PROC 3282/17.5 T8STB.E2.S1
6ª SECÇÃO
ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I AA e BB, instauraram contra CC, DD, EE e CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, acção declarativa constitutiva com vista a exercerem o seu direito a preferir na compra que a primeira Ré fez aos segundos tendo por objecto o prédio misto que identificaram e sobre o qual se mostra registada hipoteca a favor da terceira Ré.
Para tanto alegaram que são os donos do prédio denominado ..., sito na freguesia de ..., concelho ..., o qual confina do Nascente com o prédio vendido, um e outro com área inferior à unidade de cultura para a zona, o que lhes confere direito de preferência nos termos consagrados no art.º 1380.º do CC, disposição legal que expressamente convocaram.
Os Réus contestaram.
A Ré CGD impugnou que o prédio de que os Autores se arrogam titulares do direito de propriedade confine com o prédio vendido, donde não lhes assistir direito a preferir na venda; cautelarmente, e prevenindo a possibilidade de a acção vir a ser julgada procedente, ficando sem efeito a hipoteca que garante o crédito concedido aos RR adquirentes, formulou pedido reconvencional pedindo que o preço depositado lhe fosse entregue até ao valor que se encontrar em dívida à data da prolação da decisão.
Os restantes Réus ofereceram contestação conjunta, invocando a excepção dilatória da ilegitimidade activa, por se encontrarem os demandantes desacompanhados dos restantes comproprietários e demais herdeiros dos prédios denominados “...” e “...”, de que alegaram ser comproprietários e que seriam igualmente confinantes com o prédio alienado; em sede de impugnação, alegaram que entre o prédio vendido e aquele de que os Autores se dizem proprietários em exclusivo existe um caminho público, não sendo portanto confinantes, outro tanto sucedendo com aqueles de que se arrogam comproprietários e herdeiros. Acrescentaram que os demandantes exploram uma unidade agrícola formada pelos aludidos três prédios, perfazendo uma área superior à unidade de cultura fixada para a região pelo que, também com este fundamento, não lhes assiste o direito a preferir na venda efectuada.
Mais alegaram o facto de terem adquirido o prédio para nele implantarem um projecto de turismo rural, tendo já encetado diversas diligências tendo em vista tal diversa afectação, o que constitui impedimento ao exercício de eventual direito de preferência que, no caso vertente, sempre seria abusivo, abuso de direito que também excepcionaram. Invocaram finalmente a excepção da insuficiência do depósito efectuado, por não incluir a totalidade das despesas suportadas pelos adquirentes.
Prevenindo a eventualidade da acção vir a ser julgada procedente, deduziram os segundos Réus pedido reconvencional, pedindo a condenação dos Autores a pagar-lhes a quantia de €7.874,00, valor das despesas realizadas no prédio, e ainda na quantia que vierem a despender em manutenção e conservação do mesmo, a apurar em liquidação de sentença, mais pedindo o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel até integral e efectivo pagamento das quantias peticionadas.
Replicaram os Autores e, tendo-se pronunciado no sentido de não ser admissível o pedido formulado pela CGD, concluíram pela improcedência do mesmo, caso venha a ser admitido, outro tanto devendo suceder com o deduzido pelos reconvintes DD e mulher.
Notificados para se pronunciarem sobre a matéria das excepções, os Autores ofereceram réplica, na qual reafirmaram que o prédio alienado, não obstante a existência no local de um caminho rural, confina com o prédio de que são proprietários. Acrescentaram que, independentemente da qualificação que ao mesmo caminho caiba, não sendo impeditivo da exploração unitária dos dois prédios como se de apenas um se tratasse, não constitui obstáculo à preferência.
No tocante à excepção da ilegitimidade, esclareceram que fundam o direito que pretendem exercitar apenas na sua qualidade de donos em exclusivo do prédio confinante denominado ..., pelo que deve ser julgada improcedente, juízo de improcedência que entendem dever estender-se às demais excepções arguidas pelos contestantes. Dispensada a realização da audiência prévia foi proferido despacho a rejeitar o pedido reconvencional formulado pela CGD, tendo sido admitido o deduzido pelos Réus DD e mulher.
Em sede de saneamento do processo foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade activa e da insuficiência do depósito efectuado.
De seguida, foi proferida decisão a decretar a improcedência da acção, com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos formulados, resultando prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.
Do assim decidido recorreram os Autores, vindo a ser proferido o Acórdão de 6 de Dezembro de 2018 (fls. 251-264) que, revogando o saneador sentença proferido, determinou o prosseguimento dos autos.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«a) julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu o direito dos AA a preferirem na compra do prédio misto denominado "...", descrito na Conservatória do Registo Predial ... - freguesia de ..., sob o número n.º ... e inscrito na matriz rústica da mesma freguesia sob o art.º ... da Secção ... e na matriz urbana também da mesma freguesia sob o artigo ..., substituindo aos 2.º e 3.º Réus no contrato de compra e venda titulado no procedimento constante de fls. 15 a 17, ficando o prédio a pertencer-lhes, mediante a entrega do valor de 112.940,00 aos mencionados compradores, devendo estes entregarem o prédio aos AA. desocupado;
b) determinou, relativamente ao mesmo prédio, o cancelamento da ap. ...53, de 21.02.2017 (14:54:57), a favor de DD e EE;
c) determinou o cancelamento da Ap. ...83, de 21.02.2017 (15:09:42), a favor da Caixa Geral de Depósitos, absolvendo os RR do demais peticionado;
d) julgou improcedente por não provado o pedido reconvencional formulado pelos aludidos RR, dele absolvendo os AA.»
Inconformados, apelaram os Réus, tendo o recurso sido julgado procedente, com a revogação da sentença recorrida e a consequente absolvição do Réus do pedido contra eles formulado.
Irresignados recorrem agora os Autores, apresentando o seguinte acervo conclusivo:
«[I –] O presente recurso de Revista é interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação ... que julgou o recurso de Apelação procedente, revogando a sentença recorrida, julgando improcedente a acção e absolvendo os Réus dos pedidos, assim pondo termo ao processo, decisão com a qual os recorrentes não se conformam;
II - O recurso de Apelação interposto pelos ora recorridos teve como fundamento não apenas a matéria de Direito, como a reapreciação dos factos julgados como provados nos pontos 6a), 11a), 15 e 27 dos factos provados e da matéria julgada como não provada em C), D) e K), sendo que na presente Revista está apenas em causa, quanto à matéria de facto, a nulidade do julgamento efectuado quanto aos factos 15º e 27º, por contradição
manifesta entre a fundamentação do julgamento efectuado e a decisão de tais pontos, o
que determina a nulidade do Acórdão, por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea
c), aplicável ex vi artigo 666.º, ambos do Código de Processo Civil;
III – A alteração efectuada pela decisão recorrida ao facto julgado como provado em 27º
(“O caminho aludido em 11a) existe desde tempos imemoriais, permitindo o acesso aos
diversos “montes” existentes nas proximidades dos prédios denominados “...” e “...”, assegurando a ligação ao ..., por ele se fazendo também o acesso à escola primária, sendo utilizado por quem quer que ali pretendesse deslocar-se”) não está de acordo e é contraditória com a fundamentação utilizada pela decisão;
IV - Na fundamentação, a decisão recorrida refere, designadamente, que o caminho não
é utilizado actualmente de forma alargada, desde há muitos anos, coincidindo com a
conclusão da “via rápida”; antes disso, foi via de acesso a todos os montes ali existentes,
servindo as gentes que neles residiam, assegurando a ligação desde ... até ao lugar do ..., onde se situava a antiga escola, permitindo o transido de pessoas e animais e, posteriormente, de tractores e máquinas agrícolas; ainda hoje, embora esporadicamente, ocorre tal utilização por tractores e máquinas agrícolas;
V – Refere ainda a decisão, na fundamentação, que em razão da conclusão do ... – sendo certo que antes dele existia já uma outra estrada, “a estrada do ...” -, a utilização do acesso passou a ser meramente residual, atendendo, para além do mais, ao progressivo abandono dos montes da zona;
VI– E ainda que a realidade é hoje, e desde há já alguns anos, coincidindo com a conclusão do ..., uma outra, completamente diferente: os montes foram sendo progressivamente abandonados, neles não residindo actualmente ninguém para além dos próprios Autores (e eventualmente de um outro indivíduo, que ocupa um monte próximo, a que algumas testemunhas fizeram alusão), a antiga escola primária foi desactivada, sendo hoje meramente residual e quase exclusivamente rural a utilização que do aludido caminho é feita, como resulta do facto assente em 22º;
VII - Não é, por isso, compreensível de que forma o Tribunal da Relação conclui, na alteração ao facto 27º que efectuou, que o caminho permite o acesso aos diversos “montes” existentes nas proximidades dos prédios denominados “...” e “...”, assegura a ligação ao ..., serve para acesso à escola
primária e é utilizado por quem quer que ali pretenda deslocar-se, conclusões que são
contraditórias com a fundamentação;
VIII- Para julgar tal facto de acordo com aprova produzida e de acordo com a sua própria convicção, o Tribunal da Relação teria que ter especificado que a utilização do caminho naqueles termos apenas aconteceu até à construção do ... há muitos anos atrás, pois que desde então não reside ninguém na zona, a escola primária há muito está desactivada (está nos autos, aliás, a prova fotográfica de que não passa de uma ruína abandonada) e a única utilização do caminho é esporádica, rural e para animais e máquinas agrícolas;
IX – Perante a conclusão de que desde a construção do ... o caminho não é praticamente utilizado, o Tribunal da Relação deveria ter mantido o julgamento do facto 27º nos termos em que se encontrava, ou feito a menção em tal facto de que o mesmo se reporta à realidade do caminho até à construção do ... há muitos anos atrás.
X - Não tendo tal sido feito, existe uma contradição manifesta entre a fundamentação da
decisão da matéria de facto quanto ao facto 27º e a decisão de tal facto, o que constitui
fundamento de nulidade do Acórdão, que se invoca com todos os efeitos legais, designadamente a não alteração do julgamento do facto em causa;
XI - Uma decisão contraditória com a fundamentação equivale a falta de fundamentação
da decisão, logo, importa a violação do disposto no artigo 154.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (norma que, não obstante encontrar-se na lei processual, tem natureza substantiva) e do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
X – Também a alteração efectuada pela decisão recorrida ao facto julgado como provado
em 15º (“O caminho tem iluminação pública pelo menos em alguns pontos, designadamente no acesso ao ....”) não está de acordo e é
contraditória com a fundamentação utilizada pela decisão;
XI – O Tribunal da Relação, na fundamentação, refere que não foi produzida qualquer prova da natureza pública da iluminação, referindo que a rede existente não é uma infra-
estrutura do caminho, a rede instalada se destina a transportar a electricidade às construções habitacionais existentes, a iluminação em causa se reporta a apenas 2 candeeiros, foi o filho do Autor quem solicitou a colocação destes 2 candeeiros e que os
mesmos foram colocados pela EDP na sequência de tal pedido;
XII - Da fundamentação do Tribunal da Relação decorre necessariamente que não está
provada a natureza pública da iluminação existente no caminho, pelo que é manifestamente contraditório com a fundamentação concluir-se, como o fez o Tribunal
da Relação, que “de iluminação pública se trata”.
XIII - Ao alterar o julgamento da matéria de facto quanto ao facto 15º em termos contraditórios com a fundamentação, existe uma contradição manifesta entre a fundamentação da decisão da matéria de facto quanto ao referido facto e a decisão, o que constitui fundamento de nulidade do Acórdão, que se invoca com todos os efeitos legais, designadamente a não alteração do julgamento do facto em causa;
XIV - Os ora recorrentes, Autores na acção, não se conformam com a decisão de Direito
constante do douto Acórdão recorrido, pelo que, pelo presente recurso, submetem a sua
apreciação ao Supremo Tribunal;
XV - O Tribunal a quo faz improceder a acção, pela procedência do recurso, pela análise
de um dos pressupostos do direito de preferência – a confinância dos prédios – identificando para tanto a questão da qualificação do caminho existente na estrema das
propriedades – caminho público ou caminho particular - e concluindo que a alegada afectação à utilidade pública do caminho em causa obsta à confinância, logo, à referência;
XVI - Tal decisão é incorrecta.
XVII - O Julgador de 1ª Instância – que julgou a acção procedente e reconheceu a existência de direito de preferência aos Autores – constatando que inexistiu qualquer acto de aquisição da propriedade por parte de qualquer ente público, suportando-se na Jurisprudência (nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça) centra-se na questão de determinar se existe afectação à utilidade pública, nos termos em que a mesma é definida pela Jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça e do próprio Tribunal da Relação ... (v. Ac. STJ de 15 de Junho de 2000, BMJ 498, p. 226 e Ac. TRE, de 06.12.2018, proc. 3282/17.5T8STB.E1, em www.dgsi.pt/);
XVIII – Conclui que o caminho tem “um uso circunscrito e subordinado a interesses privados, logo, alheios a uma relevância comunitária”, pelo que não é um caminho público;
XIX - Por seu turno, a decisão recorrida (cfr. pág. 29 e seguintes), em suma, igualmente
recorre ao critério da afectação à utilidade pública para concluir que, em face do que dá como provado em 27º, o caminho revestia utilidade pública, sendo que considera não ter sido demonstrada a sua desafectação pelos ora recorrentes, assim qualificando o caminho como público e considerando, em consequência, que os prédios não são confinantes;
XX – Tal decisão não é correcta.
XXI – A qualificação do caminho nos termos efectuados pela Relação não tem correspondência com a realidade desde há muitos anos – desde a construção do ..., que
ocorreu há mais de 40 anos – o que o próprio Tribunal da Relação reconhece, pois considera que o terreno ocupado pelo caminho é privado; transmite que o caminho não é utilizado de forma alargada; transmite que antes disso, foi via de acesso a todos os montes ali existentes, servindo as gentes que neles residiam, assegurando a ligação desde ... até ao lugar do ..., onde se situava a antiga escola, permitindo o transito de pessoas e animais e, posteriormente, de tractores e máquinas agrícolas; mas que hoje, pelo contrário, a utilização do caminho circunscreve-se esporadicamente a tractores e máquinas agrícolas; mais transmite que desde a conclusão do ... a utilização do caminho passou a ser meramente residual, atendendo, para além do mais, ao progressivo abandono dos montes da zona, nos quais já não reside ninguém para além dos próprios Autores (e eventualmente de um outro indivíduo, que ocupa um monte próximo, a que algumas testemunhas fizeram alusão), estando a antiga escola primária desactivada e sendo a utilização do caminho exclusivamente rural.
XXII – Perante tal, tem que concluir-se que os ora recorrentes demonstraram tais factos
nos autos, sendo que em 22º está provado que o caminho é utilizado exclusivamente para
fins rurais e de transporte de animais; está documentado nos autos (v. perícia) que o lagar tem acesso directo pela estrada alcatroada (cerca de 100 metros até ao ...), sendo a escola primária actualmente uma ruína, aliás de acordo com o que concluiu a decisão de 1ª Instância;
XXIII - Em face destes factos, outra conclusão não pode retirar-se senão que o caminho
em causa já não tem qualquer utilidade pública, pois já praticamente não é utilizado;
XXIV – Tal conclusão está de acordo com a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que considera elementos necessários à caracterização de um caminho como público a dominialidade, ou seja, a apropriação por entidade pública, como o uso directo
e imediato do público em geral, quando imemorial e quando vise a satisfação de interesses colectivos de significativo grau ou relevância (afectação à utilidade pública);
XXV - Não está provada a aquisição da propriedade do caminho ou a sua apropriação por qualquer entidade pública, resultando da perícia realizada nos autos que o terreno onde se situa o caminho é terreno particular, pertença de uma e de outra propriedade;
XXVI – Mais está provada a matéria constante do facto 13º, que demonstra a utilização
do caminho exclusivamente para fins rurais; das fotografias constantes dos autos e dos mapas também juntos resulta que, de automóvel, o melhor acesso entre as duas pontas do caminho em causa não é percorrendo o próprio caminho, mas sim utilizando a estrada alcatroada que o rodeia de a Norte, Poente e Sul e de que dista poucos metros; pelo que
o caminho apenas serve os proprietários dos terrenos confinantes, para acesso aos seus
prédios, para fins rurais e de transporte de animais;
XXVII – A escola primária, como está documentado nos autos (v. perícia), já está desactivada e não passa de uma ruína, sendo que sequer o seu melhor acesso é este caminho, mas sim a estrada alcatroada na ponta oposta;
XXVIII - O lagar tem outro acesso, por estrada alcatroada, que obviamente é o utilizado
por quem quer que o frequente, sendo certo que o caminho não é o único acesso – cfr. fotografias e mapas juntos aos autos;
XXIX – Todos estes factos estão suportados na prova pericial, documental, testemunhal e por declarações de parte, pelo que está cabalmente demonstrado nos autos que o caminho em causa não se destina a satisfazer interesses colectivos de significativo grau ou relevância, pelo que não está afecto à utilidade pública, como que o caminho não foi
construído por entidade pública ou apropriado por esta, não é mantido por qualquer entidade pública, designadamente Junta de Freguesia ou Câmara Municipal, não é utilizado por praticamente ninguém, não tem iluminação pública, já não habita ninguém (a não ser os próprios Autores) na zona a que o caminho dá acesso e apenas por ali passam máquinas agrícolas e animais, ao serviço dos confinantes;
XXX - Já não existe nas imediações e no local qualquer comunidade que seja servida pelo caminho;
XXXI – Os prédios em causa nos autos são, assim, confinantes;
XXXII – Sem conceder, não basta a qualificação do caminho (público ou privado) para
obstar à confinância, sendo certo que nestes autos o caminho sequer constitui estrema em toda a sua extensão;
XXXIII - Os prédios são fisicamente confinantes, pois basta atentar na perícia para concluir-se que o terreno onde se encontra o caminho pertence aos prédios, pelo que onde acaba um inicia-se outro;
XXXIV - O próprio mapa anexo à perícia (v. pág. 4 do relatório pericial) demonstra que
o caminho não acompanha a estrema dos prédios em toda a sua extensão, o que significa
que entre os marcos 2 e 4 a terra de ambos os prédios é absolutamente contígua, não existe qualquer caminho ou outro qualquer fenómeno físico;
XXXV - A confinância para efeitos do disposto no artigo 1380.º do Código Civil não se prende com a natureza pública ou privada da estrema ou do caminho, mas sim com a possibilidade de emparcelamento, atenta a necessidade de permitir-se a exploração agrícola unitária dos prédios, como se de apenas um se tratassem;
XXXVI – De acordo com a prova produzida, é possível o emparcelamento do prédio dos
Autores com o prédio dos Réus, o que se encontra julgado como provado em 20º;
XXXVII - Estão, pois, reunidos os pressupostos da confinância nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1380.º do Código Civil, ou seja, para efeitos da existência de direito de preferência.
XXXVIII - Os prédios são confinantes, sendo esta a conclusão que está provada e resulta
de toda a prova produzida, pelo que foi correctíssimo o julgamento efectuado pelo Tribunal de 1.ª Instância;
XXXIX – Em face do exposto, ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação ...,
no Acórdão recorrido, violou o disposto no artigo 154.º,n.º 1 do Código de Processo Civil
e no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, como o disposto no artigo 1380.º do Código Civil, sendo estas violações o fundamento da presente Revista, nos termos do disposto nas alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 674.º do Código de Processo
Civil, pelo que deve revogar-se o douto Acórdão recorrido, substituindo-se por outro que
julgue a acção procedente, mantendo a decisão de 1.ª Instância, com todos os efeitos legais.
Foram apresentadas contra alegações pelos Réus DD e EE, os quais requereram a ampliação do objecto do recurso ao abrigo do disposto no artigo 636º do CPCivil, «[por] forma a apreciar a questão relativa à exceção deduzida pelos ... que não mereceu análise por parte do Tribunal da Relação nos seguintes termos: «No caso dos autos os RR. não só impugnaram que o prédio dos AA denominado ... fosse confiante com o prédio objeto do contrato de compra e venda que entre si celebraram, dada a existência a separá-los de um caminho público, como invocaram a exceção prevista na parte final da al. a) do art. 1381.º. [...] Resulta do que vem de se expor que os AA. não lograram fazer prova de que o prédio denominado ... confina com o prédio adquirido pelos 2.º e 3.º RR à demandada CC, posto que não demonstraram a natureza privada do caminho que entre eles se interpõe, antes tendo resultado provado que se trata de caminho público, pelo que não se verificam os pressupostos do direito de preferência que é conferido pelo art. 1380.º. Tal é quanto baste para comprometer o êxito da ação, ficando prejudicado o conhecimento da exceção (cf. art.º 608.º, nº 2 do CPC).».
Apresentaram para o efeito o seguinte acervo conclusivo:
«[I.] Só quando o Acórdão da Relação ofende disposição legal que exija um determinado meio de prova ou coloque em causa a força probatória plena de certo meio de prova intervém o Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da matéria de facto;
II. O modo como a Relação apreciou a impugnação dos factos provados, ou não provados, com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação não é sindicável em sede de Revista;
III. O nº 2 do artigo 682.º do Código de Processo Civil dispõe que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça salvo o caso excecional previsto no artigo 674.º, nº 3 do Código de Processo Civil (que não foi invocado) que é perentório ao determinar que, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova;
IV. Para efeitos de nulidade do acórdão da Relação (ou de qualquer decisão judicial) o que releva é a oposição entre a fundamentação de direito e a decisão final e não a contradição entre os factos e o direito.
V. Estando assente a matéria de facto, nos termos definidos pelo Tribunal da Relação, não poderia o Tribunal da Relação extrair outra conclusão que não fosse a improcedência da ação de preferência intentada pelos AA.
VI. O que os recorrentes fazem, na verdade, é procurar a vedada alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal da Relação ..., respaldada na livre apreciação da prova, por não se conformarem com o sentido da decisão;
VII. Na verdade o vicio que os recorrentes apontam é o erro de julgamento, o qual não opera a nulidade do Acórdão e, o seu conhecimento, no caso vertente, escapa aos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça.
VIII. O douto Acórdão revidendo não padece quer, do apontado vicio, quer daquele que
verdadeiramente se procura assacar àquele;
IX. Em face do acervo probatório analisado e plasmado no douto Acórdão, nomeadamente testemunhal, devidamente citado naquela fundamentação, a redação que foi dada ao ponto 11a) da matéria provada é correta;
X. Inexiste qualquer contradição entre o facto provado 27 e a fundamentação de tal decisão, sequer o refletindo qualquer erro de julgamento;
XI. Inexiste qualquer contradição entre a consideração da iluminação do caminho como pública (facto provado 15) e a fundamentação de tal decisão, como também não representa um qualquer erro de julgamento;
XII. O douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... não viola o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC;
XIII. O tribunal da Relação em recurso interposto pelos AA. do saneador sentença inicialmente proferido apenas decidiu que a questão do carater publico ou não do caminho se mostrava ainda controvertida, pelo que determinou a baixa dos autos para novo julgamento onde tal questão fosse dirimida;
XIV. Face à matéria de facto definitivamente fixada pelo tribunal da Relação nada há a apontar relativamente à decisão de direito tomada;
XV. O caminho que separa os prédios é publico;
XVI. Considerando o conceito de causa de pedir que emerge do art.º 581.º, n.º 4, do CPC e sabendo-se que cabe ao autor, na petição inicial, “expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir”, conforme impõe o art.º 552.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, afigura-se, à luz do que dispõe o art.º 1380.º, nº 1, do CC, que a confinância é facto com eficácia constitutiva do direito que os AA pretendem fazer valer, encontrando-se por isso onerados com a prova respetiva (art.º 342.º/1 do CC);
XVII. Não cabendo aos contestantes a prova da natureza pública do acesso, mas antes aos AA a demonstração da sua natureza privada, pois dela depende a prova da confinância, o que não lograram nos moldes doutamente explanados no Acórdão em crise;
XVIII. Ainda que assim não fosse, a falta de alegação e prova da desafetação do caminho do domínio publico e o seu reingresso na esfera particular, por parte dos ora recorrentes sempre assegura o acerto da decisão de direito alcançada;
XIX. Não pode dizer-se que o caminho e as vedações não obstam à exploração em conjunto de ambos os prédios, porquanto podem ser removidas, tal mais não é do que esvaziar de todo e qualquer conteúdo qualquer separação existente entre prédios pois que, se tudo o que é construído pelo homem pode ser destruído – muros, vedações, cercas – também todas as barreiras naturais – ribeiros, valados, barrancos, encostas – podem ser eliminados com recurso a maquinaria e construção;
XX. Todavia, não podem os Autores eliminar o caminho que é publico e que separa os dois prédios, e que utilizado desde tempos imemoriais, servindo as pessoas que ali se deslocam, conforme resulta da matéria de facto dada como provada no douto Acórdão da Relação (vide pontos 19 a 24).
XXI. Os prédios rústicos dos Autores e Réus, não são confinantes para os efeitos do artigo 1380º, Código Civil, por existência do caminho publico ali existente, [o qual é uma área de terreno, situada entre os dois prédios, dotada de autonomia, cujo domínio não se integra em qualquer um deles], não sendo possível a sua exploração agrícola contínua como se de um só prédio de área superior se tratasse;
XXII. E pois forçoso concluir, que os prédios rústicos dos Autores e Réus, não são confinantes para os efeitos do artigo 1380º, Código Civil, por existência do caminho publico ali existente, [o qual é uma área de terreno, situada entre os dois prédios, dotada de autonomia, cujo domínio não se integra em qualquer um deles], não sendo possível a sua exploração agrícola contínua como se de um só prédio de área superior se tratasse, (vide factos dados como provados 5.º, 20.º, 21.º, 22.º 23.º, 24.º, 32.º do douto Acórdão agora colocado em crise).
Subsidiariamente,
XXIII. Ao abrigo do disposto no artigo 636.º do C.P.C., requer-se a ampliação do objeto do presente recurso por forma a apreciar a questão relativa à exceção deduzida pelos RR. e que não mereceu análise por parte do egrégio Tribunal da Relação.
XXIV. Porquanto, e no caso de proceder alguma das questões colocadas pelos recorrentes no presente recurso de revista – hipótese que apenas se admite por cautela de patrocínio, sem conceder – requerem os recorridos a ampliação do objeto do recurso, apreciando o Supremo Tribunal de Justiça a matéria relativa à exceção constante da alínea a) do nº 1 do artigo 1381.º do Código Civil, devidamente invocada em sede de contestação e objeto de prova, e cuja apreciação pela Relação ficou prejudicada em face da decisão tomada, com as inerentes consequências legais, nomeadamente, a sua procedência com a consequente improcedência da ação, não se reconhecendo aos AA. o direito de preferência na aquisição do prédio propriedade dos RR.;
XXV. Relativamente a esta questão foi considerado provada a seguinte factualidade: «33. O 2.º R. marido é ... e a 3.º R. mulher é ...; 34. Os referidos réus adquiriram o prédio em causa para nele implementarem uma atividade turística, composta por um turismo em espaço rural, e um restaurante [...]; 35. Já em data anterior à compra do prédio a 3.º Ré reuniu por diversas vezes na ADL, entidade gestora de fundos comunitários na área do turismo rural, com o intuito de se informar sobre as possibilidades de constituição de uma unidade hoteleira. 36. Depois da aquisição, os 2.º e 3.º RR diligenciaram junto da Câmara Municipal pela obtenção de informações acerca do licenciamento de um TER – Turismo em Espaço Rural; 37. E solicitaram um pedido de informação prévia acerca da viabilidade da implantação no prédio de um turismo em espaço rural e de um restaurante, tendo obtido resposta favorável da Câmara Municipal ...; 38. Contactaram um gabinete de arquitetura e engenharia, a sociedade M..., Ld.ª, com sede na Rua..., ..., ..., em ..., em ordem a saberem da viabilidade e orçamento para o desenvolvimento do projeto
de turismo, com vista à sua posterior submissão a licenciamento junto da Câmara Municipal; 39. Os RR DD e mulher tencionavam celebrar contrato de prestação de serviços para o desenvolvimento do projeto de recuperação da parte urbana do imóvel e sua afetação a turismo rural com o gabinete de arquitetura identificado no ponto anterior, o que não concretizaram face ao conhecimento da posição assumida pelos AA.; 40. O custo dos serviços a prestar pelo gabinete de arquitetura foi orçamentado em €17.356,45, valor sobre o qual acresceria IVA; 41. O valor do investimento previsto estava estimado em cerca de € 328.500,00; 42. Os 2.º e 3.º RR contavam recorrer a financiamento comunitário para a construção do empreendimento hoteleiro.».
XXVI. Os RR. apresentaram PIP favorável à sua intenção, cumprindo realçar que, por força do disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei nº 555/99 (Regime Jurídico da Edificação e Urbanização) «A informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento e no controlo sucessivo de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia».
XXVII. Os factos dados como provados relativos a esta questão preenchem os pressupostos exigidos na alínea a) do n.º 1 artigo 1381 do Código Civil: “Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: a) Quando algum dos terrenos constitua parte correspondente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura.”;
XXVIII. “O fim que releva, para efeitos do disposto a alínea a), não é aquele a que o terreno esteja afetado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretenda dar-lhe (…). Este fim não tem que constar necessariamente da escritura, podendo provar-se por outros meios (…) vide neste entendimento, os acórdãos do STJ de 21-06-1994, processo 085358; de 4-10-2007, processo 07B2739; de 25-03-2010, processo 186/99; de 06-05-2010, processo 537/02; 19-02-2013, processo 246/05, todos disponíveis em www.dgsi.pt; e ainda de 10-10-2017, processo 1522/13.9T8GMR.G1.S2;
XXIX. Conforme Acórdão do STJ de 17-10-2019, proferido no Processo 295/16.8T8VRS.E1.S2, disponível in www.dgsi.pt, «Todavia, não lograram demonstrar que a sua projetada finalidade seria legalmente admissível. Na verdade, os Réus compradores não juntaram qualquer documento passado pela Câmara Municipal de ... sobre o licenciamento da sua pretensão ou sequer da sua viabilidade, nomeadamente através da apresentação de um pedido de informação prévia (PIP).», ou seja, a apresentação de PIP e demais factualidade provada é adequada à demonstração da legalidade e possibilidade da pretensão;
XXX. O facto psicológico «intenção de construir um turismo rural» tem reflexo na factualidade apurada, ou seja, a intenção de os RR darem destino diferente da cultura tem nos autos concretização e prova bastante, mais aquele PIP demonstra que o fim da aquisição é viável, lícito e vincula a entidade emissora.
XXXI. O destino a dar ao prédio objeto da preferência é a instalação de um turismo rural e restaurante, o PIP junto aos autos prova a admissibilidade legal de tal fim não tendo sido provado que os RR. destinariam o prédio, ainda que parcialmente a qualquer outra finalidade, ou seja, prova-se a predominância económica e funcional da edificação face ao solo e, assim, a afetação total do prédio destinado pelos RR é o turismo.
XXXII. Não sendo despiciendo referir o artigo 62.º, n.º 1, a Constituição da Republica Portuguesa que consagra a garantia da propriedade privada, ao estabelecer que «a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição», e, bem assim, o principio da liberdade de usar e fruir dos bens de que se é proprietário, implícito na garantia constitucional, já que a garantia de existência de propriedade, entendida como expressão de liberdade individual, só ganha sentido se for acompanhada da possibilidade de aproveitamento livre dos bens, no interesse do respetivo titular.
XXXIII. A crescer, salientamos ainda o artigo 94.º da CRP, que consagra a eliminação dos latifúndios, neste sentido salientamos o sumário do Ac. Tribunal da Relação ..., de 17.01.2013, do qual destacamos os seus dois últimos pontos do sumário onde podemos ler: “4 - Se o preferente já de si puder considerar-se um latifúndio ou se o preferente for um minifúndio mas pela junção decorrente da preferência se transformar em latifúndio não lhe deverá ser reconhecido o direito de preferência por força da norma do artº 94º da C.R.P que consagra a eliminação dos latifúndios. 5 - O fim que releva para integrar a situação que a al. a) do artº 1381º do CC exceciona, não é o que tem ou ao qual está afetado no momento da alienação, mas aquele que constitui a finalidade da compra, caso essa finalidade seja legalmente possível.”
XXXIV. Pelo que, subsidiariamente, para o caso de proceder alguma das questões colocadas pelos recorrentes no presente recurso de revista – hipótese que apenas se admite por cautela de patrocínio, sem conceder – requerem os recorridos a ampliação do objeto do recurso, apreciando o Supremo Tribunal de Justiça a matéria relativa à exceção constante da alínea a) do nº 1 do artigo 1381.º do Código Civil, devidamente invocada em sede de contestação e objeto de prova, concedendo provimento ao recuso apresentado pelos RR junto do Tribunal da Relação ....
XXXV. Assim, não merece censura o douto Acórdão do Tribunal da Relação ..., ora em crise, devendo manter-se na integra.
XXXVI. Ainda que entendimento diverso vingasse, como pretendem os recorrentes, sempre seria de lhes negar o invocado direito de preferência por integral procedência da exceção prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 1381.º do Código Civil, ordenado a revogação da Sentença proferida em sede de primeira instância, proferindo decisão de improcedência do pedido de preferência dos AA.»
Na resposta os Autores pugnam pela improcedência da ampliação.
II O segundo grau declarou como assente e não assente a seguinte materialidade:
1. Encontra-se inscrito a favor dos A., por doação e partilha, o direito de propriedade sobre o prédio misto denominado "...", situado na freguesia de ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob os arts. ... da Secção ... ..., Secção ... daquela freguesia, e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art. ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ... da mesma freguesia, pelas Ap. ...1 de 21/1/1978; Ap. ...37 de 16/10/1998 e Ap. ...48 de 1/3/2012.
2. A parte rústica do prédio identificado em 1. é composta por cultura arvense e oliveiras, bem como pastagem, tendo a área total de 26,7500 hectares, correspondendo a área de 13,3750ha a cada um dos prédios inscritos na referida matriz rústica sob os artigos ....
3. A área coberta do mesmo prédio é de 242 m2 e a área descoberta de 267 258 m2.
4. O prédio é explorado pelos Autores no exercício da sua actividade agrícola, silvícola e pecuária, designadamente criando ovelhas e vacas.
5. De acordo com a descrição predial, o prédio "..." confronta a nascente com Caminho Público.
6. Encontra-se descrito na CRP ... sob o n.º ... da freguesia de ..., o prédio misto denominado "...", com a área total de 22.225 ha, que se encontra inscrito na matriz rústica da mesma freguesia sob o art. ..., Secção ... e na matriz urbana também da mesma freguesia sob o artigo ..., ali se referindo que a sua confrontação a poente ocorre com caminho público.
7. O prédio "..." é composto por cultura arvense, duas dependências agrícolas com a área de 73,9m2 e edifício de ... com a área de 248,9m2.
8. O prédio “...” tem aptidão para culturas de sequeiro (antigo 6.a)).
9. Ambos os prédios ... e ... são compostos por terrenos apropriados a culturas de sequeiro, sendo estas as que ali existem.
10. Por procedimento de "..." de 21 de Fevereiro de 2017, na Conservatória do Registo Predial ..., os segundos Réus DD e mulher, EE, compraram à primeira Ré CC, que vendeu, o prédio misto denominado "...".
11. O prédio a que se refere o ponto anterior foi transaccionado pelo preço de €110.000,00 (cento e dez mil euros), que a primeira Ré, ali vendedora, recebeu.
12. E foram pagas despesas no montante de €2.940,00.
13. No prédio ... encontra-se inscrita pela ap. ...53 de 21.02.2017 (14:54:57) a aquisição a favor de DD e EE, por compra a CC.
14. No mesmo imóvel 1801 encontra-se inscrita pela Ap. ...83, de 21.02.2017 (15:09:42), hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos, para garantia de €122.750,00, sendo sujeitos passivos DD e EE.
15. No dia 21.01.2017, a Caixa Geral de Depósitos celebrou um "Mútuo com Hipoteca" com os Réus DD e EE, concedendo-lhes em empréstimo de 100.000,00, tendo estes constituído a seu favor hipoteca sobre o prédio misto denominado "...", descrito na Conservatória do Registo Predial ... - freguesia de ..., sob o número n.º ... e inscrito na matriz rústica da mesma freguesia sob o art. ..., Secção ..., e na matriz urbana também da mesma freguesia sob o art. ... pela ap. ...53.
16. À data do negócio o prédio encontrava-se desonerado de quaisquer ónus ou encargos, designadamente hipotecas, sendo que na presente data encontra-se registada, pela Ap. ...83 de 21/02/2017, hipoteca a favor da Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A.
17. À data da compra e venda os segundos Réus adquirentes não eram proprietários de qualquer prédio rústico contíguo com o prédio que adquiriram.
18. Os Réus não deram previamente qualquer informação aos Autores sobre a sua concreta intenção de alienação, preço respectivo, etc., nem os notificaram para o exercício do direito de preferência.
19. A propriedade dos AA. está completamente vedada do lado nascente e a dos 2.ºs RR encontra-se vedada do lado poente, em alguns pontos.
20. Nos limites dos prédios "..." e "..." existe um caminho (antigo 11.a)).
21. O caminho é de terra batida e tem uma largura superior à largura de um veículo automóvel, permitindo a passagem de máquinas agrícolas.
22. Tal caminho é utilizado pelos donos dos prédios confinantes para aceder às suas propriedades, e ainda como forma de evitar a utilização do ... (de que dista poucos metros) e das EN... e EN..., estrada nacionais alcatroadas, para fins rurais e de transporte de animais, e dá acesso, entre outros, ao lagar e à antiga escola primária.
23. O caminho referido em 20. existe desde tempos imemoriais, permitindo o acesso aos diversos “montes” existentes nas proximidades dos prédios denominados “...” e “...”, assegurando a ligação ao ..., por ele se fazendo também o acesso à escola primária, sendo utilizado por quem quer que ali pretendesse deslocar-se.
24. O caminho tem iluminação pública pelo menos em alguns pontos, designadamente no acesso ao ....
25. O Autor, em data não concretamente apurada, mas que se situa antes de 04 de Maio de 2017 (data da propositura da acção), encetou diligências no sentido de se inteirar da situação do prédio vizinho, tendo, por intermédio dos seus mandatários, obtido a informação junto da Conservatória do Registo Predial de que tinha ocorrido a venda realizada, bem como dos elementos do negócio.
26. Tal informação foi ainda confirmada por conversa havida com os Réus adquirentes, em data não concretamente apurada, no prédio denominado "...".
27. O prédio "..." tem características, quer morfológicas, quer de solo, que permitem a exploração de pastagem para os animais que os Autores têm no seu prédio, bem como o exercício de outras actividades agrícolas, silvícolas e pecuárias para além das já existentes, permitindo¬-lhes, de forma mais rentável, a exploração dos prédios como se de apenas um prédio se tratasse.
28. Os Autores são comproprietários, na proporção de 94/120, do prédio misto denominado "...", situado na freguesia de ..., concelho ..., com a área total de 21,0780 hectares, inscrito na matriz predial rústica sob o art. ..., Secção ... (parte) daquela freguesia e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art. ... descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ... da mesma freguesia.
29. Explorando grande parte do prédio no exercício das mesmas actividades acima descritas.
30. Os Autores são também comproprietários do prédio misto denominado "...", situado na freguesia de ..., concelho ..., com a área total de 25,2500 hectares, inscrito na matriz predial rústica sob o art. ..., Secção ... daquela freguesia e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art. ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ... da mesma freguesia.
31. Explorando igualmente grande parte de tal prédio no exercício das actividades acima descritas.
32. De acordo com a descrição predial, os prédios denominados “...” e “...” confrontam de nascente com estrada pública.
33. O 2.º R. marido é ... e a 3.ª Ré mulher é ....
34. Os referidos réus adquiriram o prédio em causa para nele implementarem uma actividade turística, composta por um turismo em espaço rural e um restaurante (ponto 29. da sentença).
35. Já em data anterior à compra do prédio, a 3.ª Ré reuniu por diversas vezes na ADL, entidade gestora de fundos comunitários na área do turismo rural, com o intuito de se se informar sobre as possibilidades de constituição de uma unidade hoteleira.
36. Depois da aquisição, os 2.º e 3.ª RR diligenciaram junto da Câmara Municipal pela obtenção de informações acerca do licenciamento de um TER - Turismo em Espaço Rural.
37. E solicitaram um pedido de informação prévia acerca da viabilidade da implantação no prédio de um turismo em espaço rural e de um restaurante, tendo obtido resposta favorável da Câmara Municipal ....
38. Contactaram um gabinete de arquitectura e engenharia, a sociedade M..., Lda, com sede na Rua...", em ..., em ordem a saberem da viabilidade e orçamento para o desenvolvimento do projecto de turismo, com vista à sua posterior submissão a licenciamento junto da Câmara Municipal.
39. Os RR DD e mulher tencionavam celebrar contrato de prestação de serviços para o desenvolvimento do projecto de recuperação da parte urbana do imóvel e sua afectação a turismo rural com o gabinete de arquitectura identificado no ponto anterior, o que não concretizaram face ao conhecimento da posição assumida pelos AA (antiga al. c).
40. O custo dos serviços a prestar pelo gabinete de arquitectura foi orçamentado em €17.356,45, valor sobre o qual acresceria Iva.
41. O valor do investimento previsto estava estimado em cerca de € 328.500,00.
42. Os 2.º e 3.ª RR contavam recorrer a financiamento comunitário para a construção do empreendimento hoteleiro.
43. Os Autores, em 2014, tinham estabelecido negociações para a aquisição do "...".
44. Posteriormente a tal data o prédio foi colocado à venda na I..., M..., Lda, por mais de 6 meses, sem que ocorresse da parte dos AA. qualquer contacto com a 1.ª R. ou com a agência.
45. Foi através dessa imobiliária que os 2.º e 3.ª RR tomaram conhecimento de que estava à venda e foi através da sua mediação que aqueles o vieram a adquirir
46. Antes da aquisição, o filho dos AA esteve interessado na aquisição do prédio, tendo firmado inclusivamente uma promessa de compra, vindo a final a desistir do negócio.
47. O agente imobiliário FF deslocou-se um número de vezes não apurado ao prédio, para o mostrar aos compradores.
48. Os AA. não contactaram a vendedora ou a imobiliária.
49. Os 2.º e 3.ª RR realizaram aceiros e limpeza de terrenos no prédio em causa nos autos, com o que gastaram o montante aproximado de €2.500,00.
50. E plantaram figueiras da índia, cujo custo importou em €5.374,00.
51. Os 2° e 3.ª RR celebraram contrato-promessa de aquisição do prédio.
52. Até pelo menos 2015 o prédio objecto do negócio era utilizado para fins agrícolas e cultura de, designadamente, pastagem para animais.
53. Por carta de 10/04/2017, recebida pelos RR em 11/04/2017, o A. informou-os de que pretendia exercer o direito de preferência e que, por tal motivo, aqueles deveriam abster-se de efectuar melhoramentos ou benfeitorias no prédio.
54. Os Reconvintes responderam por carta de 18/04/2017, justificando o motivo pelo qual, na sua perspectiva, não procederam à notificação dos Reconvindos para preferência.
Não se provou que:
a) O terreno no qual os Reconvintes plantaram figueiras da índia ocupe uma área que não deverá ser superior a 0,5 hectare, no máximo 1 hectare.
b) Em Março de 2017, o Autor se tenha apercebido da presença no prédio "..." de um veículo automóvel que desconhecia, a informação a que se alude em 18. tenha sido obtida em 31.03.2017 e que a conversa a que se alude em 19. tenha ocorrido em 9 de Abril de 2017.
c) Eliminada.
d) Com vista à sua posterior submissão a licenciamento junto da Câmara Municipal ao turismo rural projectado pelos 2.º e 3.ª RR tenha sido atribuído o nome de "...".
e) O financiamento dos fundos comunitários fosse de até €235.000,00 e que o prazo de candidatura tenha terminado no final no final do ano de 2017.
f) Os Autores, após Novembro de 2015, tenham apresentado proposta de aquisição do ... pelo valor de €95 000,00.
g) Os AA tenham avistado as deslocações referidas em 40.
h) Os AA não se tenham mostrado interessados na aquisição do prédio.
i) Na data da celebração do contrato promessa de aquisição do prédio e no momento da aquisição os 2.º e 3.º RR não tivessem o propósito de construir no prédio qualquer turismo. j) No momento da celebração do contrato-promessa a que se alude em 45. e à data da aquisição pelos 2.º e 3.º RR, o prédio objecto do negócio fosse utilizado para fins agrícolas e cultura de, designadamente, pastagem para animais.
k) A plantação de figueiras da índia tenha visado o povoamento do terreno em vista do turismo rural.
1.Das nulidades.
Os Recorrentes começam por se insurgir contra o Acórdão recorrido, uma vez que na sua tese o mesmo é nulo por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), aplicável ex vi artigo 666.º, ambos do CPCivil uma vez que o julgamento efectuado quanto aos factos 15º e 27º, mostra-se viciado por contradição manifesta entre a fundamentação do julgamento efectuado e a decisão de tais pontos.
Vejamos.
O Tribunal da Relação no seu Acórdão de fls 613 a 615 indeferiu a arguida nulidade.
Dispõe o artigo 615º, nº1, alínea c) do CPCivil que «[1 -] É nula a sentença [Acórdão] quando:
(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;».
Entre a fundamentação da sentença e a decisão não pode haver contradição lógica, isto é, a fundamentação fáctico jurídica tem de ser coerente, não se poderá partir de uma premissa e concluir pelo seu contrário, cfr Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto in Código De Processo Civil Anotado, Volume II, 670.
Esta situação é diversa daquela que poderá resultar do erro na subsunção jurídica, ou do erro na interpretação, que conduzem ao erro de julgamento; como diversa é a situação que nos é colocada, a qual constitui um erro no julgamento de facto, porquanto na tese dos Autores a prova obtida à materialidade impugnada – pontos 15. e 27. – conduziria, no seu entendimento, à obtenção de diferentes respostas.
Ora, estes erros consubstanciados numa má e/ou errada avaliação das provas obtidas que conduzem a uma deficiente apreciação da matéria de facto, não são integráveis no vício da nulidade da sentença aludido na alínea c) do nº1 do artigo 655º, sendo este um vício de forma e não uma iniquidade da decisão de facto a se, cujo julgamento está arredado do perímetro apreciativo do Supremo Tribunal de Justiça.
Se não.
2. Da impugnação da matéria de facto.
O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nº1 do artigo 674º do CPCivil, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.
O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº3 do artigo 674º do CPCivil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, cfr José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163 e inter alia os Ac STJ de 6 de Maio de 2004 (Relator Araújo de Barros), 7 de Abril de 2005 (Relator Salvador da Costa), 18 de Maio de 2011 (Relator Pereira Rodrigues), de 23 de Fevereiro de 2012 (Távora Victor), de 15 de Novembro de 2012 e de 18 de Junho de 2019 da ora Relatora, in www.dgsi.pt.
A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos situações excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 782º, nº3 do NCPCivil.
Decorre do disposto no artigo 607º do NCPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, vinculada pois, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas, cedendo o mesmo naquelas situações vulgarmente denominadas de «prova taxada», designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358º, 364º e 393º do CCivil.
Enquanto o princípio da prova livre permite ao julgador a plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela Lei que lhes designam o valor e a força probatória e os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto violados.
Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios - por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional.
Por outras palavras e em termos práticos, dir-se-á que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça, pois o que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.
In casu, os Recorrentes entram em contramão com o apuramento dos factos contidos nos pontos 15. e 27., os quais têm a seguinte redacção: 15. O caminho tem iluminação pública pelo menos em alguns pontos, designadamente no acesso ao ... e 27. O caminho aludido em 11a) existe desde tempos imemoriais, permitindo o acesso aos
diversos “montes” existentes nas proximidades dos prédios denominados “...” e “...”, assegurando a ligação ao ..., por ele se fazendo também o acesso à escola primária, sendo utilizado por quem quer que ali pretendesse deslocar-se, não são factos para cuja apreciação a Lei exija determinado meio de prova, antes se tratam de factos sujeitos ao principio da prova livre, cfr artigo 607º, nº5 do CPCivil, e, nestas circunstâncias, óbvio se torna que este Órgão está impedido de efectuar qualquer tipo de censura sobre a averiguação efectuada por parte do segundo grau.
A alteração da factualidade apurada pretendida pelos Recorrentes, levaria é certo a uma decisão diversa, já que, o seu contrário, isto é, que o caminho não é público e que os prédios são confinantes faria operar o preceituado no artigo 1380º do CCivil, originando a declaração do seu direito de preferência.
Contudo, a materialidade apurada não propicia tal entendimento, soçobrando as conclusões de recurso.
Falecendo a pretensão dos Autores, torna-se despicienda a análise da ampliação do objecto do recurso suscitada pelos Réus, uma vez que assim ficou prejudicada.
III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão ínsita no Acórdão impugnado, ficando consequentemente prejudicada a análise da ampliação do objecto do recurso suscitada pelos Réus.
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2022
Ana Paula Boularot (Relatora)
José Rainho
Graça Amaral
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).