Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | SALAZAR CASANOVA | ||
Descritores: | CONTA BANCÁRIA CONTA CONJUNTA TITULARIDADE DOAÇÃO TRADIÇÃO DA COISA NULIDADE DO CONTRATO LEVANTAMENTO DE DINHEIRO DEPOSITADO | ||
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Data do Acordão: | 06/12/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS | ||
Doutrina: | - Carlos Ferreira de Almeida, Contratos III, 2012, Almedina, pág. 34, nota 110. - Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 2010, 7ª edição, pág. 185 (nota 391). - Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 2ª ed., 273. - Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 110.º Ano (1977/1978), anotação ao Ac. do S.T.J. de 18-5-1976, pág. 212. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 947.º, N.º 2, 1263º ALÍNEA B). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 8-5-1973, B.M.J., N.º 227, PÁG. 133; -DE 3-3-2005 (04B3711); -DE 6-10-2005 (P. 2753/2004. | ||
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Sumário : | I - Importa distinguir a situação em que há uma intenção de doação de valores móveis, quando da abertura de conta bancária em nome conjunto do donatário e do doador, de outra diversa situação em que, aberta a conta, o doador em momento ulterior decide doar verbalmente as quantias que dessa conta bancária constam. II - Neste último caso estamos face a uma doação que é nula por não ser acompanhada de tradição da coisa doada, não havendo tradição quando a conta bancária conjunta permanece inalterada desde o momento da sua constituição nem quando os movimentos não revelam apropriação da parte que cabe a cada um dos cotitulares. III - O levantamento da totalidade das quantias dessa conta verificado após o óbito de um dos cotitulares não releva enquanto tradição nos termos e para os efeitos do art. 947.º, n.º 2, do CC. IV - A intenção de o cotitular da conta bancária e titular dos certificados de aforro pretender deixar os respetivos valores em testamento, manifestada em momento ulterior ao da abertura da conta e da aquisição dos certificados de aforro, evidencia que ele se considerava proprietário desses valores, não podendo, por isso, reconduzir-se a assinalada doação verbal desses valores ao momento da abertura das conta ou da aquisição dos certificados de aforro. | ||
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Decisão Texto Integral: | N.º 1874/09.5TBPVZ.P1.S1[[1]
1. AA, cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, falecido no dia 13-1-12001, intentou ação declarativa com processo ordinário contra CC e DD alegando que, após a morte de BB, levantaram duas contas bancárias de que eram titulares conjuntos e também certificados de aforro, sendo, assim, responsáveis pelo pagamento à herança de metade da quantia levantada, ou seja, de 239.061,25€. 2. Deduziu a A. os seguintes pedidos: - Que sejam os réus condenados a pagar à herança aberta por óbito de BB, metade do valor depositado nas contas bancárias supra mencionadas e metade do valor dos certificados de aforro, no montante de 239.061,25€. - Que sejam os réus condenados no pagamento de juros vencidos os quais, na presente data (9-7-2009) perfazem o montante de 9.985,52€ e os que se vencerem até efetivo e integral pagamento. 3. A ação foi julgada improcedente, decisão confirmada por acórdão da Relação. 4. Interposta revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento em contradição com o acórdão da Relação do Porto de 11-10-2001 (Gonçalo Silvano) in C.J.,4, pág. 211, o coletivo de juízes do Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso interposto considerando que " no acórdão recorrido se considerou válida a doação, feita pelo autor da herança, de montantes depositados em contas bancárias da titularidade dele e do donatário, e de certificados de aforro da titularidade daquele mas em que o donatário era beneficiário da cláusula de movimentação, mesmo inexistindo qualquer outro documento escrito de que essa doação conste e tendo as quantias respetivas sido levantadas apenas após o óbito daquele, ao passo que o acórdão fundamento, junto pela recorrente por fotocópia do original acompanhada de certidão do trânsito em julgado, perante situação de facto idêntica, considerou nula por vício de forma uma tal doação, assim tendo decidido o contrário do que foi decidido no acórdão recorrido". 5. Alegou a recorrente que as quantias depositadas nas contas bancárias identificadas nos autos, bem como os certificados de aforro, estiveram depositadas na conta solidária titulada pelo falecido e recorrido marido até à morte daquele; o recorrido marido só movimentou as contas bancárias no dia 15 de novembro de 2001, ou seja, após a morte do BB e o mesmo se diga quanto aos certificados de aforro, visto que os mesmos foram vendidos pelo preço de 244.859,34€ no dia 19 de novembro de 2001. 6. No que respeita à situação das contas bancárias, poderá ser suscitada a questão de ter ou não existido a tradição do bem por estarmos perante contas solidárias, o mesmo não se poderá dizer no que respeita aos certificados de aforro pois, conforme consta da matéria de facto assente, o falecido era o único titular dos mesmos à data da sua morte. 7. E não se diga que a existência de uma cláusula de movimentação a favor do recorrido marido pressupõe que tenha havido tradição dos respetivos certificados de aforro pois, conforme consta do ofício n.º 4739-SDR do Instituto de Gestão do Crédito Público,I.P., junto aos autos, resulta claro que a referida cláusula não atribui qualquer titularidade ou propriedade àquele pelo que dúvidas não existem que nunca existiu tradição dos certificados de aforro. O Instituto de Gestão do Crédito Público refere, no aludido ofício, que " a operação de resgate apenas foi possível porque este Instituto não teve conhecimento, em tempo útil, da ocorrência do óbito do titular". 8. No caso sub judice não existiu cessação da relação material com a coisa ( o dinheiro depositado) por parte do falecido, nem o empossamento por parte do recorrido marido visto que tal só efetivamente aconteceria se este transferisse as quantias depositadas na conta solidária para uma conta sua ( não sendo a conta solidária meio idóneo para que exista tradição da coisa dado que, após a referida doação verbal, mantendo-se o então falecido BB como cotitular das contas bancárias a qualquer momento poderia fazer uso, como bem entendesse, das quantias alegadamente doadas. 9. Factos provados: 1- No dia 13 de novembro de 2001, faleceu BB, no estado de solteiro, sem deixar ascendentes ou descendentes. 2- A autora foi nomeada cabeça de casal na herança aberta, por óbito do referido BB. 3- O falecido BB era, juntamente com o réu, titular de várias contas e de certificados de aforro, sendo que pelo menos metade do dinheiro titulado nessas contas e certificados, pertencia ao falecido BB. 4- No dia 13 de novembro de 2001 a conta nº ... apresentava um saldo de 99.759,58€ e a conta nº ... um saldo de 133.503,58€ 5- O falecido BB era o aforrista nº ... e era titular de 46.000 unidades, tituladas pelos certificados de aforro nº ..., ..., ..., ..., ..., ... e .... 6- No dia 19 de novembro de 2001, o 1º réu vendeu os certificados de aforro, pelo montante de 244.859,34€ 7- Após a morte do falecido BB, o réu movimentou as duas contas referidas em 4 supra. 8- Em 15 de novembro de 2001, o réu levantou os montantes existentes nessas contas, as quais ficaram com um saldo nulo. 9- Algum tempo antes de falecer BB manifestou o propósito de dispor a favor do réu com parte dos seus bens, nomeadamente as quantias depositadas nas contas referidas em 4 e 5 supra). 10- Desde a altura referida em 9 supra que o 1º réu movimenta livremente as contas referidas em 3 supra que eram solidárias. 11- O referido BB faleceu sem efetuar testamento, como era a sua intenção. 12- Ainda em vida do referido BB este, verbalmente, dispôs gratuitamente a favor dos réus dos depósitos e certificados de aforro referidos em 3 e 4 supra). 13- O falecido BB e o seu afilhado procuraram um advogado, nomeadamente o Dr. EE, com domicilio profissional no Largo ..., nesta cidade, com vista a que diligenciasse pela elaboração de testamento que revelasse a intenção do referido BB quanto à disposição dos seus bens. 14- O falecido BB veio a falecer repentinamente e antes de conseguir formalizar a sua vontade, referida em 9, 13 e 15. 15- No momento da morte do referido BB, para além das disposições que já tinham sido feitas em vida, o referido ilustre advogado do falecido estava a preparar tudo para a realização do testamento mediante o qual, seriam beneficiados, para além do réu, uma também sua ajudante, de nome FF e respetivo marido. Apreciando. 10. O acórdão fundamento da Relação do Porto está assim sumariado: I- As doações verbais de coisas móveis, no caso de dinheiro, não sendo acompanhadas do levantamento do mesmo e da sua entrega imediata ao donatário, só são válidas se forem reduzidas a escrito. II- Consistindo a doação em dinheiro depositado à ordem em conta conjunta, de que eram cotitulares, a doadora e a donatária, não sendo o seu montante levantado em vida daquela, o que só aconteceu após o seu falecimento, e não existindo qualquer documento escrito revelador dessa doação é esta nula por vício de forma. 11. Prescreve o artigo 947.º/2 do Código Civil 2- A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito. 12. No que respeita à doação por via da constituição de depósito bancário, refere Antunes Varela que " a mera constituição de um depósito bancário em nome conjunto do doador e de uma ou mais pessoas, para que funcionem como depositantes solidários, não representa necessariamente uma doação, enquanto não se conhecer a intenção do dono do dinheiro depositado. Em si mesma, a operação negocial é uma atribuição incolor que tanto pode assentar sobre um empréstimo ou uma doação, como sobre um puro mandato, etc. ( cf. ac. do Sup. Trib. de Just, de 8 de maio de 1973, no Bol.Min. Just., n.º 227-pág. 133). Com efeito, decidiu-se neste acórdão que "não existe animus donandi nem entrega de coisa pelo simples facto de se consentir na constituição de um depósito bancário em nome, simultaneamente, do dono do dinheiro e nos de uma sua filha e genro. O depósito solidário, se pode ser levantado na totalidade por qualquer dos depositantes, não prova que a quantia depositada seja de um só deles ou de todos" 13. O acórdão recorrido, apoiando-se no entendimento de Antunes Varela, salienta que " se também se provar que foi intenção do titular que depositou o numerário que este passasse a ser propriedade do outro titular, podendo dele dispor como entendesse, concluir-se-á que estamos perante uma doação acompanhada da tradição do bem doado. E existe uma tradição porquanto o animus donandi é acompanhado duma entrega - o depósito - ou seja, um meio suscetível de tornar efetivo o apossamento". 14. Conclui o acórdão recorrido nestes termos:" face a tal complexo fáctico conclui-se, tal como a sentença recorrido, que foi intenção do titular que depositou o numerário e dos certificados de aforro - o falecido BB - que estes passassem a ser propriedade do outro titular - o ora recorrido CC - no caso dos certificados de aforro - beneficiário da cláusula de movimentação - ou seja, existiu tradição, dado que o animus donandi é acompanhado de um meio suscetível de tornar efetivo o apossamento". 15. Como se vê o acórdão recorrido, analisando a matéria de facto, reconduz a doação ao momento da constituição dos depósitos e certificado de aforro considerando que a abertura dos depósitos em contas solidárias e a faculdade de movimentação dos aforros relevava enquanto formalidade externa de tradição da coisa doada uma vez apurada a intenção de doar. 16. Quer dizer isto, de acordo com o acórdão recorrido, que essa atribuição incolor define-se cromaticamente a partir do momento em que esteja apurada a intenção do titular dos valores quando abriu as contas bancárias e adquiriu os certificados de aforro. 17. Não se duvida de que, no caso de doação de móveis, " a lei não se contenta, portanto, com o acordo das partes, exigindo a tradição da coisa ou um escrito. Essa exigência funda-se na circunstância de a doação poder ser perigosa se não houver um facto que chame especialmente a atenção das partes para a gravidade do ato" (Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 110.º Ano (1977/1978), anotação ao Ac. do S.T.J. de 18-5-1976, pág. 212). 18. O entendimento constante do acórdão recorrido sustenta-se também na jurisprudência deste Supremo Tribunal referenciada amplamente em Contratos III de Carlos Ferreira de Almeida, 2012, Almedina, pág. 34, nota 110. E lê-se, designadamente no Ac. do S.T.J. de 3-3-2005 (Bettencourt Faria) ( 04B3711) ao qual aderiu o Ac. do S.T.J. de 6-10-2005 (Pereira da Silva) (P. 2753/2004), o seguinte: A primeira questão que cumpre apreciar é a de saber se houve, ou não, tradição das quantias doadas, dado que, de acordo com o art. 947º do C. Civil, os requisitos formais da doação de móveis, dependem da existência da referida tradição. A tradição é uma forma de conferir a alguém a posse de determinado bem, que se concretiza pela sua entrega feita pelo possuidor ao adquirente da posse e desdobra-se, por isso, na cessação da relação material com a coisa por parte do primeiro e no seu empossamento por parte do segundo: cf. o art. 1263º alínea b) do C. Civil e Penha Gonçalves - Curso de Direitos Reais 2ª ed. 273-. Diz este preceito que a tradição tanto pode ser material como simbólica. O que bem se compreende, uma vez que a disposição material de uma coisa - a sua posse - tanto pode resultar dum ato que confere de imediato essa disposição, como de um que apenas a torna possível. Em qualquer das hipóteses o que releva é que o ato de entrega torna efetivo por apossamento da coisa. No caso das contas conjuntas, que podem ser livremente movimentadas por qualquer dos seus titulares, o simples facto de existirem não significa que tenha havido a tradição das respetivas quantias entre os contitulares. O proprietário pode permitir que outrem disponha de coisa sua, sem que necessariamente queira com isso significar que lha dá. Pelo que a disponibilidade do contitular configura-se como mera detenção, por não ser a aparência de qualquer direito real. Contudo, se também se provar que foi intenção do titular que depositou o numerário, que este passasse a ser propriedade do outro titular, podendo dele dispor como entendesse, então estamos face a uma doação acompanhada de tradição do bem doado. E existe aqui tradição uma vez que o animus donandi é acompanhado duma entrega, aqui o depósito, ou seja um meio suscetível de tornar efetivo o apossamento, nos termos atrás consignados. Por outras palavras, a conta conjunta, que pode ser livremente movimentada por qualquer dos seus contitulares é um meio idóneo para operar a tradição entre eles das quantias depositadas." 19. Dir-se-á então que estamos face a uma questão perspetivada de forma diversa da que consta do acórdão fundamento visto que neste estava em causa uma conta conjunta aberta desde 1989 tendo a doação ocorrido em momento ulterior (1998), ou seja, não se ponderava, como sucede no acórdão recorrido, a doação das quantias por via do depósito constituído quando da abertura da conta; impunha-se, por isso, no acórdão fundamento, a prova da tradição para que a doação dos valores depositados fosse formalmente válida; não se considerou todavia provada a tradição porque a quantia depositada continuou depositada na conta conjunta de que a ré era cotitular, quantia que só veio a levantar depois da morte da falecida cotitular. A orientação do acórdão fundamento merece a concordância da doutrina: veja-se Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 2010, 7ª edição, pág. 185 (nota 391). 20. Admitida a revista excecional suscita-se a questão de saber se, no plano do mérito do recurso e caso não se surpreenda a contradição invocada, o Supremo Tribunal pode analisar a questão de direito, caso as conclusões do recurso permitam enquadrar a questão de direito de forma diversa daquela que foi sustentada, afastando, a ser assim, a orientação do acórdão recorrido. Este entendimento pressupõe que a invocada contradição de acórdãos, uma vez reconhecida para efeito de admissibilidade do recurso, preclude a possibilidade de não conhecimento do recurso. Preclusão que se compreende pois a admissibilidade da revista excecional faz-se com base nos pressupostos específicos que se inserem exclusivamente no âmbito dos poderes de cognição da formação de juízes do Supremo, esgotando-se com a posição por estes assumida 21. Dito isto, importa, ainda assim, atentar na matéria de facto, pois desta resulta que o falecido cotitular manifestou o propósito de dispor a favor dos réus de parte dos seus bens, nomeadamente as quantias depositadas referidas em 4 e 5, precisamente as quantias constantes das aludidas contas bancárias e certificados de aforro (ver 9 supra). 22. Ora isto logo nos aponta para uma intenção de disposição por parte do falecido BB do seu património; essa intenção reconduz-se a um momento ulterior ao da abertura dos depósitos bancários e aquisição dos certificados de aforro projetando-se em disposição a inserir em testamento que não chegou a efetivar-se e que a contemplaria ( ver 13 e 14). 23. Se tal tivesse sucedido, não se duvidaria que tais bens integrariam o objeto da sucessão e, portanto, aceite a herança pelo réu, os aludidos depósitos e certificados de aforro pertencer-lhe-iam por inteiro enquanto legatário ou herdeiro. 24. A doação verbal desses bens referenciada em 12 supra precisamente porque não implicou nenhuma tradição pois não houve nenhuma alteração na titularidade das contas e certificados de aforro deve, com efeito, considerar-se nula por não respeitar a exigência referida na parte final do mencionado artigo 947.º/2 do Código Civil. 25. A circunstância de o réu ter movimentado as contas não corresponde à tradição: o réu, enquanto cotitular, ou mero autorizado no caso dos certificados, podia sempre movimentar as contas independentemente de ser o seu proprietário único, ponto que não está em causa. 26. A nulidade da doação não afastava, bem pelo contrário, a necessidade de inserir em testamento disposição que contemplasse o réu com a totalidade desses valores. 27. Tudo isto afinal evidencia que o enquadramento jurídico do acórdão recorrido não é afinal o que resulta dos factos provados e, por isso, como salientou o coletivo de juízes deste Supremo Tribunal, em bom rigor o acórdão da Relação acabou por reconhecer a validade da doação em que o levantamento dos bens doados ocorreu depois da morte do donatário, ocorrendo, por conseguinte, a mencionada contradição jurisprudencial. 28. Assim sendo, e porque a orientação do aludido acórdão fundamento é a que se mostra conforme ao disposto no artigo 947.º/2 do Código Civil, não podem subsistir as decisões das instâncias. 29. A ação não procede contra a ré visto que não se provou ter ela procedido ao levantamento das contas ou à venda dos certificados de aforro Concluindo: I- Importa distinguir a situação em que há uma intenção de doação de valores móveis, quando da abertura de conta bancária em nome conjunto do donatário e do doador, de outra diversa situação em que, aberta a conta, o doador em momento ulterior decide doar verbalmente as quantias que dessa conta bancária constam. II- Neste último caso estamos face a uma doação que é nula por não ser acompanhada de tradição da coisa doada, não havendo tradição quando a conta bancária conjunta permanece inalterada desde o momento da sua constituição nem quando os movimentos não revelam apropriação da parte que cabe a cada um dos cotitulares. III- O levantamento da totalidade das quantias dessa conta verificado após o óbito de um dos cotitulares não releva enquanto tradição nos termos e para os efeitos do artigo 947.º/2 do Código Civil. IV- A intenção de o cotitular da conta bancária e titular dos certificados de aforro pretender deixar os respetivos valores em testamento, manifestada em momento ulterior ao da abertura da conta e da aquisição dos certificados de aforro, evidencia que ele se considerava proprietário desses valores, não podendo, por isso, reconduzir-se a assinalada doação verbal desses valores ao momento da abertura das conta ou da aquisição dos certificados de aforro. Decisão: concede-se a revista e, consequentemente, revoga-se o acórdão da Relação condenado o réu nos termos pedidos e absolvendo-se a ré. Custas por A. e réu na medida do respetivo decaimento. Lisboa, 12-6-2012
Salazar Casanova (Relator) * [1] Processo distribuído no Supremo Tribunal no dia 8-5-2012 [P. 2012/508 1874/09] |