Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
740/07.3TTALM.L1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
JUÍZO DE VALOR
PODERES DA RELAÇÃO
BAIXA DE CATEGORIA
Data do Acordão: 02/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

1. A Relação, no julgamento da matéria de facto que lhe cumpre efectuar, nos termos do artigo 659.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil, por remissão do n.º 2 do seu artigo 713.º, e no uso do poder-dever conferido pelo artigo 712.º, n.º 1, alínea b), daquele Código, não está sujeita às alegações das partes, podendo alterar, no condicionalismo previsto nas ditas normas, a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1.ª instância, desde que funde a decisão nos factos alegados pelas partes.
2. As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do acervo factual a considerar e, quando isso não suceda, deve tal pronúncia ter-se por não escrita, cabendo à Relação, no sobredito julgamento de facto, cuidar, oficiosamente, da observância do estipulado no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, matéria em que também não está sujeito às alegações das partes.
3. Provando-se que as funções atribuídas à autora, na categoria interna de «Service Performance & OPS Support», implicavam uma actividade mais técnica do que as anteriormente exercidas de «Express Centre Supervisor», que essas novas funções estavam funcionalmente ligadas às que lhe haviam sido determinadas no contrato e que, tratando-se de funções ainda equiparáveis, do ponto de vista das exigências técnico-profissionais, não determinaram qualquer desvalorização profissional, não se configura a pretendida diminuição da sua categoria profissional.

Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 28 de Setembro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Almada, 1.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra «... EXPRESS PORTUGAL, Lda.», pedindo que: (I) se considerasse ilícito o processo disciplinar contra si instaurado, bem como abusiva a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, e, assim sendo, fosse (a) anulada a decisão proferida e a sanção disciplinar aplicada e (b) a ré condenada «ao pagamento de uma indemnização em quantia não inferior a € 4.589,30 (n.º 3 do art. 375.º do Código do Trabalho)»; (II) se assim não se entendesse, se considerasse «desproporcional, por excessiva, a sanção disciplinar de 11 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, alterando-se tal sanção, segundo o justo critério do tribunal, por uma menos gravosa»; (III) fosse declarado que o cartão Galp Frota e o telemóvel, que lhe foram retirados, fazem parte integrante da retribuição e, nessa medida, fosse a ré condenada (a) a pagar-lhe «€ 1.080, pelos custos já suportados pela A. relativos ao combustível e € 180 relativos ao telemóvel e dos demais custos, à razão de € 210 mensais (€ 180 relativos ao cartão Galp Frota + € 30 relativos ao telemóvel), desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão» e (b) a devolver-lhe o cartão Galp Frota e o telemóvel ou, em alternativa, a pagar-lhe, para futuro, uma quantia equivalente (conforme os valores mencionados na alínea antecedente); (IV) se considerasse ilícita «a diminuição da categoria profissional de que a A. foi alvo e, nessa medida, condenada a R. a atribuir à A. funções compatíveis com aquelas para as quais foi contratada, i. e., Express Centre Supervisor»; (V) fosse considerado «que a R. violou o dever de igualdade salarial e, por conseguinte, condená-la ao pagamento de € 3.000 relativos ao montante de € 500 mensais que a mesma deixou de auferir em consequência da referida discriminação salarial, bem como o que a A. deixará de auferir desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão»; (VI) a ré fosse condenada a pagar-lhe, para futuro, um acréscimo remuneratório de € 500 mensais; (VII) fosse considerado que «foi alvo da violação do princípio de protecção da maternidade e, em consequência, considerar ilícitos os aumentos salariais de 0% e 0,62% e, nessa medida, condenar a R. ao pagamento de € 170,40 que a A. deixou de auferir em consequência dessa discriminação, bem como os que a A. deixará de auferir desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão»; (VIII) a ré fosse condenada a pagar-lhe, «para futuro e até novo aumento salarial, de um acréscimo remuneratório de 21,30 mensais»; (IX) a ré fosse condenada a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais, «em quantia não inferior a € 5.000»; (X) a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 500 «por cada dia de atraso no efectivo cumprimento da condenação das prestações peticionadas nos pontos III. b), IV., VI. e VIII., após o trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 829.º-A do Código Civil»; (XI) a ré fosse condenada a pagar-lhe «juros de mora dos valores peticionados nos pontos I. b), IV. a), V., VII. e IX., desde a citação até efectivo e integral pagamento».

A acção, contestada pela ré, foi julgada improcedente, por não provada, pelo que a ré foi absolvida de todos os pedidos contra si deduzidos.

2. Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu «julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida».

É contra esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que a autora, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes:

«1. Ao proceder à alteração da matéria de facto constante do ponto 9 da matéria de Facto Provada, o tribunal a quo ultrapassou os poderes que lhe competiam, conhecendo de questões de que não podia tomar conhecimento.
2. Através de tal decisão, o tribunal a quo sanou (conforme o mesmo alega) a nulidade de que a decisão proferida em 1.ª instância padecia, a qual foi invocada pela Recorrente nas suas alegações de recurso e que se fundamentou na manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão (porquanto este tribunal, não obstante considerar provada a mudança de categoria profissional, aplicou, em sede de direito, o disposto no art. 151.º do Código do Trabalho e não, como se impunha, o disposto nos arts. 313.º e 314.º do CT).
3. Por outro lado, através de uma alegada “rectificação”, o tribunal a quo procedeu a uma verdadeira alteração da matéria de facto.
4. Não se tratou, pois, de uma mera correcção de um erro material ou de um lapso de escrita de que a decisão proferida em 1.ª instância enfermava, mas de uma alteração aos factos provados e sobre os quais nem a Recorrente nem a Recorrida apresentaram qualquer reclamação.
5. Não só a interpretação efectuada não tem qualquer correspondência com o alegado pelas partes e com o que consta do teor dos documentos juntos, como desconhece o tribunal a quo a prova efectuada na audiência de julgamento a este respeito e ignora, em consequência, se resultou provado que as funções que a Recorrente passou a exercer consubstanciaram efectivamente uma alteração à categoria profissional e não uma mera alteração de funções.
6. Atendendo a que a Recorrente não reclamou (nem tão pouco a Recorrida) quanto à matéria que resultou provada neste âmbito e que, ainda que tal tivesse sucedido, a apreciação que o tribunal a quo deveria ter feito do recurso interposto pela Recorrente (e pelas razões constantes dos autos) se deveria ter limitado à matéria de direito, não poderia a mesma ter procedido à alteração em causa.
7. A decisão recorrida é, assim, nula nos termos do art. 668.º, n.º 1, alínea [d]) do C.P.C.
8. Para fundamentar a sua decisão de inexistência da diminuição da categoria profissional da Recorrente, o tribunal a quo cingiu-se à análise da carta de comunicação da mudança de local de trabalho e de funções — fls. 54 — sem curar de apurar se os factos e argumentos aí constantes corresponderam à realidade e, bem ainda, aos factos considerados provados.
9. Efectivamente, não só os factos daí resultantes não resultam, sequer minimamente, dos factos provados, como não existe nenhuma relação estabelecida entre os factos provados e o Direito aplicado.
10. O tribunal recorrido mais não fez, pois, do que socorrer-se de um documento constante dos autos, cujo valor probatório não é, sequer, pleno, e tentou adaptá-lo, sem sucesso, ao disposto no art. 151.º do Código do Trabalho.
11. Por outro lado, e também para esse efeito, o tribunal considerou que as funções de Service Perfomance & Ops Support implicam a realização de funções de carácter mais técnico do que as então exercidas pela Recorrente, o que não resulta minimamente dos factos provados.
12. O tribunal a quo, ao decidir nos termos descritos, violou o disposto no art. 712.º do C.P.C., porquanto acrescentou matéria de facto à decisão proferida em 1.ª instância, e a esta aplicou o Direito, sem que estivessem reunidas quaisquer uma das exigências legais para o efeito.
13. Ao actuar da forma descrita, o tribunal a quo violou, assim, o disposto no art. 712.º do C.P.C., não estando vedado a este tribunal, como tribunal de revista, que é, verificar se o tribunal de 2.ª instância, ao usar dos poderes conferidos pelos n.os 1 e 2 do art. 712.º do CPC, agiu dentro dos limites traçados na lei, já que a arguição de tal violação configura, então, a ocorrência de um erro de direito — art. 721.º, n.º 2, da mesma codificação e 26.º da LOFTJ (cfr. Acórdão do STJ de 19-05-2010).
14. Ao entender que a Recorrida não diminuiu a categoria profissional da Recorrente e que a actuação da mesma se enquadrou dentro dos poderes laborais que, contratual e legalmente lhe eram permitidos, o tribunal o quo violou, igualmente, o disposto no art. 151.º e o disposto no art. 314.º, ambos do Código do Trabalho então em vigor.
15. Efectivamente, e embora reconhecendo a dificuldade de definição do que sejam funções afins ou funcionalmente ligadas, não se pode deixar de subscrever as palavras de Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, e outros, in “Código do Trabalho Anotado”, Almedina, 2004, pág. 312, quando referem que “Existe afinidade funcional quando existem semelhanças, proximidade, acessoriedade ou complementaridade entre as actividades [;] estamos perante uma situação de ligação funcional quando, no contexto de um processo produtivo, se verifica que as funções se inserem sequencialmente nesse processo.”
16. As funções de Express Centre Supervisor e as de Service Performance & Ops Support não são acessórias ou complementares uma da outra, nem se inserem sequencialmente no mesmo processo produtivo. Efectivamente, enquanto naquelas se exercem funções de chefia da secção e de coordenação de trabalhadores, nestas, para além de se reportar a quem aquelas exerce, as funções exercidas limitam-se à análise de índices de performance.
17. Funções acessórias ou complementares devem considerar-se aquelas que, ainda que não incluídas no descritivo funcional (neste caso, Express Centre Supervisor), se relacionam com a categoria exercida (Chefe de Secção), o que não sucedeu no presente caso, porquanto se impôs à Recorrente o exercício de tarefas inerentes a outra função e com um descritivo funcional (Service Performance & Ops Support) e hierárquico específicos (já que, ao exercer as referidas funções, a Recorrente passou a reportar a pessoa que exercia as mesmas funções para as quais a Recorrente foi contratada).
18. A interpretação efectuada pelo tribunal a quo ultrapassa o espírito e a letra do art. 151.º do Código do Trabalho, porquanto permite a existência de uma polivalência funcional, o que não foi, nem de longe, e dada a existência do art. 314.º, a intenção do legislador.
19. Sucede que, e ainda que interpretando correctamente o art. 314.º do Código do Trabalho, e ao invés do que fez o tribunal a quo, não se poderia deixar de concluir que a Recorrida diminuiu a categoria profissional da Recorrente e que as novas funções implicaram uma alteração substancial da posição da Recorrente.
20. Desde logo, porque a alteração da categoria profissional da Recorrente não foi transitória e excepcional, mas definitiva.
21. Em segundo lugar, porque a alteração implicou a modificação da posição substancial da categoria da Recorrente e, bem ainda, a diminuição da categoria da Recorrente, não poderia o tribunal a quo, uma vez mais, ter concluído de outra forma que não pela violação do referido preceito legal.
22. Efectivamente, ao submeter a Recorrente ao exercício de actividades que: a) não se enquadram em funções de chefia; b) que não exigem o nível profissional e técnico que as funções de Expresse Centre Supervisor; c) que não mais exigem a atribuição de um telemóvel e de um cartão de combustível; d) e, bem ainda, que impõem a sujeição hierárquica a trabalhadores que exercem as mesmas funções para as quais a Recorrente foi contratada, impôs a Recorrida à Recorrente o exercício de funções que implicam uma modificação substancial da sua posição e, a par disso, implicam a diminuição da categoria profissional da mesma.
23. Aplicando-se tais conclusões ao caso concreto, mais não resulta que, uma vez determinada a categoria da Recorrente — Chefe de Secção — e ainda que se tenha apenas por referência a respectiva função — Express Centre Supervisor — devia a mesma exercer a actividade para a qual foi contratada (ou, maxime, uma função afim ou funcionalmente ligada), não podendo dela ser retirada ou despromovida.
24. Veio ainda o tribunal a quo entender que a Recorrida não diminuiu a retribuição da Recorrente, uma vez que o facto da Recorrente, por vezes, requisitar a viatura da Recorrida para deslocações inferiores a 100 km e de esta tolerar que aquela utilize os benefícios advenientes do cartão Galp Frota e do telemóvel em benefício próprio desde que não ultrapassados os plafonds estabelecidos, é uma mera liberalidade que não transforma aquela disponibilidade num direito do trabalhador.
25. Tal facto não anda mais longe da verdade, consubstancia a violação do disposto nos arts. 122.º, alínea d), e 249.º do Código do Trabalho, e, salvo o devido respeito, só a falta de atenção por tudo quanto resulta do processado permitiu tal entendimento.
26. Desde logo, porque dos autos não resulta qualquer facto que permita concluir pela existência de uma liberalidade em detrimento de uma convicção de obrigatoriedade.
27. Por outro lado, porque, nos termos do art. 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho, até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador, tendo andado mal a decisão recorrida ao entender que a entidade patronal elidiu a referida presunção.
28. Efectivamente, não só não resultou provado que a atribuição [do cartão] Galp Frota e o telemóvel foram atribuídos à Recorrente apenas por necessidade de função, como a Recorrente, bem como os demais trabalhadores, desde que não excedessem o plafond fixado (apenas no caso do telemóvel, já que, no caso do cartão Galp Frota, nunca foi fixado à Recorrente qualquer plafond), poderiam utilizar o cartão e o telemóvel para fins pessoais.
29. Não se tratou, pois, de situações excepcionais, mas de situações com carácter de regularidade, que não podem ter deixado de criar à Recorrente uma legítima expectativa de ganho e à Recorrida uma convicção de obrigatoriedade no seu pagamento.
30. Tal determina que a utilização que a Recorrente fez do telemóvel e do cartão de combustível constituem um benefício económico, cuja supressão constitui uma violação ao princípio da irredutibilidade da retribuição.»

Termina consignando que «dando-se provimento ao presente recurso, deve: a) ser declarada nula a decisão recorrida, nos termos do art. 668.º, n.º 1, alínea [d]), do C.P.C.; b) ainda que assim se não entenda, deve ser revogada a decisão recorrida, por violação dos arts. 712.º do C.P.C. e dos arts. 151.º, 314.º e 249.º do Código do Trabalho, como é de Lei e elementar JUSTIÇA!»

A ré contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que a revista devia ser negada, tendo sustentado que inexiste a arguida nulidade do acórdão recorrido, que este, ao alterar o ponto 9 da matéria de facto, não violou o preceituado no artigo 712.º do Código de Processo Civil e fez correcta aplicação do estipulado no n.º 4 do artigo 646.º do mesmo Código, que «a alteração de funções determinada pela Ré, em Março de 2007, não implicou a diminuição da categoria profissional da Autora, enquadrando-se essa alteração ainda na previsão do artigo 151.º, n.º 2, do Código do Trabalho», e, ainda, que o valor do Cartão Galp e do telemóvel atribuídos à Autora não integram o conceito de retribuição.

O aludido parecer, notificado às partes, não motivou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

– Se o acórdão recorrido padece de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos da segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (conclusões 1 a 7 da alegação do recurso de revista);
Se o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 712.º do Código de Processo Civil (conclusões 8 a 13 da alegação do recurso de revista);
Se a ré baixou a categoria profissional da autora (conclusões 14 a 23 da alegação do recurso de revista);
Se a atribuição de cartão de combustível e telemóvel integram o conceito de retribuição (conclusões 24 a 30 da alegação do recurso de revista).

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. Em primeira linha, a autora propugna que o acórdão recorrido enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, porque o Tribunal da Relação, ao proceder à alteração do ponto 9 da matéria de facto fixada na 1.ª instância, «ultrapassou os poderes que lhe competiam, conhecendo de questões de que não podia tomar conhecimento», sendo que «a Recorrente não reclamou (nem tão pouco a Recorrida) quanto à matéria que resultou provada neste âmbito e que, ainda que tal tivesse sucedido, a apreciação que o tribunal a quo deveria ter feito do recurso interposto pela Recorrente (e pelas razões constantes dos autos) se deveria ter limitado à matéria de direito, não poderia a mesma ter procedido à alteração em causa».

De harmonia com o n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, é nula a sentença, «quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» [alínea d)].

Esta norma aplica-se aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do disposto no artigo 716.º do mesmo Código, sendo que o aludido complexo normativo se projecta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, em conformidade com o disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

No segmento em causa, o aresto recorrido teceu as considerações seguintes:

«Antes de entrarmos na apreciação do recurso, importa proceder a algumas rectificações na matéria de facto, que se impõem.
Assim, no ponto 2, afigura-se manifesto, face à firma social da R., que a mesma não constitui um grupo societário, mas uma sociedade por quotas (resultante, quiçá, de fusão, por incorporação das anteriormente referidas e eventualmente, inserida num grupo societário), razão porque se elimina a expressão “num único grupo”, substituindo-a por “na”.
Embora o teor do ponto 9 corresponda, na sua essência, ao alegado nos [artigos] 19.º e 20.º da p. i., que alude ao doc. 8 com ela junto (e que aí se dá por reproduzido) e, da decisão da matéria de facto (fls. 446/451) nos pareça que aquele facto foi dado por assente por acordo das partes, entendemos, todavia, face ao teor dos art. 127.º a 146.º da contestação, que a R. não reconhece que tivesse alterado a categoria profissional (estatutária ou normativa) da A. Porque, além disso, do doc. 8 referido (junto a fls. 54) não resulta explicitamente uma ordem de mudança de categoria profissional, mas sim a de mudança de funções (nos termos referidos no ponto 8), aí se acrescentando mesmo que “a atribuição das referidas funções naturalmente que não terá efeitos na sua categoria profissional, que continuará a ser a de Chefe de Secção, bem como na retribuição que actualmente usufrui e é inerente a tal categoria profissional”, entendemos inexistir acordo das partes sobre a alegada “mudança de categoria”, que, aliás, constitui questão de direito, impondo-se, por isso a alteração do referido ponto 9, no sentido de substituir a expressão “mudança de categoria profissional” por “mudança de funções”, o que aqui se decide.
O ponto 30 da matéria de facto corresponde exactamente ao que foi alegado no art. 191º da p.i., mas do teor da alegação de recurso (e até da própria sequência em que o facto é referido na petição) parece que o facto nele contido terá ocorrido em Junho de 2007 e não em Junho de 2006, como ali vem indicado, tudo indicando que se terá tratado de um erro de escrita, que aqui se corrige.»

Ora, o Tribunal da Relação, no julgamento de facto que lhe cumpre efectuar, nos termos do artigo 659.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil, por remissão do n.º 2 do seu artigo 713.º, e no uso do poder-dever conferido pelo artigo 712.º, n.º 1, alínea b), daquele Código, não está sujeito às alegações das partes, podendo alterar, no condicionalismo previsto nas ditas normas, a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1.ª instância, desde que funde a decisão nos factos alegados pelas partes (artigos 264.º, 664.º e 713.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

Por outro lado, a questão de se saber se a expressão «mudança de categoria profissional», que constava do ponto 9) da matéria de facto fixada no tribunal de 1.ª instância, é de direito ou de facto versa, afinal, sobre matéria de direito, pelo que não está subtraída ao conhecimento oficioso do Tribunal da Relação.

Com efeito, o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que «[t]êm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».
Atento a que só os factos podem ser objecto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de Setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.

Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do acervo factual a considerar e, quando isso não suceda, deve tal pronúncia ter-se por não escrita, cabendo ao Tribunal da Relação, no sobredito julgamento de facto, cuidar, oficiosamente, da observância do estipulado no n.º 4 do artigo 646.º citado, matéria em que também não está sujeito às alegações das partes.

Em conformidade, o aresto recorrido, ao alterar o ponto da matéria de facto em causa, nos termos apontados, não conheceu de questões que lhe estavam vedadas, pelo que não se configura o pretendido vício de nulidade.

Improcedem, pois, as conclusões 1 a 7 da alegação do recurso de revista.

2. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:
Da petição inicial:
1) Em 1 de Janeiro de 2005, a A. foi admitida ao serviço das sociedades ... – Transportadores Rápidos Internacionais, LDA., ... Freight Transitários, S. A., GL Transportes, Unipessoal, LDA., Guipuzcoana Transportes Coimbra, Unipessoal, LDA. e Guipuzcoana Transportes Porto, Unipessoal, LDA., mediante contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado e ao abrigo do regime da pluralidade de empregadores (artigo 1.º);
2) As sociedades acima identificadas encontram-se actualmente fundidas na ... Express Portugal, LDA, aqui R. (artigo 2.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
3) A A. foi contratada ao serviço da R., com a categoria profissional de Chefe de Secção, para desempenhar funções de «Express Centre Supervisor», mediante a remuneração base mensal de € 1.100,00, actualmente de € 1.139,00, acrescida de subsídio de alimentação, no valor de € 5,20 diários, actualmente de € 5,90 diários (artigos 3.º, 4.º e 5.º);
4) Foi atribuído à A., em 27.1.2005, um Cartão Galp Frota, para abastecimento da sua viatura pessoal, o qual se destinava a ser utilizado pela A. apenas para fins profissionais, com um limite máximo de € 180,00 mensais, embora não houvesse qualquer controlo em concreto do uso dado ao cartão, por as suas funções de «Express Centre Supervisor» implicarem disponibilidade para efectuar deslocações (artigos 6.º a 9.º e 103.º e, da contestação, 103.º e 104.º);
5) À A. foi ainda atribuído o telemóvel de marca NOKIA, com o n.º ... (artigo 8.º);
6) Até 13 de Março de 2007, a A. exerceu as suas funções nas instalações da R. sitas no Edifício ..., em Alfragide (artigo 10.º);
7) Na sequência de gravidez, de que deu conhecimento à R., tendo gozado licença de maternidade, em Março de 2007, a A. fruiu um período de dispensa de aleitação (artigos 12.º, 166.º e 168.º);
8) Antes de 7 de Março de 2007, foi dado verbalmente conhecimento à A. que, a partir do dia 12 de Março de 2007, iria passar a prestar a sua actividade nas instalações da R. sitas na Rua ..., em Rio de Mouro, onde deixaria de exercer as funções de «Express Centre Supervisor» e passaria a exercer as de «Service Performance & OPS Support» (implicando aquelas um trabalho diário de contacto com chefes de turno e estafetas, e estas uma actividade mais técnica, mormente de análise de indicadores de performance e outras recolhas), o que a A. recusou (artigos 13.º a 17.º e 129.º);
9) No dia 5 de Março de 2007, o superior hierárquico da A., Eng. J...L..., chamou a A. ao seu gabinete, dando-lhe a assinar um documento do qual constavam as ordens de transferência temporária de local de trabalho e de mudança de funções, e que a R. passaria a suportar «o aumento de encargos decorrente da alteração do local de trabalho, com base no critério do número de quilómetros entre o local onde vinha prestando funções e o novo local, que se estima em 30 km por cada dia de trabalho efectivamente prestado, tomando como base o valor actual de 0,37€/km» (artigos 19.º e 20.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação;
10) Na mesma ocasião, o referido superior hierárquico da A. informou-a, verbalmente, de que teria de entregar, até ao dia imediato, o cartão Galp Frota, alegando, para esse efeito, que a atribuição do cartão Galp Frota não constituía uma regalia, mas uma necessidade de função, e que, passando a exercer novas funções («Service Performance & OPS Support»), não mais necessitaria do mesmo, pelo que a A. teve de o entregar, não mais podendo utilizá-lo (artigos 22.º, 24.º e 25.º);
11) No dia 6 de Março de 2007, o superior hierárquico da A., Sr. Eng. J...L..., solicitou à mesma, de novo, que comparecesse no seu gabinete, o que a A. fez (artigos 26.º e 27.º);
12) No final da «reunião» foi determinado que a A. devolvesse o telemóvel que sempre usou (artigo 28.º);
13) No dia seguinte (7 de Março), a A., em cumprimento da ordem recebida, procedeu à devolução do telemóvel (artigo 29.º);
14) A A. encontra-se, desde o dia 14 de Março [de 2007], a exercer funções nas instalações da R., na Cabra Figa, em Sintra (artigo 31.º);
15) No dia 3 de Maio [de 2007], a A. foi notificada de que a transferência de local de trabalho passou a definitiva (artigo 32.º).
16) Por 11 dias foram descontados à A. € 458,93, correspondentes a € 417,63 (11 dias do vencimento) + € 41,30 (7 dias úteis x € 5,90 de subsídio de refeição) — artigo 82.º;
17) Para as deslocações para fins profissionais com mais de 100 km, a R. faculta viatura aos trabalhadores como a A., a qual, todavia, chegou a requisitá-la e obtê-la para deslocações menores (artigos 107.º, 108.º e, da contestação, 106.º);
18) Enquanto teve o telemóvel, a A. tinha direito a um plafond mensal, para chamadas, de € 30,00 (artigo 125.º);
19) Até 5.3.2007, exerceu as funções inerentes à categoria profissional de «Express Centre Supervisor» em Alfragide (artigo 130.º);
20) As funções que a R. exercia em Alfragide são agora executadas por L...M..., que aufere, actualmente, € 2.3260,00/mês [será € 2.326,00] e diuturnidades por ser chefe de serviço há 7 anos, trabalhador com 17 anos de antiguidade e que manteve a remuneração que anteriormente auferiu como director da zona centro do país (artigo 131.º);
21) As funções actualmente atribuídas à A. foram, até à reformulação efectuada pela R., exercidas pelo trabalhador P...R... (artigo 132.º);
22) A A. reporta ao colega de trabalho R...C..., o qual exerce funções correspondentes à categoria de «OPS Supervisor» (Chefe de Secção) — artigo 134.º;
23) A A. reporta actualmente a um superior hierárquico que tem a mesma categoria para que a A. foi contratada (artigo 135.º);
24) Estando a sua mesa de trabalho situada na última fila do gabinete (artigo 142.º);
25) P...R... auferia mais € 500,00 mensais que a A. e tinha cartão Galp, mas dirigia um terminal da R. muito mais complexo que o da A., e estava também envolvido no projecto de abertura do terminal de Alcochete (artigos 154.º a 156.º e, da contestação, 158.º);
26) Em 7 de Outubro de 2005, o superior hierárquico da A., Sr. F...S..., informou os seus colegas que iria gozar de uma licença parental e designou a A. para lhe dar apoio nas funções de «Ops Supervisor», em Alcochete, funções que a A. desempenhou até 2 de Março de 2006, data em que enviou o seu último e-mail em exercício destas funções (artigos 163.º a 165.º);
27) Em 2007, a A. teve, inicialmente, um aumento de 0,0 % (artigo 171.º);
28) A A. pediu esclarecimento acerca do aumento de 0% para o ano de 2007, tendo tido como resposta que «os aumentos dos salários estão associados, entre outros factores, ao tempo de trabalho efectivo do membro durante o ano transacto na empresa, que no seu caso foi inferior ao normal. Está também associado à nova função que desempenha em Cabra Figa. No corrente ano deve dedicar-se e desenvolver a sua nova função de modo a acrescentar valor à mesma. Se assim for, estou certo, que isso será tido em conta no aumento de ordenado de 2008» (artigos 172.º e 173.º);
29) O terminal de Alfragide, no ano de 2006, foi o que melhores resultados alcançou em todo o país, sendo um terminal pequeno, para onde foram enviados alguns dos melhores profissionais da R., que sempre obteve os melhores resultados a nível nacional, e que, com o empenho dos seus profissionais, apesar de ter diminuído nesse ano a sua eficácia, obteve os resultados que consta no documento de fls. 150 e ss., cujo teor se reproduz (artigos 182.º e 183.º, 186.º, 188.º e, da contestação, 178.º);
30) Em Junho de 2007, a R. decidiu atribuir à A. um aumento salarial de 0,62% (artigo 191.º) — redacção alterada pelo Tribunal da Relação.
Da contestação:
31) A R. dedica-se à prestação de serviço de transporte e entrega de missivas (artigo 3.º);
32) A A. trabalha, sob a autoridade e direcção da R., desde o dia 1 de Janeiro de 2005 (artigo 4.º);
33) A A. exerce as funções de «Service Performance & Ops Support» (artigo 5.º);
34) O actual local de trabalho da A. é a Estação da R. sita na Rua ... (artigo 6.º);
35) A reunião (de 6.3.7) decorreu de forma calma, sem exaltação, nem elevação de tom de voz (artigo 37.º);
36) As funções [de] «Service Performance & OPS Support» que a A. desempenha não implicam qualquer deslocação em serviço (artigo 109.º);
37) Desde que a A. foi transferida para Cabra Figa, a R., embora tendo retirado o cartão de combustível, paga-lhe os quilómetros inerentes ao acréscimo de deslocação que esta sofreu em virtude da transferência (artigos 113.º e 116.º);
38) O telemóvel foi atribuído à A. para o exercício das funções de «Express Centre Supervisor» que lhe haviam sido confiadas, por a mesma carecer de estar permanentemente contactável para resolver qualquer problema que surgisse na Estação de Alfragide, de contactar várias pessoas e entidades, quer internas, quer externas, sendo tolerada a utilização em chamadas pessoais desde que não excedesse o plafond (artigos 119.º a 125.º);
39) Por vezes a A. ausentava-se sem qualquer explicação do seu posto de trabalho (artigo 163.º);
40) J...E...F...M..., «Service Performance & OPS Support», para a zona Norte, aufere € 1.261,00, não dispõe de cartão de combustível, nem de telemóvel, e M...da C...C..., «Service Performance & OPS Support», para a zona Centro – Covilhã, aufere € 1.066,00, não dispõe de cartão de combustível, nem de telemóvel (artigos 166.º e 167.º).
41) A R. foi a segunda empresa em Portugal a ser certificada na norma internacional SA 8000, norma que tem um procedimento acerca da responsabilidade social, vinculando a R. a abster-se de qualquer comportamento discriminatório seja porque motivo for (artigos 171.º e 172.º);
42) Dá-se por reproduzido o teor do documento n.º 1, junto com a contestação, que consubstancia cópia do procedimento disciplinar movido à A.

Relativamente à decisão sobre a matéria de facto, a autora alega que, «[p]ara fundamentar a sua decisão de inexistência da diminuição da categoria profissional da Recorrente, o tribunal a quo cingiu-se à análise da carta de comunicação da mudança de local de trabalho e de funções — fls. 54 — sem curar de apurar se os factos e argumentos aí constantes corresponderam à realidade e, bem ainda, aos factos considerados provados», aditando que «[o] tribunal recorrido mais não fez, pois, do que socorrer-se de um documento constante dos autos, cujo valor probatório não é, sequer, pleno, e tentou adaptá-lo, sem sucesso, ao disposto no art. 151.º do Código do Trabalho» e que, «para esse efeito, o tribunal considerou que as funções de Service Perfomance & Ops Support implicam a realização de funções de carácter mais técnico do que as então exercidas pela Recorrente, o que não resulta minimamente dos factos provados», tendo concluído que «[o] tribunal a quo, ao decidir nos termos descritos, violou o disposto no art. 712.º do C.P.C., porquanto acrescentou matéria de facto à decisão proferida em 1.ª instância, e a esta aplicou o Direito, sem que estivessem reunidas quaisquer uma das exigências legais para o efeito».

O normativo invocado, na redacção anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, dispunha nos termos seguintes:
«Artigo 712.º
(Modificabilidade da decisão de facto)
1 – A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2 – No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
3 – A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em l.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4 – Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
5 – Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
6 – Das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»

Ora, o acórdão recorrido, no segmento decisório em causa, alterou o ponto 9 da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto por considerar, por um lado, que o facto alegado no artigo 19.º da petição inicial, que remetia para o doc. n.º 8, junto e dado por reproduzido, não tinha sido admitido por acordo entre as partes, nem resultava do doc. 8 referido (junto a fls. 54), «explicitamente uma ordem de mudança de categoria profissional, mas sim a de mudança de funções (nos termos referidos no ponto 8), aí se acrescentando mesmo que a atribuição das referidas funções naturalmente que não terá efeitos na sua categoria profissional, que continuará a ser a de Chefe de Secção, bem como na retribuição que actualmente usufrui e é inerente a tal categoria profissional» e, por outro lado, que a invocada «mudança de categoria» constituía uma questão de direito.

O certo é, porém, que a autora, na alegação do recurso de revista, restringiu expressamente o objecto do recurso ao segmento do aresto recorrido que procedeu à alteração daquele ponto da matéria de facto, com fundamento no valor probatório do documento n.º 8, junto com a petição inicial, invocando, para tanto, a ofensa do estatuído nos n.os 1 e 2 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.

Em conformidade, a decisão de alterar o ponto 9 da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto com fundamento de que a alegada «mudança de categoria profissional» não tinha sido objecto de acordo entre as partes e, por outro lado, constituía uma questão de direito, que não podia figurar no acervo factual, ficou excluída do objecto do recurso, nos termos do artigo 684.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil, pelo que o acórdão recorrido adquiriu, com base na indiscutibilidade desses dois fundamentos, força de caso julgado formal quanto à operada alteração do ponto 9 da matéria de facto, nos termos dos artigos 672.º e 677.º do referido Código.

Ora, este Supremo Tribunal, porque está obrigado a respeitar o caso julgado formado sobre a operada alteração do ponto 9 da matéria de facto, não pode apreciar o objecto do recurso de revista na parte em que se visa demonstrar uma pretensa violação, neste particular, do estatuído no artigo 712.º citado, o que, aliás, sempre seria inútil, face ao trânsito em julgado daquela decisão, nos aludidos termos.

Invoca, ainda, a autora que «o tribunal considerou que as funções de Service Perfomance & Ops Support implicam a realização de funções de carácter mais técnico do que as então exercidas pela Recorrente, o que não resulta minimamente dos factos provados», sendo que «[o] tribunal a quo, ao decidir nos termos descritos, violou o disposto no art. 712.º do C.P.C., porquanto acrescentou matéria de facto à decisão proferida em 1.ª instância, e a esta aplicou o Direito, sem que estivessem reunidas quaisquer uma das exigências legais para o efeito».

O equívoco da recorrente é manifesto.

Com efeito, no segmento decisório reportado ao julgamento da matéria de facto, o aresto recorrido não consigna que «as funções de Service Perfomance & Ops Support implicam a realização de funções de carácter mais técnico do que as então exercidas pela Recorrente», limitando-se a remeter para os termos referidos no ponto 8 da matéria de facto, no qual consta que «[a]ntes de 7 de Março de 2007, foi dado verbalmente conhecimento à A. que, a partir do dia 12 de Março de 2007, iria passar a prestar a sua actividade nas instalações da R. sitas na Rua ..., onde deixaria de exercer as funções de «Express Centre Supervisor» e passaria a exercer as de «Service Performance & OPS Support» (implicando aquelas um trabalho diário de contacto com chefes de turno e estafetas, e estas uma actividade mais técnica, mormente de análise de indicadores de performance e outras recolhas), o que a A. recusou».

Não se vislumbra, por conseguinte, que o acórdão recorrido tenha infringido qualquer dos segmentos em que se desdobra o artigo 712.º transcrito, termos em que improcedem as conclusões 8 a 13 da alegação do recurso de revista.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que hão-de ser resolvidas as restantes questões suscitadas no presente recurso.

3. A autora alega que o acórdão recorrido, ao decidir que a ré não lhe baixou a categoria profissional e que a actuação daquela se enquadrou nos poderes laborais que, contratual e legalmente, lhe eram permitidos, violou o disposto nos artigos 151.º e 314.º do Código do Trabalho de 2003, propugnando que «[a]s funções de Express Centre Supervisor e as de Service Performance & Ops Support não são acessórias ou complementares uma da outra, nem se inserem sequencialmente no mesmo processo produtivo», porquanto, «enquanto naquelas se exercem funções de chefia da secção e de coordenação de trabalhadores, nestas, para além de se reportar a quem aquelas exerce, as funções exercidas limitam-se à análise de índices de performance», e, além disso, que «[a] interpretação efectuada pelo tribunal a quo ultrapassa o espírito e a letra do art. 151.º do Código do Trabalho, porquanto permite a existência de uma polivalência funcional, o que não foi, nem de longe, e dada a existência do art. 314.º, a intenção do legislador», e ainda que, «interpretando correctamente o artigo 314.º do Código do Trabalho […], não se poderia deixar de concluir que a Recorrida diminuiu a categoria profissional da Recorrente e que as novas funções implicaram uma alteração substancial da posição da Recorrente», termos em que, «[a]plicando-se tais conclusões ao caso concreto, mais não resulta que, uma vez determinada a categoria da Recorrente — Chefe de Secção — e ainda que se tenha apenas por referência a respectiva função — Express Centre Supervisor — devia a mesma exercer a actividade para a qual foi contratada (ou, maxime, uma função afim ou funcionalmente ligada), não podendo dela ser retirada ou despromovida».

As instâncias, por sua vez, convergiram no sentido de que a alteração de funções determinada pela ré, em Março de 2007, não configurava uma diminuição da categoria profissional da autora.

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

«É sabido que a categoria profissional é um conceito do direito laboral, com uma pluralidade de acepções. Embora entre os diversos autores nem sempre se encontre uma terminologia uniforme, há algumas denominações que são comuns e que correspondem às acepções mais relevantes (designadamente para o caso vertente), como seja a de categoria contratual, de categoria normativa ou estatutária e de categoria interna.
É corrente dizer-se que a categoria profissional é uma designação, simplificada e sintética do conteúdo genérico da prestação laboral exigível ao trabalhador, definida no contrato em função do posto de trabalho que a entidade patronal visa preencher e da habilitação profissional do trabalhador (embora deva ser entendida com elasticidade suficiente para abarcar a possibilidade de evolução de acordo com a experiência e as aptidões adquiridas durante a vida do contrato, sempre sem prejuízo das concretizações determinadas pela entidade patronal no âmbito do seu poder de direcção, que caibam no tipo genérico acordado). É o que poderemos chamar de categoria contratual (a que aludia o artigo 22.º, n.º 1, da LCT). Cabe, porém, salientar que a norma equivalente no CT, em vigor desde 1/12/2003 — o art. 151.º, n.º1 — ao estabelecer que o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado, já não identifica o objecto do contrato com a categoria, como sucedia no art. 22.º, n.º 1, da LCT, se bem que o art. 111.º, depois de determinar, no n.º 1, que cabe às partes definir a actividade para que o trabalhador é contratado, estabeleça, no n.º 2, que a definição a que se refere o n.º anterior pode ser feita por remissão para categoria constante do irct aplicável ou de regulamento interno da empresa. O n.º 2 do art. 151.º amplia o objecto do contrato ao determinar que “a actividade contratada, ainda que descrita por remissão para categoria profissional constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional”, estabelecendo, por sua vez, o n.º 3 deste preceito que “…salvo regime em contrário constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, […], as actividades compreendidas no mesmo grupo ou categoria profissional”.
Assim, como refere o Prof. Júlio Gomes, a chamada categoria contratual (terminologia que segundo este autor é susceptível de gerar ainda mais confusão), ou seja, a actividade acordada, é mais ampla, em princípio do que a categoria profissional constante do irct, abrangendo, pelo menos, as actividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional, o que constitui uma das inovações mais significativas do Código.
A categoria normativa, na expressão de Monteiro Fernandes “descreve genericamente um conjunto de funções e faz a ligação a um certo estatuto laboral (inclusive salarial)”.
Pedro Soares Martinez refere que nesta acepção “será de entender a categoria como a enumeração de tarefas que, nos instrumentos colectivos de trabalho ou eventualmente em regulamentos internos da empresa, determinam a relação entre a função desempenhada e direitos mínimos do trabalhador, em que se incluem, nomeadamente, a retribuição devida, o tempo de trabalho e as promoções”.
Segundo Bernardo Lobo Xavier “as convenções colectivas estabelecem para certos fins — admissão, carreiras (promoções), densidades e, principalmente, retribuições (ou tabela salarial) — uma elencação com um vasto conjunto de categorias profissionais (...) definidas muitas vezes com indicação dos conteúdos funcionais típicos e também pela posse de específica preparação profissional e também pela assunção de determinadas responsabilidades. Estas, sim, são categorias normativas extrínsecas ou estatutárias, que definem um certo tratamento para o trabalhador e podem ser objecto de um direito ... O direito à categoria traduz-se pois num estatuto hierárquico e normativo, mas não já na faculdade de desempenhar apenas as funções que resumidamente constam do sistema de categorização definido abstractamente nas convenções colectivas. São as funções exercidas que determinam a categoria e não a categoria que determina as funções.”
É a esta acepção de categoria — normativa ou estatutária — que o legislador se referia no artigo 21.º, n.º 1, al. d), da LCT e se refere no art. 122.º, al. e), do CT /2003 — ao estabelecer como garantia do trabalhador a proibição de baixar de categoria [no CT de 2009 — que, como dissemos, não releva para o caso — consta do art. 129.º, al. e)].
No caso em apreço, conforme consta expressamente do contrato de fls. 42/47, a categoria atribuída à A., aquando da sua admissão, foi a de Chefe de Secção, para exercer as funções de Express Centre Supervisor.
Atenta a actividade desenvolvida pela R., ainda que não esteja assente nos autos a filiação sindical da A. ou a filiação da R. em alguma associação patronal, por força do Regulamento de Extensão aprovado pela Portaria n.º 718/2006, será aplicável à relação entre as partes o CCT do sector dos Transitários, entre a APAT e o SIMAMEVIP, publicado no BTE n.º 1/2005.
De acordo com a definição de funções constante do anexo I desse CCT “Chefe de secção — É o trabalhador que chefia de forma efectiva a área de actividade que na empresa seja considerada como secção; coordena os trabalhadores e zela pelo seu aperfeiçoamento e formação profissional; propõe medidas que repute convenientes para o bom funcionamento dos serviços; vela pelo cumprimento das normas de procedimentos regulamentares estabelecidos; prepara as informações da sua área de actividade a apresentar à hierarquia de que depende.”
Ainda de acordo com o contrato, foram atribuídas à A. as funções de Express Centre Supervisor que, conforme o “Job description / role profile” que consta de fls. 126 dos autos (comuns ao denominado “OPS Supervisor”) são: “supervisão global de todas as actividades operacionais do terminal à sua responsabilidade, assegurando a mais alta performance das recolhas e entregas dos envios dos clientes, enquadrado no orçamento do terminal, de acordo com os objectivos pré-estabelecidos, numa óptica de excelência operacional no serviço aos clientes.” Reporta ao designado “Area OPS Coordinator”.
Embora lhe tivesse sido atribuída uma categoria estatutária ou normativa (Chefe de Secção), de forma a permitir delimitar um conjunto de direitos e garantias, designadamente em termos retributivos e de posicionamento hierárquico na estrutura organizativa da empresa, conferindo-lhe um estatuto profissional, o objecto do contrato foi definido, não por remissão para essa categoria estatutária, mas antes para uma categoria interna (que admitimos possa constar de um regulamento, mas não o podemos afirmar com segurança, por não ser referido como tal, nem constar dos autos, senão umas folhas soltas que contêm precisamente a definição das funções que cabem ao chamado Express Centre Supervisor (idênticas às do chamado OPS Supervisor) e ao chamado “Service Performance Analyst” (fls. 126/129).
A “supervisão global das actividades do terminal à sua responsabilidade, assegurando a mais alta performance das recolhas e entregas, de acordo com os objectivos e numa óptica de excelência” é afinal uma concretização, no que se refere a um terminal de uma empresa de prestação de serviços de transporte e entrega de missivas como é a R., da função prevista no CCT de “chefiar de forma efectiva a área de actividade de um terminal” (que corresponderá ou equivalerá, na empresa, a uma secção), “coordenando os trabalhadores e zelando pelo seu aperfeiçoamento, e pelo bom funcionamento dos serviços”. Há pois, de algum modo, correspondência nas funções dos dois tipos de categoria, normativa e interna.
Como atrás referimos, enquanto o art. 22.º, n.º 1, da LCT dispunha que o trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado, o art. 151.º, n.º 1, do CT dispõe que o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado. E o n.º 2, por sua vez, alarga o conceito de actividade contratada, mesmo que seja descrita por remissão para uma categoria profissional constante de irct ou de regulamento interno, determinando que compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional. Procedeu-se assim a uma reconfiguração legal do objecto do contrato, reduzindo-se “o valor garantístico tradicionalmente atribuído à categoria profissional”.
Ora, as funções que foram atribuídas à A. a partir de 12 de Março e que ela exerceu desde 14 de Março de 2007 foram as da categoria interna de “Service Performance & OPS Support” que constituem funções mais técnicas, designadamente de análise de indicadores de performance. Na carta em que lhe comunicava a mudança de local de trabalho e de funções (junta a fls. 54) a R. informava a A. que o motivo da mudança era a necessidade da empresa de monitorização da performance do serviço aos clientes do serviço de transportes terrestres e que, face à sua anterior experiência no suporte às respectivas operações, necessitava de afectar um colaborador com as suas qualificações e categoria profissional. Esta indicação evidencia bem que as novas funções atribuídas à A. (inicialmente por um período expectável de três meses, mas, mais tarde, convertida em mudança definitiva — cf. fls. 54) são funcionalmente ligadas às que primitivamente lhe haviam sido determinadas no contrato, situando-se a montante daquelas e têm em vista a monitorização da performance do serviço aos clientes, certamente com o objectivo de o melhorar. Por outro lado, se bem que não tenham sido referenciadas por nenhuma das partes as qualificações profissionais exigidas para umas e para outras destas funções, resulta da referida carta da R. que as qualificações exigidas são as mesmas para ambas. Mostram-se pois reunidos pelo menos dois dos requisitos previstos no art. 151.º, n.º 2. Verificar-se-á também o terceiro ou será de considerar que as novas funções implicam uma desvalorização profissional da A.?
Segundo a Prof. Maria do Rosário Palma Ramalho, este “…é o requisito de mais difícil concretização, na medida em que envolve um juízo subjectivo sobre o que seja de considerar como “desvalorização profissional”. Não nos parecendo que deste requisito decorra a proibição, pura e simples, da exigência ao trabalhador de funções que correspondam a uma categoria inferior à sua, uma vez que, no recorte das funções afins a lei faz apelo à carreira profissional e não à categoria do trabalhador, entende-se que este requisito obsta à exigência de tarefas que diminuam significativamente o estatuto do trabalhador no seio da empresa, designadamente perante os colegas.”
Ora, no caso, apesar de a A. ter deixado de ter funções de supervisão global ou de chefia do terminal, passando a exercer funções de análise técnica dos indicadores de performance e a reportar a um colega que tem atribuída a mesma categoria normativa que ela (Chefe de Secção), detém a categoria interna de OPS Supervisor (equivalente segundo o “Job Description” de fls. 126, a “Express Centre Supervisor”), não nos parece que isso tivesse diminuído significativamente o estatuto da A. no seio da empresa e perante os colegas, na medida em que o carácter técnico dessas novas funções, pela sua natureza e pelo grau de conhecimentos e de preparação que pressupõe e requer, é de molde a salvaguardar a sua profissionalidade. Vem a propósito citar de novo Monteiro Fernandes, no seguinte excerto[:] “A atribuição de funções hierárquicas não pode deixar de ser unilateralmente revogável, à semelhança do mandato. (…) A entidade empregadora não pode ter-se por adstrita a confiar cargos de chefia a certa pessoa, pelo facto de a ter recrutado para funções desse tipo. Trata-se (…) de dar expressão adequada à noção de chefia como ‘delegação ou mandato’ da entidade empregadora. Dessa noção deriva a valorização específica dos elementos ‘confiança’ e ‘nível de responsabilidade atribuída’ entre si correlacionados, e a que não pode ligar-se qualquer direito ou expectativa jurídica do trabalhador. E sendo assim, é forçoso admitir que a um trabalhador nessas condições (exonerado de funções de direcção ou chefia) sejam exigidas actividades de natureza diferente (isto é, não hierárquicas), se bem que necessariamente equiparáveis sob o ponto de vista das exigências técnico-profissionais envolvidas.”
Adoptando esta orientação — e assim corrigindo posição diferente que já em tempos defendemos — afigura-se-nos que, no caso, apesar de a A. ter deixado de deter poder hierárquico, o tipo de funções que lhe foram atribuídas são ainda equiparáveis, do ponto de vista das exigências técnico-profissionais, às que lhe cabiam enquanto “Express Centre Supervisor”. Daí que sejamos levados a concluir que a alteração não importou uma desvalorização profissional.
Além do mais, as novas funções, apesar de não abrangerem o poder de chefiar e coordenar trabalhadores, cabem ainda dentro de algumas das previstas no CCT para a categoria normativa que a R. continuou a reconhecer-lhe (Chefe de Secção). Com efeito, a análise dos índices de performance do serviço, cuja monitorização se pretende (com vista a melhorar a prestação aos clientes), há-de ter alguma conexão com as funções de “velar pelo cumprimento das normas e procedimentos regulamentares” e “propor medidas convenientes para o bom funcionamento dos serviços”, que são próprias da categoria normativa que lhe continua atribuída. O empregador não tem que atribuir ao trabalhador todas as funções previstas no descritivo funcional da categoria, podendo atribuir-lhe apenas uma parte delas, aquelas que considere mais adequadas ao serviço e que se coadunem com o perfil do trabalhador, desde que não lese a profissionalidade do trabalhador. E não nos parece que, no caso, tenha sido afectada a tutela que o direito confere à profissionalidade do trabalhador, uma vez que as novas funções atribuídas à A. cabem ainda dentro da sua categoria estatutária, não implicam uma modificação substancial da sua posição na empresa, não são vexatórias nem atentatórias da sua dignidade profissional.Em suma, não cremos que a alteração determinada pela R., em Março de 2007, tenha consistido na diminuição da categoria profissional da A., enquadrando-se ainda na previsão do art. 151.º, n.º 2, do CT, pelo que a sentença não violou o disposto nos art. 122.º, al. e), 151.º, 313.º e 314.º do CT, improcedendo, pois, o recurso nesta parte.»

Tudo ponderado, subscrevem-se, no essencial, as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.

Efectivamente, as ditas funções de Service Performance & Ops Support, na medida em que pressupõem a análise de indicadores de performance com o objectivo de melhorar o funcionamento dos serviços, estão funcionalmente ligadas com as funções de «velar pelo cumprimento das normas e procedimentos regulamentares» e «propor medidas convenientes para o bom funcionamento dos serviços», que são próprias da categoria normativa de chefe de secção que continua atribuída à autora.

Doutra parte, as funções de Service Performance & OPS Support que foram atribuídas à autora são equiparáveis, em termos de exigência técnico-profissional, às funções que desempenhava enquanto Express Centre Supervisor, tanto assim que ficou provado que as novas funções atribuídas à Autora implicavam «uma actividade mais técnica, mormente de análise de indicadores de performance e outras recolhas» [facto provado 8)], pelo que a questionada alteração de funções não determinou uma qualquer desvalorização profissional da trabalhadora em causa, nem implicou uma alteração substancial da sua posição na empresa empregadora.

Tudo para concluir que, no caso, não se configura a pretendida diminuição da categoria profissional da autora, nem a invocada violação do disposto nos artigos 151.º e 314.º do Código do Trabalho de 2003, versão aqui aplicável.

Improcedem, pois, as conclusões 14 a 23 da alegação do recurso de revista.

4. Relativamente à questão de saber se a atribuição de cartão de combustível e telemóvel integram a retribuição da autora, esta defende que «dos autos não resulta qualquer facto que permita concluir pela existência de uma liberalidade em detrimento de uma convicção de obrigatoriedade», sendo que «não só não resultou provado que a atribuição [do cartão] Galp Frota e o telemóvel foram atribuídos à Recorrente apenas por necessidade de função, como a Recorrente, bem como os demais trabalhadores, desde que não excedessem o plafond fixado […], poderiam utilizar o cartão e o telemóvel para fins pessoais», o que se trata «de situações com carácter de regularidade, que não podem ter deixado de criar à Recorrente uma legítima expectativa de ganho […]», pelo que «a utilização que a Recorrente fez do telemóvel e do cartão de combustível constituem um benefício económico, cuja supressão constitui uma violação ao princípio da irredutibilidade da retribuição».

O Código do Trabalho de 2003, diploma aqui aplicável, estabelecia que era proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos naquele Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho [artigo 122.º, alínea d)], e considerava, no artigo 249.º, como retribuição «aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), incluindo-se na contrapartida do trabalho «a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), sendo que «[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3).

Ora, resulta dos factos provados 4), 5), 17), 18) e 38), que «[f]oi atribuído à A., em 27.1.2005, um Cartão Galp Frota, para abastecimento da sua viatura pessoal, o qual se destinava a ser utilizado pela A. apenas para fins profissionais, com um limite máximo de € 180,00 mensais, embora não houvesse qualquer controlo em concreto do uso dado ao cartão, por as suas funções de Express Centre Supervisor implicarem disponibilidade para efectuar deslocações», que «[à] A. foi ainda atribuído o telemóvel de marca NOKIA […]», que «[p]ara as deslocações para fins profissionais com mais de 100 km, a R. faculta viatura aos trabalhadores como a A.», que, «[e]nquanto teve o telemóvel, a A. tinha direito a um plafond mensal, para chamadas, de € 30,00» e que «[o] telemóvel foi atribuído à A. para o exercício das funções de Express Centre Supervisor que lhe haviam sido confiadas, por a mesma carecer de estar permanentemente contactável para resolver qualquer problema que surgisse na Estação de Alfragide, de contactar várias pessoas e entidades, quer internas, quer externas, sendo tolerada a utilização em chamadas pessoais desde que não excedesse o plafond».

Por conseguinte, tal como se decidiu no acórdão recorrido, a atribuição do cartão Galp Frota, até ao limite de € 180 mensais, e o uso de telemóvel com um plafond de € 30 mensais, nos termos apurados, não configura uma contrapartida da prestação de trabalho. «Eram sim meios postos à disposição da A. para o exercício da sua actividade enquanto Express Centre Supervisor, já que as respectivas funções implicavam disponibilidade para efectuar deslocações […] e, por outro lado, também devido a essas funções, a A. tinha de estar permanentemente contactável e contactar várias pessoas e entidades, não só internas, mas também externas. O facto de a A., por vezes, requisitar viatura da R. para deslocações inferiores a 100 km, e de a R. tolerar que a A., bem como os demais trabalhadores que dispunham daqueles meios, os utilizassem também em benefício próprio, desde que não fossem ultrapassados os “plafonds” estabelecidos, é uma mera liberalidade, que não transforma aquela disponibilidade num direito do trabalhador. O facto de gozarem regularmente dessa vantagem patrimonial não converte a liberalidade em obrigação, porque a motivação da atribuição de tais bens é a necessidade própria da função e não constitui contrapartida da prestação laboral, ficando assim ilidida a presunção que poderia resultar da regularidade das prestações em causa.»

Carece, pois, do necessário suporte fáctico, bem como de fundamento legal, a reclamada qualificação como retribuição da permissão do uso do cartão de combustível e do telemóvel atribuídos à autora pela ré, termos em que improcedem as conclusões 24 a 30 da alegação do recurso de revista.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista a cargo da recorrente.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011

Pinto Hespanhol (Relator)
Fernandes da Silva
Gonçalves Rocha