Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18/18.7T9FND-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CELSO MANATA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O Recorrente não coloca em causa a sua condenação na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, pretendendo a revisão da decisão apenas para que tal pena seja suspensa na sua execução;
II - O recurso extraordinário de revisão de sentença, estabelecido no art. 449.ºe ss. do Código de Processo Penal constitui uma solução de compromisso entre a segurança que o caso julgado assegura e a alteração de decisões que seria chocante manter e, por isso mesmo, só pode ser utilizado em casos inequivocamente excecionais;
III - Nos termos do disposto no n.º 3 do art. 449.º, não é admissível a revisão de sentença com fundamento em factos ou meios de prova novos quando, concordando-se com a condenação, se pretenda, apenas, que a pena aplicada seja suspensa na sua execução, pretensão que pode ser alcançada através de recurso ordinário.
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO


Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:


A – Relatório


A.1. A sentença da primeira instância1


Através de sentença proferida nos presentes autos a 6 de janeiro de 2022, foram os arguidos condenados, nos seguintes termos:

• O arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107ᵒ, nᵒˢ 1 e 2, e 105ᵒ, nᵒˢ 1 e 4, alínea a) e b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (doravante “RGIT”), com referência aos artigos 30ᵒ e 79ᵒ do Código Penal, na pena de 02 (dois) anos e 05 (cinco) meses de prisão;

• A arguida “Eirinhas Construções, Lda”, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, nos termos das disposições supra aludidas, conjugadas com os arts. 6º e 7º do RGIT, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) euros, o que perfaz a multa global de 2200,00 (dois mil e duzentos) euros;

• A pena aplicada ao arguido AA foi suspensa na sua execução por 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, com a condição de proceder, no decurso da suspensão, ao pagamento de 33.199,65 EUR (trinta e três mil, cento e noventa e nove euros e sessenta e cinco cêntimos) e acréscimos legais.


A.2. O recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra


Inconformados com essa decisão, dela recorreram os arguidos e o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra o qual, através de acórdão proferido 1 de junho de 2022, negou provimento ao recurso dos arguidos e concedeu provimento ao apresentado pelo Procurador da República, revogando a sentença na parte relativa à suspensão da execução da pena, assim ficando o arguido e ora recorrente AA condenado na pena de 02 (dois) anos e 05 (cinco) meses de prisão efetiva.


O arguido ainda recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional, mas sem qualquer sucesso - o primeiro não lhe admitiu o recurso e o segundo considerou que não eram inconstitucionais as normas em que este Alto Tribunal se apoiou para tomar aquela decisão de não admissão - tendo o acórdão do Tribunal da Relação transitado em julgado a 26 de outubro de 2023.


A.3. O recurso extraordinário de revisão


A.3.1. O recurso


Continuando inconformado, vem agora o arguido interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça nos termos do disposto no artigo 449.º, nº.1, al. d) do Código de Processo Penal, o que faz através de peça processual que encerra com as seguintes conclusões (transcrição integral):


“CONCLUSÕES


1. Os ora recorrentes foram condenado através de d. sentença de 06-01-2022, tendo o arguido AA, sido condenado na pena de 2 anos e 5 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período e sob condição de pagamento ao ESTADO da quantia de €33.199,65 por dividas de contribuições à Segurança Social no período de Agosto de 2013 a Dezembro de 2016.


2. Subiram os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra que, julgando procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, por d. Acórdão de 01-06-2022, alterou a decisão de primeira instância revogando a suspensão da pena de prisão, determinando, em consequência, pena de prisão efetiva por 2 anos e 5 meses.


3. Tal d. Acórdão foi ainda objeto de recurso, primeiro, para o Supremo Tribunal de Justiça, e, posteriormente, para o Tribunal Constitucional, que manteve a decisão plasmada no d. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que transitou em julgado em 26 de Outubro de 2023.


4. O referido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra apresenta os seguintes fundamentos para, tornando-a efetiva, proceder à revogação da suspensão da pena de prisão:


“Se o juízo decisivo à suspensão da execução da pena é o que é feito no momento da escolha da pena a aplicar, então resulta que todos os factos ocorridos entretanto, e que sejam relevantes à escolha daquela pena, são de considerar.


E entre os factos relevantes a considerar temos os que resultam dos processos 8/14.9... e 95/17.8..., em cada um dos quais o arguido está condenado em pena de 2 anos e 3 meses de prisão, com execução suspensa, por dívidas à Segurança Social de 75.237,88 € e de 41.474,68 €. Portanto, as necessidades de prevenção especial são enormes.


E enormes são as necessidades de prevenção geral. Como todos sabemos, a criminalidade financeira contra o Estado mantém-se em números muito significativos e continua a desmerecer um juízo veemente de censura por parte da sociedade e dos agentes. Sendo certo que a chamada criminalidade clássica tem eco na sociedade, esta outra criminalidade ainda hoje não o tem, nomeadamente neste campo concreto tão sensível e fundamental para o Estado social. A demonstração clara desta afirmação está no comportamento do arguido que, não obstante as penas que pendem sobre si, não o alterou, revelando um desprezo total pelas decisões proferidas e um sentimento de impunidade surpreendente.


O resultado lógico de tudo quanto foi referido é que as penas de suspensão da execução das penas de prisão não têm surtido os efeitos pretendidos, pois não têm determinado o arguido a mudar os seus comportamentos e encetar uma vida de acordo com o direito e as regras de convivência social.


Por tal facto impõe-se alterar a sentença no que respeita à decisão de suspender a execução da pena aplicada ao arguido AA.”


5. O venerando Tribunal da Relação de Coimbra entendeu revogar a suspensão da pena de prisão e aplicar pena efetiva de prisão porquanto no âmbito dos Proc. 8/14.9... e Proc. 95/17.8... o arguido, em cada um, “está condenado em pena de 2 anos e 3 meses de prisão, com execução suspensa, por dívidas à Segurança Social de 75.237,88 € e de 41.474,68€”


6. A probabilidade muito séria da injustiça da condenação nos presentes autos ocorre quando se revoga a suspensão da pena de prisão com base nos referidos processos (Proc. 8/14.9... e 95/17.8...) por dívidas que afinal não existiam, ou muito provavelmente não existiam, à data da prolação das referidas decisões, quer de primeira instância, quer no Tribunal da Relação.


7. Factos que os ora recorrentes só agora vieram a tomar conhecimento e que não foram apresentados nem apreciados nas datas das referidas decisões judiciais, uma vez que eram desconhecidos dos arguidos e do tribunal, uma vez que não existiam.


8. Foi ordenada pelo d. tribunal a junção a estes autos em 13/03/2024 – refª citius .....08 DOC. 13 - documento que prova e infirma objetivamente aqueles factos que determinaram a revogação da suspensão da pena de prisão nestes autos porquanto a dívida se encontrava paga, ou, por outro lado, estes novos factos ou meios de prova suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, quer na data da prolação da sentença no âmbito do Proc. 8/14.9..., quer, mormente, à data da prolação das infra d. decisões proferidas nos presentes autos.


9. O período em causa da dívida que determinou a condenação no Proc. 8/14.9..., no montante de 75.237,88 €, refere-se à falta de pagamento das quotizações entre Junho de 2006 a Julho de 2013.


10. O doc. 13 refª citius .....08 de 13/03/2024 refere os pagamentos efetuados em processos executivos desde 2004-05-06 até 2024-02-15.


11. Aquele documento refere a “IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA; TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 361.515,33€; TOTAL DE ACRESCIDOS : 178.977,36€; TOTAL : 540.492,69€” e o “TOTAL PAGO: 384.376,41€”, valor este que se mostra superior à quantia exequenda (sem juros).


12. Todavia, e sobremaneira para os efeitos de revisão da d. sentença, ressalta deste documento que no referido período de Junho de 2006 a Julho de 2013 os arguidos procederam ao pagamento do montante total de €227.693,10, e no período total constante no documento até à data da d. sentença de 06-01-2022 (06-05-2004 até 06-01-2022) a quantia total de €271.618,97.


13. E até à data do d. Acórdão do TRC de 01-06-2022 que revogou a suspensão da pena de prisão, a quantia total de 295.536,67€


14. Na data da prolação da d. sentença em 06-01-2022 e, principalmente e para os efeitos da presente Revisão, na data do D. Acórdão TRC de 01-06-2022 a quantia de 75.237,88 € a que os arguidos foram condenados teria forçosamente de estar incluída no pagamento total efetuado de €295.536,67.


15. Por mero raciocínio, se somássemos estes dois valores perfazia o montante de €370.744,55; quantia esta já superior ao montante do total da dívida exequenda de €361.515,33 constante naquele documento, sem sequer se contabilizar o montante constante neste processo de €33.199,65 [sem prejuízo destes valores (€33.199,65 e 75.237,88€) se referirem não à totalidade da dívida mas, outrossim, referentes somente aos 11% da contribuição retida ao trabalhador], que atingiria um valor total em dívida muito superior à divida exequenda constante no referido documento da Segurança Social…


16. Acresce ainda que, no âmbito do Processo 8/14.9... foram também entregues até 06-01-2022 (data da d. sentença) a quantia de 6.500,00€ e até 06-01-2022 a quantia de €9.000,00, conforme duc´s atrás referidos.


17. Estes novos factos ou meios de prova suscitam fortemente graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


18. Com efeito, à data da prolação da d. sentença em primeira instância em 06-01-2022 já se mostrava paga a quantia de €278.118,97 (€271.918,97+€6.500,00);


19. E à data da prolação do d. Acórdão em 01-06-2022 já se mostrava paga a quantia de €304.536,67


20. Atento os referidos pagamentos de que os arguidos tiveram agora conhecimento,


21. Existe a probabilidade muito séria da injustiça da condenação nestes autos quando em sede de Recurso foi revogada a suspensão da pena de prisão com o fundamento na falta de pagamento da quantia 75.237,88 €, quando nessa data se encontrava paga a quantia total de €304.536,67;


22. Dum total da divida exequenda de €361.515,33 constante naquele documento, sem sequer se contabilizar o montante constante neste processo de €33.199,65 [sem prejuízo destes valores (€33.199,65 e 75.237,88€) se referirem não à totalidade da dívida mas, outrossim, referentes somente aos 11% da contribuição retida ao trabalhador], que atingiria um valor total em dívida muito superior à divida exequenda constante no referido documento da Segurança Social…


23. Na data da prolação do d. Acórdão do TRC de 01-06-2022 a quantia de €75.237,88 encontrava-se paga.


24. Tendo sido este facto o fundamento para a revogação da suspensão da pena de prisão;


25. Tendo os arguidos conhecimento através do doc. 13 refª citius .....08 de 13-03-2024 que a quantia se mostra paga, ou, que existe a probabilidade séria da injustiça da condenação na qual se fundamentou a revogação da suspensão da pena de prisão, deve, neste ínterim, o presente recurso merecer provimento


26. Acresce que o arguido AA foi condenado no Proc. 95/17.8..., juntamente com a sociedade F..., Lda, a pena de prisão de 2 anos e 3 meses, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sob condição do pagamento da quantia de 41.474,68€.


27. No âmbito daqueles autos foi por d. despacho prolatado em 14-03-2024 (refª citius ......65), que apreciou a extinção da pena que estava condicionada ao pagamento da quantia de 41.474,68€, determinado a extinção da pena pelo cumprimento


28. No qual se refere: “Por conseguinte, em dívida permanece o valor de 27.033,61 EUR (vinte e sete mil e trinta e três euros e sessenta e um cêntimos), sendo que a F..., Lda, goza de um saldo de conta corrente positivo de IVA no valor de 46.969,76 EUR (quarenta e seis mil, novecentos e sessenta e nove euros e setenta e seis cêntimos), isto é, mais do que suficiente para acautelar o montante em falta.” (negrito e sublinhado nosso)


29. Tal saldo de conta corrente positivo de IVA no valor de €46.969,76 existe desde o “4º trimestre de 2016” conforme foi informado através do ofício da AT enviado aos autos em 29/02/2024 (refª citius .....34)


30. A d. sentença que condenou os arguidos na referida pena suspensa de prisão condicionada ao pagamento foi proferida em 06-02-2019 e transitou em julgado em 18-03-2019 (refª citius 36893931 de 20-02-2024)


31. Mais acresce que, e para o que importa, até à data de 06-01-2022 (d.sentença nestes autos) e sobremaneira até 01-06-2022 (d. Acórdão TRC) entregaram os arguidos à conta dos autos 95/17.8... a quantia total de €4.500,00, através de DUC´s ali juntos.


32. À data da d. decisão nestes autos em 06-01-2022 os arguidos não eram devedores de qualquer quantia à Segurança Social porquanto detinham crédito de IVA sobre o Estado que acabou por só agora ser reconhecido pela AT e, assim, vir a ser compensado, quando àquela data – 06-01-2022- já não eram devedores de qualquer quantia atendendo a data agora certificada pela AT (4º trimestre de 2016).


33. E, sobremaneira, na data da prolação do d. Acórdão do TRC de 01-06-2022 que revogou a suspensão da pena de prisão, também não eram devedores de qualquer quantia ao Estado, concretamente, à Segurança Social.


34. O reconhecimento pela AT do crédito de IVA existente desde o 4º trimestre de 2016, situação e reconhecimento que era até à data da sua notificação de 29-02-2022, desconhecida pelos arguidos e pelo d. tribunal,


35. E da existência da probabilidade muito séria da injustiça da condenação nestes autos quando em sede de Recurso foi revogada a suspensão da pena de prisão com o fundamento na falta de pagamento da quantia de 41.474,68€.


36. Quando naquela data a quantia se encontrava paga por compensação do crédito de IVA, como agora veio a ser determinado, deve determinar a procedência do presente recurso.


37. A presente Revisão de sentença segue de perto, atentas as respetivas semelhanças, o d. Acórdão do STJ de 26-04-2012, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:


“I - A revisão extraordinária de sentença transitada só pode ser concedida em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos indicados no n.º 1 do art. 449.º do CPP.


II - Para efeitos da al. d), factos novos e novos meios de prova, segundo a jurisprudência actualmente dominante no STJ, são aqueles que não puderam ser apresentados e apreciados ao tempo do julgamento, quer por serem desconhecidos dos sujeitos processuais, quer por não poderem ter sido apresentados a tempo de serem submetidos à apreciação do julgador.


III - Uma versão morigerada deste entendimento extrai-se do Ac. proferido no Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1 - 5.ª: “os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes da sua apresentação”.


IV - De outro modo, o recurso extraordinário de revisão passaria a ser banalizado e a converter-se num expediente frequente, pondo efectivamente em causa a estabilidade do caso julgado e subvertendo a própria razão de ser deste fundamento.


V - Estes novos factos ou meios de prova têm de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. A lei não exige certezas acerca da injustiça da condenação, apenas dúvidas. Mas essas dúvidas têm de ser graves, de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação do arguido, que não a simples medida da pena imposta (n.º 3 do art. 449.º do CPP). Contudo, a lei não veda a revisão que se funda em dúvida grave sobre a escolha da pena, por exemplo, a aplicação de uma pena de substituição de uma pena de prisão.


VI - Depois da decisão condenatória ter transitado em julgado, foi trazido ao processo o certificado de registo criminal do recorrente, o qual estava inteiramente limpo, verificando-se, então, que o que foi levado em conta na decisão revidenda era de uma terceira pessoa.


VII - Trata-se de um facto novo que não era conhecido do arguido, nem do tribunal ao tempo do julgamento. Esse facto, conjuntamente com os que foram apreciados no processo, suscita grave dúvida sobre a justiça da condenação. É que o tribunal justificou a não substituição da pena de prisão por pena de execução suspensa, nomeadamente com a existência de antecedentes criminais por parte do recorrente.


VIII - Impõe-se, pois, a concessão da revisão pela subsistência de dúvidas graves sobre a justiça da condenação do arguido no que se refere à possibilidade de aplicação de uma pena de substituição, nomeadamente a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.”


38. Foram os arguidos confrontados com novos factos e elementos de prova.


39. No âmbito do Proc.8/14.9... foi junto aos autos em 13-03-2022, por determinação do d. Tribunal, documento emitido pela Segurança Social (refª citius .....08 DOC. 13) que contraria e infirma de forma direta e grave a condenação sofrida nesses autos porquanto denota graves dúvidas quanto à existência da dívida que determinou a condenação.


40. No âmbito do Proc. 95/17.8... foi junto aos autos, também por determinação deste d. Tribunal, documento emitido pela Autoridade Tributária que certifica crédito de IVA do 4º trimestre de 2016 a favor da ali arguida F..., Lda, no montante de €46.969,76 (refª citius .....34 no proc.95/17.8...) que, anterior à data quer do julgamento ali realizado naqueles autos e, principalmente ao que se reporta o presente recurso, na data do Acórdão do TRC – 01-06-2022 -, se revelaria, como revelou, suficiente para ser compensado com a dívida determinada naquele processo de 41.474,68€,


41. Tais documentos são reveladores que à data da prolação da sentença proferida nestes autos – 06-01-2022 –, e, sobremaneira, à data do d. Acórdão do TRC que determinou a revogação da suspensão da pena de prisão – 01-06-2022 - os mesmos eram desconhecidos pelos arguidos e bem assim do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, assim, não os podia levar em consideração.


42. Factos esses, conjuntamente com os que foram apreciados no processo, suscitam graves e fortes dúvidas sobre a justiça da condenação.


43. É que o d TRC (Ac. TRC de 01-06-2022) justificou e fundamentou a revogação da suspensão da pena de prisão por pena de prisão efetiva, com a existência das anteriores dividas à Segurança Social no âmbito dos Processos 8/14.9... e 95/17.8..., que, veio agora, com a junção dos referidos documentos, a ser do conhecimento quer do arguido quer do Tribunal, que à data da condenação – 01-06-2022 - aquelas dívidas se encontravam pagas ou, quanto muito, que a referida prova documental suscita graves dúvidas sobre a existência das referidas dívidas e, bem assim, da justiça da condenação.


44. A lei não exige certezas acerca da injustiça da condenação, apenas dúvidas, que, in casu, são graves e fortes porquanto foram tais factos, a existência de dívidas anteriores à segurança Social, que agora se revelam pagas ou suscitam graves dúvidas sobre a sua existência, que à data da prolação do Acórdão fundamentaram a revogação da pena de prisão por pena de prisão efetiva.


45. Como, aliás, é referido no sumário do d. Acórdão do STJ supra referido que se acompanha:


“Mas essas dúvidas têm de ser graves, de molde a pôr em causa, de forma séria, condenação do arguido, que não a simples medida da pena imposta (n.º 3 do art. 449.º do CPP). Contudo, a lei não veda a revisão que se funda em dúvida grave sobre a escolha da pena, por exemplo, a aplicação de uma pena de substituição de uma pena de prisão”


46. Urge assim o presente recurso ser recebido, instruído de acordo com o disposto no artigo 453º e seguintes do CPP e tramitado no Supremo Tribunal de Justiça, aí devendo merecer provimento.”


A.3.2. A informação judicial


O Sr. Juiz de Direito prestou a informação a que se reporta o artigo 454º do Código de Processo Penal nos seguintes termos (transcrição integral):


“Cabendo dar cumprimento ao artigo 454.ᵒ do Código de Processo Penal, impõe-se dizer o seguinte:


Nos presentes autos, foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 107.ᵒ, n.ᵒˢ 1 e 2, e 105.ᵒ, n.ᵒˢ 1 e 4, alínea a) e b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, com referência aos artigos 30.ᵒ e 79.ᵒ do Código Penal, na pena de 02 (dois) anos e 05 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com a condição de proceder, no decurso da suspensão, ao pagamento de 33.199,65 EUR (trinta e três mil, cento e noventa e nove euros e sessenta e cinco cêntimos) e acréscimos legais.


De tal decisão foi interposto recurso pelo Ministério Público, pugnando pelo cumprimento efectivo da pena de prisão, o que viria a merecer provimento no Tribunal da Relação de Coimbra.


Após recursos interpostos, pelo arguido, para o Supremo Tribunal de Justiça de e para o Tribunal Constitucional, os quais não surtiram efeito na alteração da decisão daquela Relação, tornou-se esta decisão definitiva.


Vem agora o arguido interpor recurso de revisão, alegando que:

«O venerando Tribunal da Relação de Coimbra entendeu revogar a suspensão da pena de prisão e aplicar pena efetiva de prisão porquanto no âmbito dos Proc. 8/14.9... e Proc. 95/17.8... o arguido, em cada um, “está condenado em pena de 2 anos e 3 meses de prisão, com execução suspensa, por dívidas à Segurança Social de 75.237,88 € e de 41.474,68€”»,

sendo que a decisão assim tomada consubstancia, alega, «a probabilidade muito séria da injustiça da condenação», tanto mais porque «se revoga a suspensão da pena de prisão com base nos referidos processos (Proc. 8/14.9... e 95/17.8...) por dívidas que afinal não existiam à data da prolação das referidas decisões, quer de primeira instância, quer no Tribunal da Relação».


Em suma e se bem entendemos o recurso interposto: o arguido, que não põe em causa o facto de ter sido condenado nos autos principais (Processo n.ᵒ 18/18.7...), alega ser injusta a revogação, em recurso, da suspensão da execução da pena de prisão, porquanto tal revogação se fundamentou em dívidas à Segurança Social que, afinal, não existiam (dívidas essas que estiveram na base dos Processos n.ᵒˢ 8/14.9... e 95/17.8...).


Adivinha-se, por conseguinte (e adivinha-se porque em momento algum do recurso interposto se diz ou peticiona), que o arguido pretende a revogação da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que, por sua vez, havia revogado a decisão da primeira instância.


E aqui reside, percebe-se de pronto, a primeira questão, a qual se prende com saber se o arguido, com as afirmações proferidas em sede de recurso, está a dizer, ainda que nas entrelinhas, não ter cometido os crimes pelos quais foi condenado no âmbito dos Processos n.ᵒˢ 8/14.9... e 95/17.8..., ou se, pelo contrário, está apenas a querer dizer que, não obstante tendo cometido os crimes pelos quais foi condenado, já havia, à data da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do Processo n.ᵒ 18/18.7..., procedido ao pagamento das dívidas naqueles Processos n.ᵒˢ 8/14.9... e 95/17.8...


É que, se o caso é o primeiro, fica então por perceber o motivo pelo qual não interpôs, no âmbito dos Processos n.ᵒˢ 8/14.9... e 95/17.8..., recurso de revisão de sentença (cf., com interesse quanto a este segundo processo, o artigo 449.ᵒ, n.ᵒ 4, do Código de Processo Penal) para, dessa forma, ter consistência o recurso de revisão aqui apresentado; já se o caso é o segundo, ter ou não, entretanto, liquidado a dívida, é absolutamente irrelevante, na medida em que:

«A existência de um acordo de pagamento celebrado entre o devedor da prestação contributiva e a Segurança Social, anterior ao termo dos prazos estabelecidos como condições objetivas de punibilidade, previstos no artigo 105ᵒ, n.ᵒ 4, alíneas a) e b), do RGIT aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal contra a segurança social, ex vi do n.ᵒ 2 do artigo 107ᵒ do RGIT, ou deles contemporâneo, mesmo que exista cumprimento parcial desse acordo, dentro desses prazos, não afasta o preenchimento do crime de abuso de abuso de confiança contra a segurança social». (cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-10-2021, Processo n.ᵒ 1192/16.2T9STR.E2 (Fátima Bernardes), disponível em dgsi.pt),

o que, no caso concreto, quer dizer especificamente que os motivos invocados pelo Tribunal da Relação de Coimbra para sustentar a revogação da decisão da primeira instância, não se mostram beliscados.


Mas se temos dúvidas quanto ao que quer afirmar o arguido neste particular, há pelo menos uma certeza incontestável: o arguido pretende deixar claro que não se recordava, até ao momento da interposição deste recurso de revisão, de ter desembolsado 304.536,67 EUR (trezentos e quatro mil, quinhentos e trinta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) para pagamento de dívidas à Segurança Social, o que, cremos, se configura de exigente aceitação, tanto mais quando em sede de sentença se provou, entre o mais, o seguinte:

«A sociedade “Eirinhas Construções, Lda.” tem por objecto a construção civil, obras públicas e urbanizações, compra e venda de terrenos e exercício da actividade silvícola e florestal, encontrando-se registada na Conservatória do Registo Comercial ... sob a matrícula nᵒ .......60.

Tal sociedade tem as suas instalações sedeadas na Estrada ..., estando a gerência da mesma, formalmente e de facto, desde a sua constituição e durante o período infra referido, a cargo do sócio e aqui arguido AA.

Durante tal período de tempo era o arguido que dava ordens aos trabalhadores, as obras a realizar no dia-a-dia, recebia os créditos e pagava os débitos, decidia a celebração de contratos, da realização de investimentos, do número de trabalhadores a seu cargo, bem como do destino a dar aos proventos gerados e também quem assumia os prejuízos sofridos».

E se é assim, o Supremo Tribunal de Justiça tem a palavra:

«Apenas são novos os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão. Se, ao invés, o recorrente conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, tais factos e meios de prova não relevam para efeitos de revisão de sentença» (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-01-2011, Processo n.ᵒ 968/06.3TAVLG.S1 (Oliveira Mendes), disponível em dgsi.pt).

Aqui chegados, vejamos então em que se sustenta o Tribunal da Relação de Coimbra para revogar a decisão que suspendeu a execução da pena de prisão:

«Refira-se que no CRC do arguido, datado de 27-12-2021, resulta as penas aplicadas nos processos 8/14.9... e 95/17.8... pelos crimes de abuso de confiança contra a segurança social não estão extintas.

Resultando, daqui, que as penas se mantêm, concluímos que a condição imposta à suspensão da execução de cada uma das penas de prisão aplicadas não foi cumprida. Porém, a sentença decidiu «que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção criminais» sem se ter pronunciado sobre isso e sem ter referido se houve pagamentos e em que montantes.

Os factos julgados nos autos ocorreram entre Agosto de 2013 a Dezembro de 2016 e os julgados no processo 8/14.9... ocorreram entre Junho de 2006 e Julho de 2013. Quanto aos factos julgados no processo 95/17.8... não conseguimos apurar a data do seu cometimento.

Perante isto, e dado que a sociedade arguida foi constituída em 15-3-1998, é caso para perguntar se os arguidos alguma vez cumpriram as suas obrigações relativamente à Segurança Social e em caso positivo durante quanto tempo, dado que pelo menos durante mais de 10 anos não cumpriram.

Mais se provou, de relevante nesta sede, que o arguido vive desde Dezembro de 2020 com o filho, que trabalha por conta própria em empresas nos ramos da construção civil, obras públicas e florestal, que aufere cerca de 1.200 €, despendendo 250 € no pagamento de empréstimo bancário para aquisição de casa própria e 445 € por compromissos assumidos relacionados com o filho, que as autoridades policiais ... referiram que o arguido denota comportamentos de maior ajustamento, de contenção e adequação comportamental, tendo a mesma informação sido prestada pela autoridade policial de ..., referindo que isto não obstante terem surgido os processos 656/20.8... e 153/21.4...

Nos termos do art. 50ᵒ, nᵒ 1, do Código Penal «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

A suspensão da execução de uma pena de prisão tem lugar quando a simples censura do facto e a ameaça da pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Trata-se de uma sanção de conteúdo pedagógico e reeducativo, pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o condenado e tem na sua base um juízo de prognose social favorável, que assenta num risco de prudência entre a reinserção, por um lado, e a protecção dos bens jurídicos violados, por outro, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção. Daí que revista um nítido factor de inclusão social, dada a opção em manter o condenado em liberdade, mesmo que com deveres ou condições ou sujeito a regime de prova, desta forma possibilitando que se mantenham ou incrementem as condições de sociabilidade e evitando-se os riscos de fractura familiar, social ou laboral (acórdão do S.T.J. de 18-12-2008, processo 08P2837). É a opção pela socialização em liberdade do condenado, sem que isso signifique que tenha de existir uma plena certeza que este venha efectivamente a reinserir-se.

Porém, muitas vezes a execução da pena de prisão é indispensável à defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consistente de desconsideração do desvalor de condutas ilícitas relevantemente ofensivas da vida comunitária, sendo que em tais casos as necessidades de prevenção sobrepõem-se à ressocialização do condenado (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, 2005, pág. 344).

Por isso, para efeitos de suspensão da execução da pena, e para além da reintegração do condenado, é também essencial atender, porque inerente aos fins das penas, à protecção dos bens jurídicos violados, à protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes.

É neste equilíbrio entre a ressocialização do condenado e a tutela do ordenamento jurídico, visando a obtenção da paz jurídica, que assenta o juízo de prognose pressuposto da suspensão.

O ponto de partida é o momento da decisão condenatória, porque é no momento do julgamento que se pode antever se a suspensão pode ou não favorecer a integração do arguido na sociedade sem pôr em causa as finalidades político-criminais de aplicação das penas (acórdão do T.R.C. de 7-3-2012, processo 23/11.4 GAAGD.C1). Daí que as circunstâncias posteriores à prática criminosa podem influenciar, positiva ou negativamente, a decisão (acórdão do STJ de 24-5-2001).

No caso dos autos os factos ocorreram entre Agosto de 2013 e Dezembro de 2016 e antes destes factos e depois deles o arguido praticou crimes e foi condenado por eles em penas de prisão com execução suspensa. Ou seja, as penas de suspensão da execução das penas de prisão não têm surtido os efeitos pretendidos, pois não têm determinado o arguido a mudar os seus comportamentos e encetar uma vida de acordo com o direito e as regras de convivência social.

Relativamente aos crimes fiscais cometidos e pelos quais foi condenado, ambas as sentenças condenatórias são posteriores aos factos aqui julgados, podendo dizer-se, então, que se o tribunal concluiu, naqueles processos, que a suspensão da execução da pena era a sanção adequada, então, por maioria de razão, teria que o concluir também aqui.

Parece-nos que não é assim. Se o juízo decisivo à suspensão da execução da pena é o que é feito no momento da escolha da pena a aplicar, então resulta que todos os factos ocorridos entretanto, e que sejam relevantes à escolha daquela pena, são de considerar.

E entre os factos relevantes a considerar temos os que resultam dos processos 8/14.9... e 95/17.8..., em cada um dos quais o arguido está condenado em pena de 2 anos e 3 meses de prisão, com execução suspensa, por dívidas à Segurança Social de 75.237,88 € e de 41.474,68 €.

Portanto, as necessidades de prevenção especial são enormes.

E enormes são as necessidades de prevenção geral.

Como todos sabemos, a criminalidade financeira contra o Estado mantém-se em números muito significativos e continua a desmerecer um juízo veemente de censura por parte da sociedade e dos agentes. Sendo certo que a chamada criminalidade clássica tem eco na sociedade, esta outra criminalidade ainda hoje não o tem, nomeadamente neste campo concreto tão sensível e fundamental para o Estado social.

A demonstração clara desta afirmação está no comportamento do arguido que, não obstante as penas que pendem sobre si, não o alterou, revelando um desprezo total pelas decisões proferidas e um sentimento de impunidade surpreendente.

O resultado lógico de tudo quanto foi referido é que as penas de suspensão da execução das penas de prisão não têm surtido os efeitos pretendidos, pois não têm determinado o arguido a mudar os seus comportamentos e encetar uma vida de acordo com o direito e as regras de convivência social.

Por tal facto impõe-se alterar a sentença no que respeita à decisão de suspender a execução da pena aplicada ao arguido AA».

Em considerável suma: a tónica do Tribunal da Relação de Coimbra não esteve, nem esteve perto de estar, nas dívidas do arguido, mas nos crimes cometidos pelo mesmo, crimes esses cometidos «antes destes factos [Processo n.ᵒ 18/18.7...] e depois deles».


Assim dito, de resto, só vem reforçar o que antes deixámos claro: se o fundamento do Tribunal da Relação de Coimbra são os crimes e o arguido entende não os ter cometido, então primeiro é necessário que efectivamente se conclua que não os cometeu, para depois colocar em causa a decisão que afirmou o seu contrário.


De todo o modo, sempre será de deixar dito que nenhum dos elementos de prova indicados pelo arguido suportam a tese que o mesmo desenvolve no recurso apresentado, desde logo porque, mesmo a aceitar-se que o arguido procedeu ao pagamento de 304.536,67 EUR (trezentos e quatro mil, quinhentos e trinta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) – (sendo certo que o ofício da Segurança Social se reporta a um valor superior, como sejam 384.376,41 (trezentos e oitenta e quatro mil, trezentos e setenta e seis euros e quarenta e um cêntimos)) o documento que o atesta não afirma, sequer sugere, que era esse o valor da dívida, antes deixa consignado fixar-se tal valor em 540.492,69 EUR (quinhentos e quarenta mil, quatrocentos e noventa e dois euros e sessenta e nove cêntimos).


Não obstante, assiste inteira razão ao arguido quando afirma que o documento junto aos autos principais a 13-03-2024 (referência .....08) é, efectivamente, novo, porquanto apenas do conhecimento deste Tribunal após despacho de 07-03-2024 (referência ......33).


É, pois, tudo quanto cumpre informar, nos termos do já citado artigo 454.ᵒ do Código de Processo Penal.”


A.3.4. O parecer do Ministério Público


O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer concordante com a magistrada do Ministério Público junto da primeira instância, no sentido da negação da pretendida revisão de sentença, sublinhando, designadamente, o seguinte:


“EM CONCLUSÃO:

1. O pedido do recorrente AA (único arguido interessado, face ao que é pedido) centra-se na decisão do Tribunal da Relação transitada em julgado, após recursos para este STJ e para o TC que revogou a decisão de 1ª instância, na parte em que esta decisão havia determinado a suspensão de execução de pena de prisão que lhe havia sido imposta;

2. Invocando que a decisão daquele Tribunal da Relação havia tido na sua base circunstâncias não correspondentes com a realidade, consistentes na falta de pagamento de quantias por si devidas à Segurança Social no âmbito de outros dois processos (em que as respetivas penas haviam ficado suspensas sob condição do pagamento dos montantes em dívida), mas quantias que, afinal, se encontrariam pagas ou não eram devidas;

3. Daqui, ao que alega, a existência de «probabilidade muito séria da injustiça da condenação nestes autos» com o fundamento na falta de pagamento daquelas quantias, o que não corresponderia à verdade.

4. Não indicando o requerente de forma explícita qual a decisão que pretende rever, ou melhor, se pretende rever apenas a decisão proferida nos presentes autos ou aquelas que teriam levado à decisão posterior, tendo em conta o modo como formula o pedido, conclui-se no primeiro sentido;

5. Embora se esteja perante recurso de decisão que acabou por revogar decisão anterior de suspensão de execução de uma pena de prisão, entendemos que não é aqui aplicável o acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/2024, publicado no DR nº 24, 1ª Série de 02.02.2024, em que ficou entendido que «nos termos dos n.ºs 1 e 2, do art. 449.º, do Código de Processo Penal, não é admissível recurso extraordinário de revisão do despacho que revoga a suspensão de execução da pena».

6. Pois que aqui não se está perante tal situação de revogação nos termos do artº 56º do Código Penal, mas sim perante uma decisão «nova»: a decisão de suspensão nunca transitou em julgado, antes sendo substituída por outra que a alterou – a da Relação, sendo esta a decisão que aqui é válida.

7. Assim sendo, o pedido do recorrente corresponde a algo inadmissível: à repristinação de decisão que nunca se consolidou.

8. Ou seja, visto por outro prisma, o pretendido na presente revisão é a alteração da decisão condenatória da Relação (e outra não existe), no sentido de a pena ali estabelecida ficar suspensa na sua execução.

9. Ora, não pode ser admitido recurso de revisão com esse objetivo de ver suspensa a execução de uma pena com a qual, implicitamente, se concorda.

10. Carece assim de objeto o recurso de revisão formulado: o arguido/recorrente em lugar algum da sua motivação refere que a decisão condenatória foi ‘errada’, que existem novos factos que impõem a sua alteração, sendo apenas este o escopo do recurso de revisão ao destinar-se a reparar condenações que se verifiquem terem sido «erradas», sendo a matriz da revisão a de condenação/absolvição;

11. Ao invocar – como faz o arguido – a alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP – como fundamento para a revisão, é ele próprio que está a afastar essa mesma possibilidade de revisão: a alínea em causa impõe que se tenham descoberto novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

12. Aliás, mesmo a admitir-se a possibilidade de revisão neste âmbito, o nº 3 do mencionado artº 449º, quando ali se dispõe que a revisão não pode ter em vista apenas a correção da medida concreta da sanção aplicada, afastaria o pedido formulado.

13. De qualquer forma, a entender-se pela possibilidade de recurso de revisão neste caso, nunca se justifica que o mesmo prossiga termos, por faltaram os necessários requisitos:

14. Desde logo, não foi apenas com base na existência dos dois processos que referencia que se entendeu pela não adequação, no caso, da suspensão de execução da pena, mas a uma multiplicidade de razões descritas no acórdão condenatório, em que avultam bem mais situações de condenação anterior do arguido sem que tais condenações o tenham levado a afastar-se da prática de atos criminalmente relevantes;

15. Os factos «novos» que são invocados pelo recorrente (já não ter dívidas à Segurança Social no âmbito dos processos invocado pelo Tribunal da Relação para não suspender a execução da pena aqui aplicada) não o são: consistem em factos de que necessariamente tinha conhecimento à data da audiência de julgamento, podendo ter dos mesmo informado o tribunal.

16. Não se podendo admitir, como parece pretender o arguido/recorrente, que pagou tais dívidas, entregando mais de três centenas de milhares de euros, sem saber quais as dívidas que tinha…

17. Nem que o seu conhecimento acerca desse facto (pagamento que efetuou e que viu efetuado por compensação com montantes de IVA a receber noutra sociedade) apenas agora lhe tenha chegado ao conhecimento…

18. Sendo até de realçar que mesmo os documentos que invoca para dizer ter saldado as dívidas não o refere, pois que o montante ali referido como dívida ultrapassa o montante pago;

19. Acabando por ser o próprio recorrente que acaba por admitir expressamente o insucesso do seu pedido, ao referir que a decisão que pretende rever se terá baseado na falsa convicção da existência de dívidas anteriores à Segurança Social, mas que estas «agora se revelam pagas ou suscitam graves dúvidas sobre a sua existência».

20. Ou seja, que baseia o seu pedido, nem sequer num elemento real, mas apenas numa mera possibilidade, o que, obviamente, nunca pode afastar decisão com a fora do trânsito em julgado.


Pelo que, sem necessidade de maiores considerações, é parecer do MºPº que o pedido de recurso de revisão formulado pelo arguido condenado AA deverá ser negado, nos termos do disposto no artº 456º do CPP.”


A.3.5. Resposta ao parecer do M.P.


Na resposta a esse parecer o arguido contrapôs os argumentos já utilizados em outras peças processuais e concluiu da seguinte forma (transcrição Integral)2:


“1. Dúvidas não existem, nem podem existir, de que o único visado com a presente Revisão é o arguido AA


2. O que se veio agora a verificar com os documentos novos ora juntos aos autos é que os processos nº 8/14.9... (adiante 8/14) e 95/17.8... (adiante 95/17) à data da prolação do d. Ac. TRC de 01.06.2022 deviam estar extintos pelo seu cumprimento porquanto os mesmos se encontravam pagos.


3. Não levantou nesta sede o arguido recorrente a questão de alterar aquelas condenações.


4. Embora se perceba as referências feitas a este propósito, quer no despacho efetuado pelo Mmo Juiz em primeira instância, quer como agora também referido, que só podem ter acolhimento na prova documental agora conhecida referente aos pagamentos efetuados no montante de 304.537,67 euros, e à compensação do IVA operada no proc. 95/17, que cria na verdade essa perplexidade no sentido de as dividas naqueles processos se encontrarem pagas às datas das respetivas condenações.


5. O que, todavia, reitera-se, não está em causa nestes autos.


6. A condenação visada é a que tratam os presentes autos.


7. Porquanto, insiste-se, à data da condenação nestes autos através da condenação proferida no Ac. TRC de 01.06.2022 os processos 8/14 e 95/17 deveriam ter sido confirmados e considerados como extintos pelo cumprimento / pagamento.


8. Como com efeito, já se veio a determinar no proc. 95/17 a extinção pelo cumprimento através de uma compensação de IVA anterior à data do referido Acórdão.


9. E em vista também a esse cumprimento foi agora junto no Pro. 8/14 documento pela Segurança Social, que foi a primeira e única vez que a mesma se pronunciou sobre os pagamentos efetuados pelo arguido.


10. Pagamentos esses que levarão à extinção do referido proc. 8/14 porquanto é ali evidente que os pagamentos do montante de €304.537,67 euros que já foram pagos até à data da prolação do Ac. TRC de 01.06.2022 incluem o montante a que foi condenado de 75.237,88 €.


11. Os arguidos sabiam que tinham efetuados diversos pagamentos à S.S.


12. O que não sabiam, tal como o MP e o d. Tribunal, eram os montantes pagos e em dívida – dado nunca terem os mesmos sido reconhecidos pela S.S que é a única entidade que os recebe, processa e aloca quer para juros, quer para cotizações, quer para contribuições.


13. O que só veio agora a acontecer com o reconhecimento expresso da S. S. dos montantes recebidos e em dívida.


14. Documento esse agora junto pela S.S. na sequência da promoção expressa do MP e consequente determinação por este d. Tribunal.


15. O documento é Novo bem como o facto Novo do reconhecimento dos montantes recebidos e em dívida junto da SS.


16. Bem como também é Novo o documento junto pela AT e o ali facto Novo do reconhecimento expresso da existência de crédito de IVA anterior à condenação no âmbito do Proc. 95/17.8... que determinou a extinção pelo pagamento / compensação dos referidos autos 95/17.8...


17. Matéria esta que não mereceu qualquer reparo na resposta ora apresentada pelo MP.


18. Tudo como, aliás, expressamente referido no d. Acórdão do STJ de 26-04-2012, disponível em www.dgsi.pt que se acompanha de perto no presente recurso:


“os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes da sua apresentação”.


***


19. Na d. resposta do MP, o mesmo oblitera, não o relevando, o que é categoricamente afirmado no D. Acórdão do TRC de 01-06-2022 proferido nos presentes autos – que revoga a suspensão da pena de prisão - quando expressamente refere:


“Se o juízo decisivo à suspensão da execução da pena é o que é feito no momento da escolha da pena a aplicar, então resulta que todos os factos ocorridos entretanto, e que sejam relevantes à escolha daquela pena, são de considerar.


E entre os factos relevantes a considerar temos os que resultam dos processos 8/14.9... e 95/17.8..., em cada um dos quais o arguido está condenado em pena de 2 anos e 3 meses de prisão, com execução suspensa, por dívidas à Segurança Social de 75.237,88 € e de 41.474,68 €. Portanto, as necessidades de prevenção especial são enormes.


21. Em “Todos os factos ocorridos entretanto, e que sejam relevantes à escolha daquela pena, são de considerar”, teriam naquele momento, e terão agora através da presente revisão, de se incluir precisamente os pagamentos efetuados e a respetiva extinção que já deveria ter ocorrido daqueles processos na data da prolação do d. Ac. de 01.06.2022.


22. Na data da escolha da pena – 01/06/2022 que revogou a suspensão da pena de prisão – a quantia referida naqueles processos encontrava-se paga (ou existe a probabilidade séria de estar paga, gerando dúvidas graves);


23. Pagamento esse que não foi considerado naquelas decisões e que só agora é do conhecimento de todos os intervenientes processuais; e


24. Gerando dúvidas graves e pondo em causa, de forma séria, a condenação do arguido, não veda a lei através da presente Revisão que se funda em dúvida grave sobre a escolha da pena, a aplicação de uma pena de substituição de uma pena de prisão.


25. Como, aliás, se refere no d. Acórdão do STJ de 26-04-2012, disponível em www.dgsi.pt que se acompanha de perto no presente recurso:


“Mas essas dúvidas têm de ser graves, de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação do arguido, que não a simples medida da pena imposta (n.º 3 do art. 449.º do CPP). Contudo, a lei não veda a revisão que se funda em dúvida grave sobre a escolha da pena, por exemplo, a aplicação de uma pena de substituição de uma pena de prisão”


26. Não colhendo a afirmação proferida pelo MP quando refere que a única dicotomia para a Revisão é a condenação / absolvição arguido, nem tão pouco quanto às dúvidas graves sobre a escolha da pena; que viola frontalmente o sumariado no referido d. Ac. do STJ de 26-04-2012 também já mencionado nas alegações de recurso e que se acompanha de perto no presente caso.

Termos em que, deve o presente Recurso de Revisão ser admitido e, após cumprimento do disposto no art. 454º do CCP, parte final, remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, que, apreciadas as conclusões apresentadas neste Recurso de Revisão e na sequência da Autorização da Revisão determinará a suspensão da execução da pena de prisão até novo julgamento, nos termos do art. 457º do CPC, o que desde já se Requer.”

A.3.6. Expediente subsequente


Finalmente cumpre assinalar que, a 14 de junho de 2024, o Juízo Local Criminal ... nos reencaminhou expediente destinado ao Proc. 8/14.9... e que se reporta a uma informação prestada pelos Serviços de Finanças ... com o seguinte conteúdo:

“Em resposta ao V/ofício em referência, informa-se que o sujeito passivo Eirinhas Construções, Lda, NIF .........60, no âmbito do PER n.º 744/20.0... se encontra a efetuar pagamentos ao abrigo de um plano em prestações que se encontra em cumprimentos até à presente data.

Mais se informa que o valor atualmente em dívida sobre o plano de pagamento em prestações é de 57.736,55€.”

B – Fundamentação


B.1. Introdução


O nº 6 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa estabelece que “(o)s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.


Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Protocolo 7, art. 4.º, refere que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.


O legislador ordinário, no artigo 449º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Fundamentos e admissibilidade da revisão”, estabeleceu as situações (taxativos) em que este recurso extraordinário (respeitante a decisões transitadas em julgado) é admissível, da seguinte forma:


“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a. Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b. Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c. Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d. Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e. Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f. Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g. Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.”


A propósito desta norma escreve Paulo Pinto de Albuquerque3 que “(esta) é uma norma excecional que prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave ao princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de direito.”


Conforme refere Pereira Madeira4 : ” O recurso extraordinário de revisão tem em vista superar, dentro dos limites que impõe, eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir. “(…) “O princípio res judicata pro veritate é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão de sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar.”


Em igual sentido escreve Germano Marques da Silva5: “Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”


Também a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem, de forma uniforme, considerado que este recurso (extraordinário) constitui um meio de reação processual excecional, que visa reagir contra erros judiciários manifestos e intoleráveis, pois só a evidência de erro permitirá sacrificar os valores da segurança do direito e do caso julgado, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material.


É, como é igualmente referido por este Alto Tribunal, uma solução de compromisso entre a segurança que o caso julgado assegura e a reparação de decisões que seria chocante manter. E, por outro lado, não pode ser confundido, nem pode servir para obter resultados que poderiam e deveriam ser alcançados com os recursos ordinários.


Assim, e a título de mero exemplo vejam-se os seguintes acórdãos:


“I - O instituto do caso julgado é orientado pela ideia de conseguir maior segurança e paz nas relações jurídicas, bem como maior prestígio e rendimento da atividade dos tribunais, evitando a contradição de decisões.


II - Embora o princípio da intangibilidade do caso julgado não esteja previsto, expressis verbis, na Constituição, ele decorre de vários preceitos (arts. 29.º, n.º 4 e 282.º, n.º 3) e é considerado um subprincípio inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio garantidor de certeza jurídica.


III - As excepções ao caso julgado deverão ter, por isso, um fundamento material inequívoco.


IV - Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário. Regime normativo excepcional que admitindo interpretação extensiva não comporta aplicação analógica.


VIII - O recurso de revisão não pode servir para buscar ou fazer prevalecer, simplesmente, “uma decisão mais justa”. De outro modo, o valor do caso julgado passava a constituir a exceção e a revisão da sentença condenatória convertia-se em regra”


Ac. do STJ de 24 de fevereiro de 2021 – Processo 95/12.4GAILH-A.S1 in www.dgsi.pt


“A revisão de sentença é um recurso extraordinário e de utilização excecional com pressupostos de admissibilidade limitados e taxativos e não serve para obter efeitos que deveriam e poderiam ter sido alcançados por via do recurso ordinário, do qual os recorrentes não quiseram socorrer ou já se socorreram, ainda que sem êxito.”


Ac. do STJ de 11 de julho de 2023 – Processo 5215/18.2T9CSC-A.S1 in www.dgsi.pt


Finalmente e reportando-nos agora ao fundamento invocado pelo Recorrente para obter a revisão da sentença – al. d) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal - atente-se no seguinte acórdão:


“I. Constitui jurisprudência pacífica que o recurso de revisão, como meio de reacção processual excepcional, visa reagir contra manifestos e intoleráveis erros judiciários; será a evidência de erro que permitirá sacrificar os valores da segurança do direito e do caso julgado, de modo a fazer prevalecer o princípio da justiça material, numa solução de compromisso entre a segurança que o caso julgado assegura e a reparação de decisões que seria chocante manter.


II. O CPP disciplina no art. 449.º os casos taxativos em que a revisão é admissível; no que respeita à al. d) invocada, exige-se que haja novos factos ou novos meios de prova e, simultaneamente, que deles decorra uma dúvida grave sobre a justiça da condenação, requisitos cumulativos e convergentes quanto à intensidade elevada do grau de dúvida sobre a justiça da condenação.


III. Assim, os factos e as provas têm de ser novos, no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, derivando a sua não apresentação oportuna desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação da prova em julgamento; e a dúvida sobre a justiça da condenação tem de ser séria e consistente.


IV. Inexiste surpresa na ora apodada “descoberta de prova nova”, quando esta consiste em parecer elaborado sobre a valia de perícia efectuada em fase de inquérito.


V. Nada tendo o arguido requerido no decurso da marcha normal do processo quanto à eventual (in)competência ou (in)experiência forense para a realização dessa perícia, mormente solicitando esclarecimentos à perícia realizada, requerendo a realização de nova perícia, suscitando o problema em julgamento ou no recurso ordinário, tudo procedimentos que nunca adoptou, não pode agora pretender a revisão, pois a prova em causa não se encontra em condições de perfazer o primeiro segmento da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.


VI. O recurso extraordinário de revisão não serve para corrigir estratégias inconsequentes da defesa.”


Ac. do S.T.J. de 19 de novembro de 2020 – Proc. 361/18.5T9VPV-B.S1 in www.dgsi.pt


* *


B.2. O caso dos autos


B.2.1. Os factos


O Acórdão revidendo assentou na seguinte matéria de facto, dada como assente na sentença recorrida:


«1. A sociedade “Eirinhas Construções, Lda.” tem por objecto a construção civil, obras públicas e urbanizações, compra e venda de terrenos e exercício da actividade silvícola e florestal, encontrando-se registada na Conservatória do Registo Comercial ... sob a matrícula nº .......60.


2.Tal sociedade tem as suas instalações sedeadas na Estrada ..., estando a gerência da mesma, formalmente e de facto, desde a sua constituição e durante o período infra referido, a cargo do sócio e aqui arguido AA.

3. Durante tal período de tempo era o arguido que dava ordens aos trabalhadores, as obras a realizar no dia-a-dia, recebia os créditos e pagava os débitos, decidia a celebração de contratos, da realização de investimentos, do número de trabalhadores a seu cargo, bem como do destino a dar aos proventos gerados e também quem assumia os prejuízos sofridos.

4. A sociedade arguida encontra-se inscrita na Segurança Social, com o número de contribuinte da Segurança Social .........78, desde a sua constituição, que ocorreu em 13/05/1998.

5.Em data não apurada, mas anterior ao mês de Agosto de 2013, o arguido decidiu, como medida de gestão da sociedade arguida, deixar de pagar as contribuições devidas à Segurança Social, das cotizações retidas nas remunerações dos trabalhadores e dos membros dos órgãos sociais, muito embora tal sociedade continuasse a efectuar o desconto no vencimento dos seus trabalhadores e membros dos órgãos sociais das referidas cotizações.

6.O arguido procedeu ao desconto de contribuições referentes aos salários dos seus trabalhadores e membros dos órgãos sociais, sem que tivesse procedido à entrega na Segurança Social dos montantes retidos.

7.No âmbito da factualidade referida em 5 e 6, supra, o arguido procedeu à retenção de 33.199,65 €, correspondente aos meses de Agosto de 2013 a Dezembro de 2016.

8.Tal conduta foi adoptada pelo arguido, em virtude de, no aludido período de tempo, a sociedade arguida haver passado por dificuldades financeiras, tendo privilegiado outros credores, de forma a manter a empresa em actividade.

9.O arguido não procedeu à entrega da quantia de 33.199,65 euros à Segurança Social na data do seu vencimento, ou seja até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam, nem nos noventa dias posteriores ao termo desse prazo, tal como acontece até à presente data, ainda tivesse sido notificado, por si e em representação da sociedade arguida, para proceder à sua regularização nos termos do disposto no art. 105º, nº 4, al. b) do RGIT, ou seja, efectuar o pagamento, no prazo de 30 dias, acrescido dos juros e valor da coima aplicável.

10.O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, no interesse da sociedade arguida, com intenção de reter a quantia de 33199,65 euros, e pertencente à Segurança Social, bem sabendo que tal conduta lhe era proibida e punida pela lei penal como crime.

11.Sabia e quis o arguido, ao atuar da forma descrita, fazer da sociedade arguida, como efetivamente fez, as prestações deduzidas nos vencimentos dos trabalhadores e membros dos órgãos sociais a que legalmente estava obrigado a entregar à Seg. Social, tendo atuado no interesse daquela, não as entregando, como devia e podia, bem sabendo que a tal estava obrigado por Lei, alcançado desta forma, uma vantagem patrimonial indevida, no montante de, pelo menos, 33199,65 euros.

12.O arguido agiu de forma reiterada e sucessiva, sempre da mesma maneira, através do mesmo meio e dentro de idêntico circunstancialismo factual, no período de tempo referido em 7, supra.

Das condições pessoais e sócio económicas do arguido AA


13. a.) AA, ao nível pessoal, vive, desde 16 de dezembro 2020, em permanência com o filho. O seu quotidiano é organizado por forma a manter o apoio e supervisão face a este.


b) Ao nível profissional, o arguido trabalha por conta própria, em empresas nos ramos da construção civil, obras públicas e florestal, mas cuja atividade se encontra agravada e afetada pelas circunstâncias do COVID 19.

c) Ao nível económico, o arguido tem atravessado algumas dificuldades, agravadas com a atual situação vivida pelo país, auferindo cerca de 1200,00 euros mensais, sendo 250 euros referentes ao pagamento de empréstimo bancário para aquisição de casa própria e 445 euros referentes a compromissos assumidos no âmbito de apoio ao filho, nomeadamente durante o dia e em atividades extraescolares.

d) O quotidiano do arguido decorre no desenvolvimento das atividades profissionais, deslocando-se para ..., diariamente, onde coordena a empresa e regressando a ... ao final do dia onde acompanha as atividades do filho menor.


e) Contactado os OPC, nomeadamente a GNR ..., são identificados comportamentos normativos e ajustados. Em ..., a investigação criminal refere serem, também, denotados comportamentos de maior ajustamento, de contenção e adequação comportamental, não obstante terem surgido, dois NUIPC nºos 656/20.8... e 153/21.4...


14. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:

Nos autos de processo 8/01, do ... juízo do T. J. ..., por decisão datada de 30-01-2001, transitada em julgado em 15-02-2001, por factos praticados em 11-01-2001, pela prática de crime de desobediência, o arguido foi condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 1200$00;

Nos autos de processo 86/02.3..., do ... juízo do T. J. ..., por decisão datada de 24-09-2003, transitada em julgado em 17-10-2003, por factos praticados em 18-07-1999, pela prática de crime de ofensa á integridade física simples, o arguido foi condenado na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros;

Nos autos de processo 1/02.4..., do ...juízo do T. J. ..., por decisão datada de 03-03-2004, transitada em julgado em 30-03-2004, por factos praticados em 07-04-2001, pela prática de crime de falsificação de documento, o arguido foi condenado na pena de 190 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros;

Nos autos de processo 46/02.4..., do T. J. ..., por decisão datada de 12-11-2004, transitada em julgado em 29-11-2004, por factos praticados em 1704-1998, pela pratica de crime de falsificação de documento, o arguido foi condenado na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros;

Nos autos de processo 21/05.7..., do ... Juízo do T. J. ..., por decisão datada de 30-11-2005, transitada em julgado em 15-12-2005, por factos praticados em 16-01-2005, pela prática de crime de condução de veiculo em estado de embriagues, o arguido foi condenado na pena de 75 dias de multa à taxa diária de 8,00 euros e na pena acessória de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias;

Nos autos de processo 13/08.4..., do T. J. ..., por decisão datada de 11-02-2009, transitada em julgado em 16-11-2009, por factos praticados em 01-02-2008, pela prática de crime de injurias agravadas, o arguido foi condenado na pena de 130 dias de multa à taxa diária de 8,00 euros;

Nos autos de processo 17/10.7..., do T. J. ..., por decisão datada de 10-12-2012, transitada em julgado em 24-11-2014, por factos praticados em 20-02-2010, pela prática de crime de desobediência, o arguido foi condenado na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses;

Nos autos de processo 55/12.5..., do T. J. ..., por decisão datada de 29-01-2014, transitada em julgado em 03-11-2014, por factos praticados em 12-03-2012, pela prática de crime de ofensa à integridade física simples, o arguido foi condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com a condição de pagar 700,00 euros aos BV de ...;

Nos autos de processo 164/11.8..., do T. J. ..., por decisão datada de 25-03-2015, transitada em julgado em 09-03-2016, por factos praticados em 07-092011, pela prática de crime de ameaça agravada, o arguido foi condenado na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;

Nos autos de processo 31/15.6..., do T. J. ..., por decisão datada de 13-02-2017, transitada em julgado em 15-03-2017, por factos praticados em 1811-2015, pela prática de crime de violação de imposições, proibições ou interdições, o arguido foi condenado na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova;

Nos autos de processo 9/13.4..., do T. J. ..., por decisão datada de 24-04-2017, transitada em julgado em 24-05-2017, por factos praticados em 1506-2013, pela pratica de um crime de ameaça agravada, um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez e três crimes de injúria agravada, o arguido foi condenado na pena de 11 meses de prisão, substituída por 330 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses;

Nos autos de processo 8/16.4..., do T. J. ..., por decisão datada de 17-05-2017, transitada em julgado em 21-06-2017, por factos praticados em 21-012013, pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art. 353, do C. Penal, o arguido foi condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 7,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses.

. Nos autos de processo n. 8/14.9..., do T. J. ..., por decisão datada de 08-05-2018, transitada em julgado em 13-06-2018, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Seg. Social, p. e p. pelos arts. 107 e 105, ns. 1, 4, als. a) e b) e 5, ambos do RGIT, o arguido foi condenado na pena 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com a condição de pagar ao Estado a quantia de 75237,88 euros.

Nos autos de processo n. 95/17.8..., do T. J. ..., por decisão datada de 06-02-2019, transitada em julgado em 08-03-2019, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Seg. Social, p. e p. pelos arts. 107 e 105, ns. 1, 4, als. a) e b), ambos do RGIT , o arguido foi condenado na pena 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com a condição de pagar ao Estado a quantia de 41474,68 euros.


Das condições pessoais e sócio económicas da sociedade arguida Eirinhas Construções, Lda.


15. A arguida tem os seguintes antecedentes criminais:

Nos autos de processo n. 8/14.9..., do T. J. ..., por decisão datada de 08-05-2018, transitada em julgado em 13-06-2018, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Seg. Social, p. e p. pelos arts. 107 e 105, ns. 1, 4, als. a) e b), e 5, ambos do RGIT, a soc. arguida foi condenada na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros, num total de 2400,00 euros.


16. A sociedade arguida iniciou a sua aticidade em 17 de abril de 1998, e nela trabalham 8 funcionários». (sublinhados nossos)


B.2.2. Fundamentação de direito da decisão recorrido


Por outro lado, e dado que, quando se reporta - e transcreve - à fundamentação de direito, o recorrente omite segmentos que se afiguram significativos, adita-se, em seguida, a parte dessa fundamentação que nos parece ser importante acrescentar.


Com efeito, depois de transcrever todas decisões condenatórias acima referidas, o acórdão recorrido consigna o seguinte:


“O arguido sofreu, pois, as seguintes condenações em penas de prisão com execução suspensa:

processo 17/10.7..., crime de desobediência: factos de 20-2-2010, sentença de 10-12-2012;

processo 55/12.5..., crime de ofensa à integridade física simples: factos de 12-3-2012, sentença de 29-1-2014;

processo 164/11.8..., crime de ameaça agravado: factos de 7-9-2011, sentença de 25-3-2015;

processo 31/15.6..., crime de violação de imposições, proibições ou interdições: factos de 18-11-2015, sentença de 13-2-2017;

processo 8/14.9..., crime de abuso de confiança contra a segurança social: sentença de 8-5-2018;

processo 95/17.8..., crime de abuso de confiança contra a segurança social: sentença de 6-2-2019.


Refira-se que no CRC do arguido, datado de 27-12-2021, resulta as penas aplicadas nos processos 8/14.9... e 95/17.8... pelos crimes de abuso de confiança contra a segurança social não estão extintas.


Resultando, daqui, que as penas se mantêm, concluímos que a condição imposta à suspensão da execução de cada uma das penas de prisão aplicadas não foi cumprida. Porém, a sentença decidiu «que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção criminais» sem se ter pronunciado sobre isso e sem ter referido se houve pagamentos e em que montantes”


B.2.3. A (im)possibilidade de rever o acórdão com vista a obter a suspensão da execução da pena de prisão


O recorrente não coloca em causa, como muito bem observa o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto, a condenação na pena de 2 anos e 5 meses de prisão que lhe foi aplicada.


Na verdade, apenas se insurge contra o facto de o acórdão recorrido ter revogado a sentença da primeira instância, na parte em que suspendia a execução dessa pena.


Ora, o recurso extraordinário de revisão de sentença destina-se a reparar condenações que se verifiquem terem sido «erradas»: E a matriz da revisão é a de condenação/absolvição, aí estando em causa a justiça da condenação.


Com efeito a essa conclusão se chega desde logo numa interpretação literal já que, com exceção para as duas primeiras6, todas as demais alíneas do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, se reportam à “condenação”.


Acresce que, no caso em apreço, o nº 3 desse mesmo artigo expressamente estabelece que, quando o processo tenha por fundamento o disposto na al. d) do seu nº 1, “não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da pena aplicada”.


E percebe-se que assim seja pois, como já atrás se consignou, estamos perante um recurso extraordinário, que constitui uma solução de compromisso entre a segurança que o caso julgado assegura e a reparação de decisões que seria chocante manter e que, por isso mesmo, só pode ser utilizado em casos excecionais e não pode confundido, nem pode servir, para obter resultados que poderiam e deveriam ser alcançados através dos recursos ordinários.


Ora, o caso em apreço é justamente um daqueles em que não se justifica a utilização deste recurso extraordinário, já que o recorrente concorda com a condenação e apenas pretende que a execução da pena de prisão seja suspensa.


Portanto, e seguindo a jurisprudência largamente maioritária dos Tribunais Superiores, a pretensão do Recorrente tem de ser rejeitada.


Com efeito, mesmo no acórdão referido pelo recorrente e prolatado no longínquo ano de 20127 ficou registado um voto de vencido, do Colendo Juiz Conselheiro Arménio Sottomayor, com o seguinte teor:


“Arménio Sottomayor (com voto de vencido nos seguintes termos: «Reconheço o esforço que é feito no acórdão no sentido de autorizar a revisão (…). Entendo, todavia, que a situação, tal como é apresentada pelo requerente e ponderada na decisão, não preenche a previsão da al. d) do art. 449.º do Código de Processo Penal. Com efeito, sendo desde logo duvidoso que se trate de um facto novo, ainda mais duvidoso se me afigura que respeite a limitação do n.º 3 do referido artigo, norma que não permite a revisão com fundamento na al. d) do n.º 1, com o único fim de corrigir a medida concreta da pena, parecendo-me um tanto artificioso fazer a distinção para este efeito entre espécie e medida de pena. Tenderia, porém, a admitir a revisão com fundamento na al. a), logo que o requerente se pudesse munir duma sentença transitada em julgado que declarasse falso o meio de prova “certificado de registo criminal”. É que “falso meio de prova” não significa que se trate de um documento falsificado, mas tão somente que aquele documento é inexacto (…)».(sublinhado nosso)


Entretanto e no sentido por nós perfilhado, vejam-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes arestos, todos deste Alto Tribunal:


“I - Nos termos do disposto no art. 449.º, n.º 3, do CPP, “com fundamento na al. d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada”.


II - Condenado numa pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, o recorrente pretende com este recurso de revisão reduzir a pena única a medida não superior a 2 anos de prisão e, subsequentemente, o cumprimento da mesma em regime de permanência na habitação.


III - Estas são questões a colocar em sede de recurso ordinário, não no âmbito de um recurso extraordinário de revisão”


Ac. do S.T.J. de 15 de dezembro de 2021 – Proc. 479/21.7T8LRA-A.S1, disponível em www.dgsi.pt


*


“V - A revisão é inadmissível quando visa corrigir a medida concreta da pena (o quantum da sanção), mas também, por maioria ou identidade de razão, quando tiver como único fim a correcção da escolha da espécie da pena.


VI - Os factos relativos às condições sociais que serviram de fundamento à condenação não são inconciliáveis com quaisquer outros, muito menos havendo oposição de onde resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, a inadmissibilidade da revisão abrange a conversão da pena de prisão em pena de substituição de suspensão da sua execução e não há factos novos nem meios de prova novos que possam suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação do recorrente.”


Ac. do S.T.J. de 17 de janeiro de 2019 – Proc. 209/17.8T8VVD-A.S1, disponível em www.dgsi.pt


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“I - Nos termos do disposto no art. 449.º, n.º 3, do CPP, “com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada”.


II - Condenado numa pena única de 9 anos de prisão, o recorrente pretende com este recurso de revisão reduzir a pena única a medida não superior a 5 anos de prisão e, subsequentemente, a suspensão da execução da mesma.


III - Estas são questões a colocar em sede de recurso ordinário, não no âmbito de um recurso extraordinário de revisão.


IV - Para além disso, nos termos do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d) do CPP, para que a revisão seja concedida é necessário que os novos meios de prova, de per si ou combinados com os já apreciados, “suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.


Ac. do S.T.J. de 10 de março de 2021 – Proc. 169/13.4.GEPTM-B.S1, disponível em www.dgsi.pt


Face ao exposto, a pretendida revisão deve ser rejeitada, dado que o pedido apresentado é manifestamente improcedente.


De qualquer forma, sempre se acrescentará que, mesmo que se perfilhasse entendimento diferente do atrás consignado, sempre o recurso seria improcedente e devido a várias razões, que, seguidamente e de forma sumária, sumariamente, se consignarão.


B.2.4. Considerações complementares


No que respeita ao fundamento legal invocado pelo recorrente e previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do código de Processo Penal exige-se - como já se mencionou e resulta da lei, na interpretação que pacificamente lhe vem sendo dada -, por um lado, que haja novos factos ou novos meios de prova e, simultaneamente, que deles decorra uma dúvida grave sobre a justiça da condenação. Trata-se de dois requisitos cumulativos e convergentes no que respeita a uma intensidade elevada do grau de dúvida sobre a justiça da condenação.


Ora e volvendo ao caso em apreço, constata-se que o arguido não apresenta, nos termos atrás expostos, novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que o que alega jamais teria a virtualidade de gerar a dúvida grave sobre a justiça da condenação.


Com efeito:


Sem pretender entrar em detalhes sobre o histórico do relacionamento entre o recorrente e a Segurança Social, o que é facto - e foi dado como assente - é que era ele o único gerente da sociedade8, não sendo aceitável que agora venha alegar que desconhecia os débitos e créditos que a mesma tinha para com a Segurança Social.


E, tendo esse conhecimento, não se compreende porque é que não alegou, oportunamente e nos processos respetivos, o que agora vem invocar.


E também não pode proceder a eventual alegação de que não tinha documentação para provar o pagamento (parcial? total?) das referidas dívidas. É que, nesse caso, podia ter pedido ao tribunal competente que requisitasse à Segurança Social a documentação adequada a provar o que alegava e, em consequência, a falta de fundamento das acusações que lhe foram feitas.


Portanto, os factos e os meios de prova não são novos porque a respetiva informação era do conhecimento do recorrente e porque a sua comprovação podia facilmente ter sido feita se assim o tivesse desejado o Recorrente.


Por outro lado, mesmo que se pudesse considerar a existência de factos ou meios de prova novos, os mesmos não seriam aptos a gerar a grave dúvida de que depende a revisão da sentença com fundamento no disposto na al. d) do nº1 do artigo 449º do Código de Processo Penal.


Por um lado, porque, mesmo que o recorrente tivesse realizado o pagamento dessas dívidas, as aludidas sentenças condenatórias – proferidas nos processos Proc. 8/14.9... e 95/17.8... – continuariam a ter de ser consideradas pelo acórdão recorrido.


Por outro lado, porque, como claramente resulta do acórdão recorrido, o que motivou o Tribunal da Relação de Coimbra a condenar o recorrente numa pena de prisão efetiva não foram apenas as decisões proferidas nesses dois processos, mas sim o facto de, para além de um longo, antigo e variado registo criminal, o recorrente ter praticado crimes9 desde 1999, registar condenações desde 2001 e já lhe ter sido aplicada pena de prisão com a sua execução suspensa em quatro processos – sem contar com os proc. 8/14.9... e 95/17.8... – e desde 2012.


Ou seja, e concluindo, não nos parece que esses factos novos – a existirem – tivessem a virtualidade de gerar graves dúvidas sobre a justiça da condenação…


* * *


Em suma, não estão demonstrados os fundamentos previstos na al. d) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, nos quais o recorrente assentou o seu pedido de revisão e que, por tudo o acima exposto, se mostra manifestamente infundado.


C – Custas


Ao abrigo do disposto no artigo 524º do Código de Processo Penal e dos artigos 1º, 2º e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro), o Recorrente tem de pagar custas judiciais, cuja taxa de justiça varia, in casu e face à Tabela Anexa III ao aludido Regulamento, entre 5 e 10 unidades de conta.


Face ao exposto e tendo em conta a não complexidade da decisão, vai condenado em 5 (cinco) unidades de conta


Por outro lado, a rejeição do recurso implica ainda a condenação da recorrente no pagamento de uma importância entre 6 UC e 30 unidades de conta (que não são meras custas judiciais, tendo natureza sancionatória), por força do disposto no artigo 456º do Código de Processo Penal.


Com efeito, são cumulativas a condenação em custas do incidente e em multa no caso de pedido manifestamente infundado, pois elas visam propósitos diferentes: uma tributa o decaimento num ato processual a que deu causa e a outra castiga a apresentação de requerimento sem a prudência ou diligência exigíveis (Salvador da Costa, As custas Processuais, Coimbra: Almedina, 6.ª ed., 2017, p. 86).


Atendendo, por um lado, à não complexidade do objeto da decisão e, por outro, à manifesta falta de fundamento do recurso, considera-se ajustado fixar essa importância em 10 (dez) unidades de conta.


D – Decisão


Pelo exposto, acordam na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:

a. Rejeitar a revisão do acórdão recorrido, dado que o pedido apresentado é manifestamente infundado. – art. 456.º do Código de Processo Penal;

b. Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) U.C., a que acresce a quantia de 10 (dez) U.C. – artigos 524º do Código de Processo Penal e 1,º 2º e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais e art. 456.º Código de Processo Penal.

Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada


(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)


Os Juízes Conselheiros,


Celso Manata (Relator)


Jorge Gonçalves (1º Adjunto)


Albertina Pereira (2ª Adjunta)


Helena Moniz (Presidente da Secção)


____________________________________________

1. Todas as transcrições e alusões aos processos nºs 18/18.7... e 18/18.7...-D foram feitas na sequência de acesso eletrónico a esses processos via Citius↩︎

2. No documento apresentado passa-se do ponto 19 para o ponto 21, pelo que não existe ponto 20.↩︎

3. “Comentário do Código de Processo Penal” II Vol. 5ª edição, pág. 755↩︎

4. “Código de Processo Penal Comentado” de Henriques Gaspar e outros, pág. 1609↩︎

5. ” Curso de Processo Penal”, III Vol., 1994, p. 359↩︎

6. Que também aplicam a decisões absolutórias.↩︎

7. Ac. do S.T.J. de 26 de abril de 2012 – Proc. 614/09.3TDLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt↩︎

8. Sendo a ele que cabia, designadamente e também de acordo com a matéria dada como provada, “dava ordens aos trabalhadores, as obras a realizar no dia-a-dia, recebia os créditos e pagava os débitos, decidia a celebração de contratos, da realização de investimentos, do número de trabalhadores a seu cargo, bem como do destino a dar aos proventos gerados e também quem assumia os prejuízos sofridos”.↩︎

9. Desobediência, ofensa à integridade física, falsificação de documento, condução de veículo em estado de embriaguez, injúria agravada, ameaça agravada, violação de imposições e interdições e abuso de confiança contra a Segurança Social.↩︎