Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
921/19.7JAPRT-N.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DE FACTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
AUTORIA MORAL
Data do Acordão: 09/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - No presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, pese embora se verifiquem os requisitos formais (artigos 437.º e 438.º do Código de Processo Penal), não estão reunidos os requisitos de ordem substancial de que depende a sua admissibilidade, os quais, segundo a lei e o que tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, consistem na i) oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, que devem ter sido proferidos no domínio da mesma legislação; ii) a questão decidida em termos contraditórios deve ter sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, tomada a título principal, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas ou de contraposição de fundamentos ou de afirmações; iii) as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico devem ser substancialmente idênticos, por só assim ser possível aferir se para a mesma questão jurídica foram adoptadas soluções opostas e iv) a vexata quaestio, não deve ter sido objecto de anterior fixação de jurisprudência. Com efeito,

II - No acórdão recorrido o arguido foi condenado, pela prática de um crime de incêndio na forma tentada, um crime de incêndio na forma consumada, um crime de homicídio qualificado e cinco crimes de homicídio qualificado, na forma tentada (artigos 22.º 23.º, 272.º n.°1, alínea a), 272.º n.° 1, alínea a), 131.º 132.º, n.°s 1 e 2, alíneas e) e h), do Código Penal), todos enquanto autor não material, visto se ter demonstrado que o arguido teve o efectivo domínio relativamente à decisão dos executores, não identificados, de realizar o facto, tendo sido o mesmo a determinar a vontade destes e a facultar-lhes modo de entrada no edifício onde foram praticados os crimes em causa.

No acórdão fundamento, por seu turno, estava em causa o apoderamento “por alguém desconhecido” de vários documentos em poder da Câmara Municipal referentes a projecto de construção apresentado pelo arguido com vista à construção de um prédio (art.º 424.º parágrafo 3.º, do Código Penal de 1986 e art.º 396.º n.º 1 do Código Penal de 1982), a fim de que decorridos mais 90 dias se obter o deferimento tácito de licenciamento da referida construção. Nesse acórdão não foi o arguido condenado ou absolvido, tendo-se antes determinado a baixa dos autos à Relação, a fim de se proceder a novo julgamento, a fim de se apurarem factos dos quais se pudesse concluir ter sido o arguido o autor moral do referido ilícito criminal.

III - Assim, para além das situações de facto não serem idênticas nos dois acórdãos, ao contrário do sustentado pelo recorrente, no acórdão fundamento não se defende que para que o autor mediato seja condenado tenha de haver uma identificação total dos executores, mas tão só que tem de haver uma identificação do seu autor material, ainda que precária (mas suficiente), para se concluir que o autor mediato dolosamente determinou o outro à prática do facto. Entendimento esse também resultante do acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:
Proc. 921/19.7 JAPRT.P1.S1

5.ª Secção Criminal

Recurso de fixação de jurisprudência

Acordam em conferência na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório

1.1. AA, vem, ao abrigo do disposto no art.º 437.º n.º 2 e n.º 4, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, indicando, nos termos do art.º 438.º n.º 2, do mesmo diploma, os Acórdãos em oposição:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. 921/19.7 JAPRT.P1.S1, da 3.ª Secção, em que foi Relatora a Exma. Senhora Juíza Conselheira Teresa de Almeida, datado de 13 de Julho de 2022, e transitado em julgado a 13 de Outubro de 2022, na medida em que entendeu que: “A não identificação precisa dos executores não impede a imputação dos crimes, como autor, àquele que da decisão dos restantes foi dominus e beneficiário.”(doravante Acórdão Recorrido);

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 38850 da 3.ª Secção, proferido a 28 de Julho de 1987, em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Almeida Simões, transitado em julgado a 12 de Outubro de 1987, na medida em que neste se entendeu que: “Não é possível a punição a título de autoria moral sem que esteja identificado o autor material, …”, conforme Certidão do mesmo que se remete em anexo, (doravante Acórdão Fundamento).

O Acórdão Recorrido julgou ser possível a punição a título de autoria moral sem que esteja identificado o autor material.

- Do Acórdão Fundamento (ac. STJ de 28/07/1987, publicado no BMJ, 369, 392):

No Acórdão Fundamento está assente que: “No decurso de diligências para obter da Câmara Municipal ... a aprovação de um projecto de construção civil, pedira a pessoas não identificadas se apoderassem da respectiva documentação, o que surtiu efeito, que essas pessoas, procederam de harmonia com a pretensão do arguido, apossando-se de tal documentação que estava à guarda de funcionários da referida autarquia, o que lhe permitiria invocar oportunamente o deferimento tácito de licenciamento da mencionada construção autoria moral.”

Mais resultou provado que:

“As pessoas que se apoderaram do original do processo, da cópia deste e da cópia de ofícios, nos termos referidos, actuaram a pedido do réu.”;

“E de combinação com este.”;

“Feita, pelo menos, alguns dias antes.”;

“Apenas tal pedido determinou essas pessoas a apoderarem-se dos respectivos documentos.”;

“Sendo propósito do réu subtraí-los assim, como de facto subtraiu, ao poder público a que estavam sujeitos, sob a guarda de funcionários administrativos no exercício das suas funções.”.

Tal como no Acórdão Recorrido, também neste Acórdão Fundamento houve executores, não identificados, os que fizeram desaparecer temporariamente os projectos (de arquitectura; de betão armado; de águas; de esgotos; de electricidade), com vista à aprovação tácita do licenciamento da construção do prédio, e cujo único beneficiário era o ali Arguido.

Em face da matéria dada como assente, o Acórdão Fundamento julgou, nos termos do seu sumário:

“Não ser possível a punição a título deautoriamoral sem queesteja identificado o autor material, ainda que se trate de uma precária individualização desde que suficiente para se concluir que o autor mediato dolosamente determinou outrem à pratica do facto.”.

Entre os Acórdãos - Recorrido e Fundamento - verifica-se, pois, oposição de julgados relativamente à mesma questão de Direito – art.º º26.º do Código Penal,tendo ambossido proferidos no âmbito da mesma legislação, o Código Penal vigente, ou seja, desde a aprovação do Código pelo DL n.º 400/82, de 23 de Setembro a até à data da prolação de Decisão deste Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão aqui Recorrido permanece inalterada nestes 40 anos de vigência da codificação penal (nos termos e para os efeitos do disposto no art.º º 437.º, n.º 3, do CPP

II. Outros requisitos:

- Da similitude de factos:

Embora as questões fácticas subjacentes ao Acórdão Recorrido e ao Acórdão Fundamento sejam distintas, a verdade é que isso para a apreciação da contradição – clara e frontal – sobre a questão de Direito em pauta, que foi decidida de forma diferente nos dois Acórdãos.

Neste sentido, leia-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/12/2007, proferido no Proc. n.º 07P3993, em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Simas Santos: “apesar dos casos concretos apreciados apresentarem particularidades diferentes, tal não impede que a questão de direito em apreço seja fundamentalmente a mesma e haja sido decidido de modo oposto.”.

E ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/07/2014, proferido no Proc. n.º 990/13.5 T2OBR.C3-A.S1, em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Raul Borges:“esta diversa forma de colocar perante o Tribunal de recurso exactamente o mesmo problema, demanda a aplicação do mesmo quadro normativo, entendido na sua globalidade e não de modo sectorial, pelo que é de afirmar a identidade da questão de direito.”.

Sobre o tema escreveu André Lamas Leite 1, em termos que merecem a nossa total concordância, concluindo que uma certa orientação jurisprudencial desse digníssimo Tribunal é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade processual penal, recolhido no art.º º 29.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), porquanto em lado algum da regulamentação do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência se exige que exista “similitude de factos” ou “mesmidade de factos” para que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie o presente recurso extraordinário.

Nas palavras desta Autor, “À revelia do teor expresso e cortante do disposto no n.º 1 do art.º º 437.º, o STJ inscreveu na norma plasmada epositivada pelo legislador um novo inciso legal. Subrogando-se arbitrariamente ao papel, ao estatuto e à função de legislador, o Tribunal Supremo substituiu a expressão legal «relativamente à mesma questão de direito» pela fórmula, por certo mais exigente, «relativamente à mesma questão de direito, suscitada por idêntica situação de facto». O Supremo alargou o quadro de pressupostos de que a lei faz depender a admissibilidade do recurso. E porque o faz sine lege ou praeter legem, tal foi possível arrogando-secompetências quea CRP reservou em exclusivo ao legislador. Donde, resulta a interposição apócrifa de um novo, autónomo e não escrito inciso.

Para além disso, fê-lo estreitando, de jeito ilegítimo, as hipóteses de admissibilidade do recurso, nessa mesma medida cerceando drasticamente as garantias de defesa do arguido. De forma mais ou menos directa e mais ou menos exposta, ela choca com princípios constitucionais como a eminência da legalidade, reserva de lei, separação de poderes e garantias de defesa. O Tribunal ultrapassou as fronteiras da legalidade, como instância normativo-constitucional de legitimação das intromissões na esfera de liberdade e reserva do arguido. Como vimos supra, categoria e princípio transcendental de todo o processo penal, a legalidade aflora em dispositivos constitucionais como os artigos 18.º (n.º 2 e 3), e 165.º, n.º 1, al. c), preceitos em que vai outrossim coenvolvida a consagração do princípio de reserva de lei. O Tribunal move-se, ainda, em clara oposição e violação do princípio de divisão de poderes, consagrado inter alia no art.º º 111.º Tudo a projectar-se em uma acentuação redução das garantias de defesa do arguido, à revelia do disposto no n.º 1 do art.º º 32.º da CRP. Não seria outrossim desajustado convocar a violação do direito fundamental do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva (art.º º 20.º da Constituição).”.

Continua depois aquele Professor a explicar a razão de ser da violação do princípio da separação e interdependência dos poderes do Estado (art.º º 111.º da CRP) e da legalidade e reserva de lei (art.º º 29.º da CRP e art.º º 1.º do Código Penal), em termos que aqui damos por integrados e reproduzidos, por comodidade e celeridade processual e a cuja linha argumentativa aderimos in totum.

Ou seja, se V. Exas. entenderem que se não verificam, no presente processo, todos os requisitos legais (note-se) – e não aqueles que resultam de um acrescento ilegal e desconforme à Constituição que se vem fazendo em vários arestos desse Alto Tribunal – estarão a laborar em uma hermenêutica materialmente inconstitucional, a qual desde já se invoca e cujo conhecimento – sendo caso disso – se requer, por violação dos citados artigos 20.º, 32.º, n.º 1, 111.º e 165.º, n.º 1, al. d), todos da Lei Fundamental (cf., ainda, o art.º 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).

A questão de Direito sob controvérsia foi essencial para a decisão proferida no Acórdão Fundamento, bem como para a decisão proferida no Acórdão Recorrido, porquanto ela constituiu o cerne para a decisão de absolvição no primeiro e para a confirmação da condenação no segundo. Ou seja, dependendo da interpretação jurídica que se faça do art.º º 26.º do Código Penal no sentido de admitir ou não a punição do autor mediato quando se não saiba quem é ou se não possa punir – por qualquer razão de Direito substantivo ou adjectivo – o autor imediato ou material, o sentido último da decisão será absolutamente oposto.

Ora, não se configura hipótese mais evidente, se bem vemos as coisas, de absoluta essencialidade da hermenêutica jurídica que se venha a fazer como conditio sine qua non para o desfecho da decisão judicial.

Termos em que,

REQUER A V. EXA. se digne admitir o presente recurso, devendo ser fixada Jurisprudência que determine se é ou não possível a punição a título de autoria moral – mediata ou instigação -sem que esteja devidamente identificado o autor material.

Não sendo a tal legalmente obrigado, sempre se consigna que o recorrente se pronuncia no sentido que está vertido no Acórdão Fundamento, pelos motivos de Direito que expendeu no recurso para esse Alto Tribunal nas respectivas alegações, bem como dos pareceres jurídicos que juntou e que deu origem ao Acórdão Recorrido.

1.2. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1 – Está em causa, na presente resposta, a admissibilidade do recurso, o seu regime e a existência de oposição de julgados (n.º 3 do art.º º 440.º do CPP)

2 – Questão previa – foi omitido pelo recorrente que, foi arguida a nulidade do acórdão, com relação ao tema em discussão neste recurso para fixação de jurisprudência, tendo essa arguição sido apreciada por decisão de ... de ... de 2022, pelo que, considerando as normas dos artigos 613.º e seguintes do Código de Processo Civil, apud o art.º º 4.º do CPP, esse ultimo acórdão deve ser tido em consideração.

3 – Foi tempestivamente interposto.

4 – É identificado o acórdão com o qual o acórdão recorrido alegadamente se encontra em oposição e, procura-se justificar a invocada oposição de julgados que origina o conflito de jurisprudência.

5 – Mas não assiste razão ao recorrente, não devendo prosseguir o recurso por não se verificar a pretendida oposição de julgados.

6 – Na síntese do recorrente, que se aceita, pode-se extrair do acórdão recorrido que: "a não identificação precisa dos executores não impede a imputação dos crimes, como autor, àquele que da decisão dos restantes foi dominus e beneficiário."

7 – Mas a síntese que faz do acórdão fundamento: "Não é possível a punição a título de autoria moral sem que esteja identificado o autor material, ... " é truncada e não corresponde ao conteúdo do mesmo aresto.

8 – A esse conteúdo corresponde o sumário constante da Base de Dados do Supremo Tribunal de Justiça: «Não é possível a punição a título de autoria moral sem que esteja identificado o autor material, ainda que se trate de uma precária individualização, desde que suficiente para se concluir que o autor mediato dolosamente determinou o outro à prática do facto», que não está em oposição com o acórdão recorrido.

9 – No acórdão fundamento entende-se que a imputação dos crimes, como autor, àquele que da decisão dos restantes foi dominus e beneficiário não exige a identificação precisa (determinada com exactidão, certa, exacta, detalhada) dos executores, mas não dispensa a identificação mínima que garanta a sua existência intervenção em relação com o auto rem causa!

10 – O entendimento do acórdão fundamento, na síntese dos Bases de Dados, vai no mesmo sentido, Segundo o qual, só seria afastada a punição a título de autoria moral sem o autor material estivesse identificado, bastando uma individualização precária, suficiente para se concluir que o autor mediato dolosamente determinou o outrem à prática do facto, não sendo portanto necessária uma identificação precisa.

11 – Pode, assim, afirmar-se a existência de concordância dos dois acórdãos postos em confronto e não a sua oposição.

12 – A leitura do acórdão fundamento, que se fez no texto desta resposta, não deixa, segundo cremos, dúvidas de que a síntese da doutrina que resulta do acórdão fundamento é a que consta da Base de Dados do Supremo Tribunal de Justiça.

13 – Comoseadiantou,orecorrentearguiu a nulidadedadecisãorecorrida, conhecida a ... de ... de 2022 na qual foi invocada, além do mais, a nulidade de omissão de pronúncia, quanto à posição assumida pelo Supremo Tribunal no acórdão, agora invocado como acórdão fundamento.

14 – Neste acórdão que conheceu da nulidade arguida, entendeu o Supremo Tribunal que se não verificava qualquer oposição no entendimento dos dois arestos, analisando detalhadamente o teor do acórdão recorrido e fundamento, em termos recolhidos no texto desta resposta, a que se adere.

15 – Como se adiantou, nos termos do n.º 1 do art.º º 437.º do CPP, tem lugar o presente recurso, quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas.

16 –Mas, o Supremo Tribunal, no acórdão fundamento, entendeu, então, ser aresposta positiva dos quesitos identificados surpreendentequantoàs relações com o instigador, pelo que deveria ser ampliada a matéria de facto – a ratio decidendi, por forma a garantir precariamente embora que tinha havido interacão entre alegados executores e o instigador quanto à execução do crime em causa e decidiu pela descida dos autos para a ampliação da matéria de facto.

17 – O restante aparece como mero obiter dictum.

18 – Não há, pois, decisões (julgados) em oposição.

Termos em que, não se verificando oposição de julgados, o recurso deve ser rejeitado – n.º 1 do art.º 441.º do CPP.

1.3. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

- Não se mostram reunidos os requisitos constantes dos art.º 437º e 438º do Código de Processo Penal para se ver admitido o recurso;

- Pois que, se os requisitos formais se verificam;

- Já o mesmo não existe quanto ao requisito da existência de oposição de julgados;

- Porquanto as decisões proferidas nos acórdãos partem de factualidade diversa;

- Nem chegando a decisão no acórdão recorrido sido definitiva, antes tendo determinado a repetição do julgamento;

- Nunca aí se tendo declarado expressamente, ao contrário do alegado, que não se mostra possível a condenação do autor mediato sendo desconhecida a identidade do autor material;

- Mas sim que essa condenação seria possível, mesmo que se estivesse perante uma precária identificação, mas suficiente para se concluir que o autor imediato dolosamente determinou outro à prática do facto;

- Não existindo, desta forma, qualquer divergência de entendimento relativamente ao que o foi nos presentes autos.

- Pois que também aqui se exigiu a verificação de algumas exigências para se poder condenar o autor mediato, não que a condenação deste seria possível sem que nenhum elemento reportado ao autor material fosse alcançado.

Assim sendo, o Ministério Público entende que não se verificam todos os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário interposto, pelo que não deverá o mesmo prosseguir.

1.4. Notificado o recorrente da posição assumida pelo Ministério Público no STJ, para efeitos de contraditório, o mesmo nada disse.

1.5. Foi realizado o exame preliminar e colhidos os vistos.

Cumpre apreciar e decidir

2. Fundamentação

No presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, requer o recorrente a fixação da jurisprudência no sentido de se determinar “se é ou não possível a punição a título de autoria moral – mediata ou instigação - sem que esteja devidamente identificado o autor material”.

Como é sabido, para além dos recursos ordinários, contempla o Código de Processo Penal como recurso extraordinário, para além de outros, o recurso de fixação de jurisprudência, que se mostra regulado, para o que ora releva, nomeadamente, nos seus artigos 437.º e 438.º.

Aí se dispõe que:

Artigo 437.º - Fundamento do recurso

“1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 - O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público”.

Artigo 438.º - Interposição e efeito

“1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.”

Através do recurso de fixação de jurisprudência pretende-se a uniformização dos critérios interpretativos que garantam a unidade do ordenamento jurídico penal ou processual penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei. Trata-se, por conseguinte, de harmonizar a certeza do direito com o respeito pela justiça.

Como ensinava o Prof. Alberto do Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, Vol. V, pág. 233 - 234, “(…) o princípio da liberdade de interpretação da lei de que gozam os tribunais pode conduzir a resultados indesejáveis, dando origem a interpretações divergentes e a diverso tratamento jurídico em casos particulares perfeitamente idênticos. E assim o princípio da igualdade perante a lei torna-se uma ficção e um mito. A máxima constitucional – a lei é igual para todos – fica reduzida a fórmula vã, se em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional a casos concretos rigorosamente iguais corresponderem soluções jurídicas antagónicas ou divergentes. O que importa essencialmente, para efeitos práticos, é a actuação concreta da lei e não a sua formulação abstracta. Sente-se, pois, a necessidade de conciliar o principio da liberdade de interpretação da lei com o principio da igualdade da lei para todos os indivíduos. Quer dizer, reconhece-se a conveniência de tomar providências tendentes a assegurar, quanto possível, a uniformidade da jurisprudência.” (Itálicos e sublinhados nossos)

Sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário (através do qual se pretende a anulação do caso julgado) a utilização deste tipo de recurso depende da verificação de um conjunto de requisitos de ordem formal e substancial que se mostram elencados nos referidos normativos legais.

Assim, constituem requisitos formais do recurso de fixação de jurisprudência, os seguintes:

1. Os acórdãos em conflito serem de tribunais superiores, ambos do STJ, ambos de tribunal da Relação, ou um – o acórdão recorrido – de Relação, mas de que não seja admissível recurso ordinário, e o outro – o acórdão-fundamento – do STJ;

2. O trânsito em julgado dos dois acórdãos;

3. A interposição do recurso em 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido).

4. A identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão-fundamento).

5. A indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão-fundamento.

6. A indicação de apenas um acórdão-fundamento.

7. A legitimidade do recorrente, restrita ao Ministério Público, ao arguido, ao assistente e às partes civis.

8. A justificação/fundamentação da oposição.

Constitui requisito de ordem substancial, a oposição de julgados entre os acórdãos em questão, que devem ter sido proferidos no domínio da mesma legislação.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a questão decidida em termos contraditórios deve também ter sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, tomada a título principal, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas ou de contraposição de fundamentos ou de afirmações.

As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico devem ser substancialmente idênticos, por só assim ser possível aferir se para a mesma questão jurídica foram adoptadas soluções opostas.

E a vexata quaestio não deve ter sido objecto de anterior fixação de jurisprudência (Vd. Ac. do STJ de 24.02.2022, proc. 42/16.4GDCTX.L1-A.S1, in www.dgsi.pt).

Nessa linha fez-se constar (sumário) no Ac. do STJ, de 20-10-2011, proc.1455/09.3TABRR.L1-A.S1, disponível no mesmo local, que:

«IV - A exigência de oposição de julgados, de que não se pode prescindir na verificação dos pressupostos legais de admissão do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do art.º 437.º, n.º 1, do CPP, é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente de modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.

V -A estes requisitos legais, o STJ, de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. E, sendo o recurso em causa um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento comum do STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso se deve fazer com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) a essa excepcionalidade”.

No presente caso, mostram-se, inequivocamente, preenchidos os requisitos de ordem formal.

Com efeito, o recorrente, enquanto arguido, tem legitimidade para interpor o presente recurso de fixação de jurisprudência. Identificou adequadamente o acórdão fundamento, juntando a respectiva certidão. Os acórdãos recorrido e fundamento estão transitados em julgado. E o recurso é tempestivo, visto ter sido interposto no 3.º dia útil após esse trânsito, tendo sido liquidada a competente multa processual (art.º 107.º - A, do CPP).

Relativamente ao pressuposto substancial, não obstante se tratar de dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da mesma legislação (o art.º 26.º do Código Penal, referente à autoria, mantém inalterada a sua redacção), cotejada a matéria factual e as decisões proferidas, desde já adiantamos que inexiste uma efectiva oposição de julgados.

Na verdade,

No acórdão recorrido, foi o arguido condenado pela prática de um crime de incêndio na forma tentada, um crime de incêndio na forma consumada, um crime de homicídio qualificado e cinco crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, todos enquanto autor não material.

Resulta provado no acórdão recorrido, nomeadamente, que:

“40. Assim, de acordo com as instruções dadas pelo arguido AA, no dia ... de ... de 2019, entre as 02h00 e as 03h00, pessoas não identificadas, agindo sob as ordens e orientações do arguido AA, utilizando a chave que por este lhes foi entregue, e sabendo que os residentes ali se encontravam, entraram no imóvel sito na ..., e ao nível do 1º piso, usando um produto acelerante da combustão de características não concretamente apuradas, derramaram-no sobre o lambrim de madeira com cerca de 30 cm de altura, junto de uma caixa elétrica aí existente mas desativada e atearam fogo no imóvel, o qual, por motivos alheios à sua vontade, apenas não provocou mais danos, por ter tido uma fraca evolução e devido à intervenção dos bombeiros, que foram chamados por terceiros.

39. Em virtude da sua ação não ter, de novo, logrado o efeito pretendido, o arguido AA decidiu atear outro fogo ao edifício, com vista à destruição do locado.

40. Assim, e de acordo com as instruções dadas pelo arguido AAno dia ... de ... de 2019, entre as 03h00 e as 04h30, utilizando a chave que o arguido AA lhes havia entregue, e sabendo que os residentes ali se encontravam, indivíduos não identificados, actuando sob as ordens e orientações daquele, entraram no imóvel sito na Rua ..., e ali provocaram incêndio em três pontos distintos da escadaria do prédio de acesso ao 3º andar, em estruturas de madeira (escadaria e painéis de apoio), com recurso a rega com produto acelerante da combustão de características não concretamente apuradas e adição de chama, cuja evolução foi inicialmente insidiosa pela hora a que ocorreu e posteriormente descontrolada.»

Por seu turno, no acórdão fundamento de 28-07-1987, proc. n.º 857/13.5TFPRT-A.P1], consta que:

“2. Os factos que, por agora, importa reter são os que vêm noticiados nas respostas aos quesitos 21º e seguintes, não modificados ao nível da Relação, e que podemos assim sumariar:

- Na sequência de indeferimentos de pedidos para a construção de um prédio de vários pisos em terreno do requerente BB, na freguesia de ..., apresentou esses interessado na Câmara Municipal ..., em ... de ... de 1981, nova petição para o pretendido licenciamento, documentada com projectos de arquitectura, de betão armado, de electricidade, de esgotos e de abastecimento de águas, além de outra colecção de projectos destinados à Delegação de Saúde (não era habitual a apresentação de tais elementos);

- A Secretaria do Município registou a documentação na referida data dando o original entrada no departamento técnico de obras no dia seguinte;

- Alguém “não identificado apoderou-se” daquele original e da documentação nele contida, como também se “apoderou” da cópia do projecto de electricidade que se encontrava nos Serviços Municipalizados (isto em ........81 ou rem dos dias imediatos) 1

- Em data não apurada de ..., posterior a ... e anterior a ..., “alguém não identificado apoderou-se” da cópia de um ofício de ........1982, arquivada na secretaria de obras (fotocópia de fls. 184), ofício expedido para a residência do CC e a ele destinado, informando-o de que o projecto de águas e saneamento não se encontrava elaborado de acordo com as disposições regulamentares aplicáveis;

3. Até este momento temos que um conjunto de documentos sob a guarda da estação municipal poveira e relativos ao pedido de licença para construir, formulado pelo ora recorrente, foram decolá distraídos, mais precisamente, alguém não identificado deles se apoderou.

[…]

Ora, surpreendentemente, nas relações entre um réu que nunca confessou os factos (ver em especial, a resposta ao quesito 78º) e desconhecidos (cidadãos não identificados), conseguiu a 1.ª instância dar como provado:

Quesito 46º. - As pessoas que se apoderaram do original do processo, da cópia deste e da cópia do ofício, nos termos referidos, actuaram a pedido do réu.

Quesito 47º. - E de combinação com este.

Quesito 48.º - Feita, pelo menos, alguns dias antes.

Quesito 49º. - Apenas tal pedido determinou essas pessoas a apoderarem-se dos respectivos documentos.

Quesito 50º. - Sendo propósito do réu subtraí-los assim, como de facto subtraiu, ao poder público a que estavam sujeitos, sob a guarda de funcionários administrativos no exercício das suas funções.

[…]

Dissemos que, surpreendentemente, o Tribunal Colectivo alcançou responder de modo positivo aos quesitos acima transcritos.

E assim escrevemos, porque se é certo que o tribunal aprecia livremente as provas e responda segundo a convicção que tenha formado acerca de cada facto quesitado - artigo 655.º, n.º 1, de Código de Processo Civil-, também cabe reconhecer que, em face de uma concreta situação como a que se expôs (réu a negar a instigação e, esta, dirigida a pessoas não identificadas), parece escapar a capacidade de conhecimento dos julgadores afirmar que houve um pedido do CC, endereçada a desconhecidos, mas de tal significado ou premência que os determinou a apoderarem-se dos documentos.

Que meios de prova se teriam inscrito entre a negativa do réu e os não identificados autores materiais a impor, com a imprescindível segurança, as respostas aos indicados quesitos?

[…] perante a inusitada situação que adveio de se deduzir acusação e de se proferir despacho de pronúncia unicamente contra o instigador, cumprirá ordenar que se amplie a matéria de facto, como a permite n.º 3 do artigo 729.º daquele código […]».

(…)

a) Pacifica a doutrina e ao que supomos inequívoca a letra da lei (art.º 26.º do Código Penal de 1982 ( no sentido de que não é possível punir o autor moral sem que esteja identificado o autor material (ainda que se trate de uma precária mas testemunhada individualização como acontece nos casos de crime organizado com os chamados autores de escritório que detendo o domínio dos acontecimentos, designam o executor que de momento convier por via de regra encoberto na massa da criminalidade) haverá que completar o sintagma utilizado com dados adjuvantes que queremos crer não deixariam de ter surgido aquando do julgamento na 1.ª instância (…).

7. De harmonia com o exposto, determinam que os autos baixem à Relação, onde de novo será julgada a causa – art.º 730.º n.º 1 do Código de Processo Civil – tendo-se em conta o que se deixou anteriormente ponderado”.

Como resulta do acórdão fundamento, adianta-se desde já, não houve qualquer decisão no sentido da condenação ou absolvição do arguido, tendo antes sido determinada a ampliação da matéria de facto, e o processo sido reenviado para a Relação, com vista à realização de novo julgamento.

Para além disso, como acima se assinalou, para que se verifique a oposição de julgados, deve ocorrer identidade factual das situações em presença, uma vez que a decisão jurídica não pode ser desligada desse núcleo essencial.

Sucede que o substrato factual de ambas as decisões não é coincidente, atendendo não só aos diferentes crimes em causa, como ao modus operandi, que em concreto resultou assente.

Na realidade, não somente a matéria relativa à execução dos crimes não tem correspondência em ambos os arestos, como no referente à autoria moral e à execução do ilícito através de terceiros, o acórdão recorrido apresenta um grau de concretização (acima assinalado a itálico e a negrito) que não é comparável com o acórdão fundamento (consoante também assinalado supra) – o que conduziu à solução jurídica adoptada.

Assim, consoante consta do acórdão recorrido e do demais circunstancialismo fáctico aí apurado, demonstrado está o efectivo domínio do arguido relativamente à decisão dos executores de realizar o facto, tendo sido o mesmo a determinar a vontade destes e a facultar-lhes modo de entrada no edifício onde foram praticados os crimes em causa.

Aliás, no próprio acórdão recorrido, na sequência do invocado pelo arguido, faz-se referência ao acórdão fundamento nos seguintes termos:

«A não exata identificação dos executores, não obsta à individualização da responsabilidade penal do autor recorrente, em tese e, especialmente, face aos factos provados.

É certo que os executores dos factos existiram e tinham forma humana visível, embora indistinta.

É certo que agiram sob o domínio da decisão do autor, ora recorrente, gerando os pontos de início do incêndio junto à porta de acesso ao 3.º piso, bloqueando assim o único ponto de fuga possível para os únicos residentes do prédio e realizando, deste modo, o fim que, apenas ao arguido aproveitava;

Numa linha do tempo que se inicia com as visitas e atos de coação sobre os residentes, prossegue com o primeiro incêndio, falhado no propósito final e termina no 2.º incêndio, a par da formalização do negócio;

E agiram deste modo preciso, face à interrupção, por ação alheia, do incêndio que, dias antes haviam feito deflagrar;

Tendo praticado todos os indispensáveis atos de execução dos crimes em causa, determinados, dolosamente, pelo autor identificado.

Refira-se, em passagem, que no acórdão deste tribunal citado em motivação pelos arguidos, de 28 de Julho de 1987, no Processo n.º 38850, não existia qualquer elemento sobre a real existência de executores, não se tratando, apenas, de um problema de identificação.

A não identificação precisa dos executores não impede a imputação dos crimes, como autor, àquele que da decisão dos restantes foi dominus e beneficiário.» (Itálicos e sublinhados nossos).

Por outro lado, a própria invocação que é feita pelo recorrente relativamente ao acórdão fundamento é incompleta, pois como resulta do seu texto e do seu sumário, aí se consignou que: “Não é possível a punição a título de autoria moral sem que esteja identificado o autor material, ainda que se trate de uma precária individualização, desde que suficiente para se concluir que o autor mediato dolosamente determinou o outro a prática do facto”.

Nesta medida, no acórdão fundamento não se defende que para que o autor mediato seja condenado tenha de haver uma identificação total dos executores, mas tão só que tem de haver uma identificação do seu autor material, ainda que precária (mas suficiente), para se concluir que o autor mediato dolosamente determinou o outro à prática do facto.

Entendimento esse, aliás, também resultante do acórdão recorrido.

Para além disso, conforme já dito, no acórdão fundamento não se decidiu no sentido da absolvição do arguido, mas apenas que deveria ser indagado um novo conjunto factual, a fim de se poder concluir se o arguido agiu como autor não material. Não existe, pois, decisão expressa no sentido do pretendido pelo recorrente, tendo antes o acórdão fundamento determinado, no dispositivo, o reenvio do processo e a ampliação da matéria de facto.

Assim, por falta de verificação dos pressupostos de que depende a sua admissibilidade, conclui-se pela rejeição do presente recurso de fixação de jurisprudência em virtude de não estarem em causa decisões opostas, expressas e que tenham versado sobre idêntica factualidade (art.º 441.º n.º 1 do CPP).

*

Anota-se ainda, ao contrário do sufragado pelo recorrente, que se não vislumbra ocorrer qualquer das apontadas inconstitucionalidades, pois o tribunal decidiu no âmbito dos seus poderes (artigos 202.º e 203.º da CRP), não ocorrendo violação das garantias de defesa do arguido, que teve oportunidade de impugnar judicialmente as decisões que o condenaram, mostrando-se outrossim salvaguardado o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 32.º e 20.º da CRP).

3. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Rejeitar o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto nos termos do disposto no artigo 441.º, n.º 1, do CPP; e

b) Condenar o recorrente, AA, nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 do CPP e 8.º, n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais), a que acresce, ao abrigo do disposto no artigo 420.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi do artigo 448.º, do mesmo diploma, a condenação do mesmo no pagamento da importância de 4 (quatro) UCs.

Lisboa, STJ, 2024-09-12

(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pela relatora e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP)

Albertina Pereira (Relatora)

João Rato (1.º Adjunto)

Agostinho Torres (2.º Adjunto)