Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE GONÇALVES | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS FUNDAMENTOS PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA INDEFERIMENTO | ||
Data do Acordão: | 06/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO | ||
Sumário : |
I - O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita, independente do sistema de recursos penais, que se destina exclusivamente a salvaguardar o direito à liberdade. II - Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa. III – Constitui jurisprudência constante do STJ o entendimento de que o prazo máximo de duração da prisão preventiva a que se reporta o artigo 215.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do CPP, conta-se desde a aplicação daquela medida de coação, sendo a data da dedução da acusação - que não a da sua notificação ao arguido - o seu termo final, tendo tal prazo natureza substantiva. | ||
Decisão Texto Integral: |
Habeas Corpus Processo n.º 1529/23.8PFLRS-A.S1 5.ª Secção Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. AA, com os sinais dos autos, veio, através do seu advogado, apresentar petição de habeas corpus, nos termos e com os fundamentos que se transcrevem: «1. O Arguido encontra-se sujeito a prisão preventiva à ordem destes autos desde o dia 14/12/2023; 2. Veio fortemente indiciado da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, alíneas e) e j), 22.º e 23.º do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1 alínea c) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro; 3. O prazo máximo de prisão preventiva, no caso em apreço, é de 6 meses, nos termos dos n.ºs 1, alínea a) e n.º 2 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, extinguindo-se tal medida sem que no aludido prazo tenha sido deduzida acusação; 4. Até ao início da manhã do dia de hoje, 17/06/2024, o arguido não teve conhecimento de qualquer acusação que contra si tenha sido deduzida; 5. Acresce que não foi declarada a especial complexidade do processo. 6. Temos, assim, que concluir, com o devido respeito, que a prisão preventiva excedeu no dia 14/06/2024 o seu prazo máximo, devendo o arguido ser imediatamente restituído à liberdade. Requer, assim, a V/ Exas., ao abrigo do disposto nos artigos 222º/2c) e 215º/1 e 2 d) do Código de Processo Penal, a imediata restituição do arguido à liberdade.» 2. Foi prestada a informação referida no artigo 223.º, n.º1, parte final, do Código de Processo Penal (doravante CPP), nos termos que, seguidamente, se transcrevem: «Req.º Ref.ª 15339216: Em obediência ao que se dispõe no artº 223º/1 do Cód. Proc. Penal, informa-se que: - No dia 14.12.2023, o Arguido AA foi detido e sujeito a primeiro interrogatório judicial, na sequencia do que lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva – ref.ª .......22 - Em cumprimento do disposto no artigo 213º, alínea a), do Código de Processo Penal, o seu estatuto coactivo foi revisto no dia 12.03.2024 – ref.ª .......10 e no dia 12.06.2024 – ref.ª .......96 - No dia 11.06.2024, foi proferido despacho de acusação nos autos imputando ao Arguido a prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, alíneas e) e j), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, com a agravação nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, actualmente com a redacção dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho; e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, actualmente com a redacção dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho –ref.ª .......96. Pelo exposto, sendo respeitados os prazos a que aludem os art.º 215º, n.º 1, alínea b) e 2, alínea b) e 213º, n.º 1, alíneas a) e b), é nosso entendimento que não se verificam os pressupostos previstos no art.º 222º do CPP, sendo legal a prisão preventiva a que o arguido se encontra sujeito, devendo, consequentemente, ser mantido o seu estatuto coactivo. * Organize-se um apenso de “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal” com certidão deste despacho; do requerimento de “Habeas corpus” e das demais peças processuais supra referidas neste despacho. Após, remeta ao Supremo Tribunal de Justiça.» 3. O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente. 4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 223.º do CPP. Após o que a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Questão a decidir: Saber se o peticionário se encontra ilegalmente em prisão preventiva, nos termos do artigo 222.º, n.º 2, al. c), do CPP - ilegalidade proveniente de, alegadamente, manter-se preso para além do prazo máximo fixado por lei. 2. Factos A matéria factual relevante para o julgamento do pedido resulta da petição de habeas corpus, da informação prestada, da certidão que acompanha os presentes autos e da consulta CITIUS do processo, extraindo-se os seguintes dados de facto e processuais (em súmula): 1. O arguido/ora peticionário foi submetido a 1.º interrogatório de arguido detido, no Juízo de Instrução Criminal ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, tendo-lhe sido imposta, no final dessa diligência, por despacho de 14 de dezembro de 2023, a medida de coação de prisão preventiva prevista no artigo 202.º do CPP, por se considerar fortemente indiciada a prática por parte do mesmo, em autoria material e concurso efetivo, de: um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, alíneas e) e j), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, com a agravação nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, atualmente com a redação dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho; e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, atualmente com a redação dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho. 2. A medida de coação imposta foi sendo sucessivamente revista e mantida, por despachos de 12 de março e 10 de abril de 2024 – este último na sequência de requerimento do arguido que pretendia a substituição da prisão preventiva por OPHVE. 3. Em 11 de junho de 2024 foi deduzida acusação contra o arguido/peticionário, sendo-lhe imputada, como autor material e em concurso efetivo, a prática de: - um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, alíneas e) e j), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, com a agravação nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, atualmente com a redacção dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho; e - um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, atualmente com a redacção dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho. 4. Tendo o Ministério Público determinado que os autos fossem à Mm.ª Juíza, nos termos do artigo 213º.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, foi proferido despacho, em 12 de junho de 2024, no qual a Mm.ª Juíza, mencionando expressamente a dedução, no dia anterior, de acusação pelo Ministério Publico, decidiu: “Por se manterem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação a AA de prisão preventiva, determina-se que o mesmo continue a aguardar os subsequentes termos processuais sujeito a tal medida de coação (arts. 213º, n.º 1 e 215º, este último “a contrario”, ambos do C.P.P.).” 5. O despacho referido no número anterior foi notificado ao mandatário do arguido, através da referência .......52, com certificação Citius em 13.06.2024. 6. A acusação, por sua vez, foi notificada ao mandatário do arguido - referência .......26, com Certificação Citius em 14.06.2024. 7. Os pedidos de notificação do arguido foram dirigidos ao estabelecimento prisional: o do despacho de 12.06, através da referência .......04, com certificação Citius em 13.06.2024; o da acusação através da referência .......51, com certificação Citius em 14.06.2024. * 3. Direito 3.1. Nos termos do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. Excetua-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo preceito constitucional, em que se incluem: (a) a detenção em flagrante delito; (b) a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos; (c) a prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão; (d) a prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente; (e) a sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente; (f) a detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; (g) a detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários e; (h) o internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente. O artigo 31.º da CRP consagra o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer pela própria pessoa lesada no seu direito à liberdade, ou por qualquer outro cidadão no gozo dos seus direitos políticos, por via de uma petição a apresentar no tribunal competente. Em anotação ao artigo 31.º, n.º 1, da CRP, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508): «Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos arts. 27.º e 28.º (...). A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art. 27.º, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc. Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade.» José Lobo Moutinho (Jorge Miranda e Rui Medeiros, com a colaboração de José Lobo Moutinho [et alii], Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo1, 2.ª edição, 2010, pp. 694-695), em comentário ao mesmo artigo 31.º, n.º1, da Lei Fundamental, sustenta que a qualificação de «providência extraordinária», atribuída ao habeas corpus « …não significa e não equivale à excecionalidade. Juridicamente excecional é a privação da liberdade (pelo menos, fora dos termos e casos de cumprimento de pena ou medida de segurança) e nunca a sua tutela constitucional. A qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu descomprometido significado literal de providência para além (e, nesse sentido, fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial das detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal.» A lei processual penal, dando expressão ao referido artigo 31.º da CRP, prevê duas modalidades de habeas corpus: em virtude de detenção ilegal e em virtude de prisão ilegal. Dispõe o artigo 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”: «1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.» A jurisprudência deste Supremo Tribunal vem considerando que constituem fundamentos da providência de habeas corpus os que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão (acórdão de 06.04.2023, proc. n.º 130/23.0PVLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação). Tem também decidido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a providência de habeas corpus, por um lado, não se destina a apreciar erros de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (por todos, o acórdão do STJ, de 04.01.2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada) e, por outro, que a procedência do pedido pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que é apreciado o pedido (entre muitos, o acórdão de 19.07.2019, proferido no proc. n.º 12/17.5JBLSB, com extensas referências jurisprudenciais). Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP. Como se tem afirmado, em jurisprudência uniforme, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionário atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (acórdãos de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 18.05.2022, proc. 37/20.3PJLRS-A.S1, e de 06.09.2022, proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1). 3.2. No caso concreto, o arguido/peticionário considera que a prisão preventiva que lhe foi imposta por despacho proferido no dia 14.12.2023 se mantém para além do prazo fixado na lei. Vejamos. Em matéria de prisão preventiva, os prazos a considerar são os previstos no artigo 215.º, do CPP, sob a epígrafe «prazos de duração máxima da prisão preventiva», onde se dispõe, nomeadamente, e com interesse para o presente caso: «1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação; b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância; d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. 2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respetivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime: (…).». Tendo em vista os crimes fortemente indiciados no momento da imposição da prisão preventiva e o disposto no n.º 2 do artigo 215.º, o prazo de duração máxima da prisão preventiva sem que fosse deduzida acusação era, in casu, de seis meses. Constitui entendimento pacífico, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, ser a partir do momento da aplicação da prisão preventiva que se contam os prazos máximos da medida de coação correspondentes à fase pré-acusatória, e não do momento da detenção que o tenha precedido (neste sentido, entre muitos, o acórdão de 11.11.2021, proc. 869/18.2JACBR-G.S1). Do que decorre que, tendo como termo a quo o momento do decretamento da prisão preventiva – 14.12.2023 –, o prazo de seis meses atingiu o seu termo final no dia 14.06.2024, às 24h00, porquanto se trata de um prazo de natureza substantiva, devendo computar-se nos termos dos artigos 296.º e 279.º, do Código Civil (cf. o citado acórdão de 11.11.2021). Constitui, igualmente, jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, o entendimento de que, para a verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva previsto no artigo 215.º, n.º 1, al. a), do CPP, é relevante a data de dedução da acusação e não a notificação desta ao arguido (entre muitos, os acórdãos de 17.05.2023, proc. 3233/21.2T9VNF-J.S1; de 29.06.2023, proc. 787/22.0PBMTA-B.S1; de 31.08.2023, proc. 442/23.3JABRG-B.S1). Os autos documentam que a acusação foi deduzida no dia 11.06.2024, ou seja, antes de completado o referido prazo. No dia 12 de junho, a Mm.ª Juíza, mencionando expressamente a dedução, no dia anterior, de acusação pelo Ministério Publico, decidiu no sentido da manutenção da prisão preventiva, por despacho que foi notificado ao mandatário do arguido, através da referência .......52, com certificação Citius em 13.06.2024, pelo que se considera efetuada a notificação em 17.06.2024. O peticionário não podia ignorar que, finalizando o prazo de seis meses no dia 14.06.2024, às 24h00, a acusação, ainda que fosse deduzida, por hipótese, no último instante desse prazo – e sabemos ter sido deduzida anteriormente -, e mesmo que a notificação fosse enviada no sábado, dia 15, não se presumiria notificada antes de 18 de junho. Por conseguinte, a apresentação de petição de habeas corpus na segunda-feira, 17 de junho, às 09h15, é manifestamente precipitada. Mais: nesse dia 17 de junho presume-se efetuada a notificação do Ex.mo advogado do peticionário do despacho de 12 de junho que já fazia expressa menção ao facto de ter sido deduzida acusação pelo Ministério Público no dia 11. Com a dedução da acusação o prazo de duração máxima da prisão preventiva passou a ser o relativo à condenação em 1.ª instância, previsto no artigo 215.º, n.º1, al. c) e 2, ou, sendo requerida a instrução, o do artigo 215.º, n.º1, al. b) e n.º2, o que, no caso, está longe de se verificar. Em suma, a medida coativa de prisão preventiva do arguido/peticionário mostra-se ordenada por entidade competente; é motivada por facto pelo qual a lei o permite; e não se mantém para além dos prazos fixados na lei, pelo que não se verificam os pressupostos para deferir o habeas corpus fixados nos artigos 31.º da CRP e 222.º do CPP. 3.3. O artigo 223.º, n.º6, do CPP, estabelece: «Se o Supremo Tribunal de Justiça julgar a petição de habeas corpus manifestamente infundada, condena o peticionante ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 30 UC.» A jurisprudência tem considerado, a propósito do recurso, que este é manifestamente infundado quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que está votado ao insucesso. O mesmo critério deve ser utilizado para determinar quando uma petição de habeas corpus é “manifestamente infundada”, justificando a aplicação de uma sanção processual pecuniária, penalizadora do uso manifestamente censurável da providência por evidente ausência de pressupostos e fundamentos. É o que ocorre no presente caso, em que é patente, numa avaliação perfunctória dos fundamentos do pedido de habeas corpus, que o prazo de prisão preventiva não se mostra ultrapassado e que o peticionário nem sequer cuidou de aguardar pelo decurso do prazo necessário para se realizar a notificação da acusação, no pressuposto de que esta tivesse sido deduzida no último dia do prazo. Em consequência, deve o peticionário ser condenado, para além da tributação devida nos termos do artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processais, também numa soma, nos termos do artigo 223.º, n.º6, do CPP, que, in casu, se fixa em 8 UC. * III - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus ora em apreciação. Custas pelo peticionário, com 3 UC de taxa de justiça (artigo 8.º, n.º 9, do R. Custas Processuais e Tabela III anexa), sendo ainda condenado, nos termos do artigo 223.º, n.º 6, do CPP, no pagamento de uma soma de 8 (oito) UC, a título de sanção processual. Supremo Tribunal de Justiça, 26 de junho de 2024 (certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP) Jorge Gonçalves (Relator) Vasques Osório (1.º Adjunto) Agostinho Torres (2.º Adjunto) Helena Moniz (Presidente da Secção) |