Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
633/15.0T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
BENFEITORIAS
BENS COMUNS DO CASAL
REGIME DE COMUNHÃO GERAL DE BENS
PRESUNÇÕES LEGAIS
DIREITO DE PROPRIEDADE
RECONHECIMENTO DO DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS CONCRETIZADORES
FACTOS COMPLEMENTARES
OBJECTO DO LITÍGIO
OBJETO DO LITÍGIO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PEDIDO
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / LIQUIDAÇÃO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / CONFISSÃO – DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO ÀS PESSOAS E AOS BENS DOS CÔNJUGES / REGIMES DE BENS / REGIME DA COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / PRINCÍPIO DA IGUALDADE / ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, N.º 1, 4.º, 5.º, N.ºS 1, 2, ALÍNEAS A) E B) E 3, 361.º, N.º 4, 609.º, N.º 1, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E E), 635.º, N.º 4 E 682.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 360.º E 1725.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º E 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDAO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 18-01-2018, PROCESSO N.º 1005/12.4TBVPZ.P1.S1.
Sumário :
I - Para efeitos da nulidade por ininteligibilidade da decisão, prevista no art. 615º, nº 1, alínea c), segunda parte, do CPC, ambígua será a decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente; obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido.

II - A nulidade por condenação além do pedido e em objecto diverso do pedido, e ainda por exceder o âmbito da pronúncia, prevista no art. 615º, nº 1, alínea e), do CPC, a verificar-se, resultará do desrespeito pelo princípio do nº 1, do art. 609º, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido.

III - Tal nulidade deriva, assim, da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC).

IV - Não incorre na nulidade referida em II o acórdão que condenou o R. no pagamento de ½ do valor das benfeitorias feitas em comum num prédio pelo dissolvido casal quando a A. havia peticionado, nomeadamente, o reconhecimento do direito de propriedade sobre benfeitorias, porquanto, atendendo aos efeitos prático-jurídicos pretendidos pela A. e à interpretação que o R. fez do pedido, a exposição do raciocínio empreendido pela Relação permite considerar que o pedido formulado foi interpretado de modo a compreender o valor das benfeitorias.

V - Os tribunais de instância podem e, aliás, devem, considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos complementares ou concretizadores que provenham dessa actividade e integrem a relação jurídica material devidamente individualizada pela causa de pedir, conquanto seja observado o contraditório (cfr. alíneas a) e b), do nº 2, do art. 5º, do CPC).

VI - Na redacção da matéria de facto o julgador não está sujeito aos exactos termos e expressões empregues pelas partes nos articulados, pelo que, reconduzindo-se a matéria de facto provada, no seguimento da instrução, ao alegado pela A. nos articulados, não há lugar à aplicação do comando contido na alínea b), do n.º 2, do art. 5.º, do CPC, nem ocorre qualquer violação dos princípios do dispositivo, do contraditório ou da igualdade.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA instaurou contra BB, acção declarativa sob a forma de processo comum, peticionando:

“Declarar-se que:

a) A autora é dona e legítima proprietária do prédio identificado no item 1º desta Petição, tal como o Réu, ou em alternativa das benfeitorias.

b) Ser o prédio declarado parte integrante do acervo comum do extinto casal.

Condenar-se o Réu a:

c) Reconhecer o direito de propriedade da A sobre o referido prédio ou sobre as benfeitorias;

d) Pagar custas e procuradoria.”.

Para tanto, e em suma, alegou a A.:

- Ter sido casada sob o regime de comunhão geral de bens com o aqui R., casamento este dissolvido por divórcio decretado em 2010;

- Ter, na constância do casamento, recebido o R. marido por doação de seus pais o prédio urbano descrito em 10º da p.i., o qual, por se encontrar em ruínas, foi totalmente demolido e de novo edificado pelo casal, a suas expensas, após o casamento. Tendo A. e R. pago o material nele incluído;

- O direito de propriedade sobre o referido bem advém-lhe da doação, atento o regime de casamento que vigorava entre os cônjuges;

- Mesmo que se não entenda ser a totalidade do prédio comum, sempre o seriam as benfeitorias, porque edificadas pelo casal a suas expensas após o casamento;

- Para além de se encontrar na posse do prédio em questão há mais de 20 anos, por si e ante possuidores, à vista de toda a gente, sem violência ou oposição de quem quer que seja, sobre ele praticando os actos próprios de proprietária;

- Pelo que mais invocou a aquisição da propriedade a título originário por via da usucapião do referido prédio.

         Regularmente citado, contestou o R., alegando, em síntese:

- Não obstante o regime de bens que vigorou durante o matrimónio entre A. e R., a partilha subsequente a divórcio haverá de fazer-se sem que qualquer dos cônjuges receba mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos;

- O prédio em questão, por lhe ter sido doado, é bem próprio;

- Todas as obras sobre o mesmo realizadas, foram-no com materiais fornecidos gratuitamente pela empresa de que seu pai e irmãos eram gerentes.

Tal como as máquinas e ferramentas utilizadas eram propriedade da família do R. e da referida sociedade, e a mão-de-obra foi realizada pelo R. e seus irmãos.

Concluiu assim que as benfeitorias não foram suportadas pelo ex-casal antes configuram uma doação da família do R. ao mesmo;

- No mais impugnou a factualidade alegada pela A., incluindo a relativa à aquisição originária da propriedade.

Termos em que concluiu pela total improcedência da acção.


A fls. 176 foi proferida sentença que julgou a acção “totalmente improcedente, por não provada” com a consequente absolvição do R. do pedido.


Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 331 foi alterada a decisão relativa à matéria de facto e, consequentemente, reapreciada a decisão de direito. A final foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de … em julgar parcialmente procedente a apelação.

Em consequência e revogando parcialmente a decisão sob recurso decidem:

I - Condenar o R. a reconhecer à aqui A. o direito ao valor correspondente a ½ do valor aportado ao imóvel de sua pertença e referido em 2) dos factos provados, por força dos acabamentos nele executados após finalizado o esqueleto, conforme referido em 21) dos factos provados.

II - Valor este a liquidar em incidente posterior.

III - Quanto ao mais mantém-se a absolvição do R. do pedido.

IV - Custas da ação e do recurso na proporção de ½ para a A. e ½ para o R. (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido).”


2. Vem o R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1. A Autora, na sua petição inicial, além do mais que para o presente recurso não releva, depois de alegar o matrimónio com o Réu, proceder à descrição do prédio em questão nos autos, e de pugnar pela sua natureza comum (quanto ao património do casal que outrora formara, por via do matrimónio, com o Réu), expõe a sua causa de pedir nos artigos 6º, 7º, 9, 10º, 11º, e 12º.

2. A causa de pedir alegada pela Autora como suporte ao pedido que a final formula quanto às benfeitorias (além do matrimónio e existência do prédio) encontra-se nos artigos nos artigos 6º, 7º, 9º,10º, 11º, e 12º.

3. Ou seja, a Autora confessa expressamente que o único custo que suportou com a edificação da casa foi com o respectivo material (e mesmo assim com a exclusão de toda a telha) e simultaneamente pede que lhe seja reconhecido o direito a metade do valor das benfeitorias, sem qualquer discriminação (o qual, naturalmente excede em muito o mero custo do material).

4. Até final, a Autora não ampliou ou alterou, de qualquer forma processualmente admissível, a causa de pedir vinda de transcrever.

5. Foi assim perante esta causa de pedir, e nenhuma outra, que o Réu, como parte passiva, organizou a sua defesa, e norteou a sua conduta e estratégia processuais norteado pela contradita e contraprova da concreta factualidade que integrou a causa de pedir vinda de referir.

6. Em sede de apelação, veio a Relação inverter parcialmente o entendimento acolhido pela primeira instância, decidindo que Autora e Réu suportaram ambos os custos de material e de mão-de-obra dos acabamentos executados no prédio - ou seja, uma vez finalizado o esqueleto.

7. A final, em consequência dessa (e de outras, conexas mas não essenciais) alterações da matéria de facto de primeira instância, acabou por condenar o Réu a reconhecer à Autora a metade do valor aportado ao imóvel por força dos acabamentos nele executados, após finalizado o esqueleto.

No entanto:

8. 0 Tribunal decidiu não só para além, como contra a própria causa de pedir da Autora.

9. A Autora alega - assim confessando - que a construção da casa (não discernindo entre "esqueleto" e acabamentos), foi feita pela CC (empresa da família do Réu) - artigo 9- da p. i„

10. A Autora alega - assim confessando - que toda a mão-de-obra sem distinção entre "esqueleto" e acabamentos) foi prestada pelo Réu e seu irmãos - art. 10º da p.i

11. A Autora não alega, em ponto algum da petição inicial ou articulado subsequente, ter suportado o custo de qualquer mão-de-obra.

12. A Autora alega - assim confessando - que a CC ofereceu a maquinaria e a telha para toda a edificação do imóvel - não discernindo entre fase estrutural e acabamentos - art. 11º da p. i..

13. A Autora alega especificadamente ter pago, com o Réu, todo o material usado na edificação do imóvel - art. 12º da p. i..

14. A Autora alega - assim confessando - que todo o material por si pago foi adquirido na empresa DD - art. 12º da p. i..

15. No entanto, o que resulta da decisão de segunda instância é que veio a ser dado como provado:

"18) As máquinas e ferramentas utilizadas nos trabalhos de remodelação do prédio, no que ao esqueleto concerne, eram propriedade da CC."

"19) A mão-de-obra dos trabalhos de remodelação no prédio, foi realizada pelo próprio Réu e seus irmãos no que ao esqueleto concerne."

"20) A CC forneceu pelo menos a maquinaria e a telha."

"21) Dos trabalhos de remodelação operados no prédio referido em 2) dos factos provados, A. e R. suportaram os custos de material e mão-de-obra referente aos acabamentos que no mesmo foram executados, após finalizado o esqueleto, em valor não apurado."

DO PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO

16. 0 actual regime processual civil continua a consagrar, como basilar, o princípio do dispositivo no direito adjectivo civilístico, essencialmente plasmado no actual art. 5º do CPC"

17. Do número 3 do dito artigo, e a contrario, retira-se cristalinamente que o juiz, no que diz respeito aos factos, está limitado pelas regras previstas nos números anteriores, de onde se retira que os factos que constituem a causa de pedir e as exceções têm de ser alegados por estas.

18. "No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz - aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão" - MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil", in Scientia Iuridica, 2013, ponto 1.

19. 0 art. 552º do CPC é inequívoco ao dispor que o autor, na petição inicial, deve "expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação".

20. Factos essenciais esses que configuram, no essencial, a causa de pedir - e sem a qual a petição seria, de resto, inepta nos termos do art 186º do CPC.

21. É assim consagrado o princípio da auto-responsabilidade das partes quanto aos factos essenciais da acção.

22. E tanto assim é que o actual artigo 573º e 574º do CPC dispõem expressamente que o réu deve concentrar a sua defesa na contestação, aí tomando "posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor." - art. 574º, nº 1.

23. Pelo que, pelo actual regime, tão-pouco a via do aperfeiçoamento está ao dispor do autor para alterar ou ampliar a factualidade essencial em que assenta a sua causa de pedir.

24. E muito menos pode fazê-lo em sede de declarações de parte, como ostensivamente, perante a deficiência patente da factualidade vertida na sua petição inicial, a Autora procurou fazer nestes autos.

25. Compulsados os autos, constata-se também que nem na enunciação dos temas de prova, nem na delimitação do objecto pericial, a Autora, de alguma forma, deu indícios de querer alterar (ampliando ou modificando) a causa de pedir por si elaborada.

26. Pelo que a defesa do Réu sempre se norteou pelo que na petição inicial a Autora alegara.

27. "Em síntese, o regime de alegação de factos em processo civil é o seguinte:

— factos principais devem ser alegados na fase inicial;

— factos instrumentais podem ser alegados ou oficiosamente adquiridos até ao fim do julgamento;

— factos principais que não alterem o objeto do processo (factos complementares ou concretizadores) podem também ser alegados até ao fim do julgamento, mas não podem ser oficiosamente adquiridos." in O Princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual, Pela Prof. Doutora Mariana França Gouveia.

Vejamos agora o que foi aplicação destas regras no caso concreto dos autos em apreço.

I)

28. Se a Autora alega expressamente que (art. 9º) "a construção foi feita pela empresa CC; e que (art. 10º) a mão-de-obra de toda a edificação foi prestada através de "ajuda" do Réu e dos seus irmãos, não alegando ter suportado qualquer custo a título de mão-de-obra, não poderia a Relação:

1. Ter dado a redacção que dá ao facto provado 19), na parte final, em que reduz a prestação gratuita dessa mão-de-obra "no que ao esqueleto concerne".

2. Ter dado como provado o facto provado 21), na medida em que afirma que "A. e R. suportaram os custos de material e mão-de-obra referentes aos acabamentos (...)."

3. Ter condenado o Réu a reconhecer um crédito à Autora por conta do valor da mão-de-obra aplicada nos acabamentos, como faz no decisório, por remissão para o facto provado 21).

II)

29. Se a Autora alega expressamente que (art. 11º) "a CC - empresa dos irmãos do Réu ofereceu a maquinaria e telha" não alegando ter suportado qualquer custo a título de maquinaria nos acabamentos, não poderia a Relação:

1. Ter dado a redacção que dá ao facto provado 18), na parte em que reduz a utilização dessa maquinaria e ferramentas a "no que ao esqueleto concerne".

2. Ter dado a redacção que dá ao facto provado 20), na parte em que utiliza a expressão "forneceu" e não "ofereceu";

3. Ter condenado o Réu a reconhecer um crédito à Autora por conta do valor dos acabamentos feitos no imóvel identificado em 2) sem que desse valor exclua expressamente eventuais despesas advenientes da utilização/contratação de maquinaria para a sua execução.

III)

30. Se a Autora alega expressamente que (art. 129) "A e R. pagaram todo o material que foi adquirido na empresa DD" não alegando ter suportado qualquer outro custo com material a qualquer outro título e a qualquer outro fornecedor, não poderia a Relação:

1. Ter dado como provado o facto provado 21), na medida em que afirma que "A. e R. suportaram os custos de material (...) referentes aos acabamentos (..,)" sem acrescentar a essa redação a expressa menção ou ressalva de que as partes só suportaram os castos do material adquirido à fornecedora DD e aplicados nos acabamentos do prédio:

2. O que implicaria, necessariamente e atento o princípio do dispositivo, a indagação, dentro do acervo probatório existente nos autos, de provas concretas de onde resultassem evidentes e provados pagamentos feitos à DD, apenas considerando essas - o que não aconteceu;

3. e, em consequência, apenas condenando o Réu em metade do valor assim apurado.

31. Isto porque, se a própria Autora expressamente diz que só foram comprados, com dinheiro seu e do Réu, materiais à "DD", a condenação que destes autos resulta para o Réu não pode ir para além dessas mesmas despesas que da prova produzida viesse resultar.

32. Ao invés, a Relação atribui à Autora um direito de crédito manifestamente mais amplo do que aquele que a mesma, na sua própria causa de pedir, alega ter despendido.

33. Em flagrante violação do princípio do dispositivo.

Além disso:

34. Os factos que o acórdão recorrido vem a dar como provados em benefício da Autora, factos novos no que tange à destrinça entre "esqueleto" e acabamentos, e no que tange ao suporte de qualquer custo, pela Autora, no que respeita a mão-de-obra, e que acima se elencaram, são factos essenciais, e que necessariamente teriam de estar incluídos na causa de pedir alegada para que a condenação viesse a dar-se nos termos em que se deu.

35. E que manifestamente não incluem essa causa de pedir.

36. Como tal, não sendo meramente instrumentais, não poderiam vir a ser conhecidos pelo juiz sem prévia alegação das partes, oficiosamente.

37. E também não são factos complementares ou concretizadores - desde logo porque não só não complementam como contrariam, deturpando o seu alcance, a factualidade que compõe a causa de pedir alegada pela Autora.

38. E mesmo que se entendesse que tais factos se enquadram no conceito supra descrito (previstos pelo artigo 5º, nº 2, b) do CPC) sempre o seu conhecimento pelo juiz estaria dependente, como se expôs: da manifestação de vontade pela Autora de pretender aproveitar-se da sua consideração pelo Tribunal; e da possibilidade dada ao Réu para sobre tal matéria oferecer o seu contraditório - o que manifestamente não aconteceu.

39. E também não pode defender-se que o Tribunal não violou o princípio do dispositivo pela mera circunstância de que a Autora, no seu pedido, reclama direito sobre "benfeitorias", sem determinação ou especificação nas quais poderia entender-se estarem abrangidas todas aquelas não alegou (ou mesmo negou) ter pago, na sua petição inicial.

40. Isto porque, tal como defende, nomeadamente, Alberto dos Reis, "Não basta que haja coincidência entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi) - in CPC Anotado, 3º, 353.)

B) DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA IGUALDADE DE ARMAS

41. Atento o exposto, e além do mais, o acórdão violará sempre, e no limite, o princípio do contraditório, plasmado no art. 3º do CPC - e com aplicabilidade, aqui, no seu número 3, porquanto a decisão ora recorrida configura autêntica decisão-surpresa,

42. O que configura igualmente a violação do princípio de igualdade entre as partes, vertido no artigo 4º do CPC.

43. Com efeito, não pode admitir-se, por tal configurar uma perturbação grave da instrução do processo, que a Autora: possa delimitar o objecto do processo nos termos em que o faz na petição inicial, arguindo expressamente que não pagou qualquer mão-de-obra e que a mesma foi gratuitamente prestada;

44. Que pagou o material concretamente a uma determinada fornecedora;

45. Que toda a maquinaria e telha foi também gratuitamente prestada;

46. Não faça qualquer alegação de facto tendente à discriminação das benfeitorias, obras, trabalhos, despesas, materiais e componentes adquiridos e servições prestados;

47. Não faça qualquer destrinça entre aquilo que foi gasto e aplicado na fase de edificação do "esqueleto" e de acabamentos;

48. Que elabore um pedido tão genérico (e contraditório com a própria causa de pedir) como o reconhecimento da propriedade sobre as benfeitorias;

49. Sem a elaboração de qualquer pedido subsidiário quanto a eventual crédito sobre os acabamentos;

50. Sem elaboração de qualquer articulado onde corrija ou complemente todas as deficiências supra apontadas;

51. Que não solicite qualquer meio de prova de onde pudesse resultar evidência ou factualidade diferente do que na petição inicial alegou;

52. Que não pugne para que tal discriminação ou possibilidade de factualidade diversa fique a constar dos temas de prova;

53. Que, mesmo ao delimitar o objecto da perícia, não solicite qualquer esclarecimento que pudesse conduzir à descriminação das benfeitorias ou às diferentes fases de edificação;

54. Que não resulte dos autos qualquer elementos que permita ao Réu sequer saber a que é que, em concreto, se refere o Tribunal quando fala de "esqueleto" e acabamentos, remetendo a avaliação destes últimos para incidente de liquidação,

55. Tudo considerado, não podia exigir-se ao Réu que pudesse convenientemente defender-se e pronunciar-se sobre aquilo que veio a dar-se como provado em sede de apelação, e a constar do decisório,

56. Sede essa em que, afinal, já se reconhece à Autora o direito ao custo de mão-de-obra aplicada nas obras, em contravenção com o que ela mesma afirma ter pago,

57. Sede essa em que, afinal, a maquinaria cedida gratuitamente pela "CC" já só se reporta "no que ao esqueleto concerne" e já não a toda a obra, em contravenção com o que própria Autora também alegara.

C) DA PRESUNÇÃO INVOCADA

58. Na fundamentação de direito do acórdão recorrido, o Tribunal a quo argumenta que ".4 A. incumbia fazer prova da sua contribuição, o que apenas logrou relativamente aos acabamentos, nos termos já supra referidos. Atenta a presunção estabelecida no art. 1725º do CC e não afastada, há que presumir que o dinheiro para o efeito despendido era comum."

59. Ora, também aqui o Tribunal incorre em manifesto erro de interpretação e aplicação normativa.

60. Como já vimos, o acórdão recorrido atribui à Autora o direito a metade do valor dos acabamentos, incluindo mão-de-obra e material e sem exclusão de ferramentas e maquinaria.

61. No entanto, na parte que se prende com a mão-de-obra e utilização de ferramentas e maquinaria, o Tribunal aplica uma presunção legal quando dela não necessitava - estando-lhe tal possibilidade mesmo vedada - para depois a conclusão contrária àquela a que, com o devido respeito, se impõe no caso concreto.

62. Isto porque, conforme dispõe o artigo 349° do CC, "Presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido." e, segundo o art. 350°, nº 2 do CC, as presunções legais (como é o caso da do art. 1725°- CC) são ilidíveis.

63. Assim, o Tribunal, no caso concreto, raciocina como se fosse um facto desconhecido o pagamento, com dinheiro do casal, da mão-de-obra, ferramentas e maquinaria necessária, quando na verdade esses são factos conhecidos porque a própria Autora os alega na sua petição inicial, que nada pagou a título de mão-de-obra, ferramentas e maquinaria.

64. A presunção legal aplicada pelo Tribunal foi expressamente ilidida pela alegação de facto que constitui a própria causa de pedir da Autora.

65. Não tendo, nessa parte, desconhecimento do facto que a final o Tribunal veio a presumir, porque expressamente alegado, em sentido contrário, pela própria parte a que o Tribunal fez beneficiar tal presunção, o Tribunal interpretou e aplicou erroneamente as disposições legais supracitadas,

66. Nomeadamente as constantes dos artigos art. 349º, 350º e 1725º do CC.

D) DA CONTRADIÇÃO

67. O acórdão recorrido apresenta também uma contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada (entre concretos factos dados como provados, intrinsecamente) e, em consequência, entre a matéria de facto dada como provada e a decisão.

68. Reportamo-nos aqui ao concreto teor dos factos provados 13), 14) e 15.

69. Ora, se o Tribunal deu como provado tal acordo - e aqui, atente-se, sem fazer qualquer discriminação entre fase de "esqueleto" e fase de acabamentos - não podia ter dado como provado o teor do artigo 19) e 21),

70. Segundo os quais, em suma, o Réu e os seus irmão apenas teriam prestado a sua mão-de-obra na fase de "esqueleto", tendo sido Réu e Autora a efectuar o pagamento da mão-de-obra para acabamentos.

71. A contradição supra apontada consubstancia, além do mais, o vício de nulidade previsto pelo art 615º, nº 1, al. c) do CPC.

72. A qual expressamente se invoca nesta sede.

E) DA CONDENAÇÃO EM PEDIDO GENÉRICO E ININTELIGIBILIDADE

73. Importa ainda dizer que, além de tudo quanto vem exposto e sem prescindir, a decisão ora recorrida é ininteligível,

74. E não admitia condenação em termos genéricos e subsequente remessa para incidente de liquidação.

75. É que a Autora, como já se deixou extensamente exposto, apenas alegou ter pago material, por sua vez adquirido à DD (com exclusão de qualquer outra).

76. Por força dessa rigorosa causa de pedir, só devia ter pedido, concretamente, metade desse valor que alegou pagar.

77. Ao invés, formulou o vago pedido de que lhe fosse reconhecido o direito à "propriedade" das benfeitorias.

78. A Autora não alegou qualquer facto concreto tendente a descrever as benfeitorias efectivamente realizadas sobre o imóvel descrito em 2), e cujo custo alega ter suportado (parcialmente).

79. A Autora não alegou qualquer facto tendente a permitir que o Tribunal faça qualquer distinção entre aquilo que conceptualiza como "esqueleto" e "acabamentos" do imóvel.

80. Esses dois termos - nos quais assenta todo o desenvolvimento lógico conducente à concreta decisão proferida - são dois conceitos que, por si, são ininteligíveis, desprovidos de conteúdo fáctico, vagos e imprecisos, e

81. Carecem em absoluto de uma significância e suporte composto por factos - que tinham de ser alegados e provados pela Autora (e posteriormente incluídos nos factos provados, como também não foram, nem sequer a título de factos instrumentais).

82. E essa [omissa] alegação de factos teria de ter sido sequenciada pela elaboração de um pedido deduzido em termos específicos, ao invés da forma extremamente vaga (quase leviana) com que veio a ser deduzido.

83. Quando o pedido deve e pode ser feito em termos específicos e não genéricos, "o tribunal deverá julgar a acção improcedente sempre que não venha a alcançar os elementos necessários para fixar o objecto ou a quantidade da condenação. "in Abílio Neto, CPC anotado, 918.

84. É que o incidente de liquidação não serve para mascarar ou suprir as insuficiências de alegação, pedido e prova por parte do Autor, ou de quem aproveite.

85. Serve apenas o propósito de postergar para momento posterior ao da sentença a exacta medida da sua condenação por ainda não ser possível, à data da instauração da acção, determinar com exactidão o objecto ou a quantidade do que é pedido.

86. Com a condenação que agora se impugna, está a premiar-se a absoluta carência de alegação e prova de factos essenciais à procedência do pedido,

87. Além da total inexactidão e falta de rigor do próprio pedido.

88. A regra geral aponta no sentido contrário ao que ficou decidido: quando há falta de prova, tem de haver absolvição.

89. Repare-se que a própria designação "esqueleto" e "acabamentos" deriva única e simplesmente do que resultou do depoimento de uma testemunha sobre o qual o Tribunal recorrido assentou a sua convicção neste particular facto, pelo que facilmente se depreende o carácter vago, e mesmo inócuo, de tal formulação.

90. Os factos dados como provados 18), 19) e 21), por se reportarem expressamente aos conceitos "esqueleto" e "acabamento" sem qualquer facto que lhes confira conteúdo, não são factos, mas antes conclusões, ou orações de teor iminentemente conclusivo,

91. Pelo que deverão ser eliminados, por respeito, além do mais, ao disposto no artigo 607º, nº 3 do CPC (violado pelo acórdão recorrido).

92. Nos termos em que os presentes autos estão decididos, teria de ir fazer-se ainda, em sede de liquidação, toda a prova que não foi e deveria ter sido feita nestes autos.

93. 0 presente incidente de liquidação mais não é do que a consequência do fracasso da prova sobre o objecto e a quantidade do que é pedido,

94. Bem como do fracasso e deficiência da alegação de factos e dedução de pedido.

95. Estava o Tribunal impedido de, no caso dos autos em apreço, proferir sentença de condenação genérica e, como tal, era imperioso julgar a acção absolutamente improcedente - o que se requer.

96. Pelo que segue exposto, o acórdão recorrido está ferido de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1, c) do CPC, a qual expressamente se argui,

97. E viola também, de forma clamorosa, o disposto nos artigos 607º, nº 3 do CPC e 609º do CPC, sem prejuízo de outros que este Tribunal doutamente entenda aplicáveis.

F) DA DIFERENÇA DE NATUREZA ENTRE PEDIDO E CONDENAÇÃO

98. Atentando com rigor no pedido, verificamos que, pelo mesmo, a Autora peticionou a declaração judicial de que a mesma é "dona e legítima proprietária (...) das benfeitorias", e ainda a condenação do Réu a "reconhecer o direito de propriedade da A sobre (...) as benfeitorias."

99. Inequivocamente, a Autora peticiona o reconhecimento de um direito real (o supremo, que é o da propriedade) sobre benfeitorias.

100. Dispõe o artigo 1302º do CC que "Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto do direito de propriedade regulado neste código."

101. Por sua vez, o Código Civil define da seguinte forma o conceito de "benfeitorias", no seu artigo 216º CC "Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa."

102. Portanto, ao passo que só as coisas são passíveis de que sobre elas incida um direito de propriedade, e sobre elas incidem direito de natureza real,

103. As benfeitorias são despesas sobre coisas, e sobre elas incidem direito obrigacionais - mais rigorosamente direitos de crédito.

104. A manifesta incompatibilidade, ou mesmo impossibilidade jurídica que o pedido supra descrito encerra só pode levar, inapelavelmente, à improcedência integral do pedido.

105. Com efeito, o Tribunal da Relação, perante um pedido que a parte activa solicita a declaração e reconhecimento de um direito real, vem condenar a parte contrária através do reconhecimento de um direito obrigacional [como resulta do exposto].

106. Para que a Autora visse ocorrer a condenação que efectivamente veio suceder em segunda instância, tinha de ter pedido a declaração da verificação de um direito obrigacional a seu favor,

107. Que então se poderia desdobrar em pedidos de entrega de coisa certa, pagamento de quantia certa ou prestação de facto.

108. No caso concreto a Autora tinha de ter pedido a declaração judicial de um direito de crédito a seu favor.

109. 0 que manifestamente não acontece nem é sanável por nenhuma via legalmente prevista.

110. Também pela razão ora exposta, a acção em causa tinha de ser julgada absolutamente improcedente.

111. Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação viola frontalmente o princípio do dispositivo, condenando o Réu para além e em objecto diverso do pedido.

112. Incorrendo em violação frontal, sem prejuízo de outras julgadas pertinentes no douto suprimento deste Tribunal, do art. 5º, 607º e 609º do CPC,

113. Mais incorrendo na nulidade prevista pelo art. 615º, nº 1, als. d) e e) do CPC.

114. Os vícios que aqui se apontam ao acórdão recorrido ultrapassam o mero erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, antes se enquadram na violação de lei substantiva, quanto as normas acima citadas.

115. Assim como na consubstanciação de nulidades previstas no artigo 615º CPC, alíneas b),c), d) e e),

116. As quais se arguem desde já, de forma expressa.

117. Pelo supra exposto, deve concluir-se também que o acórdão recorrido viola as normas jurídicas contidas no art. 3º, 4º, 5º, 552º, 573º, 574º, 607º, 609º todos do CPC.

118. O Acórdão recorrido viola igualmente, de forma frontal, as normas substantivas relativas à confissão, ínsitas nos artigos 352º, 353 e 356º, todos do Cód. Civil.

119. O Acórdão recorrido viola igualmente, de forma frontal, as normas substantivas relativas às presunções legais, ínsitas nos artigo[s] 349º, 350 e 1725º, todos do Cód. Civil.

120. Do exposto resulta ainda que o Acórdão é ferido de inconstitucionalidade, por violação dos princípios e normas supremas vertidas nos artigos 13º, 20º da CRP, a qual pelo presente expressamente se invoca.

121. Sem prejuízo de todas quantas este Tribunal, no seu douto suprimento, entendam aplicar-se.

Termos em que (…) deve dar-se integral provimento ao presente recurso, julgando-o integralmente procedente, dando por violadas as normas jurídicas (incluindo constitucionais) supra invocadas, dadas por verificadas as nulidades supra suscitadas,

E, em consequência deve o acórdão recorrido ser integralmente revogado, substituindo-se o mesmo por outro que julgue a acção improcedente ou, subsidiariamente e sem conceder, deve o acórdão recorrido ser alterado em conformidade (…)


        A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão do acórdão recorrido.

         Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):


1) A A. e o R. contraíram casamento no dia 22 de Agosto de 1998, sob o regime da comunhão geral de bens. (cfr. doc. n.º 1 junto a fls. 12 e 13)

2) Na constância do casamento, por escritura de doação celebrada em 14 de Novembro de 2001, no Cartório Notarial de Ponte de …, o Réu recebeu por doação de seus pais, o seguinte prédio (cfr. doc. n.º2 junto a fls. 14 a 16):

a) Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, sito no Lugar de …, Freguesia de …, do Concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz predial sob o artigo 496 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 0…2 da Freguesia de …, com o valor patrimonial de € 970,48. (cfr.doc. n.º 3 e 4 juntos a fls.17 a 19).

3) Conforme consta no assento de casamento, Autora e Réu foram casados em primeiras núpcias de ambos, sob o regime da comunhão geral de bens.

4) Tal prédio foi doado ao Réu na constância do casamento.

5) Sucede que o casamento entre A. e R. foi dissolvido por divórcio homologado em 28 de Maio de 2010, (cfr. doc. 5 junto a fls. 24 a 26).

6) Na partilha realizada após divórcio do casal, o extinto casal não se conciliou no que toca à inclusão do prédio no acervo comum do casal, conforme processo que correu trâmites sob processo o n.º 1101/10.2TBPTL-1° juízo, deste Tribunal (cfr. doc. 6 junto a fls. 20 a 23).

7) À data da doação era possível viver no prédio referido em 2) dos factos provados;

8) O referido prédio havia sido habitado até cerca de 5 anos antes da escritura de doação ao R. pela irmã deste, EE, juntamente com o marido e filhas do casal.

9) Na altura em que a dita irmã do R., EE, deixou de habitar o referido prédio, juntamente com marido e duas filhas menores, a casa tinha condições para lá viver.

10) Àquela data, o pai do Réu era sócio-gerente da empresa de construção "FF, Lda.", a par dos seus filhos GG e HH (cfr. certidão permanente junta como doc. nº 1 a fls. 44 a 49).

11) Para a qual o Réu e irmãos prestavam o seu trabalho.

12) Não obstante tal partilha formal da gerência, era o pai do Réu quem, de facto, ocupava o topo da hierarquia e tomava as decisões relativas aos destinos da referida empresa, com prevalência sobre todos os seus filhos, incluindo os também sócios-gerentes GG e HH.

13) Existia então, entre Réu, seu pai e irmãos um acordo mútuo segundo o qual, para a construção da casa de família de cada um dos filhos, todos contribuiriam em igual medida, com a sua mão-de-obra, de forma totalmente gratuita.

14) Sem qualquer contrapartida que não a prestação de mão-de-obra dos demais irmãos na construção da sua própria casa.

15) Tratava-se de um acordo de oferenda por parte dos pais e favores recíprocos entre irmãos, em que cada irmão trabalharia gratuitamente nas obras da casa de todos os seus irmãos.

16) O irmão do R., GG, fez o desenho com base no qual foi realizada a remodelação do prédio referido em 2), sem que tenha sido apresentado e aprovado projeto de obras.

17) Os trabalhos de remodelação no prédio foram realizados após a celebração da escritura de doação.

18) As máquinas e ferramentas utilizadas nos trabalhos de remodelação do prédio, no que ao esqueleto concerne, eram propriedade da sociedade “CC”.

19) A mão-de-obra dos trabalhos de remodelação no prédio, foi realizada pelo próprio Réu e seus irmãos no que ao esqueleto concerne.

20) A "CC" forneceu pelo menos a “maquinaria e a telha”.

(factos aditados e provenientes dos não provados)

21) Dos trabalhos de remodelação operados no prédio referido em 2) dos factos provados, A. e R. suportaram os custos de material e mão-de-obra referentes aos acabamentos que no mesmo foram executados, após finalizado o esqueleto, em valor não apurado.

22) Para a execução da remodelação foi a anterior construção demolida, com exceção da cave e alicerces.


Foram dados como não provados os seguintes factos (após reapreciação da matéria de facto):

i) O interior do prédio referido em 2) apresentava à data da doação todas as condições de salubridade, conservação e segurança para que ali se habitasse - nomeadamente, Autora e Réu - condignamente.

ii) Apenas a sua parte exterior - fachada - apresentava sinais de relativo desgaste, consequência normal e natural do decurso do tempo.

iii) Desgaste esse que não afetava, de forma alguma, as referidas condições de habitabilidade de que o prédio, àquela data, estava dotado.

iv) Tendo também sido alvo de remodelação durante o período de tempo referido em 8).

v) Os pais do Réu doaram-lhe tal casa de habitação, sem qualquer intuito de beneficiar a Autora com tal doação, no estado supra referido.

vi) E o pai do Réu, em concordância com o mesmo e restantes irmãos deste, entenderam que o prédio beneficiaria de algumas obras de remodelação no seu rés-do-chão,

vii) Nomeadamente com o objetivo de que a referida parte do prédio passasse a ter construção em tijolo e não em pedra, como então se verificava.

viii) Quanto a materiais aplicados nas ditas obras, eles proviriam da empresa de construção civil familiar, supra identificada "CC-Lda.".

ix) Aplicando nessas obras materiais (excedentários de outras obras, maioritariamente) exclusivamente provenientes da referida sociedade de construção - também ela de propriedade familiar - ou adquiridos diretamente pelo pai do Réu.

x) Sem que qualquer irmão tivesse de custear ou pagar, a expensas próprias, qualquer despesa com tais obras e edificações,

xi) Já que seria o pai de todos, através da referida empresa, a suportar todos esses custos.

xii) No caso concreto, foi prometido, por seu pai e seus irmãos, que também assim sucederia nas obras a realizar sobre o prédio doado ao Réu.

xiii) E assim foi.

xiv) Ainda antes da formalização da escritura de doação, o pai do Réu, o Réu e os seus irmãos, já haviam acordado nas obras que, segundo o sistema supra descrito, seriam realizadas sobre o prédio doado.

xv) E assim, mesmo antes da celebração do negócio de doação em causa, já a família do Réu havia procedido a alguns trabalhos sobre o imóvel.

xvi) Nomeadamente os trabalhos de limpeza e desmatagem do terreno,

xvii) A demolição das cortes destinadas ao gado,

xviii) E a edificação de um muro em pedra, destinado à vedação do terreno em causa, que acabou por ser demolido posteriormente.

xix) Tendo sido usados exclusivamente materiais de construção fornecidos pela empresa "CC", facultados gratuitamente e com o acordo do pai do Réu, do Réu e demais irmãos.

xx) Provenientes de excedentes de outras obras da dita sociedade.

xxi) Aquando da doação o prédio encontrava-se em ruínas.


4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas conclusões do mesmo. Assim, no presente recurso, estão em causa as seguintes questões (por ordem de precedência):

- Nulidade do acórdão recorrido por ocorrer oposição entre os fundamentos e a decisão (concls. 67 a 72);

- Nulidade do acórdão recorrido por ininteligibilidade da decisão (concls. 73 a 96);

- Nulidade do acórdão recorrido por condenação além do pedido e em objecto diverso do pedido, e ainda por exceder o âmbito da pronúncia (concls. 98 a 113);

- Violação do princípio do dispositivo, do princípio do contraditório e do princípio da igualdade de armas (concls. 1 a 57);

- Erro na aplicação da presunção prevista no artigo 1725º do Código Civil (concls. 58 a 66);

- Não admissibilidade da condenação genérica por ininteligibilidade (concls. 92 a 95);

- Inconstitucionalidade da decisão por violação dos arts. 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa (concl. 120).


5. Quanto à questão da nulidade do acórdão recorrido por ocorrer oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº 1, alínea c), primeira parte, do CPC), pretende o Recorrente que se verifica contradição entre, por um lado, os factos provados 13 a 15 e, por outro lado, os factos provados 19 e 21.

Ora, uma pretensa contradição interna da decisão relativa à matéria de facto não configura a oposição entre a fundamentação e a decisão a que se reporta a norma legal indicada.

Tal contradição entre factos dados como provados, a verificar-se, poderia, quando muito, determinar o reenvio do processo (nos termos do art. 682º, nº 3, do CPC) para ampliação da matéria de facto, desde que a ilogicidade inviabilizasse a decisão da causa.

         Vejamos.

A circunstância de ter sido demonstrada a existência de um acordo entre o Recorrente e os seus familiares, nos termos descritos nos factos 13 a 15, não se mostra incongruente com o facto 19. Atento o conteúdo desse acordo, é conjugável com o mesmo que o Recorrente e os seus irmãos, em virtude da reciprocidade de contributos nele previsto, tenham desenvolvido, com recurso à sua mão-de-obra, os trabalhos de remodelação no “esqueleto” do prédio a que ali se alude. Por outro lado, importa notar que não se demonstrou que esse acordo abrangia todos os trabalhos necessários à reconstrução do imóvel, pelo que não é incompatível com o mesmo que as obras por aqueles realizadas se tenham confinado à estrutura do prédio. Pela mesma razão, é de concluir que a ponderação do conteúdo e sentido útil desse acordo não inviabiliza igualmente que se tenha por demonstrado que as partes suportaram entre si o custo dos materiais e mão-de-obra aplicados nos “acabamentos” executados após a finalização dos trabalhos no “esqueleto” (facto 21).   

Acresce que a demonstração da existência e conteúdo de um acordo de vontades não inviabiliza, de modo algum, que se venha a apurar que, afinal, o que foi idealmente pactuado não foi, de todo, concretizado ou não foi realizado nesses precisos termos.

    Assim, conclui-se que poderá estar em causa um erro de julgamento por erro de interpretação da matéria de facto, mas sem se verificar a ilogicidade que poderia justificar o recurso à faculdade do art. 683º, nº 3, do CPC.


6. Relativamente à questão da nulidade do acórdão recorrido por ininteligibilidade da decisão, deve ter-se presente que o art. 615º, nº 1, alínea c), segunda parte, do CPC, prescreve a nulidade quando “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Ambígua será a decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente; obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido.

       No caso dos autos, o Recorrente não identifica qualquer segmento do acórdão recorrido que se deva ter como ambíguo ou obscuro, limitando-se a qualificá-lo como ininteligível. Afigura-se que a invocação da ininteligibilidade do decidido mais não significa do que uma discordância quanto ao mérito da decisão, o que não se confunde com a causa de nulidade que lhe é apontada.

Entende-se que o conteúdo do acórdão recorrido é perceptível, claro e inequívoco quanto ao seu sentido pelo que não se verifica a alegada nulidade.


7. Quanto à alegada nulidade do acórdão recorrido por condenação além do pedido e em objecto diverso do pedido, e ainda por exceder o âmbito da pronúncia (art. 615º, nº 1, alínea e), do CPC), tenha-se presente que, a verificar-se, a mesma resultará do desrespeito pelo princípio do nº 1, do art. 609º, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido

A nulidade em causa deriva, assim, da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC).

         Vejamos.

       No caso dos autos, importa atender aos pedidos tais como se encontram formulados na petição inicial:

“Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exa mui doutamente suprirá deverá a presente acção ser considerada procedente por provada, e em consequência:

Declarar-se que:

a) A autora é dona e legítima proprietária do prédio identificado no item 1º desta Petição, tal como o Réu, ou em alternativa das benfeitorias.

b) Ser o prédio declarado parte integrante do acervo comum do extinto casal.

Condenar-se o Réu a:

c) Reconhecer o direito de propriedade da A sobre o referido prédio ou sobre as benfeitorias;

d) Pagar custas e procuradoria.”.


A título de causa de pedir, argumentou-se que as benfeitorias introduzidas no prédio doado ao Recorrente constituíam um bem comum do casal por terem sido custeadas a expensas de ambos, tendo as partes pago os materiais nelas empregues (artigos 4.º a 6.º, 12.º e 16.º da p.i.).

O acórdão recorrido interpretou o pedido formulado a título subsidiário na parte final da al. a) e na parte final da al. c) do petitório, tendo em conta a respectiva causa de pedir, proferindo, a final, a seguinte decisão:

“I - Condenar o R. a reconhecer à aqui A. o direito ao valor correspondente a ½ do valor aportado ao imóvel de sua pertença e referido em 2) dos factos provados, por força dos acabamentos nele executados após finalizado o esqueleto, conforme referido em 21) dos factos provados.

II - Valor este a liquidar em incidente posterior.”.


Do confronto entre o peticionado e o segmento dispositivo do acórdão recorrido extrai-se, de um ponto de vista estritamente quantitativo, que neste se decretou menos do que aquilo que fora pedido em juízo. Para esta conclusão, contribui, decisivamente, a consideração de que a A. pretendia que lhe fosse reconhecido um direito sobre a totalidade das benfeitorias introduzidas no prédio dos autos. Por isso, poderá concluir-se que a condenação do aqui Recorrente não ocorreu para além do que fora pedido, ficando antes aquém desse limite.

Mas esta asserção não esgota a questão decidenda, pois importa também determinar se se condenou em objecto diferente do pedido, sendo esse o verdadeiro cerne do problema.

Numa perspectiva não estritamente formalista, antes atendendo aos efeitos prático-jurídicos pretendidos pela A., pode afirmar-se que a razão de ser da decisão condenatória do acórdão recorrido radicou na consideração de que as benfeitorias úteis realizadas no prédio doado ao R., aqui Recorrente, constituíam um bem presumivelmente comum do dissolvido casal, assistindo por isso à A. o direito a haver metade desse valor.

A exposição do raciocínio empreendido pela Relação permite considerar que o pedido formulado foi interpretado de modo a compreender o valor das benfeitorias, o que se revela ajustado com o regime jurídico segundo o qual, no contexto da partilha, apenas se poderia reconhecer o direito ao valor e não já às benfeitorias em si mesmas.   

Tal entendimento encontra, aliás, inteira correspondência com os termos em que, na contestação, o próprio R., aqui Recorrente, interpretou o pedido subsidiário: “A Autora não tem qualquer direito de propriedade sobre o prédio identificado no art. 2º da petição inicial” (art. 5º), Nem, como alternativa, é proprietária ou titular de algum direito de crédito, seja em que medida for, das benfeitorias que ali se encontram edificadas (art. 6º).

Tem aqui plena aplicação aquilo que – a respeito da questão da relevância da forma como o próprio R. compreendeu o pedido para a interpretação do mesmo – se afirmou no recente acórdão deste Supremo Tribunal de 18/01/2018 (proc. n.º 1005/12.4TBVPZ.P1.S1

“Existe, aliás, no CPC uma situação paralela que permite sustentar esta conclusão. Nos termos do art. 186, nº 2, al. a), do CPC, a petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, sendo isso causa da nulidade de todo o processo. No entanto, prescreve o nº 3 que uma consequência tão radical é de evitar nos casos em que o réu, apesar de ter arguido a ineptidão, interpretou convenientemente a petição inicial.

Trata-se de uma situação peculiar que é justificada pelas circunstâncias específicas mas em valoriza, como deve ser, os aspectos de ordem material, em detrimento de argumentos de ordem formal. Assim, nos casos em que, a partir da reacção do autor e do réu no processo, se puder afirmar que este interpretou correctamente o objecto do processo, integrado pela causa de pedir e pelo pedido, o legislador – numa manifestação do princípio da economia processual, evitando a duplicação de processos, e de valorização do mérito – assumiu que aquela nulidade que, em princípio, seria insanável, se considera suprida.

Trata-se de um afloramento do mesmo princípio que no caso nos deve levar a considerar que, malgrado o argumentário de que os RR. agora se pretendem servir para evitar a apreciação do mérito da pretensão da anulação do contrato de compra e venda, sempre estiveram cientes, pelo menos a partir da audiência prévia, de que tal pretensão também estava em discussão nos presentes autos.”


No caso dos autos, por todas as razões expostas, considera-se que a convolação do pedido subsidiário pela Relação se situa no plano da qualificação jurídica permitida ao juiz pelo nº 3, do art. 5º, do CPC, concluindo-se pela inexistência da nulidade da alínea e), do nº 1, do art. 615º do CPC.

8.1. Quanto à questão da alegada violação do princípio do dispositivo, do princípio do contraditório e do princípio da igualdade de armas, prende-se a mesma com o problema da amplitude dos poderes da Relação na fixação da matéria de facto.

Por força das alterações introduzidas no domínio da legislação processual civil vigente, os tribunais de instância passaram a dispor de maior liberdade na definição da matéria de facto que releva para a decisão da causa.

Importa ainda não esquecer que os tribunais de instância podem e, aliás, devem, considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos complementares ou concretizadores que provenham dessa actividade e integrem a relação jurídica material devidamente individualizada pela causa de pedir, conquanto seja observado o contraditório (cfr. alíneas a) e b), do nº 2, do art. 5º, do CPC). Assim, e por contraponto aos factos que integrem a causa de pedir – relativamente aos quais continua a vigorar o princípio do dispositivo contido no nº 1, do mesmo art. 5º –, impende sobre o tribunal, no que toca aos factos probatórios e aos factos complementadores (em sentido lato) e ainda que não hajam sido alegados, o ónus de os tomar em consideração na sentença.

Vejamos.

No caso dos autos torna-se necessário começar por apurar se, efectivamente, a Relação teve como demonstrados factos que não foram alegados pela A. e se, ao fazê-lo, ofendeu os princípios convocados pelo aqui Recorrente.

Na petição inicial lê-se:


“9º

Construção feita pela empresa CC – também pertença dos irmão[s] do Réu”

10º

Na mão de obra, o Réu C.... ajudou com a ajuda dos irmãos a edificar o prédio.

11º

A CC – empresa dos irmãos do Réu, ofereceu a maquinaria e a telha.

12º

Autora e Réu pagaram todo o material, que foi adquirido na empresa DD.”.


     Dos Temas da Prova, aceites por acordo, consta:

“5 - Apurar quem custeou, e de que forma, o projeto, a mão-de-obra, os materiais e a maquinaria.

6 - Apurar se as referidas benfeitorias foram doadas pelos pais e irmãos do réu ao mesmo ou ao casal.”


Nas alegações da apelação, a A. apelante considerou incorrectamente julgados, entre outros, os seguintes pontos:

“(…) Existia então, entre Réu, seu pai e irmãos um acordo mútuo segundo o qual, para a construção da casa de família de cada um dos filhos, todos contribuíram em igual medida, com a sua mão-de-obra, de forma totalmente gratuita (Ponto 21); Sem qualquer contrapartida que não a prestação de mão-de-obra dos demais irmãos na construção da sua própria casa (Ponto 22); Quanto a materiais aplicados nas ditas obras, eles proviriam da empresa de construção civil familiar, supra identificada “CC-Lda.” (Ponto 23); Tratava-se de um acordo de oferenda por parte dos pais e favores recíprocos entre irmãos, em que cada irmão trabalharia gratuitamente nas obras da casa de todos os seus irmãos (Ponto 24), Aplicando nessas obras materiais (excedentários de outras obras, maioritariamente) exclusivamente provenientes da referida sociedade de construção-também ela de propriedade familiar-ou adquiridos diretamente pelo pai do Réu (Ponto 25); Sem que qualquer irmão tivesse de custear ou pagar, a expensas próprias, qualquer despesa com tais obras e edificações (Ponto 26); Já que seria o pai de todos, através da referida empresa, a suportar todos esses custos (Ponto 27); No caso concreto, foi prometido, por seu pai e seus irmãos, que também assim sucederia nas obras a realizar sobre o prédio doado ao Réu (Ponto 28); E assim sucedeu (Ponto 29);Tendo sido usados exclusivamente materiais de construção fornecidos pela empresa “CC”, facultados gratuitamente e com o acordo do pai do Réu, do Réu e dos demais irmãos (Ponto 37); Provenientes de excedentes de outras obras da dita sociedade (Ponto 38); As máquinas e ferramentas aí utilizadas eram também propriedade da família do Réu e da referida sociedade (Ponto 39); A mão-de-obra de tais trabalhos foi realizada, pelo próprio Réu e pelos seus irmãos HH, GG e II (Ponto 40); A “CC” não forneceu apenas “a maquinaria e a telha”: ofereceu, além disso, todos os demais materiais aplicados nas benfeitorias em causa. (Ponto 41).”.


No que aqui releva, a Relação, após a reapreciação da prova gravada, teve como demonstrados os seguintes factos:

Factos provados (após reapreciação da matéria de facto) (…)

18) As máquinas e ferramentas utilizadas nos trabalhos de remodelação do prédio, no que ao esqueleto concerne, eram propriedade da sociedade “CC”.

19) A mão-de-obra dos trabalhos de remodelação no prédio, foi realizada pelo próprio Réu e seus irmãos no que ao esqueleto concerne.

20) A "CC" forneceu pelo menos a “maquinaria e a telha”.

(factos aditados e provenientes dos não provados)

21) Dos trabalhos de remodelação operados no prédio referido em 2) dos factos provados, A. e R. suportaram os custos de material e mão-de-obra referentes aos acabamentos que no mesmo foram executados, após finalizado o esqueleto, em valor não apurado. (…)”.


Confrontando o que consta das alegações da petição inicial e da apelação com os factos tidos como provados; e tendo-se como dado adquirido que o julgador, na redacção da matéria de facto, não está sujeito aos exactos termos e expressões empregues pelas partes nos articulados, é possível constatar o seguinte:

- O teor dos factos 18 e 20 dados como provados pela Relação está intrinsecamente relacionado com o teor do artigo 11.º da p.i. (e, em certa medida, também com o teor do artigo 9.º desse articulado) e com o que constava dos factos 29, 37 e 39 da sentença da 1.ª instância, cujo teor não foi questionado pelo aqui Recorrente. Relativamente ao que ali se alegou e ao que ali se demonstrou, o teor daqueles outros factos representa um minus, resultante, porventura, de não se ter apurado que a maquinaria da empresa “CC” teve intervenção em todas as fases dos trabalhos levados a cabo no prédio doado. Daí que, se apenas se demonstrou que os bens dessa empresa foram empregues na edificação do “esqueleto” e não em toda a construção, não se vê qualquer razão que impedisse que a Relação pudesse inscrever tal factualidade na decisão. Observa-se ainda que a substituição do verbo “oferecer” pelo verbo “fornecer” (aliás, já efectuada na sentença apelada) se revela consentânea com a exigência de qualidade e genuinidade na instrução da causa, já que o primeiro, neste contexto, se revela de pendor eminentemente conclusivo.

- O teor do facto 19 mostra-se em estreita correlação com o que se inscreveu no artigo 10.º da p. i. e com o que figurava nos factos 29 e 40 da sentença apelada, cujo teor não foi questionado pelo Recorrente. Também aqui nos deparamos com uma situação em que o que se provou ficou aquém do que se alegou porquanto não se demonstrou que a mão-de-obra do Recorrente e dos seus irmãos tenha sido empregue em todo o prédio (como inicialmente invocara a A.) mas apenas na sua estrutura.

- Finalmente é inequívoco que o facto 21 provém, em parte, do que se alegou no artigo 12.º da p. i. e do que constava dos factos 29 e 41 da sentença recorrida. Todavia, não se demonstrou que as partes tivessem custeado todos os materiais empregues no prédio mas apenas aqueles que foram usados nos acabamentos. É, no entanto, claro que a redacção desse facto não se conteve nos estritos limites do alegado (que, recorde-se, cingia-se aos materiais adquiridos à “DD”), já que ali se alude indistintamente a materiais (ou seja, sem ressalvar a identidade do fornecedor dos mesmos) e à mão de obra dos acabamentos.


Feita esta comparação, vejamos que conclusões podem ser tiradas.

A recondução da alegação da A. aos estritos limites do que resultou da instrução (o que, como se disse, se verifica relativamente aos factos 18, 19 e 20) não se confunde com a adição de factos essenciais ou ainda de factos complementares ou de factos concretizadores daqueles, não correspondendo, de igual modo, à consideração de factos instrumentais ou probatórios. Por isso, ainda que se observe que a A. não manifestou vontade de se prevalecer desses factos, é evidente que o comando contido na alínea b), do n.º 2, do art. 5.º, do CPC, não era aplicável ao caso, razão pela qual se deve considerar que o princípio do dispositivo, o princípio do contraditório e o princípio da igualdade não foram aqui desrespeitados.

     A mesma conclusão não pode, porém, ser extraída, sem mais, quanto ao conteúdo do facto 21 (“Dos trabalhos de remodelação operados no prédio referido em 2) dos factos provados, A. e R. suportaram os custos de material e mão-de-obra referentes aos acabamentos que no mesmo foram executados, após finalizado o esqueleto, em valor não apurado. (…)”. Com efeito, a demonstração de que a A. e o R. suportaram custos com a mão-de-obra empregue e com todos os materiais usados na fase dos acabamentos corresponde à prova de factos complementares resultantes da instrução da causa.

      Na perspectiva do R. Recorrente tal seria inadmissível por colidir com o valor confessório dos factos alegados pela A. (arts. 9º a 11º da p.i.) quanto à proveniência da mão de obra, da maquinaria e da telha. A qual, em contrapartida, alegou que “Autora e Réu pagaram todo o material, que foi adquirido na empresa DD” sem distinguir entre a fase da estrutura e a fase dos acabamentos.

       Afigura-se estar aqui em causa a natureza indivisível da confissão (art. 360º do Código Civil). A versão da A. sobre a origem dos diferentes factores necessários aos trabalhos de construção no prédio dos autos só teria força probatória plena se os factos fossem considerados na sua totalidade e não separadamente, como pretende o R., aqui Recorrente, cabendo a este fazer prova da inexactidão dos factos favoráveis à confitente, o que não foi feito.


      Assinale-se também que, em sede de apelação, a A. manifestou vontade de aproveitar o material probatório que, a seu ver, evidenciava que a gratuitidade da mão-de-obra empregue se cingia à fase das estruturas e que todos os materiais foram adquiridos pelas partes (cfr. parte final da 25.ª conclusão da apelação, a fls. 262). Ora, o R. nas contra-alegações desse recurso (cfr., em particular, as concls. 13 a 28, constantes de fls. 314 a 316) exerceu o contraditório relativamente a essa factualidade, pugnando pela total improcedência do recurso.

       Assim sendo, considera-se que estavam reunidas as condições processuais para que, nos termos previstos na alínea b), do nº 2, do art. 5º, do CPC, viesse a Relação a considerar tais factos complementares na decisão que tomou. Por aqui se conclui que, ao dar como provado o facto 21, a Relação não infringiu o princípio do dispositivo, o princípio do contraditório e o princípio da igualdade.


8.2. Importa ainda notar que as decisões-surpresa são apenas aquelas que assentam em fundamentos que não foram anteriormente ponderados pelas partes.

Tendo a A., na apelação, expressado claramente a pretensão de modificar a matéria de facto naqueles termos (os quais contemplavam já a distinção – que é facilmente apreensível pelo recurso ao senso comum – entre “esqueleto” e “acabamentos”), não se pode considerar que a Relação, ao acolher parcialmente essa pretensão, tenha fundado a decisão em factos com os quais o aqui Recorrente não podia razoavelmente contar.

Aliás, ao cingir o confronto entre o que consta da petição inicial e o que se teve como provado, o Recorrente pretende ignorar a forma como o processo foi evoluindo, tendo em conta o teor da contestação, os pontos 5 e 6 dos temas da prova, a prova testemunhal produzida, e, finalmente, o conteúdo das alegações e contra-alegações do recurso de apelação.


8.3. Por fim, e quanto ao alegado desrespeito pelo princípio da igualdade (artigo 4.º do CPC), deve ter-se presente que tal princípio visa exclusivamente assegurar que ambas as partes dispõem das mesmas faculdades para fazerem valer os seus interesses e que estão sujeitas a ónus e cominações similares ou semelhantes, e ponderando que o Recorrente teve a possibilidade de contraditar a pretensão formulada pela A. na apelação (como, aliás, veio a fazer), considera-se que a inclusão dos factos questionados pelo Recorrente nos factos provados não representa um desvio a tal princípio.


Conclui-se, assim, não ter a Relação incorrido em violação do princípio do dispositivo, do princípio do contraditório e do princípio da igualdade de armas, ao utilizar os seus poderes de alteração da decisão relativa à matéria de facto.


9. Relativamente à questão do erro na interpretação e aplicação da presunção prevista no artigo 1725º do Código Civil, alega, no essencial, o Recorrente que “A presunção legal aplicada pelo Tribunal foi expressamente ilidida pela alegação de facto que constitui a própria causa de pedir da Autora”.

Não tem o Recorrente razão.

Na medida em que, como explanado nos pontos anteriores do presente acórdão, se concluiu ter a Relação respeitado a disciplina processual ao dar como provado o facto 21 (“Dos trabalhos de remodelação operados no prédio referido em 2) dos factos provados, A. e R. suportaram os custos de material e mão-de-obra referentes aos acabamentos que no mesmo foram executados, após finalizado o esqueleto, em valor não apurado”), não merece censura a decisão de direito assente na aplicação da presunção de comunicabilidade do art. 1725º do CC.


10. Quanto à questão da alegada não admissibilidade da condenação genérica por ininteligibilidade, está em causa o teor da decisão do acórdão recorrido de “Condenar o R. a reconhecer à aqui A. o direito ao valor correspondente a ½ do valor aportado ao imóvel de sua pertença e referido em 2) dos factos provados, por força dos acabamentos nele executados após finalizado o esqueleto, conforme referido em 21) dos factos provados.”, remetendo a liquidação para incidente posterior.

Considera-se que a distinção entre “esqueleto” (como equivalente a estruturas) e “acabamentos” do prédio dos autos possui a precisão bastante para efeitos de liquidação ao abrigo dos arts. 358º e segs. do CPC, podendo, se necessário, ser ordenada produção de prova pericial (art. 361º, nº 4, do CPC).

Conclui-se, assim, pela admissibilidade da condenação genérica do acórdão recorrido.


11. Finalmente, invoca o Recorrente a inconstitucionalidade da decisão por violação dos arts. 13º e 20º da Constituição, sem contudo, substanciar em que consiste a violação. Não pode, assim, conhecer-se a questão.


12. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 08 de fevereiro de 2018


Maria da Graça Trigo (Relator)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho