Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | SÉNIO ALVES (RELATOR DE TURNO) | ||
| Descritores: | HABEAS CORPUS PRESSUPOSTOS SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE CONSENTIMENTO | ||
| Data do Acordão: | 08/23/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
| Decisão: | INDEFERIDO | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
| Sumário : | I - O habeas corpus foi pensado e admitido para colocar cobro a situações de manifesta ilegalidade de uma prisão. Não é (mais) um recurso, não é um substitutivo de um recurso nem, tão-pouco, o “recurso dos recursos”. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça: A) AA, melhor identificado nos autos, requereu a presente providência de habeas corpus em requerimento subscrito por mandatário e onde alega o seguinte: «I. Dos Factos: 1. O Tribunal a quo face à procedência da acusação: "condenou o arguido AA, como autor material e em concurso efetivo, na prática de: - 1 (um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291.º, nº 1, alínea b) e 69º, nº 1, alínea a), in fine, ambos do Código Penal, por referência aos artigos 4º, nº 3, 13º, nº 1, 27º, nº 1, e 72º, nº 2, al. c) e nº 4, 73º, nº 1 e 4 ex vi do artigo 75º, 146º, al. e), f) e 146º. al. l), todos do Código da Estrada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão que substituo por 150 (cento e cinquenta) horas de PTFC, substituição essa dependente de aceitação do arguido; Vai também o arguido, condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses. - 1 (uma contraordenação muito grave, prevista e punida pelo artigo 146º, al. p), por referência ao artigo 123º., nº 3, ambos do Código da Estrada, na coima de 700 (setecentos) euros e na proibição de conduzir motorizadas por 3 (três) meses. - Mais condeno o arguido AA no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigo 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e Tabele III Anexa). - Deverá ainda o arguido ser notificado de que, no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da presente sentença, deverá expressar nos autos o seu consentimento à substituição da pena de prisão de 5 meses por 150 horas de PTFC e que em caso de não o fazer ou de não consentir, cumprirá aquela pena de prisão." 2. O Tribunal a quo interpretou bem a lei e, por se tratar de pena de prisão inferior a 12 meses, substituiu corretamente esta prisão, por trabalho a favor da comunidade, o que na prática, quer dizer que a gravidade dos factos não substância a privação da liberdade, bem como, não existe a possibilidade de reiteração da prática do crime. 3. É certo que, esta decisão foi explicada ao arguido aquando da leitura da sentença, mas, convém, sublinhar que este só tem 21 anos de idade e, que não notificado da sentença por escrito, apenas, ouviu o teor da decisão na leitura sem, verdadeiramente, perceber integralmente o teor da mesma. 4. Reiteramos, que o arguido não recebeu a sentença, apenas esteve presente na leitura. 5. Na verdade, o arguido nunca foi notificado da decisão e, nem foi notificado para no prazo de 10 dias, contados do trânsito em julgado da presente sentença, dar o seu consentimento expresso à substituição da pena de prisão de 5 meses por 150 horas de PTFC, pelo que, nada fez, no referido prazo de 10 dias, por iniciativa própria, nem por intermédio da defensora oficiosa nomeada. 6. Aliás, como referiu o arguido no requerimento que fez datado de 28 de junho de 2021 "[não] percebi quando fui verbalmente notificado da sentença que teria de dizer que aceitava o trabalho comunitário, pensei que tivesse sido condenado no serviço comunitário e fiquei à espera do contacto da DGRSP para cumprir (…)." (Doc. nº 1) 7. No entanto, convém, sublinhar que esta omissão não teve subjacente o dolo, até porque, ninguém omitiria um ato judicialmente exigido, em seu próprio prejuízo, mas, esta omissão deveu-se essencialmente pela inexperiência, nervosismo e/ou simplesmente, erro de comunicação e/ou perceção do teor da decisão, uma vez que o arguido só tem a 4ª classe de escolaridade. 8. Reiteramos, que o arguido só tem a 4ª classe de escolaridade. 9. Assim, salvo melhor opinião, consideramos que arguido deveria ser notificado, pessoalmente, e, também de forma expressa do teor da sentença, uma vez que, o não cumprimento da pena de prisão estava sujeito, também, ao consentimento, expresso do arguido. 10. Aliás, o arguido estava verdadeiramente convencido de que a DGRSP o iria contactar para dar conhecimento do plano e inicio à PTFC, em substituição da pena de prisão efetiva. 11. Infelizmente, tal não aconteceu e o arguido não prestou consentimento expresso no prazo fixado. 12. No dia 28 de junho de 2021, o arguido é surpreendido com os mandatos de detenção para cumprimento da pena de 5 meses a que tinha sido condenado e, no mesmo dia fez o requerimento - Doc. nº 1. 13. A anterior defensora oficiosa reiterou, também, o pedido nesta data, bem como a aqui mandatária, ambas dando o consentimento em prol da prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC). (Doc. nº 2 e 3) 14. Infelizmente, sem qualquer êxito. 15. Atualmente, o arguido encontra-se privado da sua liberdade, sendo obrigado a cumprir uma pena de prisão efetiva de 5 meses, no Estabelecimento Prisional ....., longe da sua família que reside em ......, tudo em resultado de uma má comunicação/perceção do teor da sentença e, em virtude de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário. 16. É injusto, um jovem com 21 anos de idade, ser obrigado a cumprir uma tripla condenação por simples facto de não ter dado o consentimento dentro do prazo fixado: a) ser condenado a pena de prisão; b) ser condenado a pena de prisão longe da sua família; c) ser condenado a pena de prisão numa ilha que não é a sua, ou seja, ....; 17. É certo que, este consentimento foi extemporâneo, no entanto, este foi dado no dia que fora emitido os mandados de detenção e antes de este ser privado da sua liberdade, pelo que, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sempre privilegiado medidas não privativas de liberdade quando legalmente admissíveis e, em particular, quando se trata jovens. 18. Por outro lado, o sistema punitivo português atual assenta no princípio da preferência pelas sanções executadas na comunidade, sempre que, ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena de prisão ou penas não privativas de liberdade (artigo 70º CP); 19. Por conseguinte, salvo melhor opinião, consideramos que não pode a extemporaneidade do consentimento, ser causa de uma medida privativa de liberdade, principalmente, quando se trata de um jovem de 21 anos de idade de baixa escolaridade (tem apenas a 4ª classe) e, o crime praticado ter sido a condução perigosa de veículo rodoviário. 20. Pelo supra exposto, trata-se materialmente de uma prisão ilegal. II. Do Direito: 1. O direito à liberdade é um dos direitos fundamentais inalienáveis dos cidadãos, encontrando-se, desde logo, consagrado no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição. 2. A nível internacional, encontramos a tutela do direito à liberdade no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 9.º, n.º 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e no artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. 3. Tratando-se de direito inalienável, não se reveste, porém, da natureza de absoluto, cedendo, portanto, face a determinados interesses da mesma ordem de grandeza constitucional, sendo forçoso, a este propósito, fazer menção à regra prevista no n.º 2 do artigo 27.º da Constituição, nos termos do qual “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. 4. No entanto, existindo do nosso ponto de vista, uma prisão ilegal, na medida em que, o arguido não foi notificado para dar o seu consentimento, este tem o direito de usar o mecanismo legal de Habeas Corpus. Aliás, este pode ser exercido pelo arguido ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, nos termos do disposto no art.º. 31º, nº 2 da CRP. 5. O Habeas Corpus é um mecanismo que pode ser definido como “um expediente destinado a provocar a intervenção do poder judicial com o fim de fazer cessar qualquer ofensa ao direito à liberdade por motivo de abuso de autoridade ou erro grosseiro” ou então como o STJ o definiu “resume-se a um veículo excecional de combate a avaliações arbitrariamente grosseiras ou patologicamente extremas do direito à liberdade física” 6. Em suma, para além de se encontrar prevista na CRP, tal medida está igualmente consagrada no CPP, no seu art.º 222º para os casos de prisão ilegal, uma vez que esta é apenas a que interessa para o presente estudo. 7. Por último, convém, ainda, fazer aqui uma breve analogia ao abrigo do nº 3 do artigo 10º do C. Civil, se o arguido fosse condenado em pena de multa substituída em pena de prisão, caso não pagasse a respectiva multa, este "podia a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado" conforme o nº 2 do artigo 49º C. Penal. 8. No mesmo sentido, pensamos nós se ao arguido foi concedida a possibilidade de cumprir o trabalho a favor da comunidade, desde que, consentisse no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado, sob pena de, não o fazendo ter que cumprir prisão subsidiária faz, também, todo o sentido que este, a todo o tempo possa evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, consentindo a qualquer momento antes da execução, em prestar o trabalho a favor da comunidade. Pelo supra exposto, deve ser declarado ilegal a prisão e concedido o habeas corpus, sendo o requerente imediatamente devolvido à liberdade. Termos em que requer a V. Exa. se digne ordenar a sua imediata apresentação judicial, concedendo a final o habeas corpus, com a consequente devolução do requerente à liberdade». B) A Mª juíza de turno prestou a informação a que alude o artº 223º, nº 1 do CPP, nos seguintes termos: “Vem o arguido AA apresentar pedido de habeas corpus, invocando alegada ilegalidade da prisão contra si determinada nos presentes autos. Compulsados os mesmos verifica-se que, por sentença proferida a 10/02/2021, lida publicamente, perante o mesmo e perante e Ilustre defensora oficiosa que então o assistia, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos arts.291º, nº 1, alínea b) e 69.º, n.º 1, alínea a), in fine, ambos do Código Penal, por referência aos artigos 4.º, n.º 3, 13.º, n.º 1, 27.º, n.º 1, e 72.º, n.º 2, al. c) e n.º 4, 73.º, nº 1 e 4 ex vi do artigo 75.º, 146.º, al. e), f) e 146.º, al. l), todos do Código da Estrada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por 150 (cento e cinquenta) horas de PTFC, substituição essa dependente de aceitação do arguido, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses, e, pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista e punida pelo artigo 146.º, al. p), por referência ao artigo 123.º, n.º 3, ambos do Código da Estrada, na coima de 700 (setecentos) euros e na proibição de conduzir veículos motorizados por 3 (três) meses. Do dispositivo de tal decisão condenatória consta a expressa indicação que “Deverá ainda o arguido ser notificado de que, no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da presente sentença, deverá expressar nos autos o seu consentimento à substituição da pena de prisão de 5 meses por 150 horas de PTFC e que em caso de não o fazer ou de não consentir, cumprirá aquela pena de prisão.”. O arguido não recorreu de tal sentença condenatória, que assim transitou em julgado, não tendo em qualquer momento posterior, designadamente, dentro do prazo fixado no trecho transcrito para comunicar se aceitava a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, dirigido aos autos qualquer requerimento nesse sentido. Consequentemente, por despacho datado de 7/06/2021, foi determinada a emissão de mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. Apenas então, conforme igualmente reportado na petição ora apresentada e nos requerimentos anexos, veio o arguido invocar lapso ou alegada incompreensão da advertência constante da decisão firmada, ou convicção errónea de que para o efeito seria contactado pela DGRSP, solicitando então a substituição da pena de prisão por horas de trabalho comunitário ou, subsidiariamente, o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação. Tais requerimentos foram objeto de despacho de indeferimento por parte do tribunal, datado de 2/07/2021, entendendo-se extemporâneo o pedido de substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade e competir ao TEP eventual alteração do regime de cumprimento da pena de prisão. O arguido não recorreu deste despacho, mas veio renovar a mesma pretensão em requerimento subsequente, salientando agora ter requerido ao TEP o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, sendo entendimento desse tribunal que tal decisão caberia ao tribunal da condenação. Mais uma vez a pretensão do arguido foi indeferida, por se entender esgotado o poder jurisdicional do tribunal nessa matéria, conforme despacho proferido nos autos a 21/07/2021. Da tramitação processual que sumariamente se descreve resulta que a prisão do arguido foi determinada por entidade competente – pela Exma. Colega titular dos autos -, dando exequibilidade a pena de prisão imposta por sentença condenatória por si proferida e transitada em julgado, não tendo sido satisfeita em tempo útil, no prazo fixado e regularmente comunicado ao arguido, devidamente assistido por profissional forense, a prestação de consentimento por parte do mesmo que era condicionante da substituição dessa mesma pena de prisão por trabalho a favor da comunidade. Assim, e com o devido respeito por diferente opinião, somos do parecer que o pedido de habeas corpus apresentado carece de fundamento legal, porquanto a prisão determinada e mantida foi fundada em facto legalmente admissível, sublinhando-se, uma vez mais, que o arguido também não procurou reagir pela via do recurso dos despachos que determinaram a emissão de mandados para cumprimento da pena ou indeferiram os seus requerimentos subsequentes. É o que me cumpre informar e submeter à melhor consideração desse Colendo Tribunal”. C) Convocada a Secção Criminal deste Supremo Tribunal e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais. A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, a qual imediatamente se torna pública. “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente”, assim se dispõe no artº 31º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. E, nos termos do estatuído no artº 222º, nº 1 do CPP, “a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus”. A petição, como se prescreve no nº 3 do mesmo dispositivo, deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: “a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”. Como já se sublinhou no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no Proc. 48/08.7P6PRT-J.S1, da 3ª secção, o habeas corpus é uma providência “destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação”. Mas “não constitui um recurso sobre actos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs., do CPP). A providência não se destina a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade” – Ac. deste STJ, proferido no Proc. 1084/19.3PWLSB-A.S1, da 5ª secção. Posto isto: - Por sentença proferida em 10 de Fevereiro de 2021, transitada em julgado, o requerente foi condenado pela prática, entre o mais, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelos artºs 291º, nº 1, al. b) e 69º, nº 1, al. a) do Cod. Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, substituição dependente de aceitação do arguido, constando da sentença – que foi lida em audiência, na qual estiveram presentes o ora requerente e a sua defensora – que o arguido deveria ser notificado de que “no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da presente sentença, deverá expressar nos autos o seu consentimento à substituição da pena de prisão de 5 meses por 150 horas de PTFC e que em caso de não o fazer ou de não consentir, cumprirá aquela pena de prisão”; - Consta da acta de audiência respectiva que, estando presentes o arguido e a sua defensora, a Mª juíza procedeu à leitura da sentença, “o que fez em voz alta” e que, “logo, todos os presentes foram devidamente notificados”; - Nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, perante o silêncio do arguido, foi proferido despacho – em 7 de Junho de 2021 – ordenando a emissão dos competentes mandados de captura e condução; - Tais mandados foram cumpridos no dia 28 de Junho de 2021 e, subsequentemente, veio o arguido, através da sua defensora, informar que no dia da leitura da sentença estava muito nervoso “pelo que não tomou consciência da advertência que lhe foi feita”, requerendo que fosse então admitido o seu consentimento à dita substituição, ou – assim se não entendendo – que lhe fosse permitido o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, pretensão posteriormente reiterada por mandatário constituído; - Essa pretensão foi indeferida por despacho proferido em 2 de Julho de 2021, considerando-se no mesmo que relativamente à pretendida substituição da pena de prisão por PTFC a sentença proferida se mostrava transitada e largamente ultrapassado o prazo fixado para o arguido vir indicar o seu consentimento; e que, relativamente ao cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, a competência para emitir pronúncia sobre tal pedido caberia ao TEP; - Desse despacho não foi interposto recurso, mas o arguido formulou ao TEP pedido de substituição do remanescente da pena por trabalho a favor da comunidade e, subsidiariamente, que lhe fosse permitido o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação; o TEP declinou a sua competência quanto ao primeiro pedido e, relativamente ao segundo, indeferiu-o; - De seguida, o arguido requereu junto do tribunal da condenação e mais uma vez, o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, pretensão mais uma vez indeferida por despacho proferido em 21 de Julho de 2021. Aqui chegados: Não se mostra questionada – nem vemos que, no caso, o pudesse ter sido – a competência da entidade que determinou a prisão do requerente (um juiz de direito, na sequência e em consequência de uma sentença transitada em julgado) – artº 222º, nº 2, al. a) do CPP. Como, de igual modo, nos parece inegável que a (pena de) prisão foi motivada por facto pelo qual a lei o permite (prática de um crime punido com prisão até 3 anos e por cuja autoria o arguido foi condenado em 5 meses de prisão, por sentença transitada em julgado) – idem, al. b). É certo que o requerente afirma (ponto 4 do seu requerimento de habeas corpus, capítulo II, “Do direito”) não ter sido notificado para dar o seu consentimento à substituição da pena de prisão por PTFC. Contudo, tal notificação vem consignada na acta da audiência onde se procedeu à leitura da sentença, na qual estiveram presentes o arguido e a sua defensora. Como, aliás, é reconhecido pelo próprio requerente quando afirma, no requerimento subscrito pela defensora que esteve presente nessa diligência, ao afirmar que não terá tomado consciência, por se encontrar nervoso, “da advertência que lhe foi feita”. Como, de algum modo, se mostra igualmente confirmado no ponto 3 do capítulo I – “Dos Factos” – do requerimento de habeas corpus, onde se afirma que a “decisão foi explicada ao arguido aquando da leitura da sentença”, adiantando não ter percebido integralmente o teor da mesma, por ter apenas 21 anos e não lhe ter sido entregue cópia da mesma. Finalmente, é por demais evidente que, tendo o requerente sido preso em 28 de Junho de 2021 para cumprimento de uma pena de 5 meses de prisão, se não verifica a situação prevista no artº 222º, nº 2, al. c) do CPP. Dito de outro modo: A situação fáctica ora em apreço não se enquadra em qualquer das alíneas do nº 2 do artº 222º do CPP. O requerente discorda do entendimento acolhido no(s) despacho(s) proferidos pelos Mºs juízes do Juízo de competência genérica .... e do Juízo de execução de penas ….... Tal discordância, naturalmente legítima, justificando embora a interposição dos recursos ordinários admissíveis, não consente a dedução de uma providência de carácter extraordinário, como é o habeas corpus, pensada e admitida para colocar cobro a situações de manifesta ilegalidade de uma prisão. O habeas corpus não é (mais) um recurso, não é um substitutivo de um recurso nem, tão-pouco, o “recurso dos recursos”. Na verdade, “a providência excepcional de habeas corpus não se substitui nem pode substituir‑se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está reservada, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente célere — mais precisamente «nos oito dias subsequentes» ut art. 223.º, n.º 2, do Código de Processo Penal — aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão «ordenada por entidade incompetente», «mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial», e como o tem de ser o «facto pela qual a lei a não permite». Não se esgotando no expediente de excepção os procedimentos processuais disponíveis contra a ilegalidade da prisão e a correspondente ofensa ilegítima à liberdade individual, o lançar mão daquele expediente só em casos contados deverá interferir com o normal regime dos recursos ordinários: justamente, os casos indiscutíveis ou de flagrante ilegalidade, que, por serem‑no, permitem e impõem uma decisão tomada com imposta celeridade. Sob pena de, a não ser assim, haver o real perigo de tal decisão, apressada por imperativo legal, se volver, ela mesma, em fonte de ilegalidades grosseiras, porventura de sinal contrário, com a agravante de serem portadoras da chancela do Mais Alto Tribunal, e, por isso, sem remédio” - Ac. STJ de 1/2/2007, Proc. 07P353, rel. Pereira Madeira). Em conclusão: inexiste fundamento legal que justifique o peticionado habeas corpus. D) Atento o exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o pedido de habeas corpus apresentado pelo requerente AA, por falta de fundamento bastante (art. 223.º, n.º 4, alínea a) do CPP). Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, nos termos da tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 23 de Agosto de 2021 (processado e revisto pelo relator) Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator) Atesto o voto de conformidade dos Exmºs Srºs Juízes Conselheiros Eduardo Loureiro (adjunto) e Catarina Serra (presidente), nos termos do artº 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março. |