou adequadamente as seguintes circunstâncias: a) Ausência de antecedentes criminais (facto 60 dos factos provados); b) Juventude do arguido (23 anos à data dos factos); c) Traumatismo craniano grave aos 14 anos que condicionou o seu desenvolvimento (facto 45); d) Contexto familiar desestruturado com abandono paterno (facto 42); e) Vulnerabilidade a influências externas (facto 53 - "características de fácil permeabilidade ao grupo de pares"); f) Consumo de substâncias iniciado após o acidente, em contexto de fragilidade (factos54-55). 7. Nos termos do art.º 71.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena deve atender: a) À culpa do agente e às exigências de prevenção A culpa do recorrente deve ser analisada à luz do seu percurso de vida marcado por: - Grave traumatismo craniano aos 14 anos que alterou completamente o seu desenvolvimento; - Contexto familiar instável com figura paterna ausente; - Entrada precoce em grupos de risco após o acidente; - Consumo de substâncias estupefacientes como mecanismo de escape. b) Às circunstâncias anteriores e posteriores ao crime Circunstâncias anteriores favoráveis: - Sem antecedentes criminais; - Percurso escolar até ao 11.º ano; - Tentativa de recuperação através de comunidade terapêutica aos 17 anos; - Constituição de família aos 20 anos; - Atividade laboral regular; Circunstâncias posteriores favoráveis: - Comportamento adequado em meio prisional (facto 58); - Participação em formações; - Apoio familiar da companheira, mãe e irmã (facto 59); - Promessa de contrato de trabalho para reintegração (facto 57); - Cessação do consumo de substâncias estupefacientes. 8. As necessidades de prevenção especial encontram-se claramente atenuadas pelos seguintes fatores: - Ausência de reincidência pois foi o primeiro crime praticado; - Contexto específico da prática dos factos, atuação sob influência de terceiros em momento de vulnerabilidade; - Evolução positiva, na medida em que cessou o consumo de substâncias estupefacientes, o que reflete uma melhoria comportamental; - Suporte familiar de que beneficia, tendo rede de apoio estruturada para reintegração na sociedade; - Oportunidade laboral, o contrato promessa de trabalho firmado significa uma perspetiva concreta de reinserção social. 9. A pena aplicada excede manifestamente as necessidades de prevenção geral e especial, tendo em conta: A especial vulnerabilidade do recorrente; O seu percurso de vida marcado por adversidades; As evidentes possibilidades de ressocialização; O apoio familiar existente; Uma pena de prisão efetiva, de 6 anos; Não se adequa ao perfil criminológico do recorrente, primário; Desconsidera o contexto de influenciabilidade; Ignora as reais possibilidades de reintegração social; Contraria os objetivos de ressocialização previstos no artigo 40.º do Código Penal. 10. A jurisprudência tem vindo a reconhecer a relevância de circunstâncias similares na atenuação da medida da pena, nomeadamente: Idade jovem como fator de maior possibilidade de recuperação; Traumatismos cerebrais como fatores condicionantes da personalidade; Contextos familiares desestruturados como elementos de vulnerabilização; Ausência de antecedentes como indicador de menor perigosidade social. 11. Todas estas circunstâncias legitimam a convicção e a forte expectativa que a condição de preso preventivo há mais de um ano e meio lhe permitiu meditar nos atos ilícitos que cometeu e poderá pôr em prática um projeto de vida adequado à vida em sociedade; 12. Visando a aplicação das penas a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º nº 1 do Código Penal) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art.º 40.º nº 2), deverá a pena aplicada ao recorrente ser fixada em medida nunca superior a 04 anos de prisão. 13. A moldura penal abstrata inclui uma multiplicidade de condutas, sendo excessiva, face aos factos provados, toda a pena superior a 04 anos de prisão, sempre se impondo a suspensão da execução da pena, por verificados os pressupostos legais para o efeito enunciados no art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal. 14. No presente caso, sendo a pena de prisão reduzida nos termos modestamente propostos, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado. 15. Perante o grau de ilicitude dos factos praticados; 16. Ausência total de antecedentes; 17. Jovem idade e capacidade de recuperação; 18. Suporte familiar estruturado; 19. Oportunidades laborais concretas; 20. Cessação voluntária do consumo de substâncias estupefacientes; 21. Poderá concluir-se pela desnecessidade da execução efetiva da pena, porquanto o efeito dissuasor já foi alcançado com a condenação; 22. Ademais, é de atender ao risco de dessocialização com o cumprimento efetivo de uma pena de prisão, em que arguido é afastado da sociedade, sendo claramente melhores as perspetivas de reintegração em liberdade, em face do apoio familiar e laboral de que dispõe o arguido. 23. A suspensão da execução da pena permite conciliar as exigências punitivas com os objetivos ressocializadores, evitando os efeitos crimogénicos da prisão, e promovendo a manutenção dos laços familiares e laborais. 24. O arguido, ora recorrente, pode beneficiar da suspensão da execução da pena, pois é possível formular um juízo de prognose favorável à sua reinserção social junto da sua família, aliado ao facto de que a medida de coação que já sofreu, mais de um ano e meio de prisão preventiva, e a ameaça constituirão para ele séria advertência para não voltar a delinquir e satisfaz as exigências de prevenção, sobretudo prevenção geral que o caso exige. 25. Privilegiando a ressocialização do recorrente, perante todo a matéria de facto provada, bastará a ameaça do cumprimento de pena, havendo, por isso, que reduzir a pena a aplicar ao recorrente, nos moldes modestamente propostos, suspendendo-se na sua execução a pena, por se verificarem os legais pressupostos, em face da ausência de antecedentes criminais e do teor do relatório social, ainda que sujeita a regime prova e ou a injunções, acautelando desta forma as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir, o que se espera, em sede de recurso, que, cremos, merece integral provimento, havendo, por isso, que revogar o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que decida nos termos referidos supra, como é de elementar Justiça. 26. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos, art.º 40.º, 50.º, 70.º, 71.º do Código Penal, art.º 18.º, 32.º 62.º da Constituição da República Portuguesa. 1.3. Resposta e parecer do Ministério Público O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta na qual, em síntese e em termos globais, remeteu para a fundamentação do acórdão recorrido e concluiu que o recurso não merece provimento. O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça acompanhou a posição do seu colega tendo, designadamente, acrescentado o seguinte (transcrição parcial): “O crime de roubo agravado é um crime pluriofensivo que atenta contra bens jurídicos patrimoniais – «direito de propriedade e de detenção de coisas móveis alheias» – e contra «bens jurídicos de ordem eminentemente pessoal – os quais merecem tutela a nível constitucional – arts. 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal), 27.º (direito à liberdade e à segurança) e 64.º (protecção da saúde) da CRP» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de março de 2023, processo 978/21.0GCALM.S1, relatado pelo conselheiro Sénio Alves), neste caso também, porque cometido com a introdução ilegítima em habitação, artigos 26.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, do Constituição (direito à reserva da intimidade da vida privada e à inviolabilidade do domicílio). Face à respetiva moldura abstrata (prisão de 3 a 15 anos), integra a classe da criminalidade especialmente violenta (artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal), cuja repressão o legislador erigiu como um dos objetivos específicos da política criminal (artigo 3.º, alínea a), da Lei n.º 51/2023, de 28 de agosto). As suas vítimas são consideradas vítimas especialmente vulneráveis (artigo 67.º-A, n.ºs 1, alínea b), e 3, do Código de Processo Penal). Para além de o crime ter sido cometido em comparticipação com os dois coarguidos, à noite e durante o período de repouso das vítimas, o arguido AA envergou «um gorro que lhe ocultava a cara», circunstâncias que, facilitando a prática do crime e a maior dificuldade de prova, agravam a ilicitude dos factos. Como acertadamente observa o Sr. procurador da República na 1.ª instância, a censurabilidade da conduta do recorrente ainda é mais acentuada pelo facto de ter sido ele «que agiu com um grau de violência mais intensivo e desnecessário», causando à vítima BB lesões que «espoletaram uma probabilidade reforçada de (…) perder a vida e consolidaram-se, de forma permanente, em cicatrizes múltiplas». Relativamente às circunstâncias invocadas no recurso, cumpre assinalar que a ausência de antecedentes criminais e a juventude do arguido foram expressamente consideradas no acórdão, que o traumatismo craniano sofrido aos 14 anos apenas condicionou «o normal desenvolvimento das suas rotinas» durante cerca de um ano e não o impediram, nomeadamente, de frequentar «em idade própria» o 11.º ano de escolaridade, que as dificuldades que atravessou no período de adolescência, decorrentes da influência desestabilizadora do progenitor, da associação a grupos de pares com padrões de comportamento desviantes a cuja influência é facilmente permeável e dos consumos de estupefacientes, ao contrário do que defende, não diminuem as necessidades de prevenção especial, que a constituição de família e o respetivo apoio, assim como os hábitos de trabalho, apresentam limitada relevância atenuativa por se tratar de circunstancialismo de que já beneficiava à data dos factos e que não foi suficiente para inibi-lo de cometer o crime, e que o adequado comportamento no meio prisional, a cessação do consumo de estupefacientes, ocorrido este somente com o ingresso no estabelecimento prisional, e a perspetiva de vir a reintegrar o mercado de trabalho quando sair em liberdade, não diminuem a gravidade objetiva e subjetiva do crime. Na ponderação de tudo o que vem de ser exposto, não temos dúvidas de que a pena aplicada, situada no limite superior do primeiro quarto da moldura abstrata do tipo, se algum reparo merece não é certamente pela sua desproporcionalidade pois está, claramente, aquém do limite da culpa do arguido e satisfaz em medida, a nossa ver, deficitária as exigências de prevenção.” 1.4. Contraditório Notificado nos termos do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (doravante “CPP”) o arguido não apresentou qualquer resposta. * * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. B - Fundamentação B.1. âmbito do recurso O âmbito do recurso delimita-se, como já atrás se referiu, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal). Assim e em suma, a questão a apreciar no presente recurso é, apenas, a adequação ou não, da medida da pena concreta aplicada ao arguido. B.2. Matéria de facto dada como provada Para dar resposta à questão suscitada pelo recorrente impõe-se que passemos a consignar o que ficou ou não apurado. Assim, foi considerado provado e não provado o seguinte1: 1. Factos Provados Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 13 de Janeiro de 2024, cerca das 22h00, CC, AA e DD, e no seguimento de ideia tida por aquela, acordaram entre si dirigirem-se à residência de BB e de EE a fim de, através de sevícias físicas perpetradas nestes últimos com utilização de uma faca de características não apuradas– da qual poderia resultar perigo para a vida e desfiguração perene e manifesta dos corpos dos dois últimos –,introduzirem-se ilegitimamente naquela residência e fazerem sua quantia monetária, que BB guardava numa bolsa que CC sabia ser o local onde aquele ocultava as rendas que recebia dos seus inquilinos. 2. Assim, na execução deste plano em que todos acordaram previamente, pelas 22h30 do mesmo dia, CC, AA - o qual colocou um gorro que lhe ocultava a cara e que tinha dois buracos para os olhos - e DD deslocaram-se ao primeiro andar da casa situada no n.º 367 – A, da Rua 1”, ..., 8150 – ..., no Município de São Brás de Alportel, domicílio de BB e de EE. 3. Aí chegados, AA e DD posicionaram-se ocultos da vista da porta de entrada, da janela da cozinha e da porta do quarto, enquanto que CC, aproveitando a circunstância de ser visita da casa e gozar da confiança de EE, acercou-se da porta de entrada e bateu algumas vezes. 4. Através da janela da cozinha EE avistou CC, razão pela qual abriu a porta. 5. De imediato, na execução daquele plano, AA exibiu a EE a aludida faca, com a lâmina visível. 6. Como consequência directa e necessária desta conduta, EE começou a gritar. 7. CC e AA empurraram o corpo de EE para o interior da residência, introduzindo-se, de seguida, os três arguidos na habitação, tudo contra a vontade de EE e de BB. 8. CC e AA dirigiram-se então ao quarto onde a primeira sabia que se encontrava guardada a aludida bolsa, permanecendo DD no interior da residência, a fim de acautelar a chegada de terceiros. 9. Assim que se apercebeu da permanência de CC e de AA no interior da sua habitação, BB, que estava deitado na cama, tentou levantar-se, mas AA, a fim de possibilitar que a arguida CC retirasse a bolsa contendo pelo menos 1.200,00, empunhou na mão direita a aludida faca, e desferiu vários golpes, introduzindo essa lâmina no corpo de BB - ao mesmo tempo que lhe perguntava “onde está o dinheiro?” - do seguinte modo: a. uma primeira vez, AA introduziu a lâmina daquela faca na barriga de BB, na zona imediatamente abaixo do umbigo; b. após, BB colocou as mãos à frente do seu corpo, mas AA introduziu a lâmina daquela faca no hemitorax esquerdo de BB; c. depois, AA desferiu com aquela faca vários golpes dirigindo a respectiva lâmina para o tronco de BB, só não conseguindo introduzir mesma naquela zona do corpo por aquele ter desviado a trajectória dela, vindo BB a sofrer cinco golpes nos braços e mãos. 10. Neste circunstancialismo, CC levantou a parte de cima de um sommier, retirou uma bolsa contendo no seu interior documentos de identificação, incluindo a carta de condução n.º .. . ...... 6, de BB e uma quantia de, pelo menos, €1.200,00, pertença de BB, e encaminhou-se para a porta, a fim de fazer sua aquela quantia monetária, no que foi logo seguida pelo arguido AA. 11. No entanto, EE agarrou a aludida bolsa que CC retirara, momento em que, na execução do sobredito plano, DD dirigiu-se a EE, manietou-a pelo pescoço, apertou-o e projectou-a contra uma parede, o que determinou que largasse a bolsa. 12. Como consequência, directa e necessária, da conduta de DD, que actuou na execução do plano em que todos os arguidos previamente acordaram, EE ficou atordoada e perdeu os sentidos por alguns momentos, pelo que soltou a bolsa. 13. De imediato, CC saiu da habitação, seguida por AA, ambos em passo de corrida, sendo perseguidos por BB, o qual, aturdido, os seguiu até ao início das escadas, na varanda da habitação. 14. DD ficou alguns segundos no interior da habitação e, quando saiu, e após cruzar-se com BB, desferiu-lhe um pontapé na cabeça, que o atingiu de raspão na fronte. 15. Após, AA e DD fizeram sua a quantia monetária de €470,00, que dividiram entre si, e CC fez sua a bolsa e a quantia monetária remanescente, tudo pertença de BB. 16. Por sua vez, como consequência da conduta de AA, que actuou na execução do plano em que todos os arguidos previamente acordaram, BB sofreu sete “feridas com hemorragia activa” na “fossa ilíaca direita e região torácico abdominal esquerda” “e nos membros superiores”, “volumoso hemoperitoneu” “líquido livre no abdómen de maior intensidade à volta do ângulo hepático esquerdo” “com cerca de 400cc de sangue” pelo que careceu de assistência médica, com prioridade laranja – muito urgente - na ULS Algarve - Hospital de Faro sob o episódio de urgência n.º 84008168, onde foi submetido a intervenção cirúrgica para laparotomia mediana com ressecção segmentar por laceração do meso do ileon com hemorragia activa e perfuração do delgado com cerca de 2cm com anastomose mecânica com GIA LL anisoperistáltica. 17. Tais lesões cortoperfurantes determinaram a BB um período de 40 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho habitual e os primeiros 30 dias com incapacidade para o trabalho geral, tendo estado internado entre o dia 14 de Janeiro e o dia 21 de Janeiro de 2024 18. As lesões descritas em 18. espoletaram uma probabilidade reforçada de BB perder a vida e consolidaram-se, de forma permanente, em cicatrizes múltiplas. 19. CC, AA e DD agiram, conforme acima descrito, voluntária, livre e conscientemente, na execução de um plano por todos previamente delineado, com o propósito comum, concretizado, de molestarem o corpo de BB e de EE, bem como de lhes produzirem as lesões físicas verificadas e, quanto a BB, causarem-lhe os resultados descritos no ponto 18. a fim de, introduzindo-se contra a vontade daqueles dois no seu domicílio e utilizando a descrita faca cujas características conheciam, fazerem sua quantia no montante de €1.200,00, bem sabendo que actuavam contra a vontade de BB e de EE, habitantes naquela residência, o que todos os arguidos representaram, quiseram e conseguiram. 20. Os três arguidos bem sabiam que todas estas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal, que podiam e deviam ter observado. Das condições pessoais dos arguidos e antecedentes criminais Do arguido AA 21. O processo de socialização de AA decorreu no agregado materno, maioritariamente de características monoparentais, face ao abandono paterno da residência de família pelos 4 meses do arguido. 22. AA voltaria a ter contacto com o progenitor pelos seus 7 anos de idade, não tendo, contudo, retomado um relacionamento com aquele na época, mas sim durante a adolescência. 23. A progenitora viria a manter uma relação efémera com um companheiro da qual registou o nascimento da irmã mais nova do arguido. 24. Pelos 14 anos de idade o arguido sofreu um grave acidente (traumatismo craniano - fratura parieto-temporal) durante a prática desportiva de futsal, que lhe viria a condicionar grandemente e durante cerca de um ano, o normal desenvolvimento das suas rotinas. 25. Após a recuperação física AA aparenta ter entrado num quadro de destruturação, ao perder a ligação ao anterior grupo de pares acabou por se associar a outros conotados com fragilidades sociais e consumo de estupefacientes, o que viria a ditar uma reversão do estilo de vida de adequabilidade familiar, escolar e social mantido no período anterior ao acidente. Para tal também viria a contribuir, de acordo com a mãe, a reaproximação do progenitor que por deter um estilo parental permissivo boicotava as tentativas maternas de imposição de regras. 26. Em termos escolares, AA frequentou, em idade própria, os estudos até ao 11º ano, encontrando-se a frequentar, por altura dos factos em causa nos autos, o 12º ano, em regime nocturno. 27. Aos 17 anos de idade e durante um curto período temporal, integrou o mercado de trabalho juntamente com o progenitor, que cessou pela dificuldade de entendimento entre ambos. Posteriormente viria a desenvolver a actividade profissional na construção de piscinas, distribuição de Pizzas, numa fábrica no Reino Unido e, mais recentemente, na realização de trabalhos no sector da construção civil, enquadramento que mantinha no período anterior a ser preso preventivamente. 28. Pelos 20 anos de idade AA conheceu a actual companheira, encetando a união marital com aquela. 29. À data da prática dos factos, o arguido integrava o agregado materno, constituído pelo próprio, progenitora, irmã (17 anos), companheira, enteado (14 anos) e filho comum do casal (3 anos), estando a companheira actualmente grávida de cerca de 6 meses. 30. A dinâmica relacional é descrita como afectivamente investida embora assente nalguma instabilidade comunicacional/relacional entre o arguido e a companheira, face à postura de alguma imaturidade daquele, que por vezes privilegiava a interacção com os amigos em detrimento da vida familiar. 31. Em termos económicos o arguido, à data dos factos, auferia 50,00€/dia de trabalho, a companheira aufere um valor próximo do ordenado mínimo nacional, e a mãe que desenvolve a actividade de cabeleireira aufere um rendimento variável. 32. Em termos pessoais o arguido é descrito como detentor de características de fácil permeabilidade ao grupo de pares. 33. Consumia canabinóides desde os 15 anos de idade, altura compatível com o período pós acidente desportivo, face à aproximação a pares conotados com problemáticas aditivas, e posteriormente de cocaína. 34. Pelos 17 anos, foi acolhido em comunidade terapêutica, no âmbito do processo de promoção e protecção, onde viria a permanecer durante 10 meses, período findo o qual reintegrou o agregado materno. 35. Já adulto terá mantido o consumo de canabinóides em contexto grupal, o que só cessou com o ingresso no estabelecimento prisional, onde inclusive cessou o hábito tabágico. 36. Em meio livre, tem a promessa de um contrato de trabalho, como ajudante de cozinha num restaurante de Faro. 37. Em contexto prisional apresenta, na globalidade, um comportamento adequado às regras e normas e tem vindo integrar formações de curta duração. 38. Tem visitas da companheira, incluindo com visitas íntimas, mãe e irmã, que para além de se constituírem as suas principais figuras afectivas de referência verbalizam na sua total disponibilidade para o apoiar quando em meio livre. 39. Não tem antecedentes criminais. * 2. Factos Não Provados Não se logrou provar que: a. EE careceu de assistência prestada pelos Bombeiros de São Brás de Alportel que se deslocaram ao local. b. As cicatrizes que ficaram no corpo de BB são perceptíveis a qualquer observador do corpo de BB. c. Como consequência da conduta de DD, e descrita em 14 dos factos provados, BB sofreu dores na cabeça. d. A faca utilizada na prática dos factos considerados provados, era munida de um sistema de abertura automática, tendo oculta, dentro do seu cabo, uma lâmina metalizada com aproximadamente 10 cm de comprimento, sendo o mecanismo de abertura accionada por um botão. B.3. O Direito B.3.1. Medida concreta da pena B.3.1.1. Introdução Nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 40º do Código Penal e como refere Figueiredo Dias2, “(a)s finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, sendo que, “a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” pois isso, “mesmo que em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assi, logo por razões jurídico constitucionais, inadmissível.” Por outro lado, continuando a acompanhar esse Mestre e citando o acórdão recorrido, a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstrata da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida. Como decorre do nº 1 do artigo 71º do Código Penal, a medida concreta da pena tem como limite máximo a culpa do agente, como limite mínimo razões de prevenção geral (consubstanciadas no quantum da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expetativas da comunidade), sendo subsequentemente afinada por razões de prevenção especial espelhadas nas funções que a mesma desempenha (seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou segurança ou inocuização3). Escrito de outra forma e usando as palavras de Anabela Miranda Rodrigues, sobre o exposto modelo de determinação concreta da medida da pena: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»4 Para terminar este excurso falta referir que, nos termos do nº 2 daquele mesmo artigo 71º, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente as elencadas exemplificativamente nessa mesma norma. Sobre as circunstâncias, que relevam para a determinação da medida da pena, quer pela via da culpa, quer pela da prevenção, refere Figueiredo Dias5, que as mesmas se podem agrupar em: “1. Fatores relativos à execução do facto”, esclarecendo que: Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram (...); “2) Fatores relativos à personalidade do agente”, em que inclui: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; e c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto; e “3) Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”, esclarecendo que no que respeita à vida anterior ao facto há que averiguar se este surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderá atenuar a pena ou se existem condenações anteriores, que poderão servir para agravar a medida da pena. Também Maria João Antunes refere que podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 6 Finalmente, tem sido jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça que: “II - Sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena - parcelar ou única - por este STJ abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.7 B.3.1.2 O caso concreto No caso em análise, o arguido e ora recorrente AA foi condenado, como autor material e na forma consumada da prática de “crime de roubo agravado, previsto e punível pelo artigo 210º, nº 1 e 2, als. a) e b), por referência às alíneas f), dos números 1 e 2, bem como ao número 3 do art.º 204.º do Código Penal, na pena de seis anos de prisão.” O arguido considera que essa pena é excessiva e defende que a mesma não deve ser superior a 4 (quatro) anos de prisão, devendo a sua execução ser suspensa na sua execução. Para esse efeito e procurando fazer a síntese do alegado pelo recorrente, defende este que o tribunal a quo não ponderou adequadamente as seguintes circunstâncias8: “a) Ausência de antecedentes criminais (facto 60 dos factos provados); b) Juventude do arguido (23 anos à data dos factos); c) Traumatismo craniano grave aos 14 anos que condicionou o seu desenvolvimento (facto 45); d) Contexto familiar desestruturado com abandono paterno (facto 42); e) Vulnerabilidade a influências externas (facto 53 - "características de fácil permeabilidade ao grupo de pares"); f) Consumo de substâncias iniciado após o acidente, em contexto de fragilidade (factos54-55).” (…) Mais à frente, invoca ainda a seu favor: “- Percurso escolar até ao 11.º ano; - Tentativa de recuperação através de comunidade terapêutica aos 17 anos; - Constituição de família aos 20 anos; - Atividade laboral regular; - Comportamento adequado em meio prisional (facto 58), com participação em formações; - Apoio familiar da companheira, mãe e irmã (facto 59); - Promessa de contrato de trabalho para reintegração (facto 57); - Cessação do consumo de substâncias estupefacientes.” Entretanto, o acórdão recorrido fundamentou a pena aplicada nos seguintes termos: “As necessidades de prevenção geral positiva fazem-se sentir de forma acentuada principalmente quanto aos crimes praticados com o recurso a armas, sendo evidente o incremento de casos em que se recorre ao uso de facas para a prática de crimes, instrumento que potencia o nível de intimidação, de desinibição e das consequências das agressões. Ao nível da prevenção especial, esta situa-se num patamar médio, atendendo à circunstância dos arguidos CC e DD terem já antecedentes criminais pelo mesmo tipo de ilícito, bem como ao grau de violência exercido em particular pelo arguido AA. Deverá também ponderar-se que: - os arguidos agiram sempre com dolo directo; - o terem agido em situação de superioridade numérica; - o terem agido de noite, momento em que as vitimas estão mais descontraídas e até vulneráveis, introduzindo-se de forma ilegítima na sua habitação; - o terem actuado com recurso a uma faca; - a já relevante quantia monetária subtraída; - ter sido o arguido AA quem desferiu os golpes no corpo do ofendido; - a favor do arguido AA milita o não ter antecedentes criminais, e o ser ainda bastante jovem; De explicitar, que sendo o crime de roubo agravado pela circunstância de ter resultado perigo para a vida, todas as circunstâncias qualificativas previstas na alínea b) do n.º2 do art.º 210º do Código Penal, foram consideradas para efeitos de medida da pena.” Apreciando, mais uma vez se começa por recordar que o Supremo Tribunal de Justiça aprecia as decisões proferidas pelos tribunais a quo e os respetivos recursos com base na matéria de facto dada como provada. Assim, não se podem ter em consideração factos invocados pelo arguido, mas que não se encontram incluídos na matéria de facto dada como assente. Por outro lado, também não se poderão ter em consideração o que são meras frases proclamatórias ou juízos conclusivos (muitos deles sem sequer suporte na matéria de facto dada como provada) nem a repetição, embora por outras palavras, do mesmo facto em vários dos pontos acima transcritos. Entretanto, vários factos invocados pelo arguido foram tidos em conta pelo Tribunal a quo e, no nosso entendimento, de forma adequada. Finalmente, na escolha da medida concreta da pena não podem apenas ser sopesadas as circunstâncias favoráveis ao arguido sendo que, in casu e como bem refere o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto, existem múltiplos fatores que agravam a sua conduta. Com efeito e começando pelo invocado pelo arguido: A ausência de antecedentes criminais foi sopesada pelo tribunal recorrido, sendo que o seu valor atenuativo – a existir – é muito diminuto, não só face à idade do arguido mas, sobretudo, porque o não cometimento de crimes é um dever que se impõe sobre todos os cidadãos. A juventude do arguido (23 anos à data dos factos) é uma circunstância atenuante que foi tida em conta – e bem - pelo acórdão recorrido. O Traumatismo craniano grave aos 14 anos não tem qualquer valor atenuativo já que foi dado como provado (facto 14) que o mesmo apenas viria a condicionar o normal desenvolvimento das suas rotinas, “durante cerca de um ano”. Aliás e como bem observa o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto tal traumatismo não impediu o arguido de completar o 11º ano da escolaridade… O (c)ontexto familiar desestruturado com abandono paterno foi sopesado pelo acórdão recorrido e tem pouco valor atenuativo. Quanto à vulnerabilidade a influências externas e à fácil permeabilidade ao grupo de pares, não se vê como pode ser considerado com uma atenuante, devendo esclarecer-se que a adesão a grupo de pares conotados com fragilidades sociais e com o consumo de estupefacientes ocorreu “após a recuperação física” do aludido traumatismo (facto 14). Assim e pelo contrário, tais características reforçam as necessidades de prevenção especial… Da mesma forma não se compreende como é que o consumo de substâncias estupefacientes pode ser considerado uma atenuante. Na verdade, tal consumo é proibido e punido por lei, sendo suposto que os cidadãos não violem a lei. Por outro lado, e como atrás referido, tal consumo iniciou-se depois recuperação física do mencionado traumatismo, não tendo sido dado como provado que tenha ocorrido “em contexto de fragilidade”. O percurso escolar até ao 11º ano tem reduzido valor atenuativo, desde logo porque a escolaridade obrigatória se desenvolve por 12 anos. A “tentativa de recuperação através de comunidade terapêutica aos 17 anos “pouco ou nenhum valor pode ter, já que apenas durou 10 meses e, sobretudo, porque o arguido voltou a consumir… A constituição de família aos 20 anos, o apoio familiar da companheira, mãe e irmã, a atividade laboral regular e a promessa de contrato de trabalho para reintegração são fatores atenuativos mas que não assumem o valor que o recorrente lhes pretende atribuir – desde logo porque alguns deles já se verificavam à data do crime e não impediram o recorrente de o cometer -, devendo acrescentar-se que também ficou provado que “(a) dinâmica relacional é descrita como afectivamente investida embora assente nalguma instabilidade comunicacional/relacional entre o arguido e a companheira, face à postura de alguma imaturidade daquele, que por vezes privilegiava a interacção com os amigos em detrimento da vida familiar” (facto 51) O (c)omportamento adequado em meio prisional (facto 58), com participação em formações (de curta duração) tem valor atenuativo, embora seja suposto que os reclusos mantenham comportamento adequado em meio prisional; Finalmente a (c)essação do consumo de substâncias estupefacientes é um facto positivo, mas que reforça a necessidade o arguido se manter em reclusão pois só nessa situação conseguiu parar a sua adição o que, aliás, acontece amiúde com outros reclusos. Analisados as circunstâncias invocadas pelo arguido, há que analisar, agora, os outros fatores resultantes da matéria dada como provada. Assim, a ilicitude é muito acentuada. Com efeito, desde logo tal resulta do facto de o crime praticado pelo arguido se inserir no que a lei classifica como criminalidade especialmente violenta9.Por outro lado, para além de o crime praticado pelo arguido ser qualificado pelo facto de o agente ter produzido um perigo para a vida da vítima (artigo 210º, nº 2 al. a) do Código Penal), outras circunstâncias ocorreram que também podiam produzir esse mesmo resultado. Com efeito, o arguido introduziu-se ilegitimamente na casa da vítima e usou uma faca para cometer o crime. Ora, concedendo o legislador a estas circunstância valor agravativo que altera a moldura abstrata da pena (cf. artigo 210º, nº 2 al. b) com referência às als. f) dos nºs 1 e 2 do artigo 204º, ambos do Código Penal) a ilicitude da conduta é, pelas mesmas, substancialmente elevada. Acresce que a vítima é considerada pela lei10 como especialmente vulnerável, o arguido envergou um gorro para se tentar furtar à ação da justiça e o crime foi cometido de noite. Por outro lado, o dolo é direto e muito intenso, desde logo face ao número e violência das facadas com que o arguido atingiu a vítima e por aquele se ter mostrado indiferente às tentativas desta se defender, golpeando-a, inclusivamente e por isso mesmo, nos braços e nas mãos. As consequências do crime foram graves dado o valor dos objetos subtraídos e, sobretudo, face às lesões provocadas na vítima. Finalmente, as necessidades de prevenção geral são altíssimas – face ao alarme social que estas condutas provocam na comunidade - e as necessidades de prevenção especial, embora menores, assumem relevo face à intensidade e gravidade dos factos cometidos. Assim e tendo em conta que o crime praticado é punível com pena de 3 a 15 anos de prisão, não se afigura excessiva a aplicada pena de 6 anos de prisão. Concluindo, não se vislumbra que, nas operações realizadas para determinação da medida concreta da pena, a decisão recorrida tenha desrespeitado os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação ou consideração dos fatores de medida da pena” não se considerando igualmente que a pena aplicada se mostre “de todo desproporcionada” face à moldura abstrata do crime cometido e a todas as circunstâncias em que o mesmo foi praticado. Aqui chegados e face ao disposto no artigo 50º do Código Penal, perde sentido o pedido de suspensão da execução da pena. Concluindo, o recurso não merece provimento. C – Decisão Por todo o exposto, decide-se; • Negar provimento ao recurso interposto por AA, confirmando-se a decisão recorrida; • Condenar o recorrente no pagamento de 5 (cinco) U.C., relativas às custas devidas. Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada (Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Celso Manata (Relator) Ernesto Nascimento (1º Adjunto) Jorge Gonçalves (2º Adjunto) ______________________________
1. Recorde-se que esta matéria de facto não foi colocada em causa, devendo acrescentar-se que não foram imputados ao acórdão recorrido quaisquer vícios ou nulidades (nem este Alto Tribunal entende que existam) pelo que a mesma está definitivamente fixada, sendo com base nela que se passa a decidir as questões colocadas nos autos. 2. “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” 4ª reimpressão, pág. 227 e sgs. 3. Figueiredo Dias, ob. citada 223 e sgs. 4. Cf. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, abril-junho de 2002, págs. 181 e 182. 5. Cf. “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, pág. 245 a 255. 6. Cf. “Consequências Jurídicas do Crime”, Lições para os alunos da FDC, Coimbra, 2010-2011. 7. Ac. do STJ de 25 de setembro de 2025 – Proc. nº 3251/22.3JABRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt. 8. Na sua peça recursiva o arguido repete, múltiplas vezes e ainda que usando formulações diversas, as circunstâncias que fundamentam o seu recurso. 9. Cf. art. 1º, al. l) do CPP. 10. Cf. artigo 67ºA, nºs 1, al. b) e 3 do CPP, na redação da Lei 2/2023, de 16 de janeiro. |