Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO CURA MARIANO | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA SUSPENSÃO DO PRAZO TEMPESTIVIDADE REQUERIMENTO NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA EXCESSO DE PRONÚNCIA AMBIGUIDADE INCONSTITUCIONALIDADE PROCESSO EQUITATIVO PRINCÍPIO DA IGUALDADE DECISÃO SINGULAR RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 04/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
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Sumário : | O requerimento dirigido ao tribunal recorrido, invocando a existência de nulidades da sentença e da tramitação processual, não suspende o prazo de interposição de recurso da sentença. | ||
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Decisão Texto Integral: | I - Relatório
Comprojecto - Projectos e Construções, Limitada, e outros deduziram recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... a 14.06.2012, nos presentes autos, em que são recorridos Banco Comercial Português e outros.
Sobre este recurso veio a recair acórdão do Tribunal da Relação ..., proferido em 10.09.2020 (enviada notificação às partes em 14.09.2020), o qual indeferiu o recurso de revisão, por falta de verificação dos respetivos pressupostos.
Os Recorrentes reclamaram desta decisão para o Tribunal da Relação ..., arguindo nulidades e requerendo a sua reforma, por requerimento apresentado em 28.09.2020.
Sobre esta reclamação veio a recair acórdão do Tribunal da Relação ..., proferido em 09.09.2021 (enviada notificação às partes em 13.09.2021), que a indeferiu.
Os Recorrentes vieram então interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos referidos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, por requerimento apresentado em 30.09.2021.
Os Recorridos responderam ao recurso interposto.
O Desembargador Relator dos acórdãos recorridos admitiu o recurso.
Após audição das partes foi proferido despacho pelo Relator no Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso de revista interposto com a seguinte fundamentação: 1. Do acórdão do Tribunal da Relação ... de 10.09.2020 O artigo 697.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, dispõe que as decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da ação em que foi proferida a sentença a rever. A “sentença” a rever, no presente caso, é o acórdão do Tribunal da Relação proferido em 14.06.2012, o qual era suscetível de recurso de revista, pelo que o recurso agora interposto para o Supremo Tribunal de Justiça é um recurso ordinário de revista. O prazo de interposição dos recursos é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão (artigo 638.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), encontrando-se no nosso regime processual civil desde há muito tempo ultrapassada a solução que permitia a dedução de um incidente de reclamação de nulidades ou de retificação, aclaração ou reforma da decisão recorrida, entre o momento em que esta era notificada e o requerimento de interposição de recurso. Na verdade, se essa era a tramitação prevista no § 2.º, do artigo 686.º, do Código de Processo Civil de 1939, o Código de Processo Civil de 1961 veio a abandoná-la, quanto à reclamação de nulidades, mantendo-a, contudo, quanto aos demais incidentes pós-decisórios. Com efeito, o n.º 3, do artigo 688.º, deste último diploma, veio introduzir um novo regime quanto à arguição das nulidades da sentença, estabelecendo a tramitação, ainda hoje vigente no Código de Processo Civil de 2013, de que só se a causa não admitir recurso (ou o interessado a ele renuncie ou não o interponha) é que a arguição das nulidades deve ser dirigida ao tribunal decisor, dado que, se o admitir, a arguição deve ser efetuada nas próprias alegações de recurso, deixando de haver lugar, pois, para a dedução desse incidente pós-decisório interrompendo o prazo para recorrer. Já relativamente aos incidentes de retificação, aclaração ou reforma da sentença, o artigo 686.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961, manteve a opção de que o prazo para recorrer só começava a correr depois de notificada a decisão proferida nesses incidentes pelo tribunal recorrido. No entanto, a reforma do regime de recursos efetuada pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, veio estender o regime já previsto para a arguição de nulidades aos demais incidentes pós-decisórios, revogando o referido artigo 686.º do Código de Processo Civil e dispondo que também os pedidos de retificação, aclaração ou reforma, em caso de recurso, deveriam ser deduzidos nas respetiva motivação (artigos 667.º, n.º 2, e 669.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pelo que a sua dedução perante o tribunal recorrido deixou também de ter qualquer efeito suspensivo ou interruptivo do prazo para interpor recurso.. Este regime manteve-se no Código de Processo Civil de 2013, atualmente vigente, constando dos artigos 614.º, n.º 2 (retificação), 615.º, n.º 4 (arguição de nulidades), e 616.º, n.º 2 (reforma) [1], tendo sido abolido o incidente de aclaração. Não tendo, por isso, o incidente de arguição de nulidades e de pedido de reforma do acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação ... em 10.09.2020 (enviada notificação do mesmo em 14.09.2020), efeito suspensivo ou interruptivo do prazo de recurso desta decisão, quando os Recorrentes interpuseram o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, já há muito que se tinha esgotado o prazo para o fazer, pelo que o recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... em 10.09.2020, não pode ser admitido, por extemporaneidade. A circunstância do Desembargador Relator dos acórdãos recorridos ter admitido o recurso e da Recorrida não ter suscitado a sua inadmissibilidade na resposta ao recurso é irrelevante, uma vez que aquele despacho não vincula o tribunal de recurso (artigo 641.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), sendo o conhecimento da não admissibilidade oficioso (artigo 652.º, b), ex vi artigo 679.º, ambos do Código de Processo Civil). A circunstância do recurso poder estar abrangido por alguma das situações previstas nas alíneas do artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, também é irrelevante, uma vez que mesmo nessas situações, o recurso terá sempre que ser interposto no prazo previsto no artigo 638.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não tendo a arguição de nulidades ou pedido de reforma da decisão ao tribunal recorrido a virtualidade de suspender aquele prazo. A arguição de qualquer nulidade cometida na decisão proferida pelo tribunal recorrido, nomeadamente a não aceitação do pedido de intervenção como parte do Ministério Público no recurso de revisão, pode ser objeto de arguição perante o tribunal de recurso, na motivação do recurso a ele dirigida (artigo 615.º, n.º 4, do Código de processo Civil), mas esse recurso tem sempre que ser interposto no prazo previsto no artigo 638.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não se verificando a suspensão deste prazo, em consequência da existência dessa eventual nulidade. A inadmissibilidade de um recurso por não ter sido deduzido no prazo previsto na lei e a não suspensão de um prazo de recurso, por força da arguição de nulidades e pedido de reforma deduzido perante o tribunal recorrido, resulta do incumprimento pelos recorrentes de ónus processuais que não se revelam arbitrários ou excessivos, pelo que não se mostra que a solução legal aqui aplicada ofenda qualquer regra ou princípio constitucional, designadamente os princípios da igualdade e do processo equitativo. 2. Do acórdão do Tribunal da Relação ... de 09.09.2021 Neste acórdão proferiu-se decisão sobre a arguição de nulidades e pedido de reforma do acórdão de 10.09.2020, deduzidos pelos Recorrentes, uma vez que estes, em vez de recorrem deste acórdão, optaram por arguir nulidades e pedir a sua reforma, autonomamente, perante o tribunal recorrido Esta decisão encontra-se prevista no n.º 6, do artigo 617.º, do Código de Processo Civil, nele se dizendo que a mesma é definitiva, não admitindo, por isso, recurso, independentemente da correção da mesma. Por esta razão, também o recurso agora interposto pelos Réus do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... de 09.09.2021 não pode ser admitido.
Os Recorrentes reclamam agora desta decisão para a Conferência, arguindo a sua nulidade. Concluíram a sua reclamação do seguinte modo: 1. Face ao exposto, nos termos dos Art.ºs 187.º/al. b), 195.º/1, 197.º/1, 198.º/2 e 615.º/1/al.s c) e d), do CPC, requerer-se a nulidade Despacho de 31-01-2022, a sua reforma nos termos do Art.º 616.º/2/al. a), primeira parte, do CPC, e, ao abrigo do Art.º 652.º/3 do CPC, requer-se que sobre o Despacho de 31-01-2022, recaia um Acórdão que admita a revista, seguindo-se os ulteriores termos. 2. E, se assim não for, ou seja, se não for declarada a nulidade e a reforma do Despacho de 31-01-2022, admitindo-se a revista seguindo-se os ulteriores termos, existe fundamento para se entender que, direta ou indiretamente, se está a decidir em violação do que se consagra nos Art.ºs 8.º/4 (por força das decisões C-212/11 e C-235/14 do TJUE, e dos Art.ºs 3.º/2 do TUE, 65.º/1, 67.º/3, e 325.º/1 do TFUE), 13.º, 20.º/1/4 e 5, 101.º, 103.º/1, 202.º/2, 205.º/1, 266.º, e 268.º/3 e 4 da CRP.
Respondeu o Recorrido, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação.
* II – Das nulidades do despacho reclamado Os Recorrentes alegam que o despacho reclamado é nulo porque não determinou a citação do Ministério Público como parte principal na presente ação, por se ter pronunciado sobre questões que não podia conhecer, por ter omitido pronúncia sobre questões que deveria ter apreciado e por ser ambíguo. O despacho reclamado foi proferido pelo relator no Supremo Tribunal de Justiça não admitindo o recurso interposto para este tribunal por ter sido deduzido extemporaneamente. Tendo esse despacho recusado a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça neste processo, nunca poderia determinar a citação do Ministério Público para os termos do mesmo, uma vez que, com essa recusa os seus poderes jurisdicionais no processo nunca chegaram a ser assumidos em pleno, estando limitados à rejeição do recurso. Por essa razão, improcede a invocada nulidade. Os Recorrentes fundamentam a arguição da nulidade de excesso de pronúncia pelo despacho recamado no facto deste ter fundamentado a não admissão do recurso na circunstância do requerimento dirigido ao tribunal da Relação ter arguido nulidades da decisão recorrida, não se suspendendo, assim, o prazo para interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Compete ao juiz relator no tribunal de recurso verificar se estão preenchidos os pressupostos de recorribilidade, designadamente a observância do prazo para recorrer. O facto do despacho recorrido ter qualificado as nulidades arguidas como nulidades da decisão reclamada e não como nulidades da tramitação processual, como defendem agora os Recorrentes, não constitui qualquer excesso de pronúncia mas sim uma diferente qualificação daquela que é agora sustentada pelos Recorrentes, cuja correção será apreciada mais adiante. Os Recorrentes fundamentam a arguição de nulidade por omissão de pronúncia pelo despacho reclamado no facto deste não ter considerado que as nulidades arguidas perante o Tribunal da Relação não respeitavam a uma decisão, tratando-se antes de nulidades imputadas à tramitação processual, cuja arguição, na perspetiva dos recorrentes suspende o prazo para interpor recurso. Tal como se disse na apreciação da anterior nulidade, o facto do despacho reclamado ter qualificado as nulidades arguidas como nulidades da decisão reclamada e não como nulidades da tramitação processual, como defendem agora os Recorrentes, não constitui qualquer omissão de pronúncia, mas sim uma diferente qualificação da agora sustentada pelos Recorrentes, cuja correção será apreciada mais adiante. Pelas mesmas razões das duas anteriores nulidades, os Recorrentes alegam que o despacho reclamado é ambíguo. A reclamação apresentada revela bem que os Recorrentes entenderam perfeitamente as razões da não admissão do recurso, discordando, contudo, da qualificação das nulidades arguidas perante o Tribunal da Relação, não se verificando qualquer ambiguidade ou obscuridade da decisão recorrida que impedisse a sua compreensão.
* III – Da extemporaneidade do recurso Os Recorrentes, antes de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação proferido em 10.09.2020, apresentaram um requerimento ao tribunal recorrido, arguindo nulidades, e só depois do Tribunal da Relação ter proferido o acórdão de 09.09.2021, indeferindo aquela arguição, é que interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos dois acórdãos proferidos na Relação. No requerimento de arguição de nulidades apresentado no Tribunal da Relação, em 28.09.2020, os Recorrentes, para além da imputação do cometimento de várias nulidades ao acórdão proferido em 09.09.2021, efetivamente invocaram também a existência de nulidades processuais na tramitação do recurso de revisão, onde avulta a alegada falta de citação do Ministério Público para os termos desse recurso. No entanto, o facto desse requerimento também encerrar a arguição de nulidades na tramitação processual, não altera a conclusão de que o recurso foi interposto para além do prazo previsto no artigo 638.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. É que a arguição de uma nulidade ocorrida na tramitação processual não suspende o decurso dos prazos que se encontrem em curso, não suspendendo, designadamente, a contagem do prazo de um recurso já iniciado. Assim, o prazo para interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça após a notificação do acórdão proferido em 10.09.2020 não se suspendeu com a apresentação do requerimento arguindo nulidades em 28.09.2020, pelo que a interposição do recurso em 30.09.2021 foi manifestamente extemporânea. Como se referiu na decisão reclamada a inadmissibilidade de um recurso por não ter sido deduzido no prazo previsto na lei e a não suspensão de um prazo de recurso, por força da arguição de nulidades e pedido de reforma deduzido perante o tribunal recorrido, resulta do incumprimento pelos recorrentes de ónus processuais que não se revelam arbitrários ou excessivos, pelo que não se mostra que a solução legal aqui aplicada ofenda qualquer regra ou princípio constitucional, designadamente os princípios da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição). Não se vislumbra ainda a que propósito é que uma decisão que não admite um recurso, por este ter sido deduzido fora de prazo, é suscetível de se traduzir numa violação do disposto nos artigos 8.º, n. 4 e 3.º, n.º 2 do TUE, 65.º, n.º 1, 67.º, n.º 3, e 325.º, n.º 1, do TFUE, 20.º, n.º 1 e 5, 101.º, 103.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 205.º, n.º 1, 266.º, e 268.ºn.º 3 e 4 da Constituição. Por todas estas razões deve ser indeferida a reclamação para a Conferência do despacho do relator que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
* Decisão Pelo exposto, acorda-se em indeferir a reclamação para a Conferência do despacho do relator que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
* Custas pelos Reclamantes.
* Notifique.
Lisboa, 21 de Abril de 2022
João Cura Mariano (relator)
Fernando Baptista
Vieira e Cunha __________ [1] Neste mesmo sentido decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.2020, Proc. 6854/18 (Rel. Abrantes Geraldes). |