Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1189/22.3JABRG.G1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
INADMISSIBILIDADE
PENA ÚNICA
VIOLAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
PLURIOCASIONALIDADE
AGRAVAÇÃO
ABUSO SEXUAL
CRIANÇA
PORNOGRAFIA DE MENORES
REJEIÇÃO PARCIAL
IMPROCEDÊNCIA PARCIAL
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I. A pena acessória, que depende da pena principal e cuja aplicação está condicionada por uma pluralidade de fatores, não integra, enquanto tal, os critérios legais da recorribilidade dos acórdãos da Relação, proferidos em recurso.

II. Se o Tribunal da Relação, procedendo à requalificação dos factos passou dois crimes de simples para agravados e, se, por essa via, agravou as penas parcelares por eles aplicadas de 2 anos e 10 meses de prisão, para 5 anos e 6 meses, carece, manifestamente de razoabilidade e de justificação a manutenção da pena única.

III. Não podendo deixar de improceder o recurso do arguido que pretende, ainda assim, a redução da pena única.

IV. Não podendo, por outro lado, deixar de proceder o recurso do MP, que pretende o agravamento da pena única.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1.No processo comum coletivo com o NUIPC nº 1189/22.3JABRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães – J2, por acórdão, de 27.11.2024, foi o arguido AA, no que ora releva, foi decidido,

- 9.A - Da instância penal:

9.A.1 - Absolver o arguido da prática de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo art.º 171.º, n.º 1 do CP, bem como das penas acessórias correspondentes previstas e punidas nos art.º 69.º B n.º 2 e 69.º C, n.º 2 na pessoa da vítima BB.

9.A.2 - Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art.º 171.º, n.º 1 do CP na pessoa da vítima de BB, em dia não concretizado, mas ocorrido entre 11 e 14 de abril de 2022 na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão.

9.A.3. Não aplicar ao arguido – quanto a este segmento de atuação - as penas acessórias previstas nos art.º 69.º B, 2 e 69.º C, n.º 2 por considerar as mesmas inconstitucionais, porque violadoras do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, na restrição que operam à liberdade de escolha da profissão (artigo 47.º da Constituição) e ao direito a constituir família (artigo 36.º da Constituição) (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2024).

9.A.4 - Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art.º 171.º, n.º 1 do CP na pessoa da vítima de BB, em dia não concretizado, mas ocorrido entre 11 e 14 de abril de 2022 na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão.

9.A.5 - Não aplicar ao arguido, neste segmento de atuação, as penas acessórias previstas nos art.º 69.º B, 2 e 69.º C, n.º 2 por considerar as mesmas inconstitucionais, porque violadoras do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, na restrição que operam à liberdade de escolha da profissão (artigo 47.º da Constituição) e ao direito a constituir família (artigo 36.º da Constituição) (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2024).

9.A.6 – condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de violação agravado, p. e p. pelos arts. 164.º n.º 2 al. a) e 177.º n.º 7 do Código Penal, na pessoa da vítima BB, correspondente à factualidade apurada no dia 15.04.2022, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

9.A.7 - condenar o arguido na pena acessória de proibição de funções com menores, nos termos do art. 69.º-B, n.º 2 do Cód. Penal, bem como na pena acessória de confiança de menores nos termos do art. 69.º-C, n.º 2 do Cód. Penal pelo período de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses.

9.A.8 - Absolver o arguido da prática de um crime de violação qualificado (p.p. pelo art.º 164.º, n.º 2, al. a) do CP, convolando a factualidade apurada na prática de um crime de violação simples e, em consequência, condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de Violação simples, agravado pela idade da vítima, p. e p. pelos arts. 164.º n.º 1 e 177.º n.º 7 do Código Penal, na pessoa da vítima BB, em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 16.04.2022 e 24.04.2022, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.

9.A.9 – condenar o arguido na pena acessória de proibição de funções com menores, nos termos do art. 69.º-B, n.º 2 do Cód. Penal, bem como a pena acessória de confiança de menores nos termos do art. 69.º-C, n.º 2 do Cód. Penal, pelo período mínimo de 5 (cinco) anos.

9.A.10 - absolver o arguido da prática de um crime de violação qualificado (p.p. pelo art.º 164.º, n.º 2, al. a) do CP, convolando a factualidade apurada na prática de um crime de violação simples, agravado pela idade da vítima, e, em consequência, condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de Violação, p. e p. pelos arts. 164.º n.º 1 e 177.º n.º 7 do Código Penal, na pessoa da vítima BB, em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 16.04.2022 e 24.04.2022, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.

9.A.11 – condenar o arguido na pena acessória de proibição de funções com menores, nos termos do art. 69.º-B, n.º 2 do Cód. Penal, bem como a pena acessória de confiança de menores nos termos do art. 69.º-C, n.º 2 do Cód. Penal, pelo período mínimo de 5 (cinco) anos.

9.A.12 – condenar o arguido pela prática de 3 (três) crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelos arts. 176.º n.º 1 als. b), c) e d) e n.º 8 e 177.º n.º 7 do Código Penal, na pessoa da vítima BB, na pena de 20 (vinte) meses de prisão cada um.

9.A.13. Não aplicar ao arguido as penas acessórias previstas nos art.º 69.º B, 2 e 69.º C, n.º 2 por considerar as mesmas inconstitucionais, porque violadoras do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, na restrição que operam à liberdade de escolha da profissão (artigo 47.º da Constituição) e ao direito a constituir família (artigo 36.º da Constituição) (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2024).

9.A.14 – condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. nos arts. 171.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal, relativamente à vítima CC, praticado em 16.06.2023, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

9.A.15 – condenar o arguido na pena acessória de proibição de funções com crianças, nos termos do art. 69.º-B, n.º 2 do Cód. Penal, bem como na pena acessória de confiança de menores, nos termos do art. 69.º-C, n.º 2 do Cód. Penal pelo período de 6 (seis) anos.

9.A.16 - Em cúmulo jurídico das penas (principais) parcelares atrás referidas, condenar o arguido na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

9.A.17 - Em cúmulo jurídico das penas (acessórias) parcelares, condenar o arguido na pena acessória (única) de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 14 (catorze) anos, nos termos do art.º 69.º B, n.º 2 do CP.

9.A.18 - Em cúmulo jurídico das penas (acessórias) parcelares, condenar o arguido na pena acessória (única) de proibição de assumir a confiança de menor, em especial adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 14 (catorze) anos, nos termos do art.º 69.º C, n.º 2 do CP.

2. Inconformados com esta decisão, recorreram, quer o arguido, quer a Magistrada do MP, para o Tribunal da Relação de Guimarães, suscitando, respectivamente, o primeiro, a existência de erro de julgamento, a violação do in dubio pro reo, a questão da qualificação jurídica dos factos e da medida da pena e, a segunda, a qualificação jurídica dos factos, a medida da pena e a inconstitucionalidade das penas acessórias, tendo-se decidido, por acórdão de 6.5.2025,

- julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se o acórdão recorrido nos seguintes pontos do dispositivo:

9.A.8 – Condenar o arguido pela prática de um crime de violação qualificado p. e p. pelo art. 164.º, n.º 2, al. a), agravado nos termos do art. 177.º n.º 7, ambos do Código Penal, na pessoa da vítima BB, em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 16.04.2022 e 24.04.2022, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

9.A.10 – Condenar o arguido pela prática de um crime de violação qualificado p. e p. pelo art. 164.º, n.º 2, al. a), agravado nos termos do art. 177.º n.º 7, ambos do Código Penal, na pessoa da vítima BB, em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 16.04.2022 e 24.04.2022, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

9.A.16 - Em cúmulo jurídico das penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3. Recorrem agora, novamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, quer a Magistrada do MP, quer, o arguido.

A primeira pugnado pela revogação do acórdão recorrido e substituição por outro que, na parte decisória, condene o arguido na pena única de pelo menos 14 anos de prisão e aplique, ainda, ao arguido as penas acessórias dos artigos 69.º B, n.º 2 e 69.º, C, n.º 2, do Código Penal relativamente aos crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores relativamente à ofendida BB, pelo período de 5 anos e seis meses por cada crime e nas penas únicas acessórias não inferiores a 20 anos.

O segundo, defendendo a revogação do acórdão recorrido.

A primeira rematou o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

1) - O Tribunal de primeira instância condenou o arguido pela prática de dois crimes de violação simples agravados pela idade da vítima, pp. e pp. pelos artigos 164.º/1 e 177.º/7, ambos do Código Penal e praticados em data não concretamente apurada, mas situada entre 16/04/2022 e 24/04/2022, na pena de dois anos e dez meses de prisão para cada um;

2) - Neste Tribunal da Relação, dando-se procedência ao recurso do Ministério Público, o arguido veio a ser condenado por cada um dos referidos crimes na pena de cinco anos e seis meses de prisão;

3) – Mas, apesar disso, o Tribunal da Relação manteve intocada a pena única aplicada ao arguido na primeira instância, pena essa que não faz claramente jus às necessidades de punição que se impõem in casu;

4) - Os pressupostos basilares da pena conjunta são os factos e a personalidade do agente, sendo que tal pena não está dissociada da sua adequação à culpa e da consideração de exigências preventivas;

5) - No caso dos crimes sexuais estamos perante a violação de direitos humanos e a intervenção penal tem o propósito de dissuadir os comportamentos violadores do equilíbrio bio-psíquico e socioafetivo das vítimas e ao mesmo tempo dar à comunidade um sinal claro de que tais condutas são intoleráveis;

6) - As concretas ações do arguido para com as ofendidas uma das quais com 11 anos de idade e com atraso cognitivo, irmã da sua namorada, a sua postura e trajeto de vida dificilmente deixam antever uma interiorização séria do desvalor das suas condutas;

7) – Para além de registar, à data dos factos, vários confrontos com o sistema de justiça e condenações que, contudo, não foram fatores dissuasores, não revelou, em julgamento, consciência crítica das suas condutas;

8) - A pena aplicada, salvo o devido respeito por melhor opinião, fica aquém da salvaguarda das exigências preventivas e da justa retribuição do ilícito e da culpa que, como sabemos, tem uma função limitadora da pena, mas também fundamentadora;

9) - Tudo a demandar uma pena única superior àquela pela qual o arguido foi condenado em primeira e segunda instâncias, tanto mais que nesta segunda instância foi condenado por dois crimes de violação agravados (e não simples como na primeira instância), e, consequentemente, em penas parcelares mais gravosas.

10) - Termos em que se considera justa, adequada e proporcional a aplicação de uma pena única de, pelo menos, 14 anos de prisão.

11) - Assim, ao ter aplicado a pena de 11 anos e seis meses de prisão o douto acórdão violou o disposto nos artigos 40.º/1 e 2, 71.º e 77.º CPenal.

12) – Discordamos, ainda, respeitosamente, da não aplicação das penas acessórias previstas nos artigos 69.º-B/2 e 69.º-C/2 CPenal, por inconstitucionalidade, no que respeita ao seu limite mínimo (cinco anos), relativamente aos dois crimes de abuso sexual de menores e três crimes de pornografia de menores perpetrados sobre a vítima BB;

13) - As normas em causa não estão, em nosso entender, feridas de inconstitucionalidade, pois a sua aplicação, tendo em atenção as molduras abstratas dos crimes em referência, não desvirtua potencialmente as finalidades da punição e as próprias exigências de proteção dos bens jurídicos, para além da ressocialização do agente;

14) - As penas acessórias são verdadeiras penas, aplicáveis por força da prática de infrações criminais, mas não necessária ou automaticamente, estando conectadas com a culpa do agente, devendo a sua aplicação ter como referência os critérios e finalidades de prevenção e culpa das penas principais – cfr. artigos 40.º e 71.º CPenal;

15) - Ademais, a duração da pena acessória não está relacionada com a duração da pena principal, tratando-se de penas de diferente natureza a almejar diferentes objetivos e com lógicas de funcionamento distintas;

16) O mínimo temporal de cinco anos, tendo em atenção, como acima se referiu, a moldura penal abstrata dos ilícitos em causa, não se afigura atentatório da constitucionalidade dos preceitos uma vez que não desvirtua as finalidades da punição já que o limite mínimo da pena acessória fica muito aquém do limite máximo da moldura penal respetiva e respeita, quanto a nós, o princípio da proibição do excesso das penas acessórias que, como se sabe, devem revelar-se necessárias, adequadas e proporcionais;

17) - Os factos que determinaram a aplicação das penas principais têm uma gravidade acentuada, a ilicitude e o desvalor das condutas do arguido assumem elevada intensidade e, por isso, as penas acessórias assumem-se como manifestamente adequadas e proporcionais sob pena da situação em causa relativamente a tais crimes cair num “limbo de impunidade”;

18) - Atendendo ao patente desvalor axiológico dos ilícitos e à moldura das penas acessórias permite-se ao julgador dosear a sua medida temporal tanto mais que nenhuma das situações se encontra no “limiar da punibilidade”;

19) - Nem sequer se vê como, na solução perfilhada pelo doutro acórdão recorrido, se assegurarão os direitos das vítimas e, não menos importante, das potenciais vítimas menores;

20) - Tendemos, pois, a afirmar a constitucionalidade das referidas normas e a considerar que a cada um dos crimes em causa deveria ser aplicada a pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades públicas ou privadas, cujo exercício envolva contato regular com menores (artigo 69.º-B/2 CPenal) e a pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores (artigo 69.º- C/2 CPenal), pelo período de cinco anos e seis meses cada;

21) - E, na aplicação das regras do cúmulo jurídico estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º CPenal deveria fixar-se, para as penas acessórias, uma pena única em medida não inferior a 20 anos.

E, o segundo concluindo que,

- atendendo às motivações vertidas acima que aqui renovamos, o mesmo vem recorrer da medida da pena que lhe foi aplicada, já que o Tribunal Recorrido aplicou erradamente as disposições conjugadas dos artigos 40.º/1 e 2, 50.º a 53.º e 71.º CPenal, já que, considerando as exigências de prevenção geral, especial, o grau de ilicitude, modo de execução e gravidade das suas consequências, deveria ter sido aplicada uma pena única de oito (oito) anos de prisão.

4. Admitidos ambos os recursos e cumprido o disposto no artigo 411.º/6 CPPenal, apresentaram respostas, quer a Magistrada do MP, quer o arguido, defendendo, cada um deles, a improcedência do recurso apresentado pelo outro, tendo apenas a primeira apresentado conclusões, da seguinte forma:

I) – O recorrente insurge-se contra a pena única de onze anos e seis meses que lhe foi fixada, considerando estarmos perante uma pena excessiva e desproporcional, pugnando pela fixação de uma pena única de oito anos de prisão.

II) – Recorde-se que estamos perante a prática, pelo arguido, de vários crimes sexuais – dois crimes de abuso sexual de crianças (ofendida BB), três crimes de violação agravada (ofendida BB), um crime de abuso sexual de crianças agravado (ofendida CC) e três crimes de pornografia de menores.

III) – Tendo em atenção as penas parcelares aplicadas a moldura abstrata situava-se entre os seis e os vinte e cinco anos e foi dentro dessa moldura que o tribunal recorrido encontrou a pena única fixada.

IV) – Tendo em atenção as regras de punição do concurso de crimes – artigo 77.º/1 CPenal - e a moldura penal abstrata a ter em conta – afigura-se-nos completamente descabido situar a pena única em oito anos de prisão, não só pela necessária ponderação dos fatores que militam em desfavor do arguido, bem salientados no douto acórdão recorrido, mas também porque nesta segunda instância o arguido foi condenado por dois crimes de violação agravados (e não simples como na primeira instância) e consequentemente, em penas parcelares mais gravosas (a pena de dois anos e dez meses de prisão por cada crime foi agravada para a pena de cinco anos e seis meses de prisão).

V) - Acresce que, para além de tudo o mais, estamos perante a violação de direitos humanos, socialmente intolerável, que merece, por parte da sociedade, uma grande repugnância normalmente associada a uma má formação da personalidade do agente.

VI) – Há, pois, que dar à comunidade um sinal claro de que tais condutas são intoleráveis, o que nunca se coadunaria com uma pena tão próxima do limite mínimo da moldura e que se mostraria inconsequente e fora dos patamares da justiça e da equidade.

VII) – Ao contrário do recorrente, entendemos que a pena fixada de 11 anos e seis meses de prisão deve, outrossim, ser agravada nos termos sustentados no nosso recurso para o qual remetemos, devendo a mesma, ao invés da peticionada redução, ter o agravamento por nós preconizado.

5. Remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido do não provimento dos recursos, quanto à pena única, por um lado e, por outro, sufraga integralmente a argumentação da Senhora Procuradora Geral Adjunta no que respeita à aplicação das penas acessórias.

6. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º/2 CPPenal, o arguido nada disse.

7. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

II. Fundamentação

Âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013.

E, assim, as únicas questões suscitadas nos recursos interpostos, prendem-se com a medida da pena única – recursos do arguido e do MP – e com as penas acessórias – recurso do MP.

No entanto, quanto a esta última vertente importa realçar não ser admissível o recurso.

Como vimos, discordando da não aplicação – pela 1.ª instância, confirmada na decisão recorrida - das penas acessórias, por inconstitucionalidade, no que respeita ao limite mínimo de 5 anos, pretende o MP a revogação do acórdão recorrido e substituição por outro que, na parte decisória, condene o arguido nas penas acessórias dos artigos 69.º-B/2 e 69.º-C/2 CPenal relativamente aos dois crimes de abuso sexual de crianças e três de pornografia de menores relativamente à ofendida BB.

Com efeito, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 9.4.2025, processo 83/23.5GBOBR., consultado no site da dgsi,

“a pena acessória, cuja autonomia se manifesta por (i) a sua aplicação depender da alegação e prova de pressupostos autónomos, relacionados com a prática do crime, (ii) a sua aplicação depender da valoração dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa, e (iii) a pena ser graduada no âmbito de uma moldura autónoma fixada na lei, é também, a pena acessória, “a consequência jurídica do crime aplicável ao agente imputável m cumulação com uma pena principal”, isto é, acompanha ou pode acompanhar, cumulativamente, a pena principal.

Penas acessórias são as que só podem ser aplicadas como acompanhantes de uma pena principal (art.º 66º a 69º do CP).

São as que o juiz pode aplicar na sentença condenatória, conjuntamente com uma pena principal e destinadas a reforçar o efeito desta, dependem da aplicação de uma pena principal e devem ser aplicadas na sentença, tudo dependendo de a sua aplicação se revelar ou não, necessária face ao caso concreto.

(…)

E, sendo aplicada cumulativamente com a pena principal depende da aplicação desta.

Não sendo a pena acessória critério definidor de admissão ou não de recurso.

Na verdade, a este propósito refere a lei apenas a pena de prisão, penas não privativas da liberdade (onde inclui a suspensão de execução da pena), medidas de coação e de garantia patrimonial (art.º 400º), sem que se refira a pena acessória.

Como pode ler-se na Decisão Sumária de Reclamação, nos termos do art.º 405º do Código de Processo Penal, de 14.02.2025, …, face ao disposto nas mencionadas alíneas f) e e), o acórdão questionado é insuscetível de recurso, não assumindo, para este efeito, qualquer autonomia o acessório da condenação (de proibição do exercício de funções de administrador de insolvência pelo período de 2 anos e 6 meses), que o reclamante pretende igualmente impugnar em recurso ordinário em 2.º grau.

Com efeito, a pena acessória, que depende da pena principal e cuja aplicação está condicionada por uma pluralidade de fatores, não integra, enquanto tal, os critérios legais da recorribilidade dos acórdãos da Relação, proferidos em recurso.

Aqui tem aplicação o disposto no artigo 427.º, 2.ª parte, do CPP, ou seja, da decisão da 1.ª instância apenas cabia recurso para a Relação. Direito que o reclamante já exerceu”.

Cremos, assim, também, que do confronto do apontado texto legal, resulta a exclusão da recorribilidade do segmento do recurso atinente com a matéria das penas acessórias - aqui, não aplicadas, decisão que o MP pretende ver revertida.

E, assim, ficam os recursos restringidos à questão do quantum da pena única.

2. Os factos

Se é certo que no caso concreto não está prejudicado o poder de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto, previstos no artigo 410.º/2 CPPenal, quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigos 432.º/1 alínea c) e 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica.

Como igualmente se não identifica qualquer nulidade das enunciadas no artigo 410.º/3 CPPenal.

Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,

- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;

- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;

- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.

Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto julgada provada na decisão recorrida:

“3.1.1 – Quanto à acusação pública dos autos principais (com aditamentos pontuais, que resultaram da concretização de fatos da acusação:

1. BB (doravante BB), nasceu a D.M.2008, e está registada como filha de DD e de EE – cfr- fls.32.

2. À data dos fatos, tratava-se de uma criança reservada e não havia tido qualquer experiência sexual de cópula anterior aos eventos que se vão descrever.

3. O arguido conhecia a menor desde tenra idade, visto que vivia na mesma localidade e conhecia os seus progenitores, com quem falava esporadicamente.

4. O arguido iniciou uma troca de mensagens com a mesma através do seu perfil na rede social “Instragram”, denominado “...”, no dia 10.04.2022 – cfr. fls. 93 e ss.

5. Aquando daqueles contactos e porque tal lhe foi perguntado, a menor disse ao arguido que tinha 14 (catorze) anos de idade e que frequentava o 8.º ano de escolaridade – cfr. fls.95.

5. Em data não concretamente apurada, mas no período compreendido entre o dia 11.04.2022 e o dia 14.04.2022, a menor revelou ao arguido que tinha apenas 13 (treze) anos de idade, tendo este dito à menor que tinha 23 anos de idade.

6. Não obstante, o arguido iniciou com a menor BB uma relação de namoro.

7. A partir de então e ao longo daquela relação de namoro que mantiveram, o arguido, desde o dia 11.04.2022 até ao dia 14.04.2022, encontrou-se, pelo menos, durante dois destes dias com a menor, na Localização 1, junto ao campo da feira semanal de ..., em Vila Nova de Famalicão.

8. Já nesses locais e em todas as ocasiões em que se encontrou com a menor, o arguido abraçou-a, beijou-a na boca, apalpou-a nos seios e na zona da cintura e ancas, sempre por cima da roupa que aquela trajava.

9. No dia 15.04.2022, pelas 19h00, o arguido convidou a menor, por via telefónica, para entrar numa residência abandonada, sita na Rua 2 em Pousada de Saramagos, Vila Nova de Famalicão, sendo que já se encontrava no seu interior,

10. Onde sabia que não se encontrava ninguém, pelo facto de o mencionado imóvel se encontrar devoluto, ao que a menor acedeu.

11. Uma vez aí chegados, dirigiram-se ambos para um dos quartos e o arguido ofereceu à menor, um charro (de canábis, resina), que a mesma consumiu.

12. Como consequência direta e necessária do consumo das substâncias descrita em 9.º, a menor começou a sentir-se indisposta, após o que o arguido lhe sugeriu que bebesse cerveja, em quantidade não concretamente apurada, ao que a menor acedeu.

13. Consequentemente, e devido ao consumo conjugado destas substâncias, vomitou, ficou tonta e sem forças.

14. Após o que, por ter ficado sem forças, deitou-se em posição de decúbito lateral no chão do mencionado imóvel.

15. Aproveitando-se de tal facto, o arguido também se deitou no chão, em posição de decúbito lateral, voltado de frente para a menor, e começou a desabotoar as calças que a mesma trazia vestidas e, de seguida, baixou-as, bem como as cuecas, até à zona tibial.

16. Subsequentemente, o arguido puxou a blusa, bem como o soutien da menor, até à zona da clavícula, começando a acariciar os peitos de BB, tendo-lhe passado a língua no pescoço e beijado na boca.

17. Ao mesmo tempo, a menor transmitiu-lhe que não queria que nada acontecesse, pedindo-lhe que parasse.

18. No entanto, como a menor se encontrava sem forças, nem discernimento, para reagir às investidas do arguido, acabou por ceder.

19. Ato contínuo, o arguido despiu a t-shirt que trazia vestida, retirou o seu pénis ereto para fora das suas calças e introduziu-o na vagina da menor, fazendo movimentos de “vai e vem”, desconhecendo-se se utilizou preservativo.

20. Simultaneamente, o arguido também lhe apertou o pescoço.

21. Quando estava prestes a ejacular, o arguido retirou o pénis do interior da vagina da menor e ejaculou para o chão.

22. Concluído o ato, o arguido voltou-se para a menor e, de viva voz, proferiu a seguinte expressão “agora desamerda-te”, tendo abandonado o local e a menor.

23. Ainda no mesmo dia, o arguido solicitou à menor que lhe enviasse fotografias do seu corpo, sem roupa, sob pena de comunicar aos seus progenitores que a mesma tinha consumido substâncias alcoólicas e estupefacientes e, consequentemente, já não era virgem.

24. Nessa sequência, no período compreendido entre o dia 15.04.2022 e o dia 18.04.2022, numa frequência diária, a menor remeteu para o telemóvel do arguido, pelo menos, 20 (vinte) fotografias suas, nua, para as quais posou de forma sexualizada, sentada numa cadeira, de pernas abertas, sendo visível o seu peito e a sua vagina, com receio de que o arguido pudesse transmitir os factos descritos em 18.º a 20.º aos seus progenitores.

25. Em datas e locais não concretamente apurados, o arguido remeteu o material pornográfico acima descrito a FF e GG.

26. Sendo que este último, chocado, acabou por mostrá-lo também ao progenitor da menor – DD.

27. No período compreendido entre 16.04.2022 e 25.04.2022, pelo menos em 2 (duas) ocasiões, o arguido compeliu a menor a deslocar-se à sua residência, sita na Localização 3., 4770-... ..., com o firmado propósito de manter relações sexuais com BB,

28. O que fez com a ameaça de que se não o fizesse divulgaria as fotografias pornográficas que estavam em seu poder e transmitiria aos pais da menor que esta tinha bebido álcool e fumado substancias estupefacientes.

29. Deste modo, em duas ocasiões, em datas e horas não concretamente apuradas, mas, seguramente, compreendidas entre 16.04.2022 e 25.04.2022, a menor deslocou-se à residência do arguido acima descrita.

30. Aí chegada, nas 2 (duas) ocasiões, o arguido dirigiu a menor para o seu quarto e ordenou-lhe que retirasse a sua própria roupa, o que BB fez, embora contra a sua vontade.

31. Nas 2 (duas) ocasiões, o arguido despiu-se, deitou a menor nua, em posição de decúbito dorsal na sua cama, lambeu os seus próprios dedos e introduziu-os no interior da vagina daquela.

32. De seguida, o arguido introduziu o seu pénis ereto, com preservativo, no interior da vagina de menor, efetuando movimentos típicos de cópula, de “vai e vem”, acabando por ejacular.

33. Ao ter atuado conforme acima descrito em 6), 7) e 8) dos FP, o arguido agiu sempre em obediência a renovados e sucessivos desígnios com o intuito de satisfazer os seus instintos sexuais e a sua lascívia à custa da menor BB, o que conseguiu,

34. Sabendo que, com os seus comportamentos, perturbava e estava a prejudicar, de forma séria, o desenvolvimento da sua personalidade, designadamente, na esfera sexual, que punha em causa o normal e são desenvolvimento psicológico, afetivo e da consciência sexual da mesma, que atingia os sentimentos de pudor moral, de vergonha e sexuais daquela, com apenas 13 (treze) anos de idade, circunstância essa que conhecia e que, por causa dessa idade, aquela não tinha capacidade, nem discernimento necessários, para se autodeterminar sexualmente, nem tampouco para querer e entender o significado social dos atos por si e nela praticados.

35. Ao ter atuado conforme acima descrito nos pontos 9) a 20 dos FP, o arguido sabia perfeitamente que a menor BB encontrava-se na impossibilidade de resistir às suas investidas, em virtude do prévio consumo de substâncias alcoólicas e estupefacientes, que, até àquela data, não tinha tido qualquer tipo de experiência sexual anterior e que ao atuar da forma descrita, ofendia a autodeterminação sexual da mesma, lesando, assim, o seu despertar sexual e que lhe coartava a respetiva liberdade de autodeterminação sexual, o que efetivamente fez e conseguiu.

36. Ao ter atuado conforme acima descrito em 22. a 24., o arguido coagiu e recebeu as fotografias a que se alude, tendo, posteriormente, divulgado e distribuído as mesmas, atuando sempre com o propósito lascivo e de satisfação sexual, sendo que nem o facto de a visada ainda não ter completado 14 (catorze) anos de idade o inibiu dos seus desígnios, sabendo, como sabia, que a sua atuação comprometia o livre e regular desenvolvimento da personalidade da mesma, na sua esfera sexual.

37. Ao ter atuado conforme acima descrito em 26. a 32., o arguido sob a ameaça da eventual divulgação das fotografias melhor descritas em 24., obrigou a menor a sofrer penetração vaginal, sempre contra a vontade da mesma, o que quis e conseguiu, satisfazendo, dessa forma, os seus instintos libidinosos, mesmo ciente que a menor não consentia na sua atuação, ofendendo, assim, a sua liberdade sexual.

38. O arguido agiu sempre de forma voluntária, livre e consciente,

39. Sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

3.1.2 – Quanto à acusação do processo apenso (ex 1760/23.6JABRG), para onde remete o despacho de pronúncia:

39. A menor CC, nascida a D.M.2011, está registada como filha de HH e de II.

40. A menor CC sofre de Síndrome de Williams, o que lhe determina um atraso cognitivo manifesto em relação às demais pessoas da sua idade.

41. O arguido AA, nascido a D.M.1999, é namorado de FF, irmã da menor CC.

42. O arguido e FF têm registada uma filha em comum - JJ - nascida a D.M.2019, sobrinha da menor CC.

43. Fruto desta relação familiar, o arguido privava frequentemente com a menor CC e tomava conta dela sempre que a sua mãe e irmã necessitavam de sair.

44. Mercê da proximidade que mantinha com a menor CC, o arguido tinha conhecimento da idade da mesma e da dimensão da sua incapacidade psíquica.

45. No dia 16.06.2023, pelas 9h30, a menor CC foi deixada, pela sua mãe II, aos cuidados do arguido, na habitação dele, situada na Localização 4. em ..., V. N. de Famalicão.

46. Nessa habitação, também se encontrava a menor Paloma, que aí havia pernoitado.

47. A dada altura, em momento não concretamente apurado, mas situado no período compreendido entre as 9h30 e as 12h00, a menor CC e a menor Paloma deslocaram-se para o quarto do arguido para ver televisão, tendo a menor Paloma, a dada altura, saído do quarto e aí ficado a menor CC sozinha com o arguido.

48. Nessa altura, o arguido disse à menor CC que iam “brincar de pai, de filha e de mulher”, ao que aquela aquiesceu.

49. Então, o arguido aproximou-se da menor CC, introduziu a mão por dentro do macacão que a mesma vestia e apalpou-lhe ambos os seios com a mão, em contacto direto com a pele.

50. Depois, o arguido despiu o macacão e as cuecas que a menor CC vestia e, com a mão, apalpou a vagina da menor, em contacto direto com a pele.

51. Após, o arguido, que já estava de tronco nu, despiu as calças e os bóxeres que ele próprio trajava.

52. Em seguida, estando a menor CC deitada de lado na cama, o arguido posicionou-se por detrás da mesma, também de lado, introduziu o pénis ereto no ânus da menor e efetuou movimentos para a frente e para trás, tendo-se a menor queixado que estava a doer, pelo que o arguido parou com esta atuação.

53. Depois, o arguido deitou a menor CC de costas na cama, posicionou-se em cima da mesma, introduziu o pénis ereto na vagina da menor e efetuou movimentos para a frente e para trás, até ejacular no interior da vagina da menor.

54. Já depois de estarem vestidos, o arguido disse à menor CC: “CC, não é para contar nada do que se passou!”.

55. Nas relações mantidas com a menor CC o arguido não utilizou preservativo.

56. Pelas 12h00, a mãe II compareceu na residência do arguido para buscar a menor CC.

57. No dia 18.06.2023, durante a tarde, a menor CC confidenciou à mãe II, referindo-se ao arguido: “o AA pinou comigo”(sic).

58. Nessa sequência, e após tomar conhecimento dos factos praticados contra a menor, II deslocou-se à GNR de ... onde efetuou respetiva denúncia.

59. Nas circunstâncias supra descritas o arguido encontrava-se sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, medida esta que lhe fora aplicada, em 02.06.2022, no âmbito do processo n.º 422/22.0GDSTS, que corre termos no Juízo Central Criminal de Vila do Conde – Juiz 8.

60. Ao atuar como se descreveu o arguido fê-lo com a intenção alcançada de apalpar os seios e a vagina da menor e de lhe introduzir o seu pénis ereto no ânus e na vagina, aí o movimentando até ejacular.

61. O arguido quis manter contactos de natureza sexual com a menor CC, o que conseguiu, apesar de conhecer a sua idade, de saber que a mesma sofria de um atraso cognitivo que a tornava particularmente vulnerável e de estar consciente de que ela ainda não possuía maturidade nem conhecimentos suficientes para iniciar a sua vida sexual e se autodeterminar nessa matéria.

62. Ao atuar da forma descrita, o arguido quis e logrou satisfazer os seus desejos sexuais, sabendo a idade da menor CC e a doença de que a mesma padece e que a mesma ainda se encontrava em formação física e psíquica, constrangendo-a à pratica de atos sexuais de relevo e ofendendo a sua autodeterminação sexual e o seu sentimento de pudor e vergonha, sabendo que os atos que praticou punham em causa o desenvolvimento integral e harmonioso da sua personalidade.

63. O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente,

64. Sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

65. O arguido já foi julgado e condenado no âmbito dos seguintes processos:

- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo nº 282/21.4 GCVNF na pena de 60 dias de multa, já declarada extinta.

- pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, no âmbito do processo nº 300/20.3 GBVNF na pena de 50 dias de multa, a qual foi declarada perdoada, sob condição resolutiva.

- pela prática de dois crimes de roubo qualificado, p. e. p. pelo artigo 201.º, n.ºs 1 e 2, al. do C.P., e 4 crimes de furto qualificado, no âmbito do Processo n.º 422/20.0GDSTS, na pena de 6 anos de prisão, transitada em julgado no passado dia 26-01-2024 e à qual foi declarado perdoado um ano de prisão.

3.1.3 - Quanto à situação pessoal do arguido, com base no relatório social:

66. À data dos factos constantes dos autos, AA encontrava-se há cerca de dois meses a residir em casa da sua irmã KK, na sequência de um conflito/rutura no relacionamento com a companheira, FF, com quem residia até então, e de quem tem uma filha, com, atualmente 4 anos de idade.

65. O agregado da referida irmã era constituído, para além desta, pelo respetivo cônjuge e um sobrinho menor com 2 anos de idade e habitavam num apartamento arrendado de tipologia T2, com adequadas condições de habitabilidade.

66. AA trabalhava na construção civil a titulo informal, auferindo salário consoante os dias de trabalho - área de sua eleição na qual situa a sua experiência de trabalho, que se pautou por ciclos de atividade/inatividade, resultantes da ausência de vínculo laboral e/ou continuidade.

67. Em termos académicos, o arguido dispõe do 3.º ciclo de escolaridade, obtido por equivalência através de curso profissional de eletromecânica, que completou aos dezasseis anos idade.

68. O arguido ocupava os tempos livres com a família e na frequência de alguns cafés, onde convivia com o seu grupo de pares, alguns seus conhecidos de longa data.

69. No que concerne à ofendida BB, AA afirmou ter travado conhecimento com a mesma através das redes sociais, tendo a interação, segundo refere, durado cerca de um mês.

70. Pouco tempo depois dos alegados factos, aproximadamente um mês após a rutura afetiva, AA reatou o relacionamento de namoro, sem coabitação, com a companheira FF, mantendo a residência em casa da irmã KK.

71. AA refere-se às suas irmãs, KK e LL, como as suas principais fontes de suporte afetivo e habitacional ao longo da vida, tendo recorrido às mesmas em várias ocasiões, das quais salientou a sua saída de casa da progenitora, aos 16 anos, por alegados maus tratos perpetrados pelo então padrasto, tendo o próprio destacado ter sido colocado em família de acolhimento, por volta dos dois anos de idade, na sequência da violência doméstica do respetivo progenitor, com o qual conviveu até aos dois anos, tendo cessado a convivência com este a partir desta altura.

72. O arguido vinha a protagonizar um estilo de vida ocioso quando lhe foi determinada, a 02/06/2022, no âmbito do processo n.º 422/20.0GDSTS, a medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com recurso a meios de Vigilância Eletrónica (OPHVE), que cumpriu em casa da irmã KK, aproximadamente um ano.

73. Durante o cumprimento desta medida de coação, a dinâmica e o relacionamento familiar foram pautados pela instabilidade emocional e comportamental do arguido, traduzida em episódios de impulsividade/agressividade sobre ele próprio, tendo ainda sido registado um incumprimento, nomeadamente por ausência injustificada do local determinado para a vigilância eletrónica.

74. Em termos pessoais, AA descreveu-se pelos acessos de cólera e comportamentos lesivos em momentos de tensão/desafio, traduzidos em sentimentos de raiva contra pessoas e objetos.

75. O mesmo referiu que, durante o seu período escolar, foi sinalizado, neste sentido, pelo estabelecimento de ensino para consulta de psiquiatria, desconhecendo eventual diagnóstico. Esta consulta não teve continuidade.

76. O arguido reporta aos 14 anos de idade o envolvimento no consumo de haxixe, que assume manter na atualidade, desvalorizando-o, quando comparado com outros consumos de drogas de maior poder aditivo.

77. Em 21.06.2023 foi preso preventivamente no Estabelecimento Prisional (EP) de Braga, indiciado por um crime de abuso sexual de criança, à ordem do processo n.º1760/23.6JABRG, que veio a ser apenso ao presente processo.

78. AA regista vários confrontos com o sistema de justiça, nomeadamente no âmbito do processo 300/20.3GBVNF, onde beneficiou da aplicação de uma medida de Suspensão Provisória do Processo, pelo crime de condução sem habilitação legal, na qual registou uma postura pouco colaborante com a equipa da DGRSP.

79. Possui outra medida desta natureza, por tráfico de estupefacientes, com obrigação de caráter pecuniário determinada no processo n.º 1184/22.2KRPRT, bem como condenações em pena de multa por crimes de condução sem habilitação legal, nos processos n.º 300/20.3GBVNF e n.º 282/21.4GCVNF.

80. Verbalizou perceber a censurabilidade deste historial criminal, ainda que aligeirando a respetiva gravidade pela ausência de danos e vítimas que possa ter causado.

81. Encontra-se preso no EP de Paços de Ferreira desde 04.04.2024, vindo transferido do EP de Braga onde deu entrada em 21.06.2023 à ordem do referido processo nº 1760/23.6JABR, em prisão preventiva.

82. Atualmente, cumpre pena à ordem do processo n.º 422/20.0GDSTS, por 6 anos de prisão, pela prática dos crimes de roubo agravado (2), furto qualificado (4) e furto qualificado tentado, protagonizando, até ao momento, um percurso prisional sem sanções disciplinares, encontrando-se a aguardar colocação laboral.

83. Face aos crimes pelos quais cumpre pena, denota um frágil poder reflexivo, minimizando e desculpabilizando o seu comportamento ilícito com as suas necessidades de bens materiais.

84. AA refere que a presente acusação não teve, até agora, repercussão negativa ao nível do apoio familiar, pelo que continua a beneficiar de retaguarda por parte da companheira e das irmãs que se manifestam disponíveis para apoiar o arguido quer em eventuais medidas de flexibilização de pena, como futuramente em liberdade.

85. KK foi impedida de contactar o arguido na sequência de uma alegada tentativa de introdução de produtos de estupefacientes no EP de Braga, em janeiro de 2024.

86. AA regista um processo de socialização marcado pela pobreza, pelo alcoolismo e violência doméstica por parte do progenitor, e ainda pela colocação em família de acolhimento, com consequente desvinculação precoce do seu agregado de origem.

87. Revela baixas competências académicas, registando um percurso laboral inconsistente, irregular e informal, maioritariamente na área da construção civil.

3.1.4 - Quanto à reparação:

88.A lesada BB sentiu-se humilhada, desrespeitada e afetada na sua liberdade, tendo a sua autodeterminação sexual sido posta em causa, pelo menos, em 3 ocasiões distintas;

89. O arguido encontra-se no EP, em cumprimento de pena, não tendo rendimentos;

90. Quer a lesada BB, quer a lesada CC sentiram dores físicas;

91. A menor BB desenvolveu sintomas depressivos, sentindo-se culpada por não ter sido capaz de debelar a situação abusiva;

92. A menor CC não desenvolveu sintomatologia ansiosa, por não ser capaz de avaliar o que lhe aconteceu”.

3. Apreciando.

3. 1. A pena única.

3. 1. 1. Vejamos primeiramente a fundamentação das decisões das instâncias.

Da 1.ª instância, incluindo a apreciação da medida das penas parcelares.

“Importa, agora, ponderar todas as circunstâncias que, não integrando o tipo legal de crime em análise, se revelem suscetíveis de evidenciar as exigências concretas da culpa e da prevenção, em conformidade com o estatuído no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, tendo presente a sua natureza ambivalente, bem como a necessidade de ponderação global e valoração concreta de todas as circunstâncias apuradas.

Neste contexto, e começando pelas razões de prevenção especial, o Tribunal ponderou os seguintes aspetos:

Relativamente à menor BB, tratou-se da prática de cópula completa (coito vaginal), tendo a ofendida sido constrangida em 3 ocasiões distintas;

Relativamente à menor CC, tratou-se da prática de cópula completa (coito vaginal) e ainda coito anal (cópula incompleta);

A conduta delituosa do arguido persistiu, por parte do arguido, relativamente à menor BB durante cerca de duas semanas, com graduações diversas, o que mostra planeamento, uma conduta pré-orientada por parte do arguido e persistência de intuitos criminosos;

O arguido agiu com dolo direto e intenso, prosseguindo os seus intentos mesmo perante a oposição por parte da ofendida;

No caso da menor CC agiu indiferente à presença da filha, menor de apenas 3 anos, na mesma habitação;

As ofendidas tinham, à data dos factos, 13 (treze) e 11 anos de idade, circunstância que eleva a gravidade dos factos;

A ofendida CC, com quem o arguido já coabitara, padece de síndrome de Williams, que lhe causa atraso cognitivo, circunstância que o arguido conhecia e de que se aproveitou;

À data dos fatos que envolvem a BB o arguido trabalhava de forma inconsistente;

O arguido tinha à data dos fatos 23 e 24 anos;

Beneficia de apoio por parte dos familiares, designadamente da companheira e irmãs;

O arguido assume a manutenção de consumos de estupefacientes de menor poder aditivo, cujo impacto no seu percurso vivencial desvaloriza, não perspetivando necessidade de tratamento especializado.

Tem condenações anteriores e posteriores, registando um percurso criminal diversificado e persistente, que convergiu na sua atual reclusão, face à qual o próprio se posiciona com incipiente censurabilidade e ligeireza quanto aos danos provocados em eventuais vítimas.

Não tem, ainda, um projeto de vida que passe pelo investimento na vertente escolar/profissional, de forma a desenvolver hábitos de trabalho, facilitadores da sua futura integração laboral.

- Evidencia baixo poder reflexivo sobre as condutas criminosas por que tem sido condenado;

Já do ponto de vista das razões de prevenção geral, as mesmas são consabidamente elevadas. Parafraseando o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14/06/2018, disponível no site www.dgsi.pt “são manifestas as necessidades de prevenção geral positiva decorrentes da grande danosidade dos factos para as crianças vítimas de abusos sexuais e da frequência com que vêm sendo praticados crimes desta natureza, nomeadamente no seu meio familiar, que apelam a respostas contrafácticas capazes de afastar outros potenciais delinquentes da prática de atos desta natureza e de gerar na generalidade dos cidadãos a convicção de que é efetiva a tutela penal dos bens jurídicos violados.”

Também não é despiciendo ter presente que tal criminalidade, ligada à utilização de meios informáticos, mormente via internet e redes sociais, assume uma dimensão cada vez mais alarmante em termos comunitários, atenta a proliferação do acesso a tais meios por jovens e crianças, que tantas vezes se veem expostos à manipulação por terceiros, e envolvidos assim em situações de exploração sexual, chantagem e devassa da vida privada, que tem um efeito psicológico devastador sobre as vítimas.

Ponderando todos estes fatores, consideram-se necessárias, suficientes, adequadas e proporcionais as seguintes penas relativamente aos autos principais, em que foi vítima BB:

- uma pena de 16 (dezasseis) meses de prisão relativamente a cada um dos dois (2) crimes de abuso sexual de criança, previstos e punidos pelo art.º 171.º, n.º 1 do CP, nos dias que antecederam o episódio da casa abandonada;

- uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão pele prática de um crime de violação qualificada agravada, previsto e punido pelo art.º 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 7 (agora 8) do CP;

- uma pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão pela prática de cada um dos 2 (dois) crimes de violação simples, agravada pela idade, previstos e punidos pelo art.º 164.º, n.º 1 do CP e 177.º, n.º 7 (agora 8) do mesmo diploma;

- uma pena de 20 (vinte) meses de prisão por cada um dos 3 (três) crimes de pornografia de menores;

Nos mesmos termos, ponderando todos estes fatores, consideram-se necessárias, suficientes, adequadas e proporcionais as seguintes penas relativamente aos autos principais, em que foi vítima a CC:

- uma pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelo art.º 171.º, n.º 2 e 177.º, n.º 7 (agora 8), ambos do CP;

4.5 - Do cúmulo jurídico das penas principais

Determinadas as penas concretas de multa que cabem a cada crime praticado pelo arguido, proceder se á à determinação da pena única do concurso de acordo com o art.º 77.º do CP.

Tal pena deverá ser determinada dentro de uma moldura calculada nos termos do art.º 77.º, n.º 2: o máximo correspondendo à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o mínimo fixando se na mais alta das penas concretamente aplicadas. No caso sub judice, essa moldura será então de um mínimo de 6 (seis) anos de prisão a um máximo de 24 (vinte e quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão (e, portanto, uma moldura máxima muito próxima do limite máximo de 25 anos aplicável).

Dentro das molduras assim determinadas, a pena única fixar-se-á tendo em conta, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – art.º 77.º, n.º 1, in fine.

Esta avaliação deve centrar-se na ideia de “gravidade do ilícito global” que os factos analisados no seu conjunto nos ofereçam, bem como na resposta que os mesmos deem “à questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade” – FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português..., cit., pág. 291, §421.

Não se trata aqui de valorar novamente os elementos já tidos em conta na determinação de cada pena concreta, mas antes extrair consequências de uma “visão de conjunto” de toda a factualidade.

De acordo com estes critérios, e por se afigurar que os factos no seu conjunto não indiciam qualquer “tendência criminosa”, afigura-se-nos adequado fixar a pena única do concurso em 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão”.

Da 2.ª instância.

Para se concluir pela pena de 11 anos e 6 meses de prisão, necessariamente efetiva, expendeu-se na decisão recorrida pela forma seguinte:

“O recorrente Ministério Público pugna também pela alteração da medida da pena única resultante da operação de cúmulo jurídico alcançada no tribunal recorrido, que foi fixada em 11 anos e 6 meses de prisão, expressando-se no sentido de que essa pena deverá situar-se sempre acima de 15 anos de prisão.

Também o arguido recorre desta pena única, manifestando-se em sentido contrário à posição do Ministério Público, ou seja, a manter-se a decisão de condenação pelos crimes que lhe estão imputados no acórdão recorrido, a pena única a fixar deverá fixar-se em oito anos de prisão.

Vejamos.

Vejamos então as regras de punição do concurso de crimes

Estabelece a este título o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal:

“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.

Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

(…)

Tal como foi vertido no acórdão recorrido, na efetivação do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, de acordo com os critérios enunciados no n.°2 do citado artigo 77.°, do CP, a pena a aplicar terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas.

Face à procedência do recurso do Ministério Público respeitante à qualificação jurídica atribuída aos factos reportados aos episódios verificados entre os dias 16 e 24/04/2022, aos dois crimes de violação, que passaram de simples a agravados, e às repercussões nas respetivas penas, temos como aplicadas ao arguido as seguintes penas parcelares:

Pela prática de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art.º 171.º, n.º 1 do CP na pessoa da vítima de BB, em dia não concretizado, mas ocorrido entre 11 e 14 de abril de 2022 na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão, por cada um;

Pela prática de 3 (três) crimes de violação agravado, p. e p. pelos arts. 164.º n.º 2 al. a) e 177.º n.º 7 do Código Penal, na pessoa da vítima BB, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um;

Pela prática de 3 (três) crimes de Pornografia de menores agravados, p. e p. pelos arts. 176.º n.º 1 als. b), c) e d) e n.º 8 e 177.º n.º 7 do Código Penal, na pessoa da vítima BB, na pena de 20 (vinte) meses de prisão cada um;

Pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. nos arts. 171.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal, relativamente à vítima CC, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

Essas penas variam entre a mais grave, que é de 6 anos de prisão, e a soma de todas as penas parcelares aplicadas, que atingiria em cúmulo material um total de 30 (trinta) anos e 2 (dois) meses, mas que não poderá ultrapassar os 25 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico destas penas parcelares veio a ser aplicada ao arguido a pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Os recorrentes reportam as razões concretas do seu inconformismo com esta pena única, e manifestam visões antagónicas de aplicação dos critérios que norteiam a determinação concreta da mesma. Um no sentido de que é exagerada, desequilibrada e desajustada, face aos critérios legais e aos princípios da necessidade, adequação proporcionalidade e humanidade das penas, o arguido, o outro entende como adequada, necessária e proporcional a aplicação de uma pena única situada sempre acima dos 15 anos de prisão.

Vejamos.

No que respeita ao quantum da pena única de prisão em apreço aplicada ao arguido/recorrente, teremos de reponderar a factualidade apurada, nomeadamente os factos relativos aos ilícitos criminais perpetrados, as condições pessoais do arguido e a sua personalidade, a gravidade do ilícito global perpetrado e a conexão entre os factos concorrentes.

Nessa avaliação da personalidade - unitária - do arguido não poderemos deixar de ponderar o conjunto dos factos, o ambiente em que decorreram, a sua conexão intrínseca, (pelo menos relativamente à menor BB), a natureza dos mesmos, sendo todos de cariz eminentemente sexual, a condição de menores, mesmo de tenra idade, das vítimas, o aproveitamento da fragilidade emocional de uma delas, daquela BB, relativamente à pessoa do arguido, por quem nutria sentimentos amorosos, a coação exercida, bem como o aproveitamento da condição da CC, que padece de atraso cognitivo resultante de síndrome de Williams, todo um conjunto de circunstâncias que nos conduzem a concluir, não obstante o relativamente curto período de tempo em que os factos ocorreram, estarmos perante um indivíduo com alguma propensão para a prática deste tipo de ilícitos penais, uma verdadeira tara ou tendência criminosa, uma personalidade perversa, a que não poderá deixar de se atribuir, designadamente à pluralidade de crimes, um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.

Também será de ponderar o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do arguido, como exigência de prevenção especial de socialização.

O elevado grau de culpa com que o arguido atuou.

Sendo também muito elevado, o grau de ilicitude dos factos, e o impacto causado na personalidade, privacidade e determinação sexual das vítimas.

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da proteção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição – são muito elevadas, designadamente face ao tipo de crimes em questão e à idade e condição das vítimas.

As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência, de dissuadir o delinquente da prática de outros ilícitos e da necessidade de se auto ressocializar.

Na ponderação da fixação da pena única teremos, pois, de ponderar tudo o que supra já se escreveu a propósito do grau de ilicitude, do modo de execução dos factos, gravidade das consequências, violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo e condições pessoais e passado criminal do agente.

Ora no presente caso, verificamos que o arguido praticou os crimes num período curto de tempo, mas que, tudo indica, só terá terminado o seu comportamento porque as ofendidas divulgaram o sucedido. Atuou por forma ardilosa e coativa (relativamente à menor BB), temerária e abusiva, aproveitando-se da dependência emocional daquela vítima, e da fragilidade cognitiva da CC, sem o mínimo respeito pela sua saúde, liberdade, privacidade e autodeterminação sexual, que de modo indelével condicionou, afetando a sua personalidade e auto estima, pelo que tal quadro de atuação se nos afigura, embora ainda dentro do que poderá considerar-se uma mera ocasionalidade, mas já reveladora de uma propensão ou tendência criminosa da sua personalidade para a prática deste tipo de ilícitos – exigindo-se, pois, que se afaste a possibilidade de a pena única sofrer a moderação que o arguido solicita, embora também não se vislumbrem razões bastantes para o agravamento substancial da mesma propugnado pelo Ministério Público.

Não podemos olvidar que estamos em presença de um jovem adulto, com algum suporte familiar e integração laboral, que à data dos factos contava 23 anos de idade, pelo que, por força da Lei nº 38-A/2023, que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. artigo 1.º), conforme previsto no artigo 2º do citado diploma, haveria a possibilidade de aplicação da lei. Mas, como se diz na decisão recorrida, “embora seja operante o pressuposto da delimitação subjetiva dos arguidos (idade inferior a 30 anos) – a situação em apreço está excluída da Lei do Perdão”, porquanto os crimes praticados, pela prática dos quais vai punido, por serem contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos e punidos no Código Penal na incriminação dos seus artigos 163º a 176º-B, estão expressamente excluídos da aplicação do perdão referido, por força do disposto no 7º da dita Lei.

De qualquer forma, apresentando no período da prática dos factos uma desconformidade com os valores que subjazem e enformam a nossa sociedade, um desvalor, um grau de culpa, que não poder ser menosprezado, antes pelo contrário, em termos de valoração, que terá de se repercutir na medida da censura pessoal que lhe tem de ser feita, com reflexos na medida da pena.

Tendo em conta a imagem global do conjunto factual em apreciação, entende-se que a pena única aplicada, de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão, dentro da moldura legal aplicável supra referida, que a pecar só se for por modesta, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Mostrando-se, contrariamente ao afirmado pelos recorrentes criteriosamente aplicada, proporcionada e equilibrada, tendo em conta a culpa do agente e todas as circunstâncias do caso.

Não se mostrando violados quaisquer dos princípios e normas legais alegados pelos recorrentes.

Pelo que, nesta parte, improcedem os recursos interpostos.

3. 1. 2. A isto que contrapõe o arguido?

Defende o arguido que se deve reduzir a pena única de 11 anos e 6 meses de prisão, que reputa de manifestamente excessiva e desproporcional, tendo em conta as suas concretas condições de vida, pugnando que a pena justa, adequada e proporcional, que não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos, não poderá ser em caso algum superior a 8 anos de prisão.

Para o que invoca os seguintes factores:

- abona a favor do arguido a quase inexistência de antecedentes criminais, o comportamento adequado em meio prisional;

- abona ainda o facto de ter crescido num meio desfavorecido e marginalizado;

- bem como, abona ainda a sua idade muito jovem, e ter uma filha menor que se encontravam a seu cargo à data da detenção, sendo que a mais nova padece de doença.

E, assim, tendo presente que a pena deve ter como função a reinserção do arguido, defende, por outro lado, na resposta ao recurso do MP, que a pena por este peticionada teria o efeito contrário ao pretendido, condenando o arguido a uma vida de marginalidade, quando deve ter a oportunidade de se reintegrar na sociedade e, considerando a sua idade, terá todas as condições de o conseguir.

3. 1. 3. E o MP?

Invocando a violação do disposto nos artigos 40.º/1 e 2, 71.º e 77.º CPenal, discorda o MP da fixação da mesma pena única, de 11 anos e 6 meses de prisão, que já o tribunal de primeira instância fixara, apesar de terem sido agravados dois crimes de violação imputados ao arguido, dando-se, nesse particular, razão ao recurso por si interposto para a Relação.

Para o que alinha o seguinte raciocínio:

- o Tribunal de primeira instância havia condenado o arguido pela prática de dois crimes de violação simples agravados pela idade da vítima, pp. e pp. pelos artigos 164.º/1 e 177.º/7 CPenal, praticados em data não concretamente apurada, mas situada entre 16/04/2022 e 24/04/2022, na pena de dois anos e dez meses de prisão para cada um;

- na decisão recorrida, dando-se procedência ao recurso do MP, o arguido veio a ser condenado por cada um dos referidos crimes na pena de cinco anos e seis meses de prisão;

- se antes a moldura abstrata dos crimes em presença se situava entre 1 ano e 6 meses e 9 anos de prisão, com a agravação operada pelo Tribunal de recurso, a moldura abstrata passou a variar entre os 4 anos e 6 meses e 15 anos de prisão;

- mas, apesar disso, o Tribunal da Relação manteve intocada a pena única aplicada ao arguido na primeira instância.

- impõe-se considerar a alteração da condenação no que respeita aos crimes de violação da menor BB e consequentemente atender ao novo quadro punitivo fixado;

- numa moldura abstrata que varia entre os seis e os vinte cinco anos de prisão, se antes já se nos afigurava que a pena única fixada não se mostrava suficientemente justa ou proporcional (o máximo da moldura não atingia o limite máximo aplicável), a verdade é que agora, depois da reformulação da moldura calculada nos termos do artigo 77.º/2 CPenal que apontou o seu máximo para 30 anos e dois meses, necessariamente reduzidos para 25 anos, a pena fixada, não faz claramente jus às necessidades de punição que se impõem in casu;

- o que, de resto, terá sido sentido na decisão recorrida, quando se refere que “(…) entende-se que a pena única aplicada de onze anos e seis meses de prisão, dentro da moldura legal aplicável supra referida, que a pecar só se for por modesta (…);

- reiterando a posição do colega na primeira instância, cremos, pois, que a pena única, em função da agravação dos dois crimes de violação imputados ao arguido, se deve afastar mais significativamente do limite mínimo da moldura penal abstrata e situar-se mais próximo do último terço do limite máximo da moldura e portanto fixar-se em pelo menos 14 anos de prisão;

- as concretas ações do arguido para com as ofendidas uma das quais com 11 anos de idade e com atraso cognitivo, irmã da sua namorada, a sua postura e trajeto de vida dificilmente deixam antever uma interiorização séria do desvalor das suas condutas;

- acresce que registava à data dos factos vários confrontos com o sistema de justiça e condenações que, contudo, não foram suficientes para o dissuadir;

- não revelou consciência crítica das suas condutas como resulta claramente dos pontos 80 e 83 da matéria provada;

- tudo isto a demandar uma pena única superior àquela pela qual o arguido foi condenado em primeira e segunda instâncias, tanto mais que nesta segunda instância foi condenado por dois crimes de violação agravados (e não simples como na primeira instância) e, consequentemente, em penas parcelares mais gravosas;

- a pena aplicada, salvo o respeito por melhor opinião, fica aquém da salvaguarda das exigências preventivas e da justa retribuição do ilícito e da culpa que, como sabemos, tem uma função limitadora da pena, mas também fundamentadora.

3.1.4. Vejamos.

Importa desde já salientar que a decisão recorrida concedendo parcial provimento ao recurso interposto pelo MP veio revogar a decisão da 1.ª instância nos segmentos constantes dos pontos 9.A.8 e 9.A.10.

9.A.8 – Condenar o arguido pela prática de um crime de violação qualificado p. e p. pelo art. 164.º, n.º 2, al. a), agravado nos termos do art. 177.º n.º 7, ambos do Código Penal, na pessoa da vítima BB, em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 16.04.2022 e 24.04.2022, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

9.A.10 – Condenar o arguido pela prática de um crime de violação qualificado p. e p. pelo art. 164.º, n.º 2, al. a), agravado nos termos do art. 177.º n.º 7, ambos do Código Penal, na pessoa da vítima BB, em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 16.04.2022 e 24.04.2022, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

9.A.16 - Em cúmulo jurídico das penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Na decisão recorrida, apesar de se decidir, igualmente revogar a decisão recorrida no segmento 9.A.16 – reportado à pena única - o certo é que se condena o arguido na pena única de 11 anos e 6 meses de prisão.

Isto é a mesma pena única aplicada na 1.ª instância.

Donde, se evidencia um inequívoco lapso de escrita.

Ou a pena única não seria esta e assim estaria em conformidade com a enunciada revogação de tal segmento da decisão recorrida.

Ou a pena única se manteria, o que não estaria em concordância com a anunciada revogação da decisão recorrida nesse segmento.

Lapso de escrita ou indevido manuseamento do mecanismo do copy/paste igualmente se evidencia na fundamentação, esta questão, como salienta a recorrente, pois que não se concedendo provimento, nessa parte ao recurso do MP que pugnava pelo aumento da pena única para um patamar sempre acima dos 15 anos, ali se refere que, “(…) a pena única aplicada de onze anos e seis meses de prisão, dentro da moldura legal aplicável (…) a pecar só se for por modesta (…).

Isto é apesar de se ter alterado duas das penas parcelares que conduziram à pena única de 11 anos e 6 meses de prisão, passando ambas dos 2 anos e 10 meses de prisão para 5 anos e 6 meses, o certo é que se manteve aquela pena única.

Pugna agora o MP pelo seu agravamento para, pelo menos, os 14 anos de prisão.

E, assim, passamos a ter as seguintes penas parcelares:

9.A.2 - 16 (dezasseis) meses de prisão.

9.A.4 - 16 (dezasseis) meses de prisão.

9.A.6 - 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

9.A.8 – 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão – em vez de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.

9.A.10 - 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão – em vez de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.

9.A.12 – 20 (vinte) meses de prisão por cada um de 3 (três) crimes

9.A.14 – 6 (seis) anos de prisão.

Quando antes a moldura penal abstracta do concurso era de 6 anos a 24 anos e 10 meses agora passou a ser de 6 anos a 25 anos.

É certo que a diferença aritmética é residual, resultando apenas num aumento de 2 meses,

Sem significado, é certo, em termos numéricos.

Mas já não assim, se nos situarmos, como é suposto, em sede dos critérios definidos no texto legal para a operação de determinação da pena única – ponderação em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido.

Com efeito, dispõe o artigo 77.º/1 CPenal, a propósito da punição do concurso de crimes, que, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E o n.º 2, que, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Assim sendo, no caso, como vimos já, a moldura penal do concurso situa-se entre os 6 anos e os 25 anos de prisão.

Nos recursos aqui em apreciação, não se discute a proporcionalidade ou adequação da moldura penal abstrata do concurso de crimes. Nem das penas parcelares. Nem o patamar destas. Questiona-se o quantum da pena única.

Pretende o arguido a sua redução para valor não superior a 8 anos de prisão e o MP o seu agravamento para valor não inferior a 14 anos de prisão.

Será de referir, desde já, ser entendimento uniforme e reiterado deste Supremo Tribunal, que “a sua intervenção em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada”, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada”, cfr. acórdão de 14.5.2009, processo 19/08.3PSPRT.S1-3.ª, entendimento, recentemente reafirmado no acórdão deste mesmo Tribunal, de 9.7.2025, processo 930/22,9JABRG, de que foi relator o aqui 2.º adjunto, consultados, ambos no site da dgsi – tal como todos os demais sem diversa menção de origem.

A medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, como impõem os artigos 40.º e 71.º CPenal, havendo, porém, que atender a um critério específico - a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente, nos termos do artigo 77.º/1 parte final CPenal).

“À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, na operação de determinação da pena única importa a visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente”, como se entendeu no acórdão deste Supremo Tribunal, de 21.10.2021, processo 64/15.2PBBJA-5.ª.

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles, tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.

A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.

Como refere o professor Figueiredo Dias, in Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 183/5, “(…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto e, portanto, também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.

E, o mesmo autor, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, 290/1, “estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72.º/1 (actual 71.º/1), um critério especial: o do artigo 78.º/1 segunda parte (actual 77.º), segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso2.

E, ainda, no § 421, 291/2, acentua “que na busca da pena do concurso, “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

À luz das regras da experiência, a violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade em delinquir, ou mesmo uma carreira criminosa.

Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita.

A determinação da pena do cúmulo exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global.

A autoria em série será factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não terá esse efeito agravante.

Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de 20.2.2008, processo 4733/07 e de 8.10.2008, processo 2858/08-3.ª, na elaboração do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude e, a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.

Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor, o conjunto dos factos e a interacção destes com aquela.

E nesta apreciação, avaliação e ponderação assume especial importância a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente - exigências de prevenção especial de socialização – tendo presente as mais variadas circunstâncias, vg. o arco temporal por que se prolongou a atividade criminosa; a natureza, diversidade e gravidades dos vários crimes; o número de vítimas, a motivação do agente; a intensidade da actuação criminosa; o grau de adesão ao crime como modo de vida e as expetativas quanto ao seu futuro comportamento.

Por outro lado, na pena única há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso, levando, sempre em consideração os critérios gerais da determinação da medida da pena contidos no artigo 71.º – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º - a necessidade de tutela dos bens jurídicos violados e as finalidades das penas.

“E, aqui as finalidades exclusivamente preventivas da protecção de bens jurídicos – prevenção geral positiva ou de integração – e da reintegração do agente na sociedade – prevenção especial positiva ou de socialização – devem coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possível, na pena única, porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros.

Finalidades, estas, que a par da culpa, tendo já intervindo, no momento anterior de determinação da medida das penas parcelares, operam aqui por referência ao conjunto dos factos e à apreciação geral da personalidade, o que não se confunde com a ponderação das circunstâncias efetuada relativamente a cada crime, que é necessariamente parcelar - e não envolve, por isso, violação do princípio da dupla valoração”, cfr, citado acórdão deste Supremo Tribunal de 21.10.2021.

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 10.9.2009, processo 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas”.

“Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 23.9.2009, processo 210/05.4GEPNF.S2-5.ª.

É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.

Como se menciona no acórdão deste Supremo Tribunal de 21.6.2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.

Na decisão recorrida, invocou-se, a propósito,

- o ambiente em que decorreram – os factos - a sua conexão intrínseca, (pelo menos relativamente à menor BB), a natureza dos mesmos, sendo todos de cariz eminentemente sexual, a condição de menores, mesmo de tenra idade, das vítimas, o aproveitamento da fragilidade emocional de uma delas, daquela BB, relativamente à pessoa do arguido, por quem nutria sentimentos amorosos, a coação exercida, bem como o aproveitamento da condição da CC, que padece de atraso cognitivo resultante de síndrome de Williams, todo um conjunto de circunstâncias que nos conduzem a concluir, não obstante o relativamente curto período de tempo em que os factos ocorreram, estarmos perante um indivíduo com alguma propensão para a prática deste tipo de ilícitos penais, uma verdadeira tara ou tendência criminosa, uma personalidade perversa, a que não poderá deixar de se atribuir, designadamente à pluralidade de crimes, um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta;

- o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do arguido, como exigência de prevenção especial de socialização;

- o elevado grau de culpa com que o arguido atuou;

- o muito elevado grau de ilicitude dos factos, e o impacto causado na personalidade, privacidade e determinação sexual das vítimas;

- as razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da proteção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição – são muito elevadas, designadamente face ao tipo de crimes em questão e à idade e condição das vítimas;

- as necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência, de dissuadir o delinquente da prática de outros ilícitos e da necessidade de se auto ressocializar;

- o facto de o arguido ter praticado os crimes num período curto de tempo, mas que, tudo indica, só terá terminado o seu comportamento porque as ofendidas divulgaram o sucedido;

- actuou por forma ardilosa e coativa (relativamente à menor BB), temerária e abusiva, aproveitando-se da dependência emocional daquela vítima, e da fragilidade cognitiva da CC, sem o mínimo respeito pela sua saúde, liberdade, privacidade e autodeterminação sexual, que de modo indelével condicionou, afetando a sua personalidade e auto estima, pelo que tal quadro de atuação se nos afigura, embora ainda dentro do que poderá considerar-se uma mera ocasionalidade, mas já reveladora de uma propensão ou tendência criminosa da sua personalidade para a prática deste tipo de ilícitos.

E, assim se justificou se afastasse a possibilidade de a pena única sofrer a moderação que o arguido solicitava.

É certo que na mesma ocasião, se entendeu, não se vislumbrem razões bastantes para o agravamento substancial da mesma propugnado pelo MP, apesar da apontada contradição, com a afirmação de que a pecar a pena única seria por defeito.

Defeito, que a decisão recorrida teve a oportunidade de corrigir e, não obstante, não o fez, apesar de ter tido soberana ocasião para o fazer, depois da alteração introduzida no capítulo da qualificação jurídica, com o, consequente, substancial agravamento de duas penas parcelares.

Esta será a crítica que se suscita fazer em relação à decisão recorrida. Como já agora em relação à decisão da 1.ª instância, ainda que em menor grau, dada a dimensão então em causa, das penas parcelares.

Mas a esta decisão, essencialmente suscita-se fazer referência de que ali se entendeu que se não demonstrava tendência criminosa por parte do arguido.

Como se referiu, a moldura penal do concurso relativa ao recorrente situa-se entre 6 anos e 25 anos de prisão.

A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por uma pluralidade de crimes.

Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, em todas as suas facetas.

A imagem global evidencia a prática de nove crimes situados num curtíssimo espaço temporal.

Cerca 13 dias quanto a todos eles, oito, com excepção dos crimes de pornografia - cuja data se desconhece – quanto à vítima BB.

E, um crime de abuso sexual, 14 meses decorridos sobre todos os outros circunstanciados temporalmente, quanto à vítima CC.

Seja, assim,

- um crime de abuso sexual de crianças, na pessoa da vítima de BB, em dia não concretizado, mas ocorrido entre 11 e 14 de abril de 2022;

- um crime de abuso sexual de crianças, na pessoa da vítima de BB, em dia não concretizado, mas ocorrido entre 11 e 14 de abril de 2022;

- um crime de violação agravado, na pessoa da vítima BB, correspondente à factualidade apurada no dia 15.04.2022;

- um crime de violação qualificado, na pessoa da vítima BB, em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 16.04.2022 e 24.04.2022;

- um crime de violação qualificado, na pessoa da vítima BB, em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre 16.04.2022 e 24.04.2022;

- três crimes de Pornografia de menores agravados, na pessoa da vítima BB;

- um crime de abuso sexual de crianças agravado, relativamente à vítima CC, praticado em 16.06.2023.

O cometimento destes crimes, depois de ter sido condenado, no passado, ainda que sem grande significado, por duas ocasiões pelo crime de condução sem habilitação legal, em penas de multa, tem a virtualidade, contudo de transmitir na comunidade sentimentos de ineficácia da justiça penal, causando alarme, compreensível insegurança, naturalmente, sentimento de desproteção e alguma revolta com os sistemas formais de controlo.

Aquelas condenações, aqueles contactos com a justiça penal, com os inerentes e supostos alertas da necessidade para a reintegração social, para a adopção de comportamentos socialmente adequados, não surtiram qualquer efeito.

Particularmente, de modo a prevenir a reiteração do arguido na activa, na intensa prática criminosa, aqui em apreciação.

Na determinação da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade, nos factos, revelada.

Aqui relevando o facto de o arguido ter necessidade de interiorizar o real valor da ilicitude dos factos, de forma próxima relacionados entre si, no tempo e no contexto, de uma motivação que terá origem numa característica da sua personalidade, onde se evidencia a falta de empatia e défice de socialização.

Se bem que dada a sua idade e a limitação temporal dos factos, ainda se não possa, fundadamente, falar em tendência, não fica a menor dúvida da afirmação de uma pluriocasionalidade moldada por uma personalidade carecida de contenção.

Como bem refere o arguido – apesar de defender que tal não foi, também, correctamente, avaliado – nos termos do artigo 40.º/1 CPenal a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

E, se assim é, como é, de facto, carece em absoluto de razoabilidade e de fundamento o entendimento de que a quase inexistência de antecedentes criminais e de ter uma filha menor, aqui assuma algum relevo.

Isto, desde logo, porque o alegado comportamento adequado em meio prisional, o facto de ter crescido num meio desfavorecido e marginalizado, o facto de a filha se encontrar a seu cargo ou que tenha uma filha que padeça de doença, constituem factos que não consta do elenco dos provados.

Donde, a sua absoluta e total irrelevância.

E, aqueles primeiros, que constam do elenco dos factos provados, a serem valorados, seria, em sede do artigo 71.º CPenal, aquando da operação de determinação da medida concreta das penas parcelares – operação levada a cabo, quer, na 1.ª instância, quer, na decisão recorrida, sem impugnação por parte do arguido.

Donde a assaz manifesta falta de fundamentação para a pretensão do arguido, traduzida na redução da pena única – de 11 anos e 6 meses para valor não superior a 8 anos.

De resto, como bem salienta o MP, nunca se mostraria justo, adequado e proporcional, após o agravamento, substancial e significativo, de duas penas parcelares que passaram de 2 anos e 10 meses para 5 anos e 6 meses, como vimos, proceder aqui a qualquer redução da pena única.

Muito menos na dimensão, pugnada pelo arguido, de 11 anos e 6 meses para valor não superior a 8 anos

Quanto ao mais.

O arguido terá a sua oportunidade de se reintegrar - como aqui protesta- depois de expiar a sua culpa, depois de assegurada a prevenção geral e se acautelar, da mesma forma, a prevenção especial, quando for restituído à liberdade.

Assim aproveite o tempo de reclusão para se preparar para tal.

Nenhuma destas circunstâncias, cada uma por si ou todas elas conjugadas e ponderadas, em conjunto, assumem a virtualidade pretendida pelo arguido.

Prevalece aqui, sem margem para dúvida a apetência, a tendência demonstrada pelo arguido para a prática destes crimes, unidos pelo critério da procura, a qualquer preço, de satisfação sexual.

Há muito que o arguido poderia ter aproveitado, para ganhar competências para enfrentar a sociedade fora da sua errância criminosa.

A deixar transparecer, uma absoluta indiferença, insensibilidade, para com as vítimas, primeiro e, depois ainda, flagrante desinteresse em viver de acordo com os valores e princípios que regulam a vida em sociedade.

Importa ter em conta a natureza e a igualdade dos bens jurídicos tutelados, ou seja, aqui, a dimensão e a intensidade da repetida lesão do mesmo bem jurídico na actuação global do arguido.

A evidenciar uma indesmentível tendência criminosa. Uma verdadeira pulsão a necessitar de inocuização.

A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”. Dentro da moldura penal do concurso, o limite mínimo inultrapassável da dosimetria da pena concreta é dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos violados ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, “do quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias”, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 242.

As exigências de prevenção geral podem variar em função do tipo de crime e variam as necessidades de prevenção especial de socialização em razão das circunstâncias do concreto agente e da personalidade que revela no cometimento dos factos.

E nos crimes de abuso sexual de crianças as exigências de prevenção geral, nunca será demais salientar, são elevadas, tendo em consideração o crescente número de crimes desta natureza, gerando graves consequências para as vítimas e a consequente necessidade de desincentivar a sua prática.

Com efeito, o abuso sexual de crianças produz na comunidade forte sentimento de repulsa e reprovação, exigindo-se uma intervenção punitiva firme, por parte dos tribunais, como forma de, pela reafirmação do Direito, apaziguar o tecido social afectado e demover potenciais delinquentes, cfr. o citado recente acórdão deste Supremo Tribunal de 9.7.2025.

A prevenção especial de socialização pode, sem interferir naqueles limites, fazer oscilar o quantum da pena no sentido de se aproximar de um dos limites.

Se as necessidades de prevenção geral são elevadas, as necessidades de prevenção especial não são menores. Revelam-se particularmente prementes.

Resulta bem evidenciado que as exigências de prevenção especial empurram a medida da pena para o máximo consentido pela culpa posta na execução da panóplia de crimes aqui em causa.

O caso dos autos é absolutamente paradigmático de uma imagem do “comportamento global” a demandar gravidade acrescida. Uma série de crimes como a que aqui está em apreço, em si mesma, demanda um factor de compressão mais elevado e a individualização da pena conjunta a um nível superior que a metodologia utilizada para a quantificação das penas parcelares englobadas.

E, aqui reside a grande e decisiva diferença, para com o resultado aritmético do mero aumento do patamar máximo da moldura penal abstracta em 2 meses. O conjunto dos factos, mas sobretudo a personalidade neles revelada, bem como as necessidades de proteção dos bens jurídicos, grave e persistentemente violados, confirmam que a pena única aplicada não peca por excessiva nem por exagerada.

Antes pelo contrário.

A merecer a excecional intervenção corretiva por parte deste Supremo Tribunal.

Por todo o exposto, conclui-se pelo agravamento da pena única, para um valor que se mostre equilibrado, justo, adequado e proporcional ao respectivo grau de culpa, dolo directo de elevada intensidade e às prementes e elevadas exigência de prevenção geral e de prevenção especial.

Para o valor de 14 anos de prisão.

Procede, neste segmento o recurso do MP e improcede, pois, o do arguido.

III. Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em,

1. rejeitar, por inadmissível, o recurso do MP no tocante à matéria das penas acessórias,

2. negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA;

2. conceder provimento ao recurso do MP e condenar o arguido na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

Custas pelo arguido, no recurso em que decaiu, totalmente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC,s, artigos 513.º/1 e 514.º/1 CPPenal e 8.º/9 e Tabela III do RCProcessuais.

Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e, assinado eletronicamente por si e pelos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos, nos termos do artigo 94.º/2 e 3 CPPenal.

Supremo Tribunal de Justiça, 2025.OUT.09

Ernesto Nascimento – Relator

Jorge Gonçalves – 1.º Adjunto

Vasques Osório - 2.º Adjunto