Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
128/21.3GBCLD-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
RECURSO ORDINÁRIO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
INDEFERIMENTO DO RECURSO
Data do Acordão: 10/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Se o arguido/recorrente, na sua estratégia de defesa, decidiu prescindir da testemunha de defesa, na audiência de julgamento, antes de concluída a produção de prova, a responsabilidade é dele, não podendo considerar-se tal circunstância como um facto novo.

II. Se houve uma má avaliação da prova pela defesa, mesmo que acompanhada pela acusação, tal não é motivo para considerar que há um facto novo, por na sentença o arguido ter sido condenado. A estratégia da defesa, adotada antes das alegações, foi prescindir da sua única testemunha de defesa, sendo certo que, se não tivesse tomado essa posição, era livre de a ter ouvido, sabendo muito bem, que a sua avaliação da prova, tal como a do MP (quando refere que nas alegações pediu a absolvição) podia não coincidir com a do julgador e que, a final, quem decidia era este.

III. O recurso de revisão não serve para salvaguardar ou ser usado quando forem cometidos erros ou em caso de haver negligência na estratégia da defesa ou da acusação (seja esta pública ou particular). Ora, do que aqui se trata não é da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior (porque, neste caso a testemunha em questão até foi arrolada pelo arguido/recorrente previamente) mas antes de uma testemunha que não foi ouvida no julgamento porque foi prescindida na sessão de julgamento por opção da defesa (por estratégia da defesa) e, nesse caso, não se trata de caso de revisão.

IV. Assim, para além de não haver qualquer novidade de meios de prova ou qualquer novidade de factos, tão pouco a argumentação que apresenta da sua discordância quanto à apreciação da prova que foi feita, também não integra factos ou meios de prova novos, nem constitui motivo de revisão, não se impondo ao Tribunal a apreciação pessoal e subjetiva que o recorrente faz da prova produzida em julgamento (sendo certo que foi negado provimento ao recurso ordinário que apresentou).

V. O que aqui acontece é que o recorrente pretende agora voltar a colocar a questão da reapreciação da prova (porque discordou da decisão da Relação) neste recurso de revisão e, assim, transformar este recurso extraordinário num recurso ordinário, o que não pode ser.

VI. Para além de não terem sido apresentados novos factos ou novos meios de prova (o que invalida o preenchimento do pressuposto previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP), também não foi junta certidão de sentença transitada em julgado que permita a invocação do fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, que também foi alegado.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

I. O arguido/condenado AA, vem nos termos (entre outros) do artigo 449.º, n.º 1, al. c) e al. d), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão da sentença de 6.07.2023, proferida no processo comum (tribunal singular) n.º 128/21.3GBCLD, pendente no Juízo Local Criminal ..., juiz 1, comarca de ..., transitada em julgado (após confirmação por ac. do TRC de 07.02.20241), na parte em que o condenou pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3.01, na pena de 9 meses de prisão.

II. Para o efeito, o recorrente apresentou as seguintes conclusões na sua petição deste recurso de revisão:

H – Conclusões:

“Releva destacar, na linha da jurisprudência deste Supremo Tribunal, que “factos novos” são os que não foram apreciados no processo, por serem desconhecidos do tribunal ao tempo do julgamento, quer porque eram desconhecidos do arguido ou do Ministério Público ao tempo do julgamento, quer porque não puderam ser apresentados, pro qualquer razão, pelos sujeitos processuais, com este entendimento superando a anterior corrente que se bastava para qualificar como novos os factos que «não tivessem sido apreciados pelo tribunal, ainda que não fossem ignorados pelos sujeitos processuais – ideia que podia conduzir, no limite, a uma banalização do recurso extraordinário de revisão e converter-se num expediente frequente, pondo em causa a estabilidade do caso julgado, como sustenta PINTO DE ALBUQUERQUE, no seu Comentário do Código de Processo Penal. P. 1212)»” (in Ac. do STJ – proc. nº. 38/12.5PTJA.S1, de 25 de fevereiro de 2015, em que foi recorrente ..., representado pelo mandatário do ora arguido/recorrente)

“É certo que alguma jurisprudência menos restritiva admite como facto novo o facto e/ou meio de prova que, embora sendo conhecido do recorrente no momento do julgamento/decisão, o condenado justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, não dever apresentá-los.”

(Ac. STJ – 459/08.8POLSB-A.S1 – 3ª. Secção – 25-02-2016)

H.1. – Conclusões constantes do recurso junto do Tribunal da Relação de Coimbra

1 - O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

2 – Porquanto, a matéria de facto provada e não provada não foi completamente conseguido e inequívoca, não cumprindo os requisitos consignados no nº. 2 do artigo 474º. do CPP. Pelo que se impugna a decisão sobre a matéria de facto e de direito, requerendo a alteração da pena aplicada aos ora recorrentes.

3 - Posto isto, e discordando em absoluto da decisão do tribunal a quo, estamos sujeitos, por via dessa delimitação, a expor as questões necessárias para serem apuradas pelos Digníssimos Desembargadores desse Tribunal Superior.

4 - Porquanto, os vícios do artº. 410º., nº. 2 do CPP são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto e de direito que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei.

5 – O ora recorrente interpôs o recurso perante o TRC, impugnando a decisão apenas no que concerne ao «crime de condução sem habilitação legal, p- e p. pelo artigo 3º., nº. 1 e 2 do Decreto-Lei nº. 2/98, de 03/01, na pena de 7 meses de prisão”.

6 - No âmbito do presente recurso, damos por reproduzido para todos os efeitos legais, os factos que a decisão considera como verdadeiros, assente nos seguintes pontos: 4.; 5.; 6.; 7.; 8.; 9.

7 – Nenhuma prova foi produzida em sede de audiência que sustente a decisão ora recorrida.

8 - Nenhuma autoridade policial elaborou auto de notícia sobre a prática do ilícito criminal atrás referido.

O artigo 243º. do CPP, exige o seguinte:

1. Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime ou denúncia obrigatória levantam ou mandam levantar auto de notícia, onde se mencionem:

d) Os factos que constituem o crime;

e) O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi praticado; e

f) Tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente, as testemunhas que puderem depor sobre os factos.

2. O auto de notícia é assinado pela entidade que o levantou e pela que o mandou lavrar.

3. O auto de notícia é obrigatoriamente remetido ao ministério Público no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias, e vale como denúncia.

4. Nos casos de conexão, nos termos dos artigos 24º. e seguintes, pode levantar-se um único auto de notícia.

9 - Compulsados os autos não encontramos qualquer Auto de Notícia que cumpra os requisitos do artigo 243º. do CPP, relativamente aos crimes de que os ora recorrentes vinham acusados e que foram condenados.

10 - No Auto de Notícia, a fls., datado de ... de ... de 2021, onde consta uma participação elaborada e assinada pelo ofendido BB, não consta qualquer referência aos factos relativos à condução de veículos por parte dos arguidos. Apenas é referido o «furto» do veículo de matrícula ..-PL-...

11 - Ao referido Auto de Notícia é junto uma «Informação» elaborada pela GNR de ... com o registo nº. G-0001061/21.2..., com seis (6) páginas.

12 - Nada consta quanto ao crime de que aos arguidos foram condenados.

13 - A fls., datado de ...-...-2021 – Constituição de arguido, no posto da GNR de ..., relativamente ao arguido AA, nada consta quando ao tipo de crimes que lhe são imputados.

14 - Pelo que, salvo o devido respeito, não se pode dar por verdadeiros os factos descritos por uma testemunha, a qual demonstrou ter um conflito negocial com o ora recorrente.

15 - O arguido, em sede de inquérito, nunca foi confrontado com os factos relativos a condução de qualquer veículo. Não tendo, pois, exercido o seu direito ao contraditório.

16- O MP, em sede de alegações, alegou, após prova recolhida em audiência, que «Foi surreal!!!», e que «não existir a prática de qualquer crime». Tendo requerido quanto aos arguidos «a absolvição daquilo que vêm acusados». (cfr. reprodução áudio)

17 - O ora recorrente considera como NÃO PROVADOS os Factos considerados provados, com os nº.s 4.; 5.; 6.; 7.; 8.; 9., uma vez que não correspondem à verdade.

18 - Nenhuma declaração, registo fotográfico ou outro elemento de prova foi recolhido para sustentar o facto de que «o arguido AA dirigiu-se ao veículo de marca Audi (…), sentou-se no banco do condutor, colocou o veículo a trabalhar e abandonou o local, tripulando o mesmo (…)» (facto dado como provado em 6.)

19 - Ou seja, escutadas com precisão as gravações áudio, facilmente se verifica que apenas uma testemunha prestou declarações sobre tais factos.

20 - Contudo, e salvo melhor entendimento, a testemunha CC não poderá ser valorizada como prova dos factos descritos na decisão ora recorrida. Auscultadas as gravações das declarações prestadas por esta testemunha, facilmente se depreende das enormes contradições, nomeadamente quando refere que quando os arguidos chegaram ao seu encontro, no dia ... de ... de 2021, «eram muitos com crianças ao colo.» (tais declarações constam no registo áudio a partir dos 10:40, a instâncias do MP)

21 - Aliás, é a própria MMª. juiz, na decisão recorrida, no ponto C) Motivação da matéria de facto, que alega «Esta testemunha prestou um depoimento muito inconsistente e incoerente, sendo evidente que existem diversas questões por detrás destes factos que a testemunha não quis esclarecer.» (antepenúltimo parágrafo de fls. 19 da sentença recorrida)

22 - Pelo que consideramos que a MMª. juiz do tribunal a quo, entrou em enorme contradição, quando, a fls. 20, no seu terceiro parágrafo refere que «a testemunha CC declarou, sem qualquer dúvida ou hesitação que, aquando dos factos, os arguidos abandonaram o local, sendo o arguido AA, ao volante do veículo com a matrícula ..-PL-.. e tripulando o mesmo e o arguido AA ao volante do veículo Audi de matrícula desconhecida (…)»

23 - Os ora recorrentes discordam em absoluto deste fundamento, uma vez que a testemunha CC, em todas as suas declarações mostrou pouca coerência e nunca poderá ser considerada credível ao ponto de se dar como provado tais declarações. Pelo que impugnamos toda a decisão recorrida.

24 - É sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

25 - Posto isto, e discordando em absoluto da decisão do tribunal a quo, estamos sujeitos, por via dessa delimitação, a expor as questões para serem apuradas pelos Digníssimos Desembargadores desse Tribunal Superior.

Porquanto,

26 - Os vícios do artº. 410º., nº. 2 do CPP são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei. É nesse sentido que o presente recurso se cinge à peça processual – Sentença – recorrida.

27 - No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, tal vício verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, e neste preciso caso, auscultando as gravações das declarações de uma única testemunha – CC – como prova substancial em que poderá assentar uma decisão, no que se refere aos factos considerados como provados na sentença recorrida, facilmente se dá conta que o tribunal a quo violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, violando grosseiramente o princípio do contraditório no que se refere a tais diligências em sede de inquérito.

28 - Daqui concluímos, salvo melhor entendimento, que nenhuma prova foi conseguida, caindo por terra a decisão proferida contra o recorrente. É nesse sentido, e apontando vários vícios que são evidentes, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, só podendo revelar se for ostensivo, inquestionável e percetível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do “homem médio”.

29 - No presente caso estamos perante um erro de julgamento da matéria de facto.

30 - Pelo que impugnámos, em sede de recurso para o TRC, a decisão ora em apreço sobre as questões de facto, tal como dispõe os artºs. 427º. e 428º. do CPP, numa perspetiva mais abrangente. Bem como criticar ara decisão recorrida com base no disposto nos artigos 410º., nº. 2 e 428º., do CPP.

31 - Na sequência da nossa fundamentação quanto às dúvidas que não foram sanadas pelo Tribunal a quo, quanto à condenação “pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º., nº. 1 e 2 do Decreto-Lei nº. 2/98, de 03/01, na pena de 9 meses de prisão”, a cada um dos recorrentes.

32 - Pelo que não estão reunidos os mínimos legalmente exigíveis para condenar quem quer que seja pela prática do crime que aos arguidos foram imputados. Concluindo-se assim, que esteve mal o tribunal a quo, em condenar os arguidos.

33 - É motivo deste recurso encontrar o fundamento suficiente para se impor ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, o que a nosso ver está comprovada a fragilidade da sentença quanto ao crime de que os arguidos foram condenados.

34 - Pelo que se encontra preenchido o princípio do in dúbio pro reo.

H.1. – Conclusões do presente recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça

35 - O arguido foi acusado pelo MP da prática dos seguintes crimes:

- um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 202º., la. b), 203º., nº. 1 e 204º., nº. 2, alínea a), todos do Código Penal;

- um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º., nº. 1 e 2 do Decreto-Lei nº. 2/98, de 03/01.

36 - Em sede de contestação, o arguido indicou como testemunha….

37 - No desenrolar da audiência de julgamento, foi produzida a prova testemunhal.

38 - Tendo o mandatário do arguido ficado com a sensação de que, face ao silêncio manifestado pelo arguido, tendo a convicção de que apenas uma testemunha, que não terá prestado declarações com o mínimo de credibilidade, pensou, segundo a sua experiência profissional, de que não seria necessário inquirir a única testemunha apresentada pelo arguido.

39 - Aliás, tal convicção criada junto do Mandatário do arguido, veio a ser reforçada em sede de alegações por parte da Digníssima Procuradora da República, a qual proferiu as seguintes palavras: «Foi surreal!!!». Mais, alegou «não existir a prática de qualquer crime». Tendo concluído, quanto aos arguidos, «a absolvição daquilo que vêm acusados». (cfr. reprodução áudio).

40 - Da sentença proferida no tribunal a quo, o ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, do qual resultou acórdão, no sentido de indeferimento do mesmo.

41 - Estando em causa direitos fundamentais da pessoa humana, a inalterabilidade do caso julgado cede sempre que haja fundadas e sérias dúvidas sobre a justiçada da condenação.

42 - Segundo o acórdão do STJ, “A Constituição da República Portuguesa não define o conceito de caso julgado, que respeita a um conceito pré-constitucional suficientemente densificado, designando as situações que, de forma definitiva e irretratável, foram fixadas por sentença judicial. (J J Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotada, vol. II, 4ª edição revista (Reimpressão), 2014, Coimbra, Coimbra Editora, anotação VI ao artigo 282º., p. 977)

43 - A intangibilidade do caso julgado «enquanto princípio constitucional implícito, pode ter de ceder quando estejam em causa outros valores constitucionais mais importantes, e desde que, naturalmente, se respeitem as garantias constitucionais dos tribunais, quanto à separação dos poderes, à reserva da função judicial e ao respeito das decisões judiciais pelas autoridades administrativas, pelo que um caso julgado só poderá ser revisto por via judicial e na base de uma lei geral e abstrata. Um desses valores constitucionais pode prevalecer sobre o princípio da intangibilidade do caso julgado é a (…) da revisão de sentenças criminais. (J J Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. Cit., anotação VIII ao artigo 205º., pp. 530-531)

44 - A Constituição da República admite, assim, a possibilidade de revisão das sentenças, ainda que transitadas, sempre que o cidadão tenha sido injustamente condenado, em harmonia com o que se preceitua no nº. 2, do artigo 4º., do Protocolo VII à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tal como interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). (Acórdão de 10 de fevereiro de 2009, proferido no caso Serguei Zolotoukhine c. Rússia (Queixa nº. 14939/03), &108, acessível, tal com o outros do TEDH que se citarem, na base de dados do Tribunal em http://hudoc.echr.coe.int, no qual se menciona: «(I)mporta sublinhar que ao rtigo 4º. Do Protocolo nº. 7 não exclui a reabertura do processo, como o indica claramente o nº. 2, desta disposição legal» (tradução livre da responsabilidade do relator).

45 - Apoiando-nos no acórdão do STJ, proc. nº. 459/08.8POLSB-A.S1, de 25-05-2016, em que o mesmo se apoia, entre outros, ao acórdão acima citado - «De 25-02-2015, Processo nº.38/12.5PTBJA-A.S1”, retiramos a seguinte passagem: “É certo que alguma jurisprudência menos restritiva admite como facto novo o facto e/ou meio de prova que, embora sendo conhecido do recorrente no momento do julgamento/decisão, o condenado justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, não dever apresentá-los.”

46 - No contexto atrás aludido pelo ora recorrente, facilmente se entende por que razão o mandatário do arguido prescindiu da única testemunha que tinha apresentado, cfr. ata de julgamento que se junta.

47 - Entendeu, quer o arguido, quer o seu mandatário, que, no decurso da audiência de julgamento, não tenho sido recolhido prova que sustentasse a acusação movida pelo Ministério Público, contra o arguido.

48 - Auscultada toda a gravação da referida audiência, e segundo a experiência neste tipo de caos, dificilmente se encontram reunidas as provas que viessem a dar como provados os factos arrolados no inquérito.

49 - Tal perceção por parte do mandatário do arguido – de que não estariam reunidas as provas suficientes para condenar o arguido – era sustentável, que a digníssima magistrada do MP, seguiu a mesma conclusão quando, em sede de alegação, proferiu as palavras atrás transcritas («Foi surreal!!!». Mais, alegou «não existir a prática de qualquer crime». Tendo concluído, quanto aos arguidos, «a absolvição daquilo que vêm acusados». (cfr. reprodução áudio))

50 - Pelo que consideramos, no seguinte do acórdão atrás citado, que se justifica «suficientemente» a «não apresentação» da referida prova testemunhal, «na altura», decorrente do contexto em que decorria o julgamento.

51 - Numa linguagem corrente, o arguido e o sue mandatário, face ao curso do julgamento, nunca esperava que aquele viesse a ser condenado, perante uma testemunha pouco esclarecedora e credível, e de manifesto litígio com o arguido, em que a sentença se apoiou.

52 - Neste contexto, e tendo em atenção que a posição do MP, em sede de julgamento alegou pela absolvição do arguido, e posteriormente, em resposta ao recurso por este interposto, respondeu no sentido contrário – pela condenação do arguido.

53 - Para tanto juntamos o nosso requerimento de «protesto», junto da hierarquia do MP na Comarca de ..., à qual não se obteve, até à presente data, qualquer resposta.

Termina pedindo que seja deferido o recurso e, em consequência, que seja decidido:

a) Autorizar, nos termos do artigo 449º., nº. 1, alínea d), do CPP, a revisão pedida pelo arguido AA, a fim de proceder a nova ponderação das condições em que decorreu o julgamento, com a audição do condenado e produção das provas reputadas necessárias, nomeadamente, a inquirição da testemunha arrolada pelo arguido, Sr. DD, melhor id. a fls.

b) Ordenar, na decorrência da autorização concedida e nos termos do nº. 1 do artigo 457º., do CPP, o reenvio do processo ao tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever, que se encontrar mais próximo, com exclusão do próprio juízo que proferiu a decisão a rever;

c) Suspender o cumprimento da pena de prisão, e anular todos os despachos no sentido de mandado de detenção, nos teros do nº. 3, do artigo 457º. do CPP:

d) Declarar, nos termos do artigo 457º., que o arguido permanecerá sob o Termo de identidade e Residência, nos termos do disposto no artigo 214º., nº. 1, alínea d), ambos do CPP.

III. Na 1ª instância respondeu o Ministério Público, sustentando que deve ser julgado improcedente o recurso, uma vez que o pretendido pelo recorrente (ouvir testemunha por si arrolada e, portanto, por si conhecida no momento do julgamento, mas prescindida durante a audiência do dia 25.05.2023) não configura um novo meio de prova, nem permite inferir dúvida sobre a justiça da condenação, apesar de não bastar a mera dúvida para a revisão, mas antes sempre teria de se tratar de dúvidas sérias e graves que pudessem suscitar a possibilidade de absolvição, o que não é o caso, antes ressaltando que o recorrente não concorda com a avaliação da prova feita por dois Tribunais diferentes e, a premissa que introduziu não releva (nem sequer se mostra justificado o motivo pelo qual na data do julgamento prescindiu da testemunha e a análise que o recorrente fez da prova, confiando que seria absolvido, não foi a mesma que o Tribunal da 1ª instância e da Relação fizeram, sendo a subjetividade da análise da prova que fez e que conforme alega, o levou a prescindir da testemunha, não constitui justificação suficiente).

IV. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e o Sr. PGA pronunciou-se, tendo previamente referido a irregularidade da falta de informação sobre o mérito do pedido aludida no art. 454.º do CPP, que considerou não dever invocar por inutilidade para a decisão do recurso e, de seguida, emitiu parecer no sentido da negação da revisão, por não ser novo o meio de prova que se pretende produzir, pois trata-se de testemunha arrolada pelo próprio recorrente e que este prescindiu durante o julgamento, pelo que a não audição dessa única testemunha é-lhe exclusivamente imputável e da sua responsabilidade, que definiu como entendeu a sua defesa (sendo que nem a errada estratégia de defesa serve para integrar dúvidas qualificadas, por graves, sobre a justiça da decisão revidenda) e tudo o alegado não configura o requisito previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.

Concluiu que por os fundamentos invocados serem manifestamente inaproveitáveis para efeitos de recurso de revisão, sendo o requerimento apresentado inepto, para além de ser negada a revisão, deve o recorrente ser condenado a pagar quantia entre 6 a 30 UC nos termos do art. 456.º do CPP.

V. Notificado do Parecer do Sr. PGA, o recorrente respondeu, considerando que os autos deveriam baixar para cumprimento do requisito do art. 454.º do CPP e, quanto ao mais alegado no Parecer, manteve tudo o que já havia dito nas alegações de recurso, voltando a reforçar a sua posição, acrescentando ainda nesta resposta factos novos que não alegara no recurso, como v.g. o da testemunha que prescindira iria depor que era quem conduzia o Audi e não o arguido/recorrente e também que este (o próprio arguido) se remeteu ao silêncio porque o MP pediu a sua absolvição, assim sendo induzido em erro.

VI. Após ser solicitado, por este Supremo Tribunal a informação sobre o mérito do pedido (art. 454.º do CPP), o Sr. Juiz pronunciou-se nos seguintes termos (transcrição):

Consigna-se que, não obstante o determinado no despacho proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça – cf. referência n.º ......91 – o signatário não consegue aceder ao apenso em causa.

Contudo, atenta a urgência do solicitado pelo Supremo Tribunal de Justiça, não se solicitou tal acesso, uma vez que, também, o Tribunal tem acesso aos documentos que considera relevantes para a prolação da informação que se segue.

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O Ministério Público respondeu ao recurso – cf. artigo 454.º, primeira parte, do Código de Processo Penal.

*

Cumpre agora apreciar e decidir quanto às diligências de prova requeridas pelo Arguido, bem como informar sobre o mérito do pedido, tudo nos termos do artigo 454.º do Código de Processo Penal.

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Por sentença proferida a 06-07-2023 foi o Arguido AA condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3.01, na pena de 9 meses de prisão efetiva.

Interposto recurso da sentença proferida, por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a 07-02-2024 e aclarado a 08-05-2024, e transitado em julgado a 28-06-2024, foi mantida a sentença supra referida.

Por requerimento apresentado a 15-07-2024 veio o Arguido interpor o presente recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Penal.

Alega, em síntese, que não foi ouvida uma testemunha, por si arrolada, e posteriormente prescindida, que seria essencial para a descoberta da verdade, e cujo depoimento determinaria decisão diferente da tomada.

*

Nos presentes autos, com relevância para o objeto do presente recuros, resultaram como demonstrados, os seguintes factos: «

1. No dia 01/05/2021, a arguida EE encetou contacto com CC tendo marcado com a mesma um encontro junto à Escola de ..., sita na ..., área do concelho das ....

2. CC foi ao encontro da arguida EE tripulando o veículo de marca Mercedes e com a matrícula ..-PL-.., pertença de seu filho FF com valor não concretamente apurado, mas que se situa entre os € 26.000 e os € 28.000.

3. Nessa mesma data, pelas 14h e 45m, CC e a arguida EE encontraram-se no local identificado em 1, tendo aquela estacionado o veículo e deixado as chaves na ignição e iniciou conversa com a arguida.

4. A dada altura, apareceram no local os arguidos AA e GG, tendo chegado num veículo de marca Audi, cuja matrícula não foi possível apurar.

5. Em circunstâncias que não foi possível apurar, o veículo identificado supra em 2 entrou na posse do arguido GG, o qual abandonou o local conduzindo o mesmo.

6. Seguidamente o arguido AA dirigiu-se ao veículo da marca Audi referido em 4., sentou-se no banco do condutor, colocou o veículo a trabalhar e abandonou o local, tripulando o mesmo, tendo seguido para parte incerta.

7. Ao atuar da forma acima descrita os arguidos AA e GG fizeram a condução dos veículos acima identificados sem que para o efeito estivessem habilitados com o respetivo título legal.

8. Ao iniciar a condução dos referidos veículos os arguidos AA e GG sabiam que não possuíam documento legal que os habilitasse a tal atuação e, não obstante, quiseram e conseguiram conduzir os veículos nas circunstâncias acima descritas.

9. Os arguidos AA e GG agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei.».

Analisado o articulado apresentado pelo Arguido, conclui-se que o mesmo se insurge contra a factualidade dada como demonstrada relacionada com a condução por si, sem estar habilitado para tal, salientando que a inquirição da testemunha por si arrolada atempadamente, mas por si prescindida em audiência de julgamento, seria essencial para não dar como demonstrados a referida factualidade, tendo apenas prescindido da mesma porquanto ficou convencido que a testemunha em que o Tribunal se alicerçou para demonstrar tais factos não possuía credibilidade.

*

O direito à revisão de sentença emana da norma prevista no n.º 6, do artigo 29.º, da Constituição da República Portuguesa, onde se pode ler que «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.».

Trata-se de «um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença» - cf. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, volume I, p. 498.

Pretende-se, através de tal mecanismo processual, previsto nos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal, alcançar a plena justiça da decisão, estando subjacente «o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas, que justificam a postergação daquele valor jurídico» - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2012, proferido no processo n.º 153/05.1PEAMD-A.S1 (OLIVEIRA MENDES), disponível em www.dgsi.pt.

Pois bem, dispõe o artigo 449.º, do Código de Processo Penal que:

«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.»

Compulsado o requerimento do Arguido, constata-se que este subsume os factos invocados no seu recurso às alíneas c) e d) (embora no se que refere à alínea c) se entenda que não se encontram minimamente preenchidos os requisitos ali constates, já que o Arguido não indica que factos que serviram de fundamento à condenação são inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença, pelo que se desconsiderará tal alínea), requerendo, conforme já aludido, como diligência probatória, a audição de uma testemunha que, alega, nunca foram ouvidas, mas que, reitere-se, foi por si arrolada mas este mesmo prescindiu.

Ora, as razões apresentadas pelo Arguido para a inquirição da referida testemunha, mesmo após este a ter arrolado e ter deliberadamente declarado não a querer ouvir quando o podia ter feito, não logram convencer o Tribunal.

O Arguido, pelas suas próprias palavras, prescindiu de ouvir a testemunha porque entendeu que não era necessária à sua inquirição, uma vez que, na sua perspetiva, a testemunha que serviu de fundamento ao Tribunal para dar como provados os factos que fundamentaram a condenação era incredível.

Pois bem, ninguém obrigou o Arguido a prescindir de um meio de prova que lhe era legítimo produzir, fê-lo porque quis, porque, ao analisar a prova produzida, entendeu que não era necessária a inquirição da mesma. A escolha foi sua.

O facto de o Ministério Público ter alegado que nunca prova se produziu não é relevante, já que as alegações do Ministério Público (nem dos srs. Advogados) não vinculam o Tribunal na apreciação que faz da prova.

Note-se que a jurisprudência invocada pelo Arguido, no trecho cuidadosamente selecionado por este, efetivamente refere que «É certo que alguma jurisprudência menos restritiva admite como facto novo o facto e/ou meio de prova que, embora sendo conhecido do recorrente no momento do julgamento/decisão, o condenado justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, não dever apresentá-los.» - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-05-2016, proferido no processo n.º 459/08.8POLSB-A.S1 (OLIVEIRA MENDES), disponível em www.dgsi.pt.

Contudo, tal passagem selecionada pelo Arguido não faz parte da decisão mérito do Acórdão em questão, mas trata-se da transcrição do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância ao abrigo do artigo 454.º do Código de Processo Penal (semelhante à agora proferida). Ou seja, não se trata de um entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, mas sim de uma afirmação retirada de um despacho de primeira instância, sem qualquer conclusão com valor prático para o caso em questão.

Mas, ainda que se atenda a tal passagem, a verdade é que nem se pode considerar nestes autos que o Arguido não tenha apresentado a testemunha, já que a arrolou efetivamente, ou seja, apresentou-a ao Tribunal, mas, pelas questões que entendeu, decidiu prescindir dela, ou seja, não quis ouvir o seu depoimento.

Seria completamente abusivo do instrumento previsto no artigo 449.º e seguintes do Código de Processo Penal, permitir ao Arguido (ou a qualquer outro interveniente processual), fazer uso do mesmo sempre que, após prescindir de uma testemunha por si arrolada, não concorde com a apreciação que foi feita da prova efetivamente produzida.

Por outro lado, diga-se que os argumentos expendidos pelo Arguido sobre a requerida prova testemunhal nem se revelam fortes, já que não justifica porque é que o depoimento da referida testemunha seria suficiente e necessária para invalidar a apreciação realizada pelo Tribunal.

Com efeito, «não basta a apresentação de quaisquer novas provas. Somente fundamentam a rescisão da sentença firme, provas que, ademais da novidade, aportem dados que infirmem os factos que nesta se julgaram provados e que legitimam a condenação.» (…) «A expressão “descobrirem novos” pressupõe que os factos ou elementos de prova foram conhecidos depois da sentença e, por isso, não podiam ter sido aportados ao processo até ao julgamento, seja porque antes não existiam, seja porque, embora existindo, somente foram descobertos depois.» - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2021, proferido no processo n.º 2140/16.5T8VIS-D.S1 (NUNO GONÇALVES), disponível em www.dgsi.pt.

Em suma, o Arguido apresentou a prova, ou seja, tinha conhecimento da mesma, mas decidiu não a produzir, não podendo, agora, alegar que não teve possibilidade de a produzir, e que se trata de prova nova.

Saliente-se que, e conforme resulta da interpretação do artigo 453.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o legislador não pretendeu abrir a porta, com o recurso extraordinário de revisão, a meras estratégias de defesa, nem dar cobertura a desleixos dos sujeitos processuais.

Ademais, reitera-se que conforme decorre do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, tais novos factos ou novos meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, teriam que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação o que, conforme já aludido, não é o caso.

Uma última nota para referir que o argumento expendido pelo Arguido, de que não existe um auto de notícia que contenha os factos pelos quais o mesmo foi condenado, não pode ter atendimento. O auto de notícia não é peça obrigatória de qualquer inquérito, o documento definidor do objeto do processo penal é a acusação.

O inquérito pode ter início por determinados factos, mas, com a inerente investigação realizada, terminar com a descoberta de outros factos não inicialmente apurados pelo órgão de polícia criminal. O momento de prolação da acusação, é o momento chave para a definição do objeto dos autos, e para a indicação dos factos pelos quais o Arguido vai a julgamento. Anteriormente o Arguido pode apresentar prova se for constituído nessa capacidade, mas isso não significa que tenha de ter conhecimento de todas as imputações que lhe podem ser feitas, já que apenas pode reagir contra as mesmas após a dedução da acusação.

Sem prejuízo, o alegado pelo Arguido não se tratam de factos novos, nos termos expostos, pelo que se entende nunca poderem ser objeto do presente recurso.

*

Por tudo o exposto, indefere-se a diligência de prova requerida, por inadmissibilidade legal, porquanto não cumpre com os requisitos do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), e 453.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Subsequentemente, considera-se não terem surgido novos factos ou meios de prova que permitam, legalmente, proceder a novo julgamento, visando somente o Arguido uma análise de meios de prova com que aquele podia ter desde logo instruído a causa, em sede própria.

Conclui-se, destarte, que o presente recurso se revela desprovido de mérito.

Notifique.

Após, remeta a presente informação ao Supremo Tribunal de Justiça, para superior apreciação.

D.n.”

VII. Notificado pela 1ª instância da informação prestada pelo Sr. Juiz, o arguido/recorrente não se pronunciou.

VIII. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

IX. Em sede da decisão sobre a matéria de facto, com relevância para esta decisão, fez-se constar da sentença condenatória, confirmada por acórdão do TRC, o seguinte:

Factos Provados

1. No dia .../.../2021, a arguida EE encetou contacto com CC tendo marcado com a mesma um encontro junto à Escola de ..., sita na ..., área do concelho das ....

2. CC foi ao encontro da arguida EE tripulando o veículo de marca Mercedes e com a matrícula ..-PL-.., pertença de seu filho FF com valor não concretamente apurado, mas que se situa entre os € 26.000 e os € 28.000.

3. Nessa mesma data, pelas 14h e 45m, CC e a arguida EE encontraram-se no local identificado em 1, tendo aquela estacionado o veículo e deixado as chaves na ignição e iniciou conversa com a arguida.

4. A dada altura, apareceram no local os arguidos AA e GG, tendo chegado num veículo de marca Audi, cuja matrícula não foi possível apurar.

5. Em circunstâncias que não foi possível apurar, o veículo identificado supra em 2 entrou na posse do arguido GG, o qual abandonou o local conduzindo o mesmo.

6. Seguidamente o arguido AA dirigiu-se ao veículo da marca Audi referido em 4., sentou-se no banco do condutor, colocou o veículo a trabalhar e abandonou o local, tripulando o mesmo, tendo seguido para parte incerta.

7. Ao atuar da forma acima descrita os arguidos AA e GG fizeram a condução dos veículos acima identificados sem que para o efeito estivessem habilitados com o respetivo título legal.

8. Ao iniciar a condução dos referidos veículos os arguidos AA e GG sabiam que não possuíam documento legal que os habilitasse a tal atuação e, não obstante, quiseram e conseguiram conduzir os veículos nas circunstâncias acima descritas.

9. Os arguidos AA e GG agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido por lei.

Provou-se adicionalmente que:

10. Foi outorgado, em 9.03.2021, um documento particular denominado “confissão de dívida e acordo de pagamento”, nos termos do qual CC (mãe do ora demandante) se confessou devedora a HH da quantia de 10.000,00€, a qual se comprometeu a pagar-lhe até ao dia 11.04.2021.

11. Tal documento foi objeto de autenticação por Advogado.

12. Em 1.05.2021, pelas 16:30H, no PT da GNR de ..., foram entregues a CC os seguintes objetos:

- uma mala de tiracolo, com padrão com cores azul, castanho e com bolas vermelhas, de marca e modelo desconhecidos, contendo no seu interior:

-um cartão de débito (Eurobic) em nome de BB,

- uma carta de condução com o n.º C-.....47 pertencente a CC,

- um cartão de cidadão n.º ......46 3ZX9 pertencente a CC,

- uma carteira de cor castanha marca/modelo desconhecidos, contendo no seu interior diversos cartões de supermercado, um cheque do Millennium BCP com o n.º ........67 no valor de dois mil euros (2.000,00€),

- uma carteira de pano cor azul e rosa, de marca/modelo desconhecidos, contendo no seu interior diversos documentos sem interesse,

- uma notificação para comparência em ato processual no âmbito do processo n.º 280/19.8... na qualidade de arguida,

- uma agenda de cor azul de marca Oxford do ano 20/21 e

- diversos documentos/extratos bancários sem interesse;

- um telemóvel de marca/modelo Iphone X, de cor preto possuindo uma capa de cor branca;

- uma caixa original de telemóvel correspondente a um Iphone 12, com IMEI .............73;

- um saco de lixo de cor preta, contendo no seu interior:

- uma mala tiracolo de cor preto e castanho, marca “Loius Vuitton”, contendo no seu interior diversos documentos sem interesse,

- uma mala pequena de cor preto e castanho, de marca/modelo desconhecido, sem nada no seu interior,

- uma mala de pano de cor azul, de marca/modelo desconhecido, contendo no seu interior vários documentos/papeis sem interesse,

- uma carteira de cor preta e bege, de marca “Vilanova”, contendo no seu interior diversos cartões de supermercado sem interesse e

- uma carteira de cor castanho, de marca/modelo desconhecidos, contendo no seu interior diversos papeis de pagamentos e extratos bancários sem interesse.

13. Tais objetos encontravam-se no interior do veículo com a matrícula ..-PL-.. e foram entregues de livre e espontânea vontade pelo ora arguido GG ao Militar da GNR II, por reconhecer que os mesmos pertenciam a CC.

- antecedentes criminais

(…)

16. À data de ........2023, o arguido AA tinha averbadas ao seu Certificado de Registo Criminal as seguintes condenações: pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, praticado em 16.03.1993, pelo qual foi condenado no processo n.º 134/93.6..., que correu termos pelo extinto Tribunal do Círculo de ...; pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 31.10.1999, pelo qual foi condenado no processo n.º 542/99.1..., que correu termos pelo extinto 2.º juízo do Tribunal Judicial de ...; pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 3.07.2002, pelo qual foi condenado no processo n.º 306/02.4..., que correu termos pelo extinto Tribunal ...; pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 6.09.2002, pelo qual foi condenado no processo n.º 219/02.0..., que correu termos pelo extinto Tribunal ...; pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 5.11.2007, pelo qual foi condenado no processo n.º 483/07.8..., que correu termos pelo extinto 1.º juízo do Tribunal Judicial de ...; pela prática de um crime de injúria agravada e um crime de ameaça agravada, praticados em 23.11.2008, pelos quais foi condenado no processo n.º 416/08.4..., que correu termos pelo extinto Tribunal ...; pela prática de um crime de detenção de arma proibida e um crime de condução sem habilitação legal, praticados em 7.02.2013, pelos quais foi condenado no processo n.º 35/13.3..., que correu termos pelo extinto Tribunal ...; pela prática de um crime de desobediência e um crime de condução sem habilitação legal, praticados em 20.11.2013, pelos quais foi condenado no processo n.º 124/13.4..., que correu termos pelo extinto 3.º juízo do Tribunal de ... e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 18.05.2021, pelo qual foi condenado no processo n.º 87/21.2..., que correu termos pelo JLC de ... – J2.

- condições pessoais

(…)

55. O processo de socialização de AA decorreu numa família de baixa condição socioeconómica, num contexto associado aos valores da cultura Cigana.

56. Sem ter concluído nenhum grau de ensino, começou a trabalhar com os pais na venda ambulante, não alcançando competências profissionais específicas, exercendo com irregularidade esta atividade e a de recolha e venda de sucata, assim como a de cesteiro.

57. Nos últimos anos não lhe é conhecido o desempenho de qualquer profissão.

58. O frágil investimento profissional, os aspetos de natureza sociocultural, o analfabetismo e o desajustamento comportamental têm subjacente um problema de consumo de estupefacientes e de álcool, iniciado na adolescência e que se prologou até à idade adulta, embora tenha registado períodos de abstinência.

59. Em 2015, na decorrência de uma recaída, foi acompanhado pelo serviço de saúde especializado e integrou durante alguns meses o “programa metadona”, que abandonou por alegado afastamento dos consumos, não reconhecendo necessidade de voltar a ser sujeito a terapêutica.

60. Há cerca de 31 anos iniciou uma relação marital com a sua atual companheira.

61. O casal teve cinco filhos, quatro autonomizados do agregado e com história criminal.

62. Em termos futuros, perspetiva a sua futura reintegração social nos mesmos moldes aos anteriormente mantidos, conservando o enquadramento familiar e habitacional.

63. AA tem vivido com a companheira, que se constitui como a sua principal referência afetiva, embora alguns elementos da comunidade de residência e a Técnica da Segurança Social tenham referido um padrão relacional violento, que ambos os elementos do casal não assumem.

64. A companheira já foi acolhida durante um curto período de tempo numa casa de acolhimento para vítimas de violência doméstica.

65. Sem desenvolver qualquer atividade profissional, a situação económica do agregado alicerça-se nas prestações sociais atribuídas, nomeadamente o Rendimento Social de Inserção, e atualmente, segundo o próprio em conjunto com a mulher, o valor de cerca 700,00 € atribuído no âmbito de pensão de invalidez.

66. O arguido não apresenta motivação para trabalhar, alegando problemas de saúde e segregação por pertencer à cultura Cigana.

67. O arguido habita numa casa em ..., alegadamente cedida por uma pessoa conhecida/amiga, afirmando que a tem vindo a equipar com melhores condições de habitabilidade, não tendo contrato legal de água e luz.

68. O agregado constituído é também composto pela mulher, um dos filhos e os filhos deste - quatro netos.

69. Na comunidade de residência, o arguido é percecionado como uma pessoa agressiva e conflituosa, sendo alvo de estigmatização social.

70. O seu modo de vida é associado a condutas pouco normativas, nomeadamente ao nível estradal.

71. Durante a privação de liberdade tem sido apoiado economicamente, com depósitos semanais na sua conta corrente no EPCR, de valores entre 20,00 € a 60,00 €, que o arguido gasta na aquisição de produtos na cantina, registando ao momento um saldo no fundo disponível de 57,16 €.

72. Dado que não se encontra ativo laboralmente, no Fundo de Apoio à Reinserção Social não dispõe de qualquer valor.

73. AA tem antecedentes criminais sobretudo no âmbito rodoviário, associado à condução de veículo sem habilitação legal, embora tenha condenações por crimes contra as pessoas.

74. O seu trajeto existencial e o percurso criminal empreendido são reveladores de tendência para condicionar o cumprimento de normas à satisfação das suas necessidades e interesses pessoais imediatos.

75. Ao nível do seu funcionamento pessoal, AA apresenta um pensamento desfavorável às convenções sociais, dificuldades para assumirresponsabilidades/compromissos e de controlo da impulsividade/agressividade.

76. Para além de penas de prisão efetiva, cumpriu penas não privativas da liberdade, nomeadamente prestação de trabalho a favor da comunidade, demonstrando dificuldades para cumprir as obrigações associadas às mesmas.

77. É a sexta vez que se encontra em contacto com o sistema prisional, datando a primeira de 1990 e a última de 2019.

78. O arguido tem manifestado distorções cognitivas acerca do funcionamento de algumas instituições e da justiça, ao considerar-se uma pessoa menos protegida e alvo de atitudes segregadoras por pertencer à cultura Cigana, posição que reforça os sentimentos de vitimização.

79. A reincidência criminal e a baixa responsividade à intervenção da justiça ilustram a fraca motivação para prosseguir um processo de mudança no sentido pró-social.

80. Relativamente aos crimes estradais, estando atualmente a cumprir uma pena de 14 meses de prisão por condução sem habilitação legal, revela distorções cognitivas relacionadas com o ato de conduzir veículos automóveis.

81. Não apresenta motivação nem condições objetivas compatíveis que lhe permitam habilitar-se com o título de condução, adotando uma postura de desculpabilização relativamente ao crime porque cumpre pena de prisão, relativizando a gravidade da tipologia criminal em causa se comparada com outros crimes, valorizando as suas habilidades para conduzir de forma segura, alegando nunca ter tido nenhum acidente de viação.

82. Da sua postura e discurso, o arguido não demonstra necessidade em mudar atitudes e/ou comportamentos.

83. Relativamente aos presentes autos, apresenta uma atitude despreocupada face às imputações criminais que lhe são feitas, denotando fraca capacidade de descentração e de crítica, expectando um desfecho favorável.

84. Ao nível comportamental, até ao momento, não tem revelado problemas de integração no meio prisional, sem averbamento de medidas disciplinares, embora registe a pendência de um processo disciplinar por factos de 31/03/2023.

85. Excetuando problemas de visão, durante a prisão não se têm aferido outras problemáticas de saúde.

86. Ainda não realizou testes de rastreio ao consumo de substâncias estupefacientes.

87. O arguido encontra-se inativo, vindo recentemente a manifestar interesse na prossecução de atividade laboral em meio prisional.

88. Recebe visitas frequentes de familiares (mulher, filho e netos).

(…)

Factos não provados

Não se provou que:

- matéria criminal

a. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao mês de maio de 2021, os arguidos formularam um plano com intenção de fazer seu o veículo de marca Mercedes, modelo Benz, com a matrícula ..-PL-.. pertença do queixoso FF e utilizado pela sua progenitora CC.

b. Em execução do referido plano, no dia .../.../2021, a arguida EE encetou contacto com CC tendo marcado com a mesma um encontro junto à Escola de..., sita na ..., área do concelho das ..., tendo pedido a CC que se dirigisse ao local ao volante do veículo identificado em a.

c. Enquanto a arguida EE distraía CC, o arguido GG dirigiu-se ao veículo utilizado por CC e identificado em a., sentou-se no banco do condutor, colocou o mesmo a trabalhar, esperou que a arguida EE entrasse para o banco ao lado do condutor e, ato contínuo, abandonaram o local, tendo seguido no interior do veículo para parte incerta.

d. Ao atuar da forma supra descrita os arguidos AA, GG e EE, agiram em comunhão de esforços e vontades e, em execução de plano previamente acordado entre todos, querendo e conseguindo fazer seu o veículo acima identificado, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que atuavam contra a vontade do respetivo dono.

e. Os arguidos AA, GG e EE agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o seu comportamento relatado supra em a. a d. era proibido por lei.

(…)

Motivação da decisão sobre a matéria de facto

O tribunal alicerçou a sua convicção positiva e negativa da forma acima descrita, com base no exame conjunto dos elementos probatórios juntos aos autos, com os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela acusação.

Todos os arguidos usaram do direito ao silêncio que a Lei lhes confere, não tendo prestado quaisquer declarações acerca dos factos em apreciação nos autos, pelo que a convicção do Tribunal resulta essencialmente do exame do teor do depoimento prestado pela testemunha CC com os elementos documentais dos autos.

Esta testemunha prestou um depoimento muito inconsistente e incoerente, sendo evidente que existem diversas questões por detrás destes factos que a testemunha não quis esclarecer.

Contudo, não restam dúvidas, atenta a prova produzida por via das suas declarações, que as relações da testemunha com os ora arguidos (extensíveis aos familiares destes) são já antigas e envolvem, pelo menos, trocas de favor e empréstimos de dinheiros.

Assim, resulta do documento de fls. 314-315 que, em novembro de 2020, uma pessoa das relações familiares dos ora arguidos, emprestou à testemunha identificada a quantia de 10.000,00€, da qual esta se confessou devedora em 9.03.2021 e se comprometeu a devolver integralmente até 11.04.2021.

Os factos em causa nos autos ocorreram em 1.05.2021, ou seja, quando a dívida referida já se encontrava vencida.

De acordo com o depoimento da testemunha, a mesma reconheceu dever esta quantia e referiu não a ter pago.

Ficou evidente, das suas declarações, que os factos ocorridos no dia 1.05.2021 e que envolvem o veículo com a matrícula ..-PL-.. estão relacionados com esta dívida. O que não ficou esclarecido foi a que título o veículo entrou na posse dos ora arguidos.

Ora, é certo que o veículo não é da propriedade da testemunha, mas sim de seu filho BB, tendo ficado claro que o mesmo desconhecia os factos e as relações que a sua mãe tinha com os ora arguidos, designadamente o empréstimo que estes lhe fizeram.

Ficou evidente, também, que quem ficou desapossado do veículo foi o referido FF e não a testemunha CC.

Todavia, ficou no Tribunal uma séria, fundada e insanável dúvida sobre se o veículo identificado entrou na posse dos arguidos porque estes o subtraíram a CC conforme consta da acusação e o fizeram sem o consentimento e contra a vontade desta ou se foi a própria CC quem lhes entregou o veículo como pagamento da sua dívida.

Efetivamente, não restam dúvidas de que o veículo entrou na posse dos arguidos, não só pelas declarações prestadas por esta testemunha mas igualmente porque, nesse mesmo dia, horas mais tarde, o próprio arguido AA entregou ao Militar da GNR diversos objetos pertença da testemunha e que se encontravam no interior do veículo (cfr. auto de reconhecimento e termo de entrega de fls. 20 e 21), mas constata-se, do exame dos autos e foi referido, igualmente, pela testemunha II, Militar da GNR que recebeu a participação e procedeu à apreensão dos objetos já identificados, que a testemunha CC não se mostrava nada preocupada com a retirada do veículo, mas sim com os objetos que se encontravam no interior do mesmo, não tendo sequer manifestado intenção de apresentar queixa pelo “furto” do veículo o que, atentas as regras de experiência da vida comum e da normalidade apontam para a circunstância de a testemunha ter conhecimento de que, na realidade, não tinha ocorrido qualquer furto.

Assim, a conjugação da prova recolhida, sendo que apenas estas testemunhas se pronunciaram acerca dos factos, não permite concluir a que título o veículo entrou na posse dos arguidos, tendo ficado no Tribunal sérias dúvidas se o terá sido por intermédio da sua retirada sem consentimento e contra a vontade do seu possuidor (não obstante o tenha sido à revelia do seu verdadeiro dono).

No que se refere ao valor venal do veículo, a convicção do Tribunal resulta do que foi declarado em julgamento pela testemunha BB e o depoimento prestado pela testemunha JJ, Militar da GNR a exercer funções no PT da ..., não se revestiu de qualquer interesse para a decisão, uma vez que a mesma não tinha qualquer conhecimento dos factos.

No que se refere aos factos relativos ao crime de condução sem habilitação legal, pese embora o silêncio dos arguidos, a testemunha CC declarou, sem qualquer dúvida ou hesitação que, aquando dos factos, os arguidos abandonaram o local, sendo o arguido AA, ao volante do veículo com a matrícula ..-PL-.. e tripulando o mesmo e o arguido AA ao volante do veículo Audi de matrícula desconhecida, tripulando-o, pelo que não restam dúvidas de que, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, ambos estes arguidos conduziram aqueles veículos.

Nenhum destes arguidos era, à data dos factos, titular de carta de condução (cfr. informações do IMT de fls. 149 e 150), facto que era, necessariamente, do seu conhecimento atentando, até, no elevado número de condenações que ambos já sofreram por este mesmo tipo legal de crime.

No que se refere aos antecedentes criminais dos arguidos, a convicção formada resulta do exame do teor objetivo dos seus Certificados de Registo Criminal juntos aos autos a fls. 274 e ss. (arguido AA), 285 e ss. (arguido AA) e 295 e ss. (arguida EE).

No que respeita às suas condições pessoais, o teor dos relatórios sociais para determinação da sanção de fls. 268 e ss. (arguido AA), 304 e ss. (arguida EE) e 309 e ss. (arguido AA).

(…)

X. Direito

O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º CPP, é um meio processual (que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo – art. 449.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP – também transitados) que visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações (art. 449.º, n.º 1, do CPP) que o legislador considerou deverem ser atendíveis e, por isso, nesses casos deu prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva2, que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.”).

A sua importância (por poder estar em causa essencialmente uma “condenação ou uma a absolvição injusta”) é de tal ordem que é admissível o recurso de revisão ainda que o procedimento se encontre extinto, a pena prescrita ou mesmo cumprida (art. 449.º, n.º 4, do CPP).

O que, quanto às condenações, se conforma com o artigo 29.º, n.º 6, da CRP, quando estabelece que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

Tem legitimidade para requerer a revisão os sujeitos indicados no art. 450.º do CPP, entre eles, o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias (ver art. 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Comportando o recurso de revisão duas fases (a fase do juízo rescindente decidida pelo STJ e a do juízo rescisório, começando esta última apenas quando é autorizado o pedido de revisão e, por isso, acontecendo quando o processo baixa à 1ª instância para novo julgamento) e, sendo esta, a primeira fase (a do juízo rescindente), importa analisar se ocorrem os pressupostos para conceder a revisão pedida aqui em apreço.

Invoca o arguido/condenado, no requerimento/petição desta providência de revisão da sentença condenatória, como seu fundamento o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. c) e al. d), do CPP, alegando, em resumo, que no desenrolar do julgamento, o mandatário do arguido ficou com a sensação de que, face ao silêncio manifestado pelo arguido, e que perante o depoimento de uma só testemunha que prestou depoimento sem o mínimo de credibilidade, face à sua experiência profissional, pensou que não seria necessário ouvir a única testemunha apresentada pelo arguido, da qual por isso prescindiu, sendo que a convicção do mandatário do arguido foi reforçada pela afirmação feita em sede de alegações pela Srª Procuradora da República, que teria dito “Foi surreal”, concluindo não existir a prática do crime e pedindo a absolvição dos arguidos daquilo que vem acusados”.

Acrescenta que, apesar de ter recorrido para a Relação de Coimbra da sentença condenatória, foi indeferida a sua pretensão, apresentando agora este recurso de revisão por, contra todas as expectativas, não ter sido recolhida/produzida prova que sustentasse a sua condenação (como se verifica ouvindo toda a agravação da audiência), não podendo o depoimento daquela testemunha pouco esclarecedora e credível sustentar a sua condenação, estando justificado que na altura tivesse sido prescindido o depoimento da única testemunha arrolada pelo arguido e, portanto, que a mesma não fosse apresentada na altura (tanto mais que a convicção do advogado do arguido no sentido da falta de prova que sustentasse a condenação, foi também secundada pelo MP que alegou pedindo a absolvição do arguido) e, assim, deve considerar-se preenchido o condicionalismo previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.

Vejamos.

Dispõe o artigo 449.º, n.º 1, do CPP, que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

(…)

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Portanto, para haver a revisão é necessário desde logo que o acórdão condenatório tenha transitado em julgado, o que neste caso sucede (como se verifica pela certidão junta aos autos, sendo certo que o arguido recorreu da decisão proferida pela 1ª instância, para a Relação).

Para se verificar o fundamento previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, tem de haver oposição entre factos provados em duas sentenças transitadas em julgado (mesmo que uma delas seja em processo não criminal e independentemente da data em que cada uma delas foi proferida, portanto, seja antes ou depois da sentença a rever), dos quais resulte graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Já os factos não provados não relevam para o caso, mesmo que haja oposição entre as sentenças transitadas.

Por sua vez, é pressuposto do fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, que “sejam descobertos novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Defende Germano Marques da Silva3, “A novidade dos factos ou dos elementos de prova deve sê-lo para o julgador; novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido não os ignorasse no momento do julgamento.”

Sendo certo que a jurisprudência durante vários anos concordava com essa tese sem limites, a verdade é que, entretanto, passou a fazer uma interpretação mais restritiva e mais exigente dessa norma (até para evitar transformar o recurso extraordinário em recurso ordinário que não era), começando a entender que “novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal. Mais recentemente, o STJ tem vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.”4

No entanto, é importante (como tem defendido igualmente a jurisprudência do STJ) que se trate da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior (claro que se fossem factos ou provas que podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior e só, por exemplo, por incúria ou estratégia da defesa não foram, então não se trata de caso de revisão, mas antes de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário que não é5).

E, assim, melhor se percebe, a exigência complementar do terceiro requisito (que evita a transformação do recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário), quando ainda estabelece que não pode ter como fim único a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do artigo 449.º) e tem antes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação (isto é, dúvidas que atinjam gravidade tal que coloquem em causa a justiça da condenação e não que se suscitem simples dúvidas sobre a justiça da condenação).

Feitas estas considerações teóricas, analisemos cada um dos fundamentos invocados pelo recorrente.

a) Fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP

Neste caso o recorrente nada alega para fundamentar o seu pedido de revisão, limitando-se, portanto, a fazer referência a esta alínea da norma referida.

Assim sendo, uma vez que não se verificam os pressupostos do fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. c), do CPP (tanto mais que nem sequer apresentou qualquer outra sentença), conclui-se pela sua improcedência.

b) Fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP

Pede o recorrente, em resumo, que se autorize a revisão, a fim de proceder a nova ponderação das condições em que decorreu o julgamento, com a audição do condenado e produção das provas reputadas necessárias, nomeadamente, a inquirição da testemunha por si arrolada (DD), que seja reenviado o processo para tribunal de categoria e composição idênticas à do tribunal que proferiu a decisão a rever, que se encontre mais próximo (com exclusão do próprio juízo que proferiu a decisão a rever), que seja suspenso o cumprimento de pena de prisão e anulados todos os despachos no sentido da emissão de mandados de detenção e que seja declarado que o arguido permanecerá sob TIR.

Pois bem.

O facto do recorrente ter prescindido da única testemunha por si arrolada, é da sua inteira responsabilidade e, como bem diz o Sr. Juiz que prestou a informação a que se refere o art. 454.º do CPP, só a si lhe é imputável (“a escolha foi sua”).

A alegação de que depois de ouvir a única testemunha de acusação CC o Ilustre Advogado do recorrente ficou com a sensação de que, face ao silêncio do arguido, e ao facto daquele depoimento não merecer o mínimo de credibilidade, não seria necessário inquirir a única testemunha arrolada pela defesa (o dito DD), o que até foi reforçado pelas alegações do MP que pediu a absolvição dos arguidos, não justifica a posição da defesa quando decidiu, por sua livre iniciativa, prescindir da audição dessa testemunha de defesa.

A estratégia da defesa, adotada antes das alegações, foi prescindir da sua única testemunha de defesa, sendo certo que, se não tivesse tomado essa posição, era livre de a ter ouvido, sabendo muito bem, com a sua experiência profissional, que a sua avaliação da prova, tal como a do MP (quando refere que nas alegações pediu a absolvição) podia não coincidir com a do julgador e que, a final, quem decidia era este.

O recurso de revisão não serve para salvaguardar ou ser usado quando foram cometidos erros ou em caso de haver negligência na estratégia da defesa ou da acusação (seja esta pública ou particular).

Ora, do que aqui se trata não é da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior (porque, neste caso a testemunha em questão até foi arrolada pelo arguido/recorrente previamente) mas antes de uma testemunha que não foi ouvida no julgamento porque foi prescindida na sessão de julgamento por opção da defesa (por estratégia da defesa) e, nesse caso, não se trata de caso de revisão.

Com efeito, o que foi alegado (quanto à análise da prova feita pelo recorrente e pelo seu Ilustre Advogado, mesmo secundada pelo MP) não serve de justificação suficiente para, perante a opção livre que foi feita pela defesa de prescindir da sua única testemunha de defesa, renovar essa ou outras provas e proceder à revisão.

Além disso, a discordância quanto à avaliação da prova feita pela 1ª instância, designadamente análise que foi feita pelo julgador do depoimento da referida testemunha CC (que depôs sobre as questões que lhe foram colocadas, sendo que a acusação pública se relacionava com a imputação aos arguidos de um crime de furto qualificado, pelo qual vieram a ser absolvidos e de um crime de condução sem habilitação legal, pelo qual foram condenados), que o recorrente alega ser contraditório e que consta da motivação da sentença que pretende rever na parte que foi condenatória, no que lhe diz respeito, foi matéria de recurso ordinário e foi de facto apreciada no ac. do TRC de 7.02.2024, designadamente, quando foram avaliadas as questões do invocado erro notório na apreciação da prova, do erro de julgamento e da violação do princípio in dubio pro reo, tendo sido bem clara a Relação (tal como já resultava igualmente do texto da sentença da 1ª instância) que “se é certo que a testemunha CC prestou um depoimento titubeante, sem pretender narrar a relação ou negócios que tinha tido com os arguidos ou alguns deles, a verdade é que na parte relativa à condução dos veículos prestou um depoimento seguro, firme e convincente.”, concluindo (após cuidada fundamentação) não haver qualquer erro de julgamento, nem erro notório na apreciação da prova, nem violação do in dubio pro reo e, por isso, negando provimento ao recurso.

Ora, o que aqui acontece é que o recorrente pretende agora voltar a colocar a questão da reapreciação da prova (porque discordou da decisão da Relação de Coimbra) neste recurso de revisão e, assim, transformar este recurso extraordinário num recurso ordinário, o que não pode ser.

Assim, para além de não haver qualquer novidade de meios de prova ou qualquer novidade de factos, tão pouco a argumentação que apresenta da sua discordância quanto à apreciação da prova que foi feita também não integra factos ou meios de prova novos, nem constitui motivo de revisão, não se impondo ao Tribunal a apreciação pessoal e subjetiva que o recorrente faz da prova produzida em julgamento (sendo certo que foi negado provimento ao recurso ordinário apresentado nos moldes acima indicados).

Isso, para além de que, como bem salienta o Sr. Juiz na sua informação, “o auto de notícia não é peça obrigatória de qualquer inquérito, o documento definidor do objeto do processo penal é a acusação. O inquérito pode ter início por determinados factos, mas, com a inerente investigação realizada, terminar com a descoberta de outros factos não inicialmente apurados pelo órgão de polícia criminal. (…)

O recorrente pretende renovar discussões já colocadas e apreciadas em sede de recurso ordinário, o que igualmente não pode ser.

Com efeito, o recorrente, mais uma vez, só que por um meio impróprio (recurso de revisão), pretende discutir matéria de facto que já foi debatida e apreciada, quer no julgamento na 1ª instância, quer em sede de recurso ordinário, onde teve a oportunidade de impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto, invocar o erro notório na apreciação da prova e violação do in dubio pro reo.

A revisão de sentença, que é um recurso extraordinário, com pressupostos de admissibilidade limitados, não serve para obter efeitos que apenas seriam alcançados por via do recurso ordinário, do qual o recorrente já se socorreu, ainda que sem êxito.

Portanto, para além de não terem sido apresentados novos factos ou novos meios de prova (o que invalida o preenchimento do pressuposto previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP), também não foi junta certidão de sentença transitada em julgado que permita a invocação do fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, que também foi alegado.

Ou seja, o que consta na petição da revisão não permite concluir que o recorrente tivesse trazido factos novos ou provas novas que fossem suscetíveis de fundamentar a revisão, nomeadamente (os fundamentos previstos no art. 449.º, n.º 1, al. c) e d), do CPP), de molde a criar graves e fundadas dúvidas sobre a justiça da condenação.

Tão pouco o demais alegado em sede de motivação da sua petição da revisão da decisão condenatória suscita quaisquer dúvidas sobre a justiça da condenação, estando, por isso, afastada a autorização da revisão da sentença.

Em conclusão: não se verificam os pressupostos da revisão da sentença requerida pelo recorrente nesta providência, sendo manifestamente infundado o presente recurso extraordinário.

Dispositivo

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revisão pedida pelo condenado AA.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC`s.

Nos termos do art. 456.º do CPP, o recorrente vai condenado a pagar a quantia de 8 (oito) UC`s, por ser manifestamente infundado o pedido de revisão formulado aqui em apreciação.

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente desta Secção Criminal.

*

Supremo Tribunal de Justiça, 16.10.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

António Augusto Manso (Adjunto)

Horácio Correia Pinto (Adjunto)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

______




1. Tendo sido por ac. do TRC de 8.05.2024 indeferido o requerimento apresentado relativo ao acórdão de 7.02.2024.

2. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo: Lisboa, 1994, p. 359, acrescentando o seguinte: “Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”

3. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Lisboa: Verbo, 1994, p. 363.

4. Assim, Ac. do STJ de 19.11.2020, processo n.º 29/17.0GIBJA-C.S1 (Francisco Caetano), consultado no site do ITIJ - Bases Jurídico-Documentais. E, a propósito, da evolução da jurisprudência sobre o dito conceito de “novidade”, recorda-se, mais à frente, quando se analisam documentos que foram apresentados em sede do recurso de revisão ali em apreciação, o que foi dito por Pereira Madeira (CPPC, 2.ª ed., p. 1509) «o arguido “se os conhecia e não invocou aquando do julgamento faltou, certamente por estratégia de defesa, ao dever de lealdade e colaboração e com o tribunal, pelo que, seria iníquo permitir-lhe agora invocar factos que só não foram oportunamente apreciados por mero calculismo, circunstância que está longe de se equiparar à gravidade do facto que é a justiça da condenação. É seguramente esta a jurisprudência maioritária do Supremo”.» . Com interesse, também, na matéria, entre outros, Ac. do STJ de 24.06.2021, processo n.º 1922/18.8PULSB-A.S1 (Helena Moniz) e ac. do STJ de 11.11.2021, processo n.º 769/17.3PBAMD-B.S1 (Eduardo Loureiro), consultados no mesmo site.

5. Ver, entre outros, Ac. do STJ de 19.11.2020, Processo n.º 198/16.6PGAMD-A.S1 (Margarida Blasco), consultado no mesmo site.