Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1164/09.3JDLSB-C.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÂO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
ACORDÃO DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
DIREITOS DE DEFESA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO.
Doutrina:
- CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1986, p. 273.
- GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, T. 2º, 3.ª edição, Editorial Verbo, p. 321
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 1.º, ALÍNEA J), 215.º, N.º1, ALÍNEA D), N.º 6, 222.º, N.º2, 400.º, N.º 1, AL. F).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13/08/2012, PROC. N.º 1324/08.4PPPRT-A.S1, DA 3.ª SECÇÃO;
-DE 30/01/2013, PROC. N.º 10/13.8YFLSB, DA 5.ª SECÇÃO.
Sumário :
I - A lei, para os efeitos do disposto no art. 215.º, n.º 6, do CPP, não exige a chamada dupla conforme, contemplada no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, para efeitos de admissão de recurso para o STJ.

II - No que respeita a esta circunstância específica de elevação do prazo de prisão preventiva, satisfaz-se com a confirmação da condenação, ainda que esta não seja mantida nos seus precisos termos.

III - Não há nesta interpretação qualquer ofensa do direito de defesa do arguido, como não há de outros princípios constitucionais invocados pelo requerente, nomeadamente da excepcionalidade da prisão preventiva, que não perde esse carácter, por se manterem rigorosamente os pressupostos constitucionais e legais em que a mesma pode ser decretada, e o princípio da proporcionalidade, visto que a medida coactiva se eleva com fundamento nas acrescidas exigências cautelares e tendo em vista uma relação de proporcionalidade com a pena aplicada, tendo havido o cuidado de se não estender a mesma para além de 1/2 dessa pena – altura em que o condenado estaria em condições de poder beneficiar de uma medida de liberdade condicional.

Decisão Texto Integral:
I.

AA, identificado nos autos, veio, por intermédio de advogado, requerer ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça a providência de habeas corpus, invocando os seguintes factos:

1. O peticionante foi detido e ouvido em primeiro interrogatório judicial no dia 15 de Julho de 2010, onde, após o cumprimento de um mandado de detenção europeu (MDE), lhe foi decretada a medida de coacção de prisão preventiva.

2. Por acórdão proferido em 22 de Julho de 2011, foi a acusação parcialmente provida, absolvendo o arguido pelo crime de homicídio, mas condenando-o por um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a) do CP, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão e de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º, n.º 1, alínea a) do CP, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, ficando com a pena única de 3 anos e 8 meses de prisão.

3. Apresentado recurso pelo MP e arguido, veio o Tribunal da Relação de Lisboa a condenar ainda o arguido por um crime de homicídio simples, negando provimento ao recurso apresentado pelo arguido.

4. Apresentado recurso pelo ora peticionante para o STJ, veio este Tribunal a reenviar parcialmente os autos para novo julgamento quanto ao crime de homicídio, rejeitando, por inadmissível o recurso quando aos restantes crimes.

5. Repetido o julgamento com os limites impostos pelo STJ, veio o arguido a ser condenado pelo crime de homicídio na pena de 12 anos de prisão, tendo ainda ficado determinado nesse acórdão a sua prisão preventiva logo que fosse colocado em liberdade no processo 5594/12.5TBCSC – que tinha daquele sido separado a fim de cumprir a pena de 3 anos e 8 meses (…)

6. O que veio a acontecer no passado dia 17/01/2014, por despacho datado de 16/01/2014 – nesse processo 5594/12.5TBCSC – que determinou que fosse novamente ligado a estes autos, sujeito à medida de prisão preventiva.

7. Sucede que (…) está neste momento excedido o prazo máximo de prisão preventiva.

8. O peticionante esteve na situação de prisão preventiva entre os dias 15/07/2010 e 12/07/2012, data em que foi colocado à ordem do processo 5594/12.5TSCSC do 2.º Juízo Criminal de Cascais.

9. Tendo sido novamente ligado a estes autos no passado dia 17/01/2014 na situação de prisão preventiva.

10. Como se referiu em 7., é para o peticionante aplicável o disposto no n.º 2 do art. 215.º do CPP, ou seja, 2 anos o limite máximo de prisão preventiva.

11. Isto significa (…) que a prisão preventiva do arguido chegou ao seu limite máximo no passado dia 19 de Janeiro de 2014.

12. É que, não obstante o arguido ter estado em prisão preventiva nestes autos, depois a cumprir pena no processo que neste teve origem e a prisão preventiva ter aí sido descontada, o prazo de prisão preventiva é único – n.º 7 do art. 215 do CPP.

13. Se assim não fosse, ficaria aberta a porta à possibilidade de o arguido poder saltitar entre processos, renovando os prazos de prisão preventiva.

14. Por outro lado, resulta que o Tribunal de 1.ª instância entendeu ser de aplicar o n.º 6 do art. 215.º do CPP, por considerar que o acórdão da Relação de Lisboa proferido no passado dia 14/01/2014 confirmou o acórdão de 1.ª instância, o que permitia elevar o prazo de prisão preventiva para 6 anos.

15. Salvo o devido respeito, defende o recorrente que esta não é a melhor interpretação daquela disposição legal e do acórdão de 14/01 da Relação de Lisboa.

16. Apresentado recurso pelo arguido, foi o acórdão do Tribunal de Cascais anulado por excesso de pronúncia, alterada a matéria de facto, reparada a nulidade e mantida a condenação pelo crime de homicídio.

17. Verifica-se, assim, que não houve uma confirmação de sentença, pois, de facto, aquela foi anulada parcialmente e depois de declarada nula, reparada a invalidade pela Relação.

18. Aceitar de outro modo (…) é colocar em causa os direitos de defesa do arguido – n.º 1 do art. 32.º da CRP – a natureza excepcional da prisão preventiva – art. 28.º da CRP – e art. 18.º da CRP, inquinando as normas do n.º 6 do art. 215.º do CPP.

19. Esta interpretação está ferida de inconstitucionalidade material, por contender com o disposto nos art.s 18.º, 27.º, 28.º, n.º 4, 32.º, n.º 1 da CRP

20. Por outro lado, a sentença condenatória a que se refere o n.º 6 do art. 215.º do CPP não é, na dinâmica processual destes autos, a agora proferida em último lugar pelo Tribunal de Cascais, mas sim a primeira proferida nos autos, ou seja, pelo Tribunal da Relação de Lisboa quando julgou procedente o recurso do MP e entendeu condenar o arguido pelo crime de homicídio.

21. Acontece que esse acórdão condenatório foi anulado pelo STJ e o processo reenviado para novo julgamento no Tribunal de Cascais – por decisão do Tribunal da Relação.

22. Isto significa (…) que por qualquer destes argumentos – pontos 12, 14 e 19 – a prisão preventiva do arguido chegou ao seu limite máximo no passado dia 19 de Janeiro de 2014.

Assim, requer a imediata restituição à liberdade.

2. Na informação a que alude o art. 223.º, n.º 1 do CPP, foram prestados os seguintes esclarecimentos pela Senhora Juíza do processo:

Nos presentes autos, o arguido AA foi acusado da prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132, n.ºs 1 e 2, alínea j) do CP, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea a) do CP, e ainda, em co-autoria, de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º, n.º 1, alínea a) do CP.

Foi determinada a emissão de mandado de detenção europeu, tendo o arguido sido detido em 17 de Maio de 2010, ficando em prisão preventiva desde 15 de Julho de 2010.

Transitada em julgado a condenação pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203.º, n,º 1, 204.º, n.º 1, alínea a) do CP, e do crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º, n.º 1, alínea a) do CP, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão efectiva, e ordenado o reenvio do processo para novo julgamento em 1.ª instância quanto ao crime de homicídio qualificado (…), por despacho proferido em 10 de Julho de 2012, foi determinada a separação de processos.

Em consequência, em 12 de julho de 2012, o arguido passou a cumprir a pena única em que foi condenado no processo que resultou da separação, a que coube o n.º 5594/12.5TBCSC, no qual foi descontado todo o tempo de detenção e de prisão preventiva que sofreu à ordem dos presentes autos, como inequivocamente resulta da liquidação de pena junta a fls. 412 a 415.

Nestes termos, o arguido encontra-se em prisão preventiva à ordem destes autos desde 17 de Janeiro de 2014, não havendo a contabilizar o período anterior, uma vez que foi integralmente descontado no cumprimento da pena acima referida.

Mesmo que se entenda que o prazo de prisão preventiva deva ser contado desde o seu início, ou seja, desde 15 de Julho de 2010, ainda não estaria excedido o respectivo prazo, porquanto o mesmo esteve preso preventivamente à ordem dos presentes autos até 12 de Julho de 2012, a cinco dias do prazo máximo de dois anos previsto no art. 215.º, n.ºs 1, alínea c) e 2 do CPP.

Em 17 de Janeiro de 2014, o arguido ficou novamente em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, após ter sido proferido acórdão do tribunal colectivo, que o condenou na pena de 12 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio simples, pena que foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Janeiro de 2014.

(…)

3. Foi mandada juntar certidão de todas as peças do processo atrás referidas.

4. Convocada a secção criminal e notificados o MP e o defensor, teve lugar a audiência - art.s 223.º, n.º 3, e 435.º do CPP.

Importa agora, tornar pública a respectiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.

II.

5. A providência de habeas corpus é uma providência excepcional, destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade, como doutrina CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1986, p. 273, que a rotula de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional, no mesmo sentido confluindo, entre outros, GERMANO MARQUES DA SILVA, para o qual a providência de habeas corpus é «uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo, em muito curto espaço de tempo, a uma situação de ilegal privação de liberdade», (Curso de Processo Penal, T. 2º, 3.ª edição, Editorial Verbo, p. 321).  

Porque assim, a petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal:

a) - Ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) - Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;

c)- Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.
Confrontamo-nos, pois, com situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, quer por incompetência da entidade que ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou não tendo sido invocado fundamento algum, quer ainda por estarem excedidos os prazos legais da sua duração, havendo, por isso, urgência na reposição da legalidade.

6. No caso sub judice, é o excesso de prazo de prisão preventiva que é invocado.

Nos termos do art. 215.º, n.º 1, alínea d) do CPP, o prazo máximo de prisão preventiva é de 1 ano e 6 meses, sem que tenha sido proferida decisão com trânsito em julgado.

Este prazo eleva-se para 2 anos, no caso de se tratar de crime qualificado como de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada ou crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.

É o caso da situação presente, em que está em causa um crime de homicídio e, portanto, integrável no conceito de criminalidade violenta nos termos do art. 1.º, alínea j) do CPP e, para além disso, punível com prisão de máximo superior a 8 anos de prisão.

Não há, de resto, discrepância quanto a este ponto, uma vez que aceite pelo próprio requerente.

O problema é saber se esse prazo de 2 anos foi já ou não ultrapassado.

O requerente foi entregue às autoridades portuguesas, no âmbito do cumprimento de um MDE, no dia 15 de Julho de 2010 e nesse dia, após interrogatório judicial, submetido à medida de prisão preventiva, tendo-se mantido nessa situação até ao dia 12 de Julho de 2012.

Entretanto, havia sido condenado na 1.ª instância, por acórdão de 22/07/2011, pelo crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203.º, n,º 1, 204.º, n.º 1, alínea a) do CP, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, e pelo crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º, n.º 1, alínea a) do CP, na pena 1 ano e 10 meses de prisão e, em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, tendo sido absolvido do crime de homicídio por que também havia sido condenado.

O Tribunal da Relação de Lisboa, em recurso, por acórdão de 15/11/2011, decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e conceder provimento ao do Ministério Público, condenando o arguido também pelo crime de homicídio simples, na pena de 12 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 anos de prisão.

Interposto recurso pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, veio este, por acórdão de 10/05/2012, a rejeitar o mesmo quanto aos crimes de furto qualificado e de profanação de cadáver, ordenando o reenvio do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, para novo julgamento pelo crime de homicídio, quanto a determinadas questões.

Tendo transitado em julgado a decisão quanto aos crimes de furto qualificado e de profanação de cadáver, foi decidido na 1.ª instância, por despacho de 10/07/2012, efectuar a separação de processos, ficando, em consequência, o requerente a cumprir a pena de 3 anos e 8 meses de prisão, pelos aludidos crimes de furto qualificado e de profanação de cadáver, à ordem do novo processo resultante da separação, com o n.º 5594/12.5TBCSC, desde 12 de Julho de 2012.

Entretanto, os presentes autos seguiram a sua tramitação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, na sequência da referida decisão do STJ, reenviado, por seu turno, o processo para a 1.ª instância, para aí se efectuar o novo julgamento parcial pelo crime de homicídio.

Veio, então, o arguido a ser condenado na 1.ª instância pelo crime de homicídio na pena de 12 anos de prisão, tendo ficado determinado no respectivo acórdão que o arguido ficaria em prisão preventiva, à ordem dos autos, logo que cumprisse a pena no processo, organizado em separado, com o n.º 5594/12.5.

Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, veio este, por acórdão de 14/01/2014, no provimento parcial do recurso, a anular parcialmente a decisão de 1.ª instância, por excesso de pronúncia, sendo tal nulidade suprida no próprio acórdão, com eliminação de alguns artigos dos factos provados, e julgado não provido o recurso na parte restante, mantendo-se no mais a decisão de 1.ª instância – condenação do requerente pelo crime de homicídio simples em 12 anos de prisão.

Por despacho de 16/01/2014, foi determinado que o requerente fosse novamente ligado a estes autos, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, o que veio a acontecer no dia imediato – 17/01/2014.

No processo organizado em separado, para cumprimento da pena de 3 anos e 8 meses de prisão, foi descontado todo o tempo em que o requerente esteve detido e preso preventivamente – de 15/07/2010 a 12/07/2012.

7. Ora, em primeiro lugar e no referente à questão do prazo máximo de prisão preventiva:

Este era, inicialmente, como vimos, de 2 anos.

Porém, com o acórdão do Tribunal da Relação de 14/01/2014, este prazo passou para 6 anos – metade da pena aplicada – nos termos do n.º 6 do art. 215.º do CPP.

O requerente discorda desta interpretação, mas não tem razão.

Com efeito, o que interessa agora considerar é o acórdão condenatório proferido pela 1.ª instância no seguimento do reenvio do processo para novo julgamento parcial.

A condenação proferida nesse aresto foi confirmada pelo Tribunal da Relação, no seu acórdão de 14/01/2014, pois a mesma foi mantida integralmente, incluindo a medida da pena aplicada.

Não importa para a questão o facto de a Relação ter anulado parcialmente a decisão de 1.ª instância (aliás, uma anulação sem relevo do ponto de vista da condenação), se aquele Tribunal manteve esta e nos seus precisos termos.

É que a lei, ao contrário do que parece entender o requerente, não exige aqui a chamada dupla conforme, contemplada no art. 400,º, n.º 1, alínea f) do CPP, para efeitos de admissão de recurso para o STJ.

No que respeita, porém, a esta circunstância específica de elevação do prazo de prisão preventiva, satisfaz-se com a confirmação da condenação, ainda que esta não seja mantida nos seus precisos termos.

É que, no caso de dupla conforme, está em causa uma circunstância limitativa do recurso para o STJ e, no caso da providência de habeas corpus, a extensão do prazo de medida coactiva, fundada na razoabilidade do seu prolongamento, por força de uma dupla condenação por determinado crime e, portanto, no reforço das exigências cautelares que essa confirmação justifica (Cf., entre outros, o Acórdão de 13/08/2012, Proc. n.º 1324/08.4PPPRT-A.S1, da 3.ª Secção).

A lei, neste caso, reporta-se à pena que o condenado presumivelmente irá cumprir, uma vez transitada a decisão em julgado e a razão que leva à elevação do referido prazo é a relativa estabilização da situação do arguido que se obtém com a confirmação da condenação pelo Tribunal da Relação, sendo o recurso de tal decisão, se ainda for admissível, restrito exclusivamente à matéria de direito e, portanto, considerando-se estabilizada a matéria de facto (Cf. acórdão de 30/01/2013, Proc. n.º 10/13.8YFLSB, da 5.ª Secção, de que foi relator o Conselheiro Santos Carvalho e um dos adjuntos o relator deste processo, sendo o outro o Conselheiro Carmona da Mota).

No caso dos autos, a confirmação até foi inteiramente coincidente com a condenação em 1.ª instância, pelo que não há dúvida de que o prazo máximo de prisão preventiva se elevou para 6 anos.

Não há nesta interpretação qualquer ofensa do direito de defesa do arguido, como não há de outros princípios constitucionais invocados pelo requerente, nomeadamente da excepcionalidade da prisão preventiva, que não perde esse carácter, por se manterem rigorosamente os pressupostos constitucionais e legais em que a mesma pode ser decretada, e o princípio da proporcionalidade, visto que a medida coactiva se eleva com fundamento nas acrescidas exigências cautelares e tendo em vista uma relação de proporcionalidade com a pena aplicada, tendo havido o cuidado de se não estender a mesma para além de metade dessa pena – altura em que o condenado estaria em condições de poder beneficiar de uma medida de liberdade condicional.

8. O crime de homicídio por que o requerente foi condenado, por si só, justifica a medida coactiva de prisão preventiva, ainda que os outros crimes em concurso a não a admitam, tendo essa medida sido decretada no termo do interrogatório de arguido detido, tendo em atenção, fundamentalmente, esse crime.

Assim, não se alcança o sentido da observação do requerente quando diz que o prazo de prisão preventiva é único, como se se tivesse desrespeitado essa unicidade.

Todavia, tendo a prisão preventiva sofrida pelo requerente até ser colocado novamente à ordem destes autos, sido descontada integralmente no cumprimento da pena que passou a ser objecto do processo organizado em separado, não se reinicia, nestes autos, um novo prazo de prisão preventiva, havendo que descontar ao prazo máximo permitido por lei (6 anos) esse tempo que o requerente já sofreu por conta da referida medida coactiva. Neste aspecto, há que respeitar o princípio da unicidade a que alude o requerente. Esta solução nada tem a ver com o desconto referido no art. 80.º do CP, só valendo para efeitos de prisão preventiva.

Seja, porém, como for, o certo é que, visto todo o exposto até ao momento, uma conclusão se impõe: o prazo máximo de prisão preventiva está ainda longe de ser atingido, pelo que não ocorre o fundamento da alínea c), do n.º 2, do art. 222.º do CPP que estrutura a presente petição de habeas corpus.       

III.

9. Nestes termos, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência requerida por AA, por falta de fundamento bastante.

10. Custas pelo requerente com 4 UC de taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Fevereiro de 2014

                               

Rodrigues da Costa (relator)

  Arménio Sottomayor

   Santos Carvalho (presidente da Secção)