Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2916/20.9T8PDL.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
CESSÃO DE QUOTA
FIM SOCIAL
COVID-19
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
RESOLUÇÃO
RENÚNCIA AO MANDATO
MANDATÁRIO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
PAGAMENTO
DEPÓSITO
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
PENHORA
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. Estando em causa a actividade de observação das Baleias nos Açores, e um contrato promessa de cessão de quotas de uma sociedade dotada de licença para tal actividade, em 13/08/2020 verificava-se uma muito profunda, imprevisível e, anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar decorrente das consequências para as pessoas a nível global e aquele negócio em particular pela pandemia Covid-19.

II. O que sabemos hoje sobre a recuperação do turismo nos anos imediatos é irrelevante para efeitos de analisar a amplitude dessa alteração anormal das circunstâncias.

Decisão Texto Integral:

Recorrentes: AA

BB, autores

Recorridos: CC

DD, réus


*


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

AA e BB, autores, apresentaram recurso de revista do acórdão proferido em 23 de Março de 2023 pelo Tribunal da Relação de Lisboa que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação apresentado pelos réus e, em consequência:

“A)

I. Revogou a sentença sob recurso na parte em que considerou lícita a resolução do contrato promessa pelos autores e condenou os réus a restituírem a quantia de 195 000€ que receberam a título de sinal e juros de mora desde a citação;

II. Reconheceu a ilicitude da resolução do contrato promessa pelos autores;

III. Julgou improcedente a pretensão dos réus de declaração de incumprimento definitivo do contrato promessa pelos autores e de declaração de os autores terem direito a fazer sua a quantia de 195 000€, recebida título de sinal.

B)

Não conheceu o recurso dos autores – condenação dos réus a pagarem 2 564,38€ juros de mora vencidos – nos termos do artº 608º nº 2 do CPC, por considerar prejudicada a apreciação desta questão face à decisão dada ao recurso dos réus.

C)- Não condenou os réus como litigantes de má-fé.

D)- Condenou os réus na multa de 1 UC por incidente anómalo de rejeição de documento.”

tendo, para o efeito apresentado alegações que culminam com as seguintes conclusões:

1 - Considerando o exposto e requerido pelos AA. em 10.04.2023 nos autos de recurso sob a ref.ª Citius 629361, constata-se que, tendo tido conhecimento da renúncia de patrocínio, numa situação em que este é obrigatório, e atentos os efeitos ope legis dessa renúncia (devidamente notificada os RR. em 28.12.2022), o douto acórdão deveria ter concluído, que, aquando da decisão, como já no momento de inscrição em tabela, a instância não estava “regularmente deduzida”, por superveniência de falta de um pressuposto.

i. Estava, pois, impedido de conhecer do mérito da causa naquela fase, ou seja, decidir sobre o recurso - artigos 608º nº 1 ex vi art. 663º nº 2 e 278º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil

ii. - impondo-se a suspensão da instância, tendo em conta o regime dos arts. 47º nº 2 e 41º do CPC (não ter seguimento o recurso”), o que, aliás, o Tribunal recorrido reconheceu no seu douto despacho sob a refª 19349300 e sempre a abstenção de decisão (cfr. art. 278º nº 1 e) do CPC).

iii. Mostraram-se nomeadamente violadas as normas dos artigos 2º, 40º, 41º, 47º, 269º nº 1 d), 276º, como 278º nº 1 e), todos do CPC.

iv. Isto, sem prejuízo do direito de reação processual que, sobre o despacho que futuramente vier a incidir sobre o requerimento com a ref.ª. ª Citius 629361, assiste aos AA. recorrentes, direito esse de que não prescindem.

2. - Considerando o exposto e requerido pelos AA. em 14.04.2023 nos autos de recurso sob a ref.ª Citius 629922, pode constatar-se que os RR., aqui Recorridos, no período em que havia renúncia de patrocínio nestes autos declarativos – declarando em 13.03.2023 o “pagamento” nos autos executivos (a este apensos) do valor da quantia exequenda acrescida das despesas previsíveis da execução (“€216.889,65”) e logo aí requerendo a sustação da execução” – sublinhe-se, bem antes da prolação do acórdão recorrido (23.03.2023) - praticaram atos processuais incompatíveis com a subsistência da lide.

2.1. - Tal significa reconhecimento do crédito exequendo, logo, falta de interesse em agir a partir desse momento (por cessação do “conflito de interesses que a ação pressupõe” – art. 3º nº 1 do CPC), tornando supervenientemente extinta a instância de recurso - artº 536º nº 4 do CPC, para mais, no período em que havia renúncia.

2.2. Isto, sem prejuízo do direito de reação processual que, sobre o despacho que futuramente vier a incidir sobre o requerimento com a ref.ª. ª Citius 629922, assiste aos recorrentes, direito esse de que não prescindem.

B)

1 - Tendo em conta o que, quanto à “falta”, insuficiência e prolixidade daquilo que os RR. (aqui recorridos) possam denominar “conclusões”, é o regime legal aplicável, e pedindo vénia para dar como reproduzido o que já se alegara para o douto Tribunal recorrido e que fica reafirmado acima em B) da Motivação,

I. fere os princípios consagrados na ordem jurídica, designadamente no artº 639ºnº 2 do CPC, como princípio do dispositivo (definição do tema do recurso), como art. 3º e nº 3 do artº 186º, todos do CPC, bem como a “busca de uniformização de entendimento uniforme da interpretação da lei” (artº 8 do Código Civil) - tendo em conta o regime dos artigos 412º nº 2, b) do CPP e 75º – A, nº 1 e 76º nº 2 da LPTC - considerar cumprido o ónus de alegar em termos de recurso, perante uma peça em que, nas conclusões se opera uma mera repetição do que se disse na Motivação – de resto, como se alertou com quadro comparativo – contra o que vem sendo Jurisprudência firmada em todos os Tribunais da Relação (cfr. citações supra em B) da Motivação).

II. Afronta os mesmos artigos 639º e 186º do CPC considerar que, mesmo na corrente mais “facilitadora” (adoptada, aliás, na douta decisão recorrida – aludindo ao entendimento do douto aresto 02-05-2019 (Proc. nº 7907/16.1T8VNG.P1.S1, acima citado, de que só fez parcial aplicação) - essa nulidade principal pudesse ser ultrapassada sem convite ao aperfeiçoamento,

III. pois, mesmo para esta orientação do STJ, no dito quadro de prolixidade, “deve ser proferido despacho convidando ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas”.

IV. O Tribunal recorrido, ao considerar, afirmar, dispensável o convite ao aperfeiçoamento, no pressuposto de que, “apesar da exagerada extensão das conclusões (96 em 22 páginas!)”, tal não foi “factor de perturbação do exercício do contraditório que de resto foi efectivamente exercido”, mormente quando, pelas razões apontadas acima em B) supra, nas contra–alegações, não se questionou mais do que admissibilidade formal do recurso,

V. violou o regime dos artigos 3º nº 3, 639º nº 2 e nº 3 e 186 nº 2 e 3 do CPC.

VI. Há, pois, vício de nulidade principal a implicar a rejeição do recurso, sem análise do mérito.

C)

1- Pelas razões aduzidas em C), que se pede para dar como reproduzidas, há manifesta obscuridade entre os pressupostos de facto relativos à identificação da parte lesada, que leva a contradição insanável entre os mesmos e a conclusão interpretativa que dai se pretendeu fazer,

1.1.o que se traduz num vício de procedimento causador de nulidade do douto acórdão – art. 615º nº 1 c) ex vi art. 666º do CPC.

D)

1 - Dar como facto dispensado de prova algo que a prova documental nos autos desmente, e que se reporta a conhecimento na esfera pessoal, quando na própria decisão há divergência de conhecimento (cfr. douto voto de vencido) e, no que respeita à “cultura de experiência comum, no tempo e lugar“, não há referência aos Açores(conhecimento na esfera espacial) - à actividade “marítimo–turística”, nem, tão pouco, à data da resolução do contrato em análise,

I. é fazer errada interpretação do conceito facto notório, e, assim, do art. 412º do CPC - vide António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pereira de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2ª edição, a págs. 504, em anotação ao artigo 412º do CPC.

II. Acrescentar tal facto (“as atividades relacionadas com o turismo voltaram à sua normalidade”), demais quando se considerou inalterada a matéria de facto por rejeição dessa parte do recurso, é fazer errada interpretação e aplicação do artigo 662º do CPC, a sindicar em sede de revista – cfr. arestos citados no Ac. STJ de 11.02.2022, no Proc. 6431/13.9TBOER.L1.S.1.

III. Em verdade, o Tribunal recorrido olvidou:

1. que há, no próprio Tribunal, um Senhor Juíz-Desembargador para quem o facto não é notório;

2. que, a legislação por si invocada a propósito, é referenciada a setembro de 2022 (seis meses após a prolação da sentença de 1ªinstância);

3. que, rejeitou o recurso de apelação dos RR. (aqui recorridos) quanto à matéria de facto;

4. que, face à matéria provada, nenhum sinal de recuperação económica havia à data da resolução contratual operada pelos AA. Em 13.08.2020;

5. o Tribunal de 1ª instância assentou a sua decisão com base em factos relacionados com a data de resolução contratual;

6. que, conforme resultou provado e usando a expressão utilizada por diversas testemunhas em audiência (que decorreu entre março e abril de 2022), “ainda estamos a anos-luz do mercado turístico pré-pandemia” –sic, sentença de 1ª instância;

7. que, mesmo nesse contexto temporal do julgamento dos autos, o que então se noticiava nos media, tanto no Continente como nos Açores (que houve o cuidado de transcrever, a mero título de exemplo, em D) da Motivação), desmente categoricamente “qualquer regresso à normalidade”, como, ainda hoje, a OMS ou o INE retratam – cfr. links supra;

8. em suma, que, não há o mínimo indício de prova nos autos de que os níveis do mercado turístico pré-pandemia houvessem regressado na data de resolução, 13.08.2020 (a data relevante!), nem na data de encerramento da discussão (art. 604º nº 3 CPC), nem hoje nos Açores, nem no setor turístico em causa - nem os RR. suscitaram nos autos qualquer articulado superveniente a propósito!

IV. - Não é processualmente concebível, aceitável, que o Tribunal recorrido se venha a socorrer de qualquer facto hodierno (ainda que na sua particular “visão”) à distância de quase 1 ano após a prolação da sentença de 1ª instância – e quase 3 anos depois (!) da resolução contratual operada pelos AA, no contexto factual e temporal em que o foi, e totalmente à margem da factualidade demonstrada nos autos.

V. Deve, pois, considerar-se não escrita tal matéria, apontada, aliás, no final de D) da Motivação destas alegações.

D) da Motivação desta alegações

1.6. Ao atender a tal matéria, o douto Acórdão recorrido violou, nomeadamente, as normas dos arts. 412º, 604º nº 3, 611º, 588º e 589º do CPC.)

E)

1 - O artigo 437º do Código Civil, ao referir “lesão” está a aludir ao “desequilíbrio do programa contratual” (como se reconhece na douta decisão), a acarretar “desvantagem sensível”, como se refere nos locais e arestos citados acima em E) da Motivação –designadamente, pelo Sr. Conselheiro Nuno Pinto de Oliveira, para quem “O conceito de lesão concretiza-se numa "perturbação no equilíbrio contratual"(…), de que decorre uma desvantagem sensível ou um prejuízo sensível para uma das partes, e o requisito de que a alteração seja a causa da lesão, concretiza-se numa correlação adequada (...), numa correlação directa, ou numa correlação directa "demonstrada factualmente” - vide artigo “A alteração das circunstâncias 55 anos depois”, publicado na revista “Julgar”, nº 44, Maio-Agosto, 2021, Almedina, Coimbra, pp. 57 e segs.,

2- o que não se atém ao “prejuízo ou dano patrimonial”, demais que os efeitos da resolução são regulados, não pelo regime do art. 562º do mesmo diploma, mas, quando muito, pelo previsto na subsecção VI, do capitulo II, do título I do Livro II – cfr. 439º do CCivil, e porque, como refere Henrique Sousa Antunes a respeito do conceito de “lesão” na norma do art. 437º do Código Civil, “são atendíveis as repercussões patrimoniais e não patrimoniais da alteração das circunstâncias. A excessiva onerosidade da prestação pode apreciar-se numa dimensão económica ou refletir-se em sacrifícios pessoais” – in Comentário ao Código Civil (Vol. Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral), Ed. Universidade Católica Editora (Dez 2018), em anotação ao art. 437º, págs. 156).

3 - Da matéria dada como provada, fixando-se, nomeadamente, que:

I. sempre em crescendo desde o ano fiscal de 2017, a T...,Lda atingiu, no ano fiscal de 2019, o seu mais elevado nível de volume de negócios, no montante apurado de €814.972,88 – cfr. Declarações de IES juntas aos autos com o requerimento sob a ref.ª 4342491), em demonstração do facto provado 9;

II. em 2020, e de acordo com a IES de 2020, a T...,Lda registou uma brutal queda do seu volume de negócios, decrescendo, face a 2020, mais de 500%, em demonstração dos factos provados 12 e 13;

III. foi, enquanto na condição de únicos sócios da T...,Lda e para os fins desta, e sob a perspetiva do crescimento da atividade dessa sociedade, que os AA. procuravam a titularidade de nova licença de observação de cetáceos – facto provado 10;

IV. o facto provado 11 (o quadro legal na Região Autónoma dos Açores não permitia atribuição de mais licenças) permite explicar o preço elevado fixado pelas Partes no contrato-promessa de cessão de quotas;

V. tal preço não retribuía mais do que a mera “transmissibilidade da licença” – de resto, por condição essencial imposta pelos RR. para a celebração daquele contrato-promessa – facto provado 6;

VI. foram os Autores a fazer entrega da quantia de €195.000,00, a título de sinal, de que os RR. ali logo deram quitação – facto provado 3;

VII. em 19.05.2020, visando uma solução equitativa, os AA. propuseram aos RR. uma redução do preço da promessa para metade do valor estipulado – facto provado 16 – algo que os RR. recusaram por sua carta de 16 de junho de 2020, como, pior, recusaram a “devolução de qualquer montante aos AA.”! – facto provado 17;

VIII. e só perante essa recusa, os AA. lançaram mão do remédio da resolução, o que concretizaram em 13.08.2020 - factos provados 18 e 19, resulta claro que nos deparamos com um quadro de alteração anormal das circunstâncias existentes à data da contratação (07.08.2019 – facto provado 1), alteração não previsível – cfr. cit. aresto STJ de 05.07.2022 e sublinhado nosso.

4 - À data da resolução – 13.08.2020 (facto provado 18) - e em pleno pico da pandemia – ninguém de boa consciência se atreveria a prever para quando a ultrapassagem da pandemia, menos ainda, a recuperação do mercado turístico pré-pandemia.

5 - Ao admitirem em plena audiência (abril de 2022), e por declarações de parte, “Eu não tenho consciência para ficar com isso tudo... Eu devolvo metade. Até mais algum do que a metade… - cfr. o transcrito em 93 das “conclusões” de alegações de apelação dos RR. – são os RR. a reconhecer a existência de um quadro em que “a execução do programa negocial e o princípio da boa fé, que visa assegurar… que a uma das partes não seja imposta desvantagem desproporcionada” (apud Ac. STJ de 27.01.2015, no Proc. 876/12.9TBBNV-A.L1.S1, supra citado), não suporta o desfavor de uma partes contraentes.

6 - Mas, no caso – e apesar de, como visto acima, tal não ser requisito - até havia prejuízo direto, como se diz no douto voto de vencido - que, baseado numa leitura atenta do processo, e no que nele se contém em termos de prova, até documental, declarou: “Quanto ao prejuízo efetivo, em termos de realidade económica, ele existe na esfera patrimonial dos autores.“(sic)

7 - E explicita: Para apurar das motivações, circunstancialismo e fundamentos da intenção de contratar, que são relevantes para vários efeitos e nomeadamente para determinar da verificação ou não da alteração das circunstâncias, é necessário olhar para o quadro negocial na sua globalidade. Os autores exercem a atividade em causa – a que determinou a intenção de contratar -através de uma sociedade. É claro que, abstratamente, são esferas jurídicas diferentes, mas o prejuízo que releva é o que se verifica em termos económicos, e, nesse âmbito, é sobre o património global dos autores que o prejuízo se verifica.” (sic., douto voto de vencido)

8 - Conclusão que é suportada nos elementos probatórios reportados acima em E) da Motivação, que se pede vénia para dar como reproduzidos.

9 - Se a norma do artigo 437º do C.C. deve ser interpretada (como a douta decisão recorrida aceita), como exigindo estar-se num quadro de uma alteração anormal das circunstâncias existentes à data da contratação, e não uma alteração previsível“(sic no cit. acórdão do STJ de 05.07.2022, Proc. 638/19.2T8FND.C1.S1, versando também sobre contrato-promessa), faz errada aplicação da mesma o Tribunal que afere do “circunstancialismo relativo a uma declaração negocial recipienda, num “quadro económico” relativamente a conjeturadas circunstâncias posteriores em mais de 2 anos, além de que a consideração de tal quadro (que não se deu como provado!) feriria o princípio da estabilidade da instância - artº 260º do CPC - sem que se pudesse considerar o regime do art. 611º do mesmo diploma.

10 - Se a norma do artigo 437º do Código Civil impõe que a “a alteração ocorrida não seja o desenvolvimento previsível de uma situação conhecida à data da celebração do contrato” (apud cit. Aresto do STJ de 30.03.2017, Proc. 1320/11.4TVLSB.L1.S1, com sublinhado nosso), e que os “factores que, afectem, de maneira anómala, imprevista, aquela base negocial…tornem intolerável a manutenção do contrato, tal como foi inicialmente querido e gizado pelos contraentes” …pelo que a “circunstância pessoal de um contraente, no tempo histórico da celebração do contrato releva para enquadrar objectivamente os motivos em que foi fundada a decisão” (apud Ac. STJ de 27.01.2015, Proc. 876/12.9TBBNV-A.L1.S1),

11 - dele fez errada aplicação a douta decisão vencedora - violando, nomeadamente, as normas dos arts. 437º e 439º do Código Civil e 260º e 611º do CPC -,

12 - que não o douto voto de vencido (decerto porque mais atento aos elementos de facto que o processo continha), ao fazer consignar: “Basta que na altura em que a alteração das circunstâncias foi invocada a situação se mantivesse e fosse incerto se ia ou não haver recuperação, como se afigura ser o caso atentos os factos provados.”(sic).

13 - “A realidade da vida traz por vezes alterações tão sérias aos negócios jurídicos já celebrados que, se uma das partes houvesse previsto as modificações ou alterações ocorridas, não teria celebrado o negócio ou, pelo menos, não o teria concluído nos termos em que o fez.” - vide cit. Ac. da Relação Lx de 08.04.2021, proferido no Processo nº 19222/20.1T8LSB.L1-6: é respaldo do caso dos autos.

E)1

14 - No final de E) da Motivação (em texto sob moldura, para melhor identificação), crêem-se demonstrados os aspectos de identidade entre dois Acórdãos da Relação de Lisboa (o aqui colocado em crise e o proferido em 08.04.2021 no Proc. nº 19222/20.1T8LSB.L1-6 –versando sobre situações de “contrato” condicionadas pela pandemia e em contexto temporal particularmente próximo – determinantes da contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito (a aplicação do art. 437º do Código Civil perante a pandemia Covid-19).

15 - A divergente interpretação jurisprudencial dos conceitos “lesão” e “alteração anormal das circunstâncias”, integradores da norma do artigo 437º do Código Civil, nesse específico contexto de pandemia, além de relevante para a definição de regras de certeza no comércio jurídico, assume ainda particular relevância social,

16 - razões porque se entendem reunidos todos os requisitos legais para a consideração da revista excecional com fundamento na alínea c) do nº 1 do art. 672º do CPC, conforme abaixo se Requer.

F)

1 - Pelo que se deixa dito acima em A) e F) da Motivação, os RR., aqui Recorridos, no período em que havia renúncia de patrocínio nestes autos declarativos – declarando, em requerimentos seus nos autos executivos de 13.03.2023 e 16.03.2032 (cfr. docs. 1 e 2 anexos ao requerimento sob a ref.ª Citius ...22 que antecede), o “pagamento” do valor da quantia exequenda acrescida das despesas previsíveis da execução, no montante de “€216.889,65” – sublinhe-se, ainda antes da prolação do acórdão recorrido (23.03.2023) – praticaram atos processuais incompatíveis com a subsistência da lide.

I. O que em termos de declaratário normal significa reconhecimento do crédito exequendo.

2- Houve, pois, de sua parte, assunção de conduta processual reveladora de falta de interesse em agir, assim tornando supervenientemente extinta a instância de recurso – cfr. artº 536º nº 4, 3º nº 1 e 277º e) do CPC.

Por consequência de todo o exposto, e com o mui douto suprimentos de V. EX.CIAS,

- requerem se considere revogada a douta decisão recorrida, por nulidade principal e prematuridade da mesma.

- Em todo o caso, e por ter feito errada interpretação e aplicação de lei na decisão de mérito, a decisão recorrida deve, ainda e sempre, ser revogada, para subsistir a douta decisão de 1ª instância, com todas as consequências legais, designadamente quanto ao não conhecimento do recurso de apelação pelo Tribunal de recurso, oportunamente interposto pelos RR. aqui recorrentes.

- De qualquer modo, há que considerar extinta a instância de recurso por facto superveniente imputável aos RR. ali recorrentes, praticado enquanto o processo estava suspenso em fase de apelação,

Para efeitos de aplicação do regime do artigo 672º nº 1 alínea c) do CPC, mais se Requer, com a devida vénia, que:

- Analisado que seja o exposto no final de E) da Motivação (em texto sob moldura, para melhor identificação), bem como o teor das conclusões 14 e 15 a tanto referenciadas (E1), se conclua pela reunião dos requisitos legais para a consideração da revista excecional com fundamento na alínea c) do nº 1 do art. 672º do CPC.

- Para tanto, junta-se cópia do Acórdão-fundamento com o qual o acórdão aqui recorrido se encontra em oposição (vide Doc. 1), o qual transitou julgado ainda em 2021 - de resto como pode confirmar-se oficiosamente neste Supremo Tribunal de Justiça, por consulta aos autos de Revista que, sob o nº 19222/20.1T8LSB, aqui correram termos e nos quais foi proferido Douto Acórdão em 14 de julho de 2021, a negar tal revista.

A ter o merecimento e análise por parte de V. Ex.cias, e também por esta via, se concluirá pela revogação a decisão recorrida, ainda e sempre para subsistir a douta decisão da 1ª instância, com todas as consequências legais. Assim se fará Justiça.

Os réus, aqui recorridos, apresentaram contra-alegações que encerram com as seguintes conclusões:

I. O Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA faz, de forma correta, a interpretação e aplicação da lei, devendo a douta decisão ser mantida in totum, com todas as consequências legais.

II. Dispõe o art.º 437º, n.º 1, do CC que se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

III. Os cinco requisitos do art.º 437º, n.º 1, do CC são de verificação cumulativa, pelo que faltando algum ou alguns deles, não se pode recorrer a este instituto.

IV. Por contrato promessa de 07.08.2019, os AA., ora recorrentes, prometeram comprar as quotas da sociedade S..., Lda e os RR., ora recorridos, prometeram vender a totalidade das quotas dessa sociedade de que eram titulares.

V. Ficou demonstrado que como pressupostos essenciais à vontade de contratar, relevaram nomeadamente para os AA., a existência e validade jurídica da licença de exploração turística para observação de cetáceos sob a titularidade da mesma sociedade S..., Lda, emitida pela Direção Regional de Turismo para a Zona B, vigente até, pelo menos, 31 de março de 2020 e para os RR., que apenas a licença de exploração turística para observação de cetáceos acompanhará a cessão de quotas ora prometida e nada mais.

VI. Os recorrentes já eram titulares das quotas de outra sociedade, a T...,Lda, que tinha por objeto o mercado da observação de cetáceos, possuindo para o efeito duas licenças e três embarcações e, pretendiam investir no crescimento de tal atividade, motivo pelo qual propuseram-se adquirir as quotas da S..., Lda, para poderem ficar titulares de uma terceira licença de observação de cetáceos, tendo em conta que a atribuição de novas licenças não era possível.

VII. O preço acordado foi para a aquisição da totalidade das quotas da S..., Lda, mediante o pagamento de um sinal de 195.000,00€.

VIII. Com a declaração da pandemia Covid-19, as atividades turísticas sofreram uma grande redução, tendo ficado demonstrado que os recorrentes tiveram de encerrar as instalações da T...,Lda em meados de março de 2020 e a recorrer ao lay-off simplificado para os meses de abril, maio e junho de 2020.

IX. Resultou igualmente provado que por comparação com o período homónimo de 2019, a T...,Lda em 2020 viu o seu volume de negócios diminuir em mais de 90%.

X. Os danos alegados pelos recorrentes dizem respeito à sociedade T...,Lda, ficando desde logo prejudicado o terceiro requisito, ou seja, que a alteração das circunstâncias provoque lesão para uma das partes, precisamente porque os recorrentes não invocaram e nem provaram qualquer prejuízo enquanto partes no contrato promessa.

XI. Assim sendo, os recorrentes não alegaram a onerosidade excessiva que implicaria o cumprimento do contrato promessa de aquisição das quotas da sociedade S..., Lda, devendo por isso ser considerada e reconhecida a ilicitude da resolução do contrato promessa pelos recorrentes, com as legais consequências.

XII. Mesmo que se considerasse que os recorrentes sofreriam danos com o cumprimento do contrato promessa porque o fim que tinham em vista era a aquisição de uma terceira licença para observação de cetáceos e que com a pandemia essa atividade ficou na prática suspensa, ainda assim não haveria fundamento para a resolução do contrato pois que a alegada dificuldade ou incapacidade económica de cumprir o contrato promessa, sendo temporária, não faculta ao devedor lançar mão, sem mais, do instrumento de resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias.

XIII. A celebração do contrato prometido não estava impossibilitada, visto que o cumprimento da prestação continua a ser material e juridicamente possível.

XIV. Não havia fundamento para que os AA. resolvessem o contrato promessa com fundamento na alteração anormal das circunstâncias, pelo que não operou a resolução do contrato comunicada pela carta de 13.08.2020.

XV. Relativamente à pretensão dos recorrentes na condenação dos recorridos a pagarem 2.564,38€ de juros de mora vencidos, sendo ilícita a resolução do contrato promessa, fica prejudicada esta questão suscitada pelos recorrentes.

XVI. Os recorridos ao efetuarem o pagamento da quantia de 216.889,65€ por depósito autónomo, tal não significa o reconhecimento do crédito exequendo, mas apenas teve em vista obstar ao prosseguimento da execução sobre os bens penhorados.

Nestes e nos melhores termos de direito, que V. Excelências douta e superiormente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se o douto Acórdão “a quo”, com todas as demais consequências, assim se fazendo Justiça.


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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Sendo admissível o recurso de revista normal, fica prejudicado o recurso de revista excepcional interposto com o mesmo objecto daquele.


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das alegações e das conclusões de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

I. Consequências processuais da renúncia ao mandato por parte do mandatário dos réus.

II. Inutilidade superveniente da instância de recurso por pagamento da dívida dada à execução apensa.

III. Nulidade do acórdão recorrido por falta convite aos réus apelantes ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso.

IV. Nulidade do acórdão recorrido por obscuridade e contradição entre os fundamentos e a decisão.

V. Erro de direito por consideração de facto notório.

VI. Resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias que determinaram a vontade de contratar.


*


I.4 - Os factos

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

I. Por escrito datado de 07/08/2019, denominado "contrato promessa de cessão de quotas", os Réus prometeram vender, livres de quais ónus, encargos ou responsabilidade, aos 1º e 2º Autores, que por sua vez prometeram comprar, as duas únicas quotas de que são titulares, cada uma no valor nominal de 119 250,00 €, no capital social da sociedade comercial sob a firma S..., Lda, titular do número único de matrícula e pessoa colectiva .......71, com o capital social de 238 500,00€ e sede na Marina, ... - ..., ....

II. O preço global convencionado para a transmissão das participações sociais no capital social da S..., Lda foi de 275 000,00€.

III. A título de sinal e princípio de pagamento, convencionaram as Partes no referido contrato-promessa o pagamento da quantia de 195 000,00€, que os Autores fizeram entregar aos Réus que, dando-a por recebida naquela mesma data, prestaram a competente quitação.

IV. O remanescente do preço, no montante de 80 000.00€, teria de ser pago aquando da celebração do contrato prometido, a outorgar até ao dia 31 Dezembro de 2020, mas sempre após o recebimento pelos Réus dos apoios indicados no Considerando D) e a transferência da titularidade dos contratos de arrendamento aludidos no mesmo Considerando, aceitando as Partes a eventual prorrogação daquela data, pelo prazo de 6 meses e por motivos relevantes, nomeadamente os indicados naquele Considerando D) do contrato-promessa.

V. Ficou a competir aos Réus a designação de dia, hora e Cartório para o efeito do contrato prometido e a respectiva obrigação de pré-aviso aos 1º e 2º Autores por meio de carta registada com aviso de ressecção.

VI. Como pressupostos essenciais à vontade de contratar, relevaram nomeadamente:

para os Autores, a existência e validade jurídica da licença de exploração turística para observação de cetáceos sob a titularidade da mesma firma S..., Lda, emitida pela Direcção Regional de Turismo para a Zona B, vigente até, pelo menos, 31 de Março de 2020;

para os Réus, que só e apenas a licença de exploração turística para observação de cetáceos acompanhará a cessão de quotas ora prometida e nada mais.

7. À data da celebração daquele contrato-promessa, os Autores, eram, como ainda hoje, os únicos sócios e titulares da sociedade comercial T...,Lda, titular do número único de matrícula e pessoa colectiva ... ... .23, com sede na Marina ..., cujo objecto se centra nas actividades marítimo-turísticas, em particular na observação de cetáceos, representando tal actividade cerca de 95% do seu volume de negócios.

8. Foi a T...,Lda que assegurou o pagamento do sinal prestado de 195 000,00€.

9. À data do contrato promessa, o turismo era um sector em contínuo crescimento, decisivo para a economia, quer regional (com aumento do número de passageiros/turistas a desembarcar em ...ao ritmo de 2 dígitos/ano no triénio 2017/2019), quer nacional, tendo mesmo atingido no final do ano de 2019 resultados recorde nos indicadores INE, BP, ANA, TP, acabando mesmo por pesar já cerca de 15% no PIB, 10% no emprego e 20% nas exportações.

10. Titular de 2 licenças para a Zona B (...), possuindo 3 embarcações certificadas e com procura turística crescente no mercado de Whale Watching nos últimos 3 anos, os Autores, enquanto e porque sócios da mesma T...,Lda e para os fins desta, vinham procurando a titularidade de uma nova licença, numa perspectiva de investimento e crescimento da sua actividade social.

11. À data do contrato promessa, o quadro legal vigente na Região Autónoma dos Açores, ainda hoje vigente, não permitia a atribuição de mais licenças para a observação de cetáceos para além das 20 emitidas e há vários anos esgotadas para a Zona B.

12. A 30 de Janeiro de 2020 a Organização Mundial da Saúde declarou emergência de saúde pública de âmbito internacional e a 11 de Março de 2020 classificou o vírus SARS-CoV-2 como uma pandemia.

13. Esta nova realidade veio inverter drasticamente o ciclo de crescimento que se vinha verificando no sector do turismo.

14. Perante a pandemia, os Autores viram-se forçados a encerrar as instalações da T...,Lda em meados de Março/2020 e a recorrer ao lay-off simplificado para os meses de Abril, Maio e Junho de 2020.

15. Por comparação com o período homónimo de 2019, a T...,Lda, em 2020, viu o seu volume de negócios diminuir em mais de 90%.

16. Por meio de carta registada com aviso de ressecção datada de 19/05/2020, os Autores comunicaram aos Réus o seguinte: em suma, mostram-se reunidos todos os requisitos para a resolução da Promessa por alteração anormal das circunstâncias que estiveram na base do negócio, o que, em termos de consequências jurídicas, poderá determinar a restituição pelas Partes de tudo quanto houver sido prestado. No entanto, procurando uma solução equitativa que evite tal providência (…) os signatários propõem a modificação da promessa quanto ao preço ali estipulado para metade do seu valor, i.e., para € 137 500,00€.

17. Por carta data de 16 de Junho de 2020, os Réus comunicaram o seguinte: informamos que estamos, de acordo com juízos de equidade, disponíveis para encontrar uma solução que minimize os efeitos da pandemia na nossa realidade económica, pelo que estamos, por exemplo, dispostos a prorrogar o prazo para a realização do contrato prometido, desde que tal implique um sacrifício mútuo (…). Não reconhecemos a resolução do contrato promessa de cessão de quotas celebrado a 7 de Agosto de 2019, comunicada por V. Exas., por ser a mesma ilegal, por falta de fundamento. Em consequência, mantendo-se o contrato acima indicado válido e a produzir plenos efeitos, não iremos proceder à devolução de qualquer montante, pelas razões já expostas.

18. Por nova carta de 13/08/2020, os Autores comunicaram aos Réus o seguinte: “a manutenção deste contrato-promessa levaria a um desequilíbrio que a boa fé, o equilíbrio contratual e o Direito repudiam, colocando em causa a sobrevivência da T...,Lda como empresa, afectando a um objectivo inatingível recursos que serão absolutamente indispensáveis até para absorver custos inerentes a responsabilidades salariais e contributivas que, não fora a pandemia, e no quadro económico previsível aquando da celebração do contrato-promessa, estavam previstos por gestores prudentes. Assim, tendo em conta o regime dos artigos 400º nº 1, 762º, 337º e 437º do Código Civil, e face à recusa dos promitentes vendedores numa alteração contratual justa, são os interesses dos colaboradores e dos credores da T...,Lda, bem assim, a boa-fé, o princípio do equilíbrio contratual e o Direito que impõem que, por este meio, declaremos a resolução do contrato-promessa celebrado em 07.08.2019. Nos termos legais, e por consequência, vimos solicitar a V. Excias. a devolução da quantia de €195.000,00 que entregamos a título de sinal e princípio de pagamento, cessados que ficam os efeitos jurídicos do contrato com efeitos à data da entrega daquele, já que, retomando ou não abrindo mão de nenhum bem ou direito, não subsiste desequilíbrio para V. Excias., menos ainda injustificável, na consideração do que seria a repartição do risco contratual.

19. Mais se lê em tal comunicação que: aproveitamos a circunstância para, de igual modo, dar conta da inquestionável cessação do contrato de afretamento celebrado entre as firmas T...,Lda, e S..., Lda, com data de 07.08.2019, o qual, como é sabido, (só) encontra a sua razão de ser na celebração da referida promessa de 07.08.2019 e no cumprimento do contrato nesta prometido, com que estava em união intrínseca. De resto, como também é sabido, nunca houve, até hoje, a mais pequena execução de qualquer serviço que corporizasse tal contrato, desde logo sequer o pagamento de qualquer frete à T...,Lda.

20. Por intermédio de mandatário judicial, os Autores voltaram a requerer a devolução da quantia por si recebida a título de sinal e princípio de pagamento no contexto do contrato-promessa resolvidos pelos 1º e 2º Autores - agora por carta de 08/09/2020 - carta esta que mereceu resposta por mandatário judicial daqueles, a reiterar o sentido da carta dos Réus datada de "16 de Junho de 2020".

21. As partes, aquando da outorga do contrato promessa de cessão de quotas, não perspectivavam o surgimento da pandemia.

Factos não provados:

I. O valor de mercado da empresa S..., Lda é, na presente data, cerca de 275 000,00€.

II. Os Réus usufruíram da licença de observação de cetáceos a partir de 07/08/2019 e até 21/08/2020, sem que para tal tenha havido qualquer retribuição para os Réus.


*****


II – Fundamentação

I. Consequências processuais da renúncia ao mandato por parte do mandatário dos réus.

No dia 6 de Outubro de 2022 foi efectuada remessa electrónica para distribuição do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa para processamento de recurso de apelação, com indicação de que o suporte físico deste processo (previsto nos termos do artº 28º da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto), segue via correio registado.

No dia 13 de Dezembro de 2022 o Dr. EE, Advogado, apresentou no processo requerimento dirigido ao Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de ... – J3 requerimento em que declarava renunciar ao mandato que lhe fora conferido por CC.

No dia 15 de Dezembro de 2022 o relator do processo proferiu o seguinte despacho:

“Porque a procuração junta pelos réus a conceder mandato forense ao Sr. Dr. EE foi outorgada num único documento e sendo certo que se trata – pelo menos assim vem indicado nos autos – de um casal e, uma vez que a declaração e, uma vez que a declaração de renúncia ao mandato forense se refere apenas ao co-réu/apelante, entendemos ser oportuno que o Ilustre Mandatário renunciante esclareça se a renúncia diz somente respeito ao mandato forense conferido pelo co-réu marido (caso em que continuará a patrocinar a co-ré mulher) ou se a renúncia se reporta ao mandato forense conferido por ambos os réus.

Prazo para o efeito, 5 dias.”

No dia 19 de Dezembro de 2022 respondeu o Dr. EE que:

“(…) que por lapso não indicou que a renuncia também diz respeito ao mandato forense conferido pela Ré mulher.”.

No dia 7 de Março de 2023 o relator do processo proferiu o seguinte despacho:

“Recursos admitidos no modo de subida e com os efeitos devidos.

Nada parece obstar à apreciação dos respectivos méritos.

Aos vistos.

Em tabela para a sessão de 23/03/2023.”

O acórdão recorrido foi proferido em 23 de Março de 2023.

No dia 29 de Março de 2023 o relator do processo proferiu o seguinte despacho:

“Verifica-se agora que, foi proferido acórdão nos autos de recurso, no passado dia 23/03/2023, sem que se tivesse atentado na circunstância de o Ilustre Mandatário dos réus recorrentes haver renunciado ao mandato forense conferido por esses réus, nos dias 13/12/2022 e 19/12/2022.

Assim, importa, agora, proceder à notificação dos réus para constituírem novo mandatário.

Deste modo, notifique pessoalmente, ambos os réus recorrentes, da renúncia ao mandato forense apresentada pelo Sr. Dr. EE pelos requerimentos de 13/12/2022 e de 19/12/2022, para constituírem novo mandatário, no prazo de 20 dias, sob pena de não o fazendo dentro desse prazo e decorrido que seja o mesmo, se suspender, quanto a eles, a instância de recurso, ou seja, se suspender o prazo de eventual recurso de revista, sem prejuízo de, passados que sejam seis meses, a instância de recurso ficar deserta quanto a eles (artºs 47º nºs 1, 2 e 3, al. a) e 281º nº 2 do CPC).

Notifique igualmente o Mandatário renunciante e a parte contrária.”

Tal despacho foi notificado ao mandatário dos réus em 30 de Março de 2023 e aos autores, por carta registada com aviso de recepção no dia imediato, encontrando-se assinados tais avisos de recepção no dia 4 de Abril de 2023.

No dia 10 de Abril de 2023 os autores apresentaram o requerimento pedindo esclarecimento de ambiguidades processuais, acompanhado de cópia da notificação dos réus, por carta registada com aviso de recepção assinado em 28 de Dezembro de 2023, efectuada pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de ... – J3, com conteúdo normalizado, indicativa da renúncia ao mandato que haviam conferido ao Dr. EE, da obrigatoriedade da constituição de novo mandatário no prazo de 20 dias, e indicação de que se não constituírem mandatário no prazo indicado o processo vai prosseguir os seus termos com base naquilo que tiver sido feito pelo advogado renunciante.

Não se consegue localizar no histórico do processo constante do Citius a que temos acesso qualquer despacho do Tribunal de 1.ª instância a determinar a notificação aos réus da renúncia ao mandato, admitindo-se que a notificação que foi presente pelos autores com o seu requerimento de 10 de Abril de 2023 haja sito uma notificação efectuada oficiosamente pela secretaria, mas que não está inserida no histórico.

O Tribunal recorrido que foi adiando a decisão do requerimento de 10 de Abril de 2023, no que a esta questão diz respeito, acabou por nada dizer sobre esta primeira notificação aos réus da renúncia do seu mandatário, numa atitude deselegante, ainda que formalmente justificada pela inadmissibilidade dos esclarecimentos.

Em nosso entender, perante semelhante trapalhada processual que rodeou a renúncia ao mandato e a prolação do acórdão, por força do dever de recíproca correcção – art.º 9.º do Código de Processo Civil – deveria ter-se esclarecido a questão como tentaremos agora fazer.

Está em causa a renúncia ao mandato por parte do mandatário constituído pelos réus junta aos autos no decurso do recurso de apelação meses antes interposto pelos réus e pelos autores, e, depois de esgotados os prazos para contra-alegar.

O Tribunal da Relação, sem atentar na renúncia ao mandato, não constando do histórico do processo qualquer notificação aos réus para constituírem mandatário, proferiu o acórdão recorrido.

Não fora tal lapso, teria notificado os réus para constituírem mandatário, como veio a fazer posteriormente e, apenas se o não tivessem feito dentro do prazo concedido para o efeito, não tomaria conhecimento do recurso do apresentado pelos réus, nos termos do disposto no art.º 41.º do Código de Processo Civil.

Todavia, do lapso cometido pelo Tribunal da Relação ao ter proferido acórdão sem antes ter atentado que os réus não tinham constituído mandatário, nenhum prejuízo resultou para os autores dado que o recurso apresentado pelos réus foi julgado improcedente.

Se considerássemos válida a primeira notificação aos réus da renúncia ao mandato, a apresentada pelos autores, estariam os réus obrigados a constituir novo mandatário em 20 dias contados do fim das férias judiciais de Natal de 2023.

Os réus só constituíram mandatário em 13 de Junho de 2023, mas dentro do prazo fixado pelo Tribunal da Relação para esse efeito. Não há qualquer despacho formal a suspender os termos da instância de recurso. Entretanto, foi proferido o acórdão, e mostra-se actualmente regularizada a instância de recurso com a constituição de mandatário pelos réus.

O processado não patenteia a atenção que deve ser conferida a cada despacho, notificação ou requerimento, sem que, apesar disso, haja postergado qualquer direito de defesa das partes, omitido qualquer fase processual essencial, ou enferme aquele de nulidade, por as irregularidades cometidas, desviando-se do rito processual adequado, repetindo actos e omitindo outros, não estarem sancionadas por lei com o vício de nulidade dado não terem tido influência, por qualquer modo, no exame ou na decisão da causa, nos termos do disposto no art.º 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Improcede, pois, a revista com este fundamento.

2. Inutilidade superveniente da instância de recurso por pagamento da dívida dada à execução apensa.

Os autores/recorrentes na decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância instauraram execução contra os réus para pagamento da dívida nessa sentença reconhecida.

O recurso de apelação foi recebido com efeito meramente devolutivo por decisão de 6 de Outubro de 2022.

Nesse processo executivo, os réus procederam ao depósito autónomo da quantia correspondente ao valor da quantia exequenda acrescida das despesas previsíveis da execução, num total de 216.889,65€, e, requereram a sustação da penhora sobre o vencimento dos executados e levantamento da penhora nela efectuada sobre o prédios dos executados requerentes, o que veio a ser determinado em 16 de Março de 2023, antes da prolação do acórdão recorrido - 23.03.2023 –.

Consideram os autores/recorrentes que tal pagamento implica o reconhecimento do crédito exequendo, e consequentemente, a inutilidade superveniente da instância de recurso por pagamento da dívida dada à execução apensa. Por seu turno, os réus recorrido indicam nas suas contra-alegações que “(…) ao efetuarem o referido pagamento por depósito autónomo mais não pretenderam que salvaguardar e suspender a execução de praticamente todo o seu património que havia sido penhorado, designadamente a casa de morada de família, fazendo por isso o pagamento da quantia de 216.889,65€ à ordem dos autos. Tal não significa o reconhecimento do crédito exequendo, mas apenas teve em vista obstar ao prosseguimento da execução sobre os bens penhorados, pelo que a posição dos recorrentes nesta matéria também não deverá proceder. Ademais, sabendo os recorrentes que já havia um recurso e uma decisão favorável aos RR., aqui alegantes, permaneceram, de má fé a querer executar a sentença da 1.ª instância, penhorando todo o seu património, incluindo a casa de morada de família, o que fez com que os ora alegantes tivessem que recorrer à banca para impedir tal venda, o que não configura qualquer aceitação ou reconhecimento de créditos, mas sim um estado de necessidade (aflição) em que foram colocados.”

Sendo o pagamento da dívida exequenda e acrescido, a forma normal e mais frequente de extinção da execução, pelo pagamento, o depósito autónomo de quantia correspondente não se reconduz necessariamente a esse propósito.

O pedido dos executados de 13 de Março de 2023 de sustação da execução, e, não da sua extinção, reforçados pela não desistência do recurso de apelação, bem como a sua contra-alegação neste recurso de revista pugnando pela manutenção do acórdão recorrido que é favorável à sua pretensão de inexistência da dívida, são elementos sobejamente fortes para afastar o presumido reconhecimento da dívida exequenda por parte dos réus. Afiguram-se como mais que prováveis as suas exclusivas intenções ao efectuar tal depósito de que os termos executivos não possam prosseguir para a venda dos bens penhorados, que serão parte substancial do seu património.

Apresenta-se assim muito forte o seu interesse em agir nesta instância de recurso.

Improcede a revista, também com este fundamento.

3. Nulidade do acórdão recorrido por falta convite aos réus apelantes ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso.

Os autores/recorrentes argúem a nulidade do acórdão recorrido com fundamento em ter ele conhecido do recurso de apelação sem convite aos réus apelantes ao aperfeiçoamento das conclusões do recurso de apelação, que são próximas de cópia das alegações, consubstanciando em seu entender ausência de conclusões, na sequência, aliás do seu requerimento, que foi indeferido pelo Tribunal recorrido, de não conhecimento do recurso apresentado pelos réus por ausência de conclusões, dada a sua proximidade com o texto da alegação.

Dado que entendem serem tais conclusões muito próximas da cópia integral das alegações e implicitamente demasiado extensas e sem síntese conclusiva, começaremos por anotar que as conclusões que os autores/recorrentes apresentaram no recurso de revista iniciam-se na página 56 e estendem-se até à página 68 apresentando divisões em letras e subdivisões em números e estes também subdivididos. A diferença entre as conclusões apresentadas e o que seriam conclusões desejáveis pode aferir-se pelo confronto entre o enunciado das questões a dirimir e o texto das conclusões apresentadas, com a inevitável conclusão da ausência de síntese conclusiva imposta por lei.

Verifica-se total ausência por parte do juiz relator no Tribunal da Relação de convite ao aperfeiçoamento das alegações de recurso que, fundadamente julgou desnecessária.

O artigo 639.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe - Ónus de alegar e formular conclusões – estatui:

1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.

4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.

5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.

O referido preceito contém normas orientadoras de como devem as partes elaborar as suas peças de recurso utilizando conceitos indeterminados que a unidade do sistema jurídico há-de ajudar a concretizar. Não define o que sejam conclusões deficientes, obscuras, ou complexas optando por deixar à apreciação do tribunal de recurso a respectiva concretização, necessariamente norteada pelos princípios constitucionais e processuais civis, sem esquecer a complexidade das questões suscitadas e a natural divergência entre estilos de escrita e exposição, e os tradicionais maus hábitos dos juristas de se alongarem desnecessariamente nos discursos mais ou menos gongóricos que abundam nas peças processuais apresentadas ao e pelo tribunal.

Em todo o caso, o tribunal de apelação não considerou que havia ausência de conclusões, ou que as mesmas eram deficientes, obscuras ou complexas, nem os recorridos sustentaram justificadamente a sua impossibilidade de entenderem, e, por consequência poderem exercer os seus direitos de defesa, quanto ao objecto do recurso em causa. As questões objecto de recurso foram, ao invés, longa e detalhadamente analisadas e impugnadas pelos recorridos na apelação de molde a permitirem que houvesse efectivamente pronúncia pelo tribunal recorrido sobre todas as questões suscitadas, como decorre da ausência de alegação de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, em sentido que suscite o desacordo dos recorrentes.

Cremos que o tribunal recorrido, bem em nosso entender, tomou conhecimento do recurso sem se enredar em formalismos apertados que pouco ou mesmo nada contribuem para a decisão justa e atempada dos conflitos, posto que não tinha dúvida sobre as questões objecto do recurso e a posição que cada uma das partes sobre elas assume.

Podemos concordar que as alegações e as conclusões de todos os recursos constantes deste processo não correspondem a uma desejável perfeição jurídica do que pretende o legislador que sejam as alegações das partes e as conclusões de recurso, claras, simples, sintéticas, objectivas e tão curtas quanto possível para que o tempo dos mandatários, das partes, e, do tribunal seja gasto apenas na medida do necessário com a relação material controvertida. Talvez ciente da imperfeição humana, o legislador deixou ao relator uma ampla margem de tolerância quanto ao que deva entender-se por conclusões deficientes, obscuras, ou complexas e, quando ele não suscite tal questão fica a mesma ultrapassada para sempre.

Como analisou o acórdão recorrido, a este propósito,

“(…) Os réus/apelantes encerram o recurso com 96 (noventa e seis) conclusões em 21 páginas (!!!).

O que se revela extraordinário e completamente desfasado do que sejam, rectius, do que devem ser conclusões (…de resto, como o próprio nome indica…).

(…) Pois bem, no caso dos autos, os apelantes estiveram longe, rectius, longíssimo de indicar, resumidamente, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e de direito porque pretendem a revogação da sentença. Aquilo a que chamam conclusões mais não são que, praticamente, mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, na alegação, sem a mínima preocupação de síntese.

Esta “técnica” de “concluir” dificulta, sobre maneira, o trabalho ao tribunal de recurso, desde logo na identificação/delimitação do objecto do recurso e das concretas questões que importa apreciar, exigindo um significativo esforço acrescido. Note-se que como lapidarmente anota Abrantes Geraldes, “…o volume das conclusões não é sinal de qualidade…” (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 131).

Poderia, é certo, haver lugar a despacho de aperfeiçoamento das conclusões, com convite a que os apelantes sintetizassem, efectivamente, os fundamentos do recurso, conforme refere o artº 639º nº 3 do CPC: quando as conclusões sejam complexas, (extensas), o relator deve convidar o recorrente a sintetizá-las, sob pena de não conhecer o recurso. No entanto, a prolação de despacho de convite a esse aperfeiçoamento das conclusões depende do juízo que se fizer acerca do grau da gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais e com a ponderação sobre se aquela irregularidade perturbou, efectivamente, o exercício do contraditório (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 132).

Pois bem, no caso em análise, não se considera necessário que a exagerada extensão das conclusões tenha sido factor de perturbação do exercício do contraditório – que, de resto, foi efectivamente exercido - ou que exija que o apelante sintetize as conclusões.

No entanto, não se podia deixar passar em claro esta exageradíssima e repetitiva “técnica” de concluir a alegação praticada pelos apelantes neste recurso e, chamar a atenção para a necessidade de terem de observar, quanto mais não seja para futuro, as regras relativas ao dever de concluir resumidamente formulando preposições sintéticas.”

O Sr. Juiz relator entendeu tudo, nós também teríamos entendido, e, os aqui recorrentes também entenderam, sendo certo que, em caso algum o legislador considerou que haveria nulidade da decisão recorrida se, mesmo que as conclusões sejam deficientes, obscuras, ou complexas e não tenha havido convite ao seu aperfeiçoamento o acórdão fosse, como aqui foi, prolatado.

Improcede, pois, a revista com fundamento na nulidade do acórdão por omissão do convite ao aperfeiçoamento das conclusões, fundamento não previsto no art.º 615.º, aplicável ao recurso de apelação por força do disposto no art.º 666.º, n.º 1, atento também o disposto no art.º 195.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.

4. Nulidade do acórdão recorrido por obscuridade e contradição entre os fundamentos e a decisão.

Os autores/recorrentes argúem a nulidade do acórdão recorrido, por “manifesta obscuridade entre os pressupostos de facto relativos à identificação da parte lesada, que leva a contradição entre os mesmos e a conclusão doutrinária que de tal decorre!!!”pelas razões aduzidas em C) das alegações, especificando que ela se verifica na seguinte parte do acórdão recorrido, que indicaram constar “pouco antes da decisão de procedência do recurso dos RR.,”

“(…) nada obsta a que se mantenha, rectius, subsista o vinculo contratual ilicitamente resolvido, designadamente quando se verificam três pressupostos: (i) o cumprimento das prestações contratuais ainda é possível; (ii) a parte lesada mantém interesse na execução do contrato; (iii) a execução do contrato não é excessivamente onerosa para aquele que o resolveu ilicitamente. (Cf. Pedro Romano Martinez, Da Cessação…cit., pág. 219 e 220).

Tal passagem do acórdão consta da parte final do ponto:

“3.1.5- A pretendida revogação da sentença.

Os réus/apelantes pretendem a revogação da sentença, em termos de ser considerada ilícita a resolução do contrato promessa pela carta de 13/08/2020 e, se conclua pelo incumprimento definitivo do contrato por banda dos autores, reconhecendo-se aos réus o direito de fazerem seu o sinal recebido.

(…)

Do que se expôs, resta concluir que não havia fundamento para que os autores resolvessem o contrato promessa com fundamento na alteração anormal das circunstâncias.

(…)

Assim sendo, procede o recurso dos réus na parte em que pretendem a revogação da sentença relativamente à condenação dos réus a reconhecerem a licitude da resolução do contrato promessa.

E quanto à parte do recurso em que os réus pretendem se reconheça o incumprimento definitivo do contrato promessa pelos autores e o consequente reconhecimento de fazerem sua a quantia de 195 000€ recebida a título de sinal?

(…)

Ora, no caso dos autos, como começamos por referir, os réus/apelantes nada alegam no seu recurso relativamente à questão da pretendida declaração de incumprimento definitivo do contrato promessa pelos autores nem quanto à pretensão de fazerem sua a quantia de 195 000€ recebidos a título de sinal.

Assim sendo, não se pode conhecer dessa parte do recurso.

Note-se que nada obsta a que se mantenha, rectius, subsista o vinculo contratual ilicitamente resolvido, designadamente quando se verificam três pressupostos: (i) o cumprimento das prestações contratuais ainda é possível; (ii) a parte lesada mantém interesse na execução do contrato; (iii) a execução do contrato não é excessivamente onerosa para aquele que o resolveu ilicitamente. (Cf. Pedro Romano Martinez, Da Cessação…cit., pág. 219 e 220).”

Ainda que existisse qualquer nulidade nesta parte do acórdão, o certo é que ela decidiu que o recurso interposto pelos réus cujo objecto era o reconhecimento do incumprimento definitivo do contrato promessa pelos autores e o consequente reconhecimento do direito de fazerem sua a quantia de 195 000€ recebida a título de sinal era julgado improcedente, e, sobre esta decisão carecem os autores de legitimidade para dela recorrerem, nos termos do disposto no art.º 631.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

Não se toma, pois, conhecimento deste fundamento de recurso.

5. Erro de direito por consideração de facto notório.

Os autores/recorrentes argúem que o acórdão recorrido enferma de erro de direito quando, sem alterar a matéria de facto, tomou em consideração na sua decisão um facto que considerou notório, sem o mesmo ter tal relevância à luz do disposto no art.º 412, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Em causa está a expressão utilizada pelo Tribunal recorrido, também no conhecimento do recurso interposto pelos réus de que “como é público, as actividades relacionadas com o turismo, voltaram à sua normalidade.”. Todavia, neste caso, apesar da argumentação ter sido tecida no conhecimento do recurso apresentado pelos réus ela repercute-se na posição processual e pretensão formulada pelos autores, como resulta da seguinte parte do acórdão:

“(…) Quer dizer, deste ensinamento decorre que a dificuldade ou incapacidade económica de cumprir o contrato promessa, sendo temporária, não faculta ao devedor lançar mão, sem mais, do instrumento de resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias.

Note-se que, como é público, as actividades relacionadas com o turismo, voltaram à sua normalidade. (…)

Do que se expôs, resta concluir que não havia fundamento para que os autores resolvessem o contrato promessa com fundamento na alteração anormal das circunstâncias.”

Do texto transcrito cremos resultar, com mediana clareza, que mais do que afirmar um facto notório, usou o acórdão recorrido um argumento que, de todo o modo, é irrelevante porque para a decisão da presente causa não tem qualquer relevo o que sabemos em 2024 dos tempos da pandemia, e da evolução sanitária e económica que se lhe seguiu, nomeadamente no último trimestre de 2022 como entendeu o acórdão recorrido. Haverá que aferir se, no momento da resolução do contrato, em 13/08/2020, com o que era então conhecido e desconhecido da situação pandémica e da situação económica nos Açores, em Portugal continental e no mundo inteiro, as partes se defrontavam com uma alteração anormal das circunstâncias que justifique a resolução contratual.

6. Resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias que determinaram a vontade de contratar.

Os contratos, como estipula o art.º 406.º do Código Civil devem ser pontualmente cumpridos, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou estipulação legal. Porém, sabendo o legislador das vicissitudes que podem ocorrer na vida negocial, determinou que:” Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato” – art.º 437.º do Código Civil .

Nesta acção pretendem os recorrentes ver reconhecido o seu direito potestativo a resolver o contrato promessa de cessão de quotas que firmaram com os réus à luz deste preceito legal.

Percorrendo a matéria de facto verificamos que:

À data de celebração do contrato promessa, o turismo era um sector em contínuo crescimento, decisivo para a economia, quer regional (com aumento do número de passageiros/turistas a desembarcar em ... ao ritmo de 2 dígitos/ano no triénio 2017/2019), quer nacional, tendo mesmo atingido no final do ano de 2019 resultados recorde nos indicadores INE, BP, ANA, TP, acabando mesmo por pesar já cerca de 15% no PIB, 10% no emprego e 20% nas exportações.

Titular de 2 licenças para a Zona B (...), possuindo 3 embarcações certificadas e com procura turística crescente no mercado de Whale Watching nos últimos 3 anos antes da celebração do contrato aqui em discussão, os Autores, enquanto e porque sócios da empresa T...,Lda, e, para os fins desta, vinham procurando a titularidade de uma nova licença, numa perspectiva de investimento e crescimento da sua actividade social.

O contrato promessa de cessão de quotas da empresa S..., Lda, celebrado em 7 de Agosto de 2019, assentava em dois pressupostos essenciais:

a. para os Autores, a existência e validade jurídica da licença de exploração turística para observação de cetáceos sob a titularidade da mesma empresa S..., Lda, emitida pela Direcção Regional de Turismo para a Zona B, vigente até, pelo menos, 31 de Março de 2020;

b. para os Réus, que só e apenas a licença de exploração turística para observação de cetáceos acompanharia a cessão de quotas, e, nenhum outro activo dessa empresa.

Significava isto que os A.A. pretendiam assim obter a licença de exploração turística para observação de cetáceos e os réus ficariam com todo o activo e passivo da empresa cujas quotas cediam. A dita licença não será transaccionável, porque concedida a uma dada empresa, por uma entidade pública e visando uma concreta utilização, mas com a alteração da titularidade das quotas dessa empresa, outras pessoas poderiam passar a utilizar a licença desde que juridicamente integrassem os corpos sociais da empresa licenciada.

Os recorrentes pretendiam, desse modo, desenvolver a actividade que vinham desenvolvendo de observação de cetáceos, enquanto sócios e únicos titulares da empresa T...,Lda dª, tendo sido os activos desta empresa que pagaram o sinal do contrato promessa celebrado entre autores e réus. Mas as partes no contrato promessa não foram as sociedades já mencionadas, mas os autores e réus, enquanto pessoas singulares e não em representação de qualquer pessoa colectiva.

O preço global convencionado para a transmissão das participações sociais no capital social da S..., Lda foi de 275 000,00€.

A título de sinal e princípio de pagamento, convencionaram as Partes no referido contrato-promessa o pagamento da quantia de 195 000,00€, que os Autores fizeram entregar aos Réus que, dando-a por recebida naquela mesma data, prestaram a competente quitação.

Cerca de cinco meses após a celebração do contrato-promessa e sem que a matéria de facto permita saber quando estaria prevista a celebração do contrato prometido, a 30 de Janeiro de 2020 a Organização Mundial da Saúde declarou emergência de saúde pública de âmbito internacional e a 11 de Março de 2020 classificou o vírus SARS-CoV-2 como uma pandemia.

Esta nova realidade veio inverter drasticamente o ciclo de crescimento que se vinha verificando no sector do turismo.

Perante a pandemia, os Autores viram-se forçados a encerrar as instalações da T...,Lda em meados de Março/2020 e a recorrer ao lay-off simplificado para os meses de Abril, Maio e Junho de 2020.

Por comparação com o período homónimo de 2019, a T...,Lda, em 2020, viu o seu volume de negócios diminuir em mais de 90%.

Em 19/05/2020, os Autores comunicaram aos Réus que se mostravam reunidos todos os requisitos para a resolução da Promessa por alteração anormal das circunstâncias que estiveram na base do negócio, o que, em termos de consequências jurídicas, poderá determinar a restituição pelas Partes de tudo quanto houver sido prestado. No entanto, procurando uma solução equitativa que evite tal providência (…) os signatários propõem a modificação da promessa quanto ao preço ali estipulado para metade do seu valor, i.e., para € 137 500,00€.

Os réus perante a situação de pandemia só aceitavam a prorrogação o prazo para a realização do contrato prometido, desde que tal implicasse um sacrifício mútuo, vindo os autores a declarar resolvido o contrato promessa e solicitado a devolução do sinal em 13/08/2020.

As partes, aquando da outorga do contrato promessa de cessão de quotas, não perspectivavam o surgimento da pandemia.

Ninguém, cremos nós, a nível global, perspectivava o surgimento da pandemia muito menos a sua dimensão em termos de alterações da vida das pessoas e paralisação generalizada da vida empresarial que, com maior ou menor intensidade, se arrastou até finais de 2022 pelo que dúvidas não podem subsistir de que em 13/08/2020 se verificava uma muito profunda, imprevisível e, anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

Os autores que haviam já desembolsado 195 000,00€ para a obtenção de uma licença para observação de cetáceos, porque disto verdadeiramente se tratava com aquela cessão de quotas, não podiam desenvolver a actividade que ela permitia desenvolver, porque o turismo estava paralisado ou, pelo menos decrescera drasticamente e, para cumprirem o contrato haveriam ainda que desembolsar mais 80 000,00€, afinal para desenvolverem uma actividade permitida pela licença, mas proibida pelos confinamentos, pelas restrições à circulação de pessoas e pelo medo que as pessoas sentiam, a nível global, de participarem em actividades com outras pessoas. Como já expresso pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 11-05-2023 proferido na Revista n.º 1455/21.5YLPRT.L1.S1 - 2.ª Secção, publicado em www.dgsi.pt “A crise COVID-19 configura uma “modificação brusca das condicionantes estruturais da coexistência social”, isto é, uma “grande alteração das circunstâncias” – e uma em grau superlativo, que escapa às categorias dogmáticas habituais. Por isso, mais do que consentir intervenções pontuais, por iniciativa das partes, no domínio dos contratos, ela exige uma verdadeira reconformação do quadro em que se desenvolve a generalidade das relações jurídicas de carácter patrimonial.”

Tal alteração anormal das circunstâncias está absolutamente para além dos riscos próprios do negócio, deste negócio, ou, de qualquer outro.

Os danos a ter em conta são os danos sofridos pelos autores que se dedicavam no âmbito de uma sociedade ao desenvolvimento da actividade de observação de cetáceos que deixou de poder ser exercida, em parte porque foi proibida durante largos períodos, depois porque sofreu grandes restrições de funcionamento e, deparou-se com a quebra abrupta do turismo nos Açores. Os autores obtinham rendimentos através da actividade que desenvolviam como únicos sócios da empresa T...,Lda e esta viu o seu volume de negócios diminuir em mais de 90%, e com essa diminuição viram os autores diminuir os seus rendimentos. A manutenção do contrato, nos termos contratados implicaria que os autores teriam que suportar duplamente as consequências nefastas da pandemia com a quebra acentuada do turismo e da sua actividade, no âmbito da sua empresa T...,Lda e, também no âmbito da empresa de que passariam a titulares para obterem uma licença de observação de cetáceos que não podiam utilizar, o que se afigura ser um exagerado sacrifício económico. A situação económico-financeira da empresa T...,Lda apenas releva nestes autos por ser a fonte de rendimento dos autores e por demonstrar o estado a que chegou a actividade de observação de cetáceos nos Açores, no ano de 2020, e, não como entidade lesada que de resto não formulou qualquer pedido nos autos.

Como indicado na sentença de 1.ª instância, o equilíbrio das prestações contratuais subjacente à celebração do contrato prometido foi radicalmente afectado e deveríamos estar a definir a alteração/ modificação do contrato assente em critérios de equidade por a crise pandémica ter afectado ambas as partes. Porém tal solução foi afastada pelos réus que pretendem fazer sua a quantia recebida a título de sinal e manter na sua propriedade a licença para observação de cetáceos, pretendendo que os autores não recuperem nenhuma quantia do montante pago, nem adquiriram a licença de observação de cetáceos, num flagrante desequilíbrio das prestações ofensivo do princípio da boa fé negocial. A circunstância de os autores terem pedido a declaração de licitude da resolução contratual extrajudicialmente efectuada, não impedia que os réus, tanto mais que reconhecem a alteração anormal das circunstâncias, formulassem o pedido de modificação do contrato, mas decidiram não formular tal pedido. O tribunal está impedido de o determinar oficiosamente nos termos do disposto no art.º 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Em 13/08/2020, o que agora sabemos e foi referido pelo Tribunal recorrido, que o turismo tem vindo a recuperar, porventura até a superar os valores dos anos anteriores, era desconhecido, pareceria mesmo improvável, pelo que não pode concluir-se que, então, a celebração do contrato prometido não estava impossibilitada, que o cumprimento da prestação continuava a ser material e juridicamente possível, e a dificuldade ou incapacidade económica dos autores de cumprirem o contrato promessa, era meramente temporária. Nessa altura, ninguém poderia assegurar, com mais que uma mera esperança, que tudo voltaria ao normal. Esse era o tempo para aferir da alteração anormal das circunstâncias, da possibilidade do cumprimento, do equilíbrio contratual exigível em termos equitativos. Nessa altura, o futuro de recuperação económica e de restabelecimento de convívio social, que veio a ocorrer, ainda não tinha acontecido e muitas vezes não passaria de um desejo.

Nada na matéria provada indicia que na data em que foi comunicada pelos autores aos réus a resolução contratual, já estivessem ultrapassadas as dificuldades económicas decorrentes das fortes e drásticas restrições impostas à actividade turística em todo o território nacional, europeu, e, mesmo no mundo, ou, que fosse previsível, que essas dificuldades iriam ser ultrapassadas a breve prazo.

Com efeito, no início de Maio de 2020, depois de três declarações do estado de emergência, o país passou para o estado de calamidade, iniciando-se um plano de desconfinamento em três fases aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-C/2020, de 30 de Abril (4 de Maio, 18 de Maio e 1 de Junho), possibilitando uma gradual reabertura de vários sectores de actividade, sem que tal implicasse um completo regresso à normalidade, pois continuava a ser obrigatório o confinamento para pessoas doentes e em vigilância activa, um dever cívico generalizado para todas as pessoas de recolhimento domiciliário, a proibição de eventos ou ajuntamentos com mais de 10 pessoas e a lotação máxima de 5 pessoas/100 m2 em espaços fechados.

Em seguida, devido ao agravamento da situação epidemiológica decorrente da pandemia da Covid-19, voltou a ser decretado o estado de emergência, em todo o território nacional, com limitações ao direito à liberdade de circulação e à liberdade de iniciativa económica, pelo Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 6 de Novembro, que teve início no dia 9 de Novembro de 2020 e que foi objecto de onze renovações, prolongando-se de forma contínua e ininterrupta até 30 de Abril de 2021 – Decreto do Presidente da República n.º 59-A/2020, de 20 de Novembro, Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de Dezembro, Decreto do Presidente da República n.º 66-A/2020, de 17 de Dezembro, Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021, de 6 de Janeiro, Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021, de 13 de Janeiro, Decreto do Presidente da República n.º 9-A/2021, de 28 de Janeiro, Decreto do Presidente da República n.º 11-A/2021, de 11 de Fevereiro, Decreto do Presidente da República n.º 21-A/2021, de 25 de Fevereiro, Decreto do Presidente da República n.º 25-A/2021, de 11 de Março, Decreto do Presidente da República n.º 31-A/2021, de 25 de Março, e Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de Abril.

Contrariamente ao entendimento do acórdão recorrido, suportado essencialmente na visão que hoje temos da evolução da situação económica que se seguiu à crise pandémica de Covid 19, consideramos que se encontram preenchidos a totalidade dos requisitos previstos no art. 437.º, n.º 1, do Código Civil, detalhadamente expostos pelas instâncias, que nos abstemos de repetir, pelo que é licita a resolução contratual efectuada pelos autores, motivo pelo qual, os mesmos têm direito, à restituição integral do montante que entregaram a título de sinal.

O Tribunal da Relação considerou, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, prejudicado o conhecimento do recurso de apelação dos autores relativo à parte da sentença que não concedeu os juros de mora vencidos desde a interpelação extrajudicial dos réus para restituírem a quantia de 195 000€ prestada a título de sinal, pelo que deverão os autos baixar ao Tribunal da Relação para apreciação de tal questão suscitada, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer por força do disposto no art. 679.º do Código de Processo Civil.


*****


III – Deliberação

Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogar acórdão recorrido, repristinar o decidido pelo Tribunal de 1.ª instância e consequentemente declarar resolvido o contrato promessa de cessão de quotas em discussão nestes autos, condenar os Réus a restituírem aos Autores a quantia de 195 000,00€, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação e até efectivo e integral pagamento, e, determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação da questão cujo conhecimento julgou prejudicado.

Custas pelo vencido a final.


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Lisboa, 18 de Maio de 2024

Ana Paula Lobo (relatora)

Fernando Baptista de Oliveira

Emídio Francisco Santos