Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18/19.0YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
REGIME APLICÁVEL
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
INSTRUÇÃO
DECISÃO FINAL
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: JULGUE IMPROCEDENTE A AÇÃO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS.
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO / PROCEDIMENTO DO REGULAMENTO E DO ATO ADMINISTRATIVO / PROCEDIMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO / AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS / DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA.
Doutrina:
- Diogo Freitas do Amaral, colaboração de Pedro Machete e Lino Torgal, Curso de Direito Administrativo, pág. 315;
- Jorge Alves Correia e Andreas Isenberg, Lei Alemã do Procedimento Administrativo – Guias de Leitura e Anotações, Almedina, Almedina, 2016, p. 49/50;
- Lourenço Vilhena de Freitas, Direito do Procedimento Administrativo e Formas de Actuação da Administração, Parte Geral, Lições ao Curso de Mestrado, AAFDL, 2016, p.95/96;
- Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina, 1993, p. 84;
- Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, 8.ª Reimpressão, Almedina, 2010, p. 453;
- Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º Volume, Coimbra Editora, 2014, p. 593;
- Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Anotado, Coimbra Editora, 2009, p. 152.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGO 121.º, N.º 1.
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS, APROVADA PELA LEI N.º 35/2014, DE 20 DE JUNHO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


- DE 01-02-2001, PROCESSO N.º 663/06.
Sumário :
I. O procedimento disciplinar, previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais, uma vez que é regido, numa primeira linha, por normas próprias, assume-se como um procedimento administrativo especial, ao qual são subsidiariamente aplicáveis as normas constantes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – Lei n.º 35/2014, de 20 de junho e também o Código de Procedimento Administrativo.

II. A aplicação subsidiária deste último diploma apresenta-se como a solução coerente e própria, imposta por uma interpretação da lei que tem em conta a unidade do sistema jurídico, tal como é apontado pelo art.º 9.º do Código Civil.

III. A deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que manteve o despacho que prorrogou o prazo da instrução por doze dias, não consubstancia uma decisão final do procedimento, nem colide com quaisquer aspetos atinentes à qualificação jurídica da situação que possa ter repercussão na situação processual do arguido, pelo que não tinha de ter lugar a audiência prévia, prevista no art.º 121.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo.

IV. Não enferma de nulidade, por preterição do dever de fundamentação, a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura que manteve a decisão de prorrogação do prazo de instrução por doze dias, com o fundamento de que essa prorrogação se destinava a permitir a efetivação do direito de audição do arguido nas datas sugeridas e pelo seu Exmo. Mandatário.
Decisão Texto Integral:

           Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, Juiz ..., apresentou recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de ..., que indeferiu a reclamação apresentada, mantendo a deliberação que ratificou o despacho do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, que tinha prorrogado a instrução do processo disciplinar em que é arguido, por mais 12 dias.

O recorrente apresentou as seguintes conclusões:

A. Em 09-11-2018 foi o ora Recorrente notificado de cópia de excerto da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura na sessão realizada em 30-10- 2018 e mediante a qual se deliberava ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM de 01-10-2018, o qual, por sua vez, concordava com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspetor Judicial Extraordinário ,(...) relativamente à determinação da conversão do processo de inquérito n.° ...em processo disciplinar - o processo n.° ....

B. Em 19-11-2018 foi o Recorrente notificado do início da instrução do processo disciplinar, nos termos e para os efeitos do artigo 114.°, n.° 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante, EMJ), a qual se fixou no dia 14-11-2018.

C. A conversão ali operada foi alvo de reação por parte do ora Recorrente, atenta a sua manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, tendo este interposto recurso da deliberação do Conselho Plenário do CSM, arguindo a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, por via do disposto no artigo 178.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, ex vi dos artigos 32.° e 131.° do EMJ; o vício da incompetência, uma vez que, nos termos dos artigos 111.º, 149.° alínea a), 151.° alínea a) e 158.°, a contrario, todos do EMJ, a competência para instauração do procedimento disciplinar referente a juízes dos tribunais das relações é do Plenário do CSM e não do Vice-Presidente do CSM (que foi quem efetivamente tomou a decisão in casu); e, ainda, arguindo a nulidade da conversão do processo de inquérito em processo disciplinar, por violação do disposto no artigo 135.°, n.° 1 do EMJ, atenta a inexistência de audição do Arguido.

A par com os vícios aí indicados, foram ainda assinaladas as correspondentes inconstitucionalidades, por violação grosseira do disposto nos artigos 2.°, 18.°, 29.° e 32.°, n.° 1 da Constituição, nos termos ali melhor explanados.

D. O recurso encontra-se pendente de decisão no Supremo Tribunal de Justiça. E este recurso, na verdade, a ser procedente inquina toda a restante discussão - a qual aqui será feita, apenas por cautela de patrocínio, não concedendo em quaisquer dos argumentos ali descritos.

E. Posteriormente, em 17-12-2018, o Recorrente foi notificado de despacho do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM datado de 14-12-2018, pelo qual se admitiu uma prorrogação do prazo de instrução de 60 (sessenta) dias. Despacho que foi, posteriormente, ratificado por deliberação do Conselho Plenário de 29-01-2019, tendo essa deliberação sido objeto do competente recurso, encontrando-se o mesmo pendente de decisão no Supremo Tribunal de Justiça.

F. Após, foram ainda deliberadas mais duas prorrogações de 10 (dez) dias, relativamente às quais apresentou o Recorrente as respetivas reclamações e, depois, recursos, encontrando-se também elas pendentes de decisão junto deste Supremo Tribunal de Justiça.

G. Em ...é o Recorrente notificado do despacho do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM pelo qual se admite a prorrogação do prazo de realização da instrução por mais 12 (doze) dias, nos termos do disposto no artigo 114.°, n.° 2 do EMJ.

H. A esse despacho opôs-se o Recorrente, por via da reclamação, apresentada em 26-03-2019, arguindo a nulidade do mesmo, quer por falta de fundamentação, quer por não ter sido conferido o direito ao contraditório do Arguido, nos termos do disposto no artigo 124.° do EMJ.

I. Em 01-04-2019 foi o Recorrente notificado da decisão do Conselho Plenário que mantém a decisão de prorrogação, indeferindo a reclamação.

J. Agora, e concretamente em 11-04-2019, foi o ora Recorrente notificado da deliberação do Conselho Plenário do CSM tomada na sessão de 26-03-2019 que vem ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM de ...(referente à prorrogação do prazo de instrução).

K. E, pois, desta deliberação que ora se recorre.

L. Em primeiro lugar, cumpre estabelecer que o preenchimento das lacunas existentes no EMJ é feito por reporte à aplicação das normas do CP e CPP, e não já CPA e CPTA, como defende o CSM.

M. O CSM entende que o procedimento disciplinar é um procedimento administrativo especial, de natureza sancionatória, e que, portanto, lhe são aplicáveis as normas do procedimento administrativo, relevando o disposto no artigo 131.° do EMJ para situações de "lógica jurídica, uma vez detetada a lacuna no EMJ".

N. Não se pode concordar com tal argumentação, uma vez que, não só pela integração sistemática do artigo 131.° do EMJ, mas também pela própria letra do mesmo, apenas se poderá concluir que é o regime penal e processual penal que rege a matéria disciplinar, funcionando como subsidiárias as leis administrativas meramente no que concerne à tramitação impugnatória e recursiva (direito adjetivo e não material) - tanto mais que essa é a sua inserção sistemática (artigo 178.° do EMJ).

O. Qualquer outra interpretação reduziria o artigo 131.° do EMJ a letra morta.

P. Por outro lado, falamos de um procedimento com natureza sancionatória, tendente à responsabilização do Arguido, sendo que, à semelhança do que acontece em outros diplomas (pensando, à cabeça, no ilícito de mera ordenação social), a lei subsidiária aplicável a tais procedimentos, pela natureza das coisas, é a lei penal e processual penal.

Q. Razão pela qual, e ao contrário daquilo que tem sido a linha de defesa do CSM, entende-se que rege, na omissão, designadamente, da fundamentação decisória, da audiência prévia ou da densificação do conceito de excecional complexidade, o Código Penal e Código de Processo Penal, e não já o Código do Procedimento Administrativo.

R. De outra forma, desvirtuar-se-ia o objetivo do legislador ao consagrar, como lei subsidiária para efeitos do procedimento disciplinar, a lei penal e processual penal.

S. No que concerne à audiência prévia, e, uma vez mais, naquilo que tem sido a linha de defesa do CSM, entende este órgão que, no que concerne à prorrogação do prazo de instrução (in casu, pela 4.ª vez), a audiência prévia não tinha que ter lugar, e que, mesmo que o tivesse que ter, a sua preterição gera a mera anulabilidade, a qual se vê sanada pelo ato de reclamação do Recorrente.

T. Para que a audiência prévia pudesse ser preterida teria que haver um despacho nesse sentido, o qual teria que referir, de forma expressa, o motivo da dispensa (artigo 124.°, n.os 1 e 2 do CPA).

U. O despacho do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM não avoca qualquer motivo de dispensa da audiência prévia, razão pela qual esta era obrigatória, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 121.° do Código do Procedimento Administrativo e artigos 32.°, n.° 1 e 267.°, n.°s 1 e 5, ambos da Constituição da República, sendo que a sua preterição gera, in casu, e atentas as consequências que gera na esfera jurídica do Arguido, a nulidade do despacho.

V. O presente procedimento disciplinar já transcorreu todos os prazos possíveis, contendendo, de forma direta e ilegal, com o imperativo constitucional da presunção de inocência (artigo 32.°, n.° 2 da Constituição).

W. A questão da prorrogação de um prazo inicial de 30 (trinta) dias para o seu triplo, por mais 10 (dez) dias, por outros 10 (dez) dias, e, agora, por mais outros 12 (doze) dias, não é uma questão "meramente incidental" - como procura argumentar o CSM - mas sim uma questão de absoluta essencialidade para o Arguido, e para a qual pode - e deve - aquele exercer o seu direito de participação/contraditório.

X. Desta forma, e mesmo na linha defendida pelo CSM de aplicação subsidiária do Código do Procedimento Administrativo, requer-se a V. Exas. se dignem declarar a nulidade da decisão recorrida, atenta a preterição do direito de audiência prévia, nos termos conjugados dos artigos 121.°, n.° 1 e 161.°, n.° 1 e n.° 2 alínea d) do CPA, e 32.°, n.°s 1 e 2 e 267.°, n.°s 1 e 5, da Constituição.

Y. De todo o modo, discorda o Recorrente da tese (peregrina) de aplicação do Código do Procedimento Administrativo, devendo, então, retomar-se - conforme exige a lei - a aplicação subsidiária do Código Penal e do Código de Processo Penal.

Z. Da aplicação conjugada do CPP (concretamente do regime da excecional complexidade, constante do artigo 215.°, n.os 3 e 4 do CPP - nomenclatura, de resto, utilizada pelo próprio Sr. Juiz Conselheiro Inspetor Judicial Extraordinário) e EMJ resulta absolutamente evidente a necessidade de audição prévia do Arguido aquando da determinação da excecional complexidade e consequente prorrogação do prazo, sob pena de nulidade.

AA. A subsunção dos presentes autos de processo disciplinar a um regime de excecional complexidade, em que o Arguido fica durante mais 12 (doze) dias - e após um período inicial de 30 (trinta) dias, uma prorrogação de 60 (sessenta) dias, e duas prorrogações de 10 (dez) dias -, e de forma absolutamente arbitrária, sujeito a um poder de instrução, com a sua vida suspensa, é manifestamente ilegal (sendo que, reitere-se, falamos de um procedimento disciplinar que se arrasta há 30 meses!).

BB. Como de resto tem defendido, já por diversas vezes, o Tribunal Constitucional, o direito de contraditório não se esgota em decisões de prova ou em decisões finais, mas abrange todos os aspetos de qualificação jurídica que tenham repercussão na situação do Arguido (vide, v.g., Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 499/97, Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 555/08, Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 279/95, Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 298/05).

CC. In casu, é indiscutível o impacto da decisão na esfera jurídica do Arguido, razão pela qual sempre se impunha o direito de defesa/contraditório daquele no momento da tomada de decisão!

DD. Sendo que esse direito encontra também assento no EMJ, uma vez que a preocupação com o direito de contraditório do Arguido subjaz - de forma muito clara - ao dispositivo constante do n.° 2 do artigo 110.° do EMJ, o qual dispõe nos seguintes termos: "2. Sem prejuízo do disposto no n.° 4 do artigo 85. °, o processo disciplinar é sempre escrito e não depende de formalidades, salvo a audiência com possibilidade de defesa do arguido. "

EE. Entende-se que em face de tudo quanto se disse - quer dos dispositivos constitucionais que consagram o direito de defesa do Arguido, quer do paralelismo com o instituto da especial complexidade (o qual, de resto, é invocado no despacho reclamado) - não pode deixar de se interpretar o n.° 2 do artigo 110.° do EMJ como conferindo um direito lato de contraditório, devendo ser conferida audição prévia ao Arguido relativamente a todas as decisões que coloquem em causa a sua situação processual, como é o caso da que ora nos ocupa.

FF. A omissão do contraditório ao Arguido, aqui Recorrente, consubstancia uma nulidade, nos termos do artigo 124.° do EMJ, a qual deverá ser conhecida e declarada por V. Exas., daí retirando as devidas consequências legais, revogando a deliberação recorrida.

GG. Na deliberação ora em crise, o Conselho Plenário do CSM limita-se a referir, por reporte ao despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM e proposta do Exmo. Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, que não foi ouvido o Arguido, e, portanto, que se admite nova prorrogação.

HH. O artigo 114.°, n.° 2 do EMJ, admite uma única, e excecional. prorrogação, pelo que ao admitir sucessivas prorrogações o CSM banaliza por completo o conceito de "caso justificado", de excecionalidade, subjacente àquele dispositivo. Não só pelo número de prorrogações que já estão em curso (uma vez que, não convém esquecer que ao tempo em que escrevemos este recurso já foram aceites 4 prorrogações do prazo inicial), mas, bem assim, pelo tempo das mesmas, dado que, conforme convém relembrar a primeira das prorrogações foi feita por um prazo de 60 (sessenta) dias (o dobro do prazo previsto na lei para a duração de todo o procedimento). Neste momento, e no que concerne à deliberação em crise, estamos já num prazo de instrução de 122 (cento e vinte e dois) dias.

II. A presente prorrogação é absolutamente ilegal e inconstitucional, não se podendo o Recorrente conformar com o contínuo desrespeito pelos normativos legais, sobretudo atenta a implicação dessas mesmas manobras na esfera jurídica do Recorrente.

JJ. O Recorrente entende que o CSM não fundamenta a prorrogação ora em questão, quer em termos materiais, quer em termos formais.

KK. Em termos formais, o CSM limita-se a referir que o Arguido não foi ouvido, entendendo o Recorrente que esta justificação é manifestamente precária, porquanto não explica em si a necessidade de prorrogação do prazo por mais 12 (doze) dias. O CSM tinha que, objetivamente, elencar as razões de facto que motivariam a prorrogação, e, ademais, o próprio prazo.

LL. A fundamentação existe para que o visado - in casu, o Recorrente - possa acompanhar o percurso lógico que mediou entre os pressupostos e a decisão final. No caso, serviria para que o Recorrente entendesse que, colocada aquela situação fáctica, ter-se-ia obviamente que concluir pela necessidade de prorrogação.

MM. A questão é que não existe uma fundamentação fáctica. É inexistente. Isto porque, como nos parece evidente, uma fundamentação não se basta com a mera alegação de que "o Arguido não foi ouvido", sendo certo que o Arguido não foi ouvido única e exclusivamente por negligência da instrução que apenas optou por o chamar no final do prazo (já após a primeira prorrogação), quando, ademais, o EMJ o prevê que aconteça ainda nos 30 (trinta) dias iniciais!

NN. Sendo que a carência de motivação, existe, quer na ótica administrativa, quer na ótica penal, uma vez que não são enunciadas as premissas de facto subjacentes a tal decisão. Quanto às de direito, limita-se também o despacho a transcrever o artigo 114.°, n.os 1 e 2 do EMJ, sem que sejam explicadas e retiradas as devidas conclusões, mormente, para o que releva in casu, o preenchimento do conceito de "excecional complexidade" ou "caso justificado".

OO. Quando ao vício em questão, e retomando a aplicação das leis processuais penais, entende-se que a preterição do dever de fundamentação gera a nulidade, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 97.°, n.° 5, 374.°, n.° 2 e 379.°, n.° 1 alínea a), todos do Código de Processo Penal.

PP. A falta de fundamentação que aqui se suscita não tem que ver com o facto de a deliberação recorrida se limitar a remeter para os fundamentos constantes do despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM e proposta do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Inspetor Judicial Extraordinário, mas sim, com o facto de esses documentos para os quais remete serem, eles próprios, omissos em fundamentação.

QQ. Por outro lado, a nível material, inexiste fundamento à decisão aqui em causa, uma vez que o CSM a funda, única e exclusivamente, na falta de audição do Arguido. Audição essa que se prevê que ocorra no decurso do processo de instrução que o EMJ fixa como tendo 30 (trinta) dias de duração.

RR. A negligência da entidade que conduz o processo não pode aproveitar para estender a situação processual do Arguido, em caso algum.

SS. O pedido para audição do Arguido apenas foi efetuado aos 80 dias de processo de instrução.

TT. Não há "caso justificado", nem qualquer género de "excecionalidade", que justifique a prorrogação do prazo por mais 12 (doze) dias, quando foi o próprio CSM a colocar-se numa situação de impossibilidade de audição, ao relegar a audição do mesmo para o fim do prazo (já prorrogado) da instrução.

UU. Razão pela qual sempre deverão a deliberação recorrida e o subjacente despacho reclamado ser revogados, por absoluta inexistência - formal e material - de fundamentação, devendo declarar a sua nulidade nos termos acima descritos.

Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem julgar o presente recurso procedente, por provado, e, em consequência, se dignem:

a) Revogar a deliberação recorrida, declarando a nulidade da mesma, atenta a preterição do direito de audiência prévia, nos termos conjugados dos artigos 121.°, n.° 1 e 161.°, n.° 1 e n.° 2 alínea d) do Código do Procedimento Administrativo, e 32.°, n.os 1 e 2 e 267.°, n.os 1 e 5, da Constituição;

b) Declarar a nulidade da deliberação recorrida, nos termos do artigo 124.° do EMJ, revogando-a;

c) Declarar a nulidade da deliberação recorrida, por preterição do dever de fundamentação, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 97.°, n.° 5, 374.°, n.° 2 e 379.°, n.° 1 alínea a), todos do Código de Processo Penal;

d) E, em qualquer caso, deverão V. Exas. revogar a deliberação recorrida e o subjacente despacho reclamado, por absoluta inexistência - formal e material - de fundamentação, declarando a sua nulidade nos termos acima descritos.

2. Foi cumprido o disposto no art.º 174.º n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, tendo o Conselho Superior da Magistratura apresentado resposta no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.

3. Cumpriu-se o disposto no art.º 176.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, tendo sido apresentadas alegações pelo recorrente, pelo recorrido, e pelo Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

4. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 177.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, tendo sido colhidos os vistos.

5. Cumpre apreciar e decidir, havendo que dar resposta às questões suscitas pelo requerente, ou seja se a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de ..., enferma dos vícios por si apontados e elencados em 1, ou seja, nulidade por falta de fundamentação e por não ter sido conferido o direito ao contraditório do arguido.

6. Elementos essenciais a ponderar:

a) O Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura na sessão realizada em 30-10- 2018 ratificou o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM de 01-10-2018, o qual, por sua vez, concordava com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., relativamente à determinação da conversão do processo de inquérito n.° ...em processo disciplinar - o processo n.° ...;

b) O início da instrução do processo disciplinar fixou-se 14-11-2018;

c) Em 17-12-2018, o Recorrente foi notificado de despacho do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM datado de 14-12-2018, pelo qual se admitiu uma prorrogação do prazo de instrução de 60 dias, despacho que foi, posteriormente, ratificado por deliberação do Conselho Plenário de 29-01-2019;

d) Foram ainda deliberadas mais duas prorrogações do prazo da instrução de 10 dias cada;

e) O Recorrente apresentou reclamações e posteriormente os respetivos recursos dessas deliberações do Conselho Plenário que ratificaram os despachos que admitiram as referidas prorrogações do prazo;

f) Durante a instrução foram efetuadas as seguintes diligências com vista à audição do arguido:

1 – Na sequência do despacho do Exmo. Inspetor Judicial Extraordinário, de 29/01/2019, e mediante ofícios expedidos por via postal na mesma data, para o arguido e para o respetivo mandatário, foi indicada a data de ..., pelas 10 horas, para audição do arguido (docs. de fls. 73 a 75);

2 – Através de e-mail de ..., o mandatário do arguido veio requerer o reagendamento da audição do arguido, por na data indicada – ...– ter que comparecer pessoalmente num julgamento previamente agendado, estando por isso (o mandatário) impossibilitado de comparecer na referida audição (docs. de fols. 76 e 77);

3 – Por despacho do Exmo. Inspetor Judicial Extraordinário, de ..., notificado em ...ao arguido e respetivo mandatário, foi indicada nova data para a realização da audição do arguido, concretamente o dia ..., pelas ...(docs. de fols. 78 a 80);

4 – No dia ..., esteve presente o mandatário, mas não compareceu o arguido, tendo justificado telefonicamente ao seu mandatário que se encontrava doente (doc. de fols. 81 e 82);

5 – Dada a falta de comparência do arguido não foi possível proceder à respetiva audição, tendo sido designada nova data – ..., pelas ...– considerando-se o mandatário desde logo notificado e comprometendo-se a notificar o arguido (doc. de fols. 81 e 82);

 6 – Por e-mail de ..., o mandatário do arguido informou que aquele se encontrava doente e que não iria comparecer à audição marcada para o dia seguinte – ... -, tendo junto certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença de funcionário público/agente administrativo, com a indicação de incapacidade para a sua atividade profissional, por motivo de doença natural que não implica a permanência no domicílio, por um período de 8 dias, com início a ... e termo a ... (docs. de fols. 83 a 85);

7 – Em ..., à hora designada para a audição, nem o arguido, nem o seu mandatário compareceram (doc. de fols.86);

8 – Por despacho do Exmo. Inspetor Judicial Extraordinário, de ..., e mediante ofício entregue em mão ao mandatário do arguido e notificada ao arguido por via postal (dado não ter sido possível a sua notificação pessoal), foi indicada a data de ..., pelas ... horas, para audição do arguido (docs. de fols. 87 a 89);

9 – Notificado para a diligência de audição, veio o arguido, por intermédio do seu mandatário manifestar a impossibilidade do mesmo comparecer na data indicada, por ter que comparecer em audiência de julgamento previamente agendada, solicitando o reagendamento da audição marcada para o dia ...e telefonicamente indicou como datas possíveis o dia ...e ...(docs. de fols 91 e 92);

10 – Em ...não compareceram o arguido, nem o seu mandatário e, por despacho do Exmo. Inspetor Judicial Extraordinário, proferido nessa mesma data, foram indicadas como datas para a realização da audição, as mesmas indicadas pelo mandatário do arguido – ...(docs. de fols. 93 e 94);

11 – Mediante ofício remetido por correio, ao mandatário do arguido e ao arguido, foi indicada a data de ..., pelas ... horas e ..., pelas 15 horas, para audição (docs. de fols. 95 a 96);

g) Em ... o Recorrente foi notificado do despacho do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM que admitiu a prorrogação do prazo de realização da instrução por mais 12 dias;

h) O recorrente reclamou deste despacho arguindo a nulidade do mesmo, quer por falta de fundamentação, quer por não ter sido conferido o direito ao contraditório do Arguido;

i) Na sessão do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, realizada em ..., foi tomada a deliberação do seguinte teor, que é o objeto do presente recurso:

«Processo n.º ...-D

Reclamação

Reclamante: Juiz ... AA

Deliberam no Plenário do Conselho Superior da Magistratura:

1 – Relatório

O Exmo. ... AA, notificado do despacho do Exmo. Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) datado de ..., e com o mesmo se não conformando, veio peticionar, a sua a) revogação, por padecer de nulidade, nos termos do artigo 124 do EMJ, substituindo-se por outro que lhe confira o direito de contraditório; b) que, em qualquer caso, se revogue o despacho, por inadmissibilidade legal e, caso assim se não entenda, c) se revogue por inexistência (material) de fundamentação, declarando-se, em consequência do decurso do tempo, a prescrição do procedimento disciplinar em curso.

Fundamentando a sua impugnação aduz o que ora se sintetiza:

- Em primeiro lugar, e em termos de questão prévia, não prescinde de toda a defesa apresentada em sede de recurso (do despacho de conversão do inquérito em processo disciplinar), pelo que não aceita a existência destes autos, os quais se encontram inquinados por vício de prescrição.

-  O despacho que prorrogou por mais 12 dias a instrução suscita três problemas essenciais: i) uma vez mais, não foi conferido ao Arguido o prévio exercício do direito de contraditório ou – como denomina o CSM – o direito de audiência prévia; ii) a prorrogação em causa não está legalmente prevista, constituindo uma prorrogação anómala; iii) em qualquer caso, inexiste fundamentação ao despacho em causa, razão pela qual, em concreto, o procedimento disciplinar já se encontra prescrito, não podendo ter sido prorrogado.

- Quanto à preterição do direito de contraditório/audiência prévia:

- Não tem validade o argumento genérico da inexistência de um direito de audição prévia, pois, a ser assim, o próprio despacho reclamado teriam de o referir, de forma expressa, sob pena de a mesma ser obrigatória; a sua preterição, por outro lado, gera a nulidade, uma vez que, e ao contrário “do que alega” o CSM, nem todas as preterições da audiência prévia geram mera anulabilidade, mas sim a nulidade “nos casos em que haja ofensa grave do direito constitucional titulado pelo interessado”, nos termos conjugados dos artigos 121, n.º 1 e 161, n.º 1 e n.º 2, al. c) do CPA e 32, n.ºs 1 e 2 e 267, n.ºs 1 e 5 da Constituição.

- Acresce ainda, por outro lado e ao contrário do que defende o CSM, a lei substantivamente aplicável ao caso é a lei penal, e não será por acaso que o próprio Juiz Conselheiro Inspetor refere a excecional complexidade, trazendo a colação a nomenclatura processual penal.

- E a declaração de especial complexidade, pelo paralelo que apresenta com o CPP (artigo 215/4) exige a audição (prévia) do Arguido, de modo a assegurar a plenitude do seu direito de defesa, e sob pena de outra interpretação se revelar inconstitucional.

- Assim, a omissão do contraditório ao Arguido consubstancia uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 124 do EMJ, que se requer seja declarada, devendo o despacho em crise ser revogado e substituído por outro que confira o direito de contraditório ao Reclamante.

- Quanto à prorrogação anómala:

- O despacho reclamado admite uma nova prorrogação, sustentada numa alegada complexidade dos autos, e pelo prazo de 12 dias, quando o prazo inicial já havia sido prorrogado por um período de 60 dias, transformando dessa forma o período inicial para a instrução de 30 em 122 dias.

- Nos termos do artigo 114 do EMJ o prazo de 30 dias pode ser excedido “em caso justificado” e o sentido literal do preceito não se compadece com uma leitura que admita mais que uma extensão do prazo, “porquanto não vem quantitativamente delimitada”, pois o n.º 2 do citado preceito está construído para situações excecionais e o que o CSM está “a alegar” é uma exceção da exceção, que não se encontra prevista na lei, material ou formalmente, tanto mais que estamos a falar de um procedimento que se arrasta há dois anos e cinco meses.

- A prorrogação, porque não prevista nem admissível impõe a revogação do despacho que a permitiu.

- Quanto à inexistência material de fundamentação:

- A extensão do prazo, operada pelo despacho em crise não respeita a situação excecional contida no n.º 2 do artigo 114 do EMJ, pois excecional significa algo de irrepetível e absolutamente anormal, e a justificação queda-se na impossibilidade de audição do Arguido.

 - Em suma, inexiste fundamento material para a prorrogação, tanto mais que se não compreende que a audição do Arguido esteja a ser usada contra si, estendendo de forma indiscriminada e arbitrária a instrução. Assim, o despacho deve ser revogado e, na sequência do decurso do tempo do prazo inicialmente concedido, deve declarar-se a prescrição do procedimento disciplinar em curso. 

Determinou-se a junção aos autos dos documentos pertinentes.

2 - A factualidade revelante à apreciação da reclamação traduz-se no requerimento, despacho e deliberação que se transcrevem:

2.1 – “Atendendo à impossibilidade de se proceder à audição do Senhor ... AA, que estava designada para hoje, considerando as datas disponíveis comunicadas pelo Senhor Advogado, conforme consta da cota de fls. 397, foi designado para audição o dia ...e na hipótese de não se efetuar nesse dia, foi designado o dia ... horas. De modo a que possa ser efetivado o direito de audição e atentas as datas referidas requer-se a V. Exa. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura a prorrogação do prazo de instrução por doze dias. Lisboa, ...”.

2.2 – “Fls. 405 – Atento os motivos invocados pelo Exmo. Senhor Inspetor Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., defiro a prorrogação do prazo de instrução solicitada de doze dias”.

2.3 - Na sessão do Plenário do CSM realizada a ...foi deliberado por unanimidade “ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente desde Conselho de ..., que concordando com a proposta do Exmo. Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., prorrogou a instrução disciplinar n.º ..., em que é arguido o Exmo. Sr. Juiz ... Dr. AA, por mais 12 (doze) dias”.

 3 – Apreciação da Reclamação

3.1 - Nos termos conjugados dos artigos 164, 166 e 167-A do Estatuto dos Magistrados Judicias (EMJ) pode reclamar “quem tiver interesse direto, pessoal e legítimo na anulação da deliberação ou da decisão” seja a decisão “do Presidente, do Vice-Presidente ou dos vogais” do Conselho; a reclamação suspende a execução da decisão e “devolve ao plenário do Conselho a competência para decidir definitivamente”.

A reclamação (prevista nos artigos 164 e ss.) corresponde ao que habitualmente se chamava um “recurso hierárquico impróprio” e hoje, depois do novo Código do Procedimento Administrativo (CPA ) – Decreto-lei 4/2015, de 7 de janeiro -, um “recurso administrativo especial” (artigo 199, n.º 1 e n.º 5 do CPA), que seguirá o regime do recurso hierárquico, propriamente dito, segundo o qual, e além do mais, “O órgão competente para conhecer do recurso pode, salvas as exceções previstas na lei, confirmar ou anular o ato recorrido e, se a competência do autor do ato recorrido não for exclusiva, pode também revoga-lo, modifica-lo ou substituí-lo, ainda que em sentido desfavorável ao recorrente” (artigo 197, n.º 1 do CPA)[1].

3.2. – Vendo os fundamentos apresentados pelo Exmo. ... reclamante, podemos descortinar um conjunto de razões que justificam a pretendida revogação ou anulação do despacho que aqui se sindica. Pensamos que, na sua essência, tais razões/fundamentos são os seguintes:

I – Foi preterido o direito de contraditório/audiência prévia e, de todo o modo, a lei aplicável é a processual penal.

II – A prorrogação aqui em causa é anómala e não prevista no n.º 2 do artigo 114 do EMJ.

III – O despacho que prorrogou a instrução não se mostra (materialmente) fundamentado.  

3.3 – Antes de tentarmos, sempre com a síntese devida, analisar os  fundamentos da reclamação, impõem-se a elucidação sobre uma questão prévia, atinente à ratificação, pelo Conselho Plenário, do despacho aqui reclamado.

3.3.1 – A ratificação do despacho e a reclamação.

O despacho aqui em causa foi proferido a ..., logo nele se dizendo: “Ao Plenário para ratificação”. A 1..., o Exmo. ... AA veio reclamar do despacho, aduzindo os fundamentos a que já fizemos referência, e a ...o Conselho Plenário ratificou o despacho (aqui em crise), nos termos transcritos em 2.3, supra.      

A ratificação é um ato administrativo secundário (ato sobre atos) através do qual o órgão competente decide sanar um ato administrativo anterior, afastando a ilegalidade de que sofria o primeiro, e retroagindo os seus efeitos ao anterior ato ilegal (ex tunc), assim o recuperando, “expurgando o vício que o afetava” ou reutilizando “alguns dos seus elementos, em obediência ao princípio do aproveitamento dos atos jurídicos”[2]. Por ela, “o órgão administrativo competente convalida um acto prévio, suprindo as ilegalidades formais ou procedimentais que o afectam[3] (por ex., a falta de fundamentação[4], a violação de regras relativas à votação, etc.)[5]. A ratificação (ratificação-sanação) é o ato administrativo secundário e saneador que “elimina a ilegalidade de um acto anterior que padece de incompetência relativa ou de um vício de forma por preterição de uma formalidade essencial” suprível[6].

Atenta a natureza e finalidade do ato ratificativo, já se tem entendido que dele decorre a subsequente inutilidade da lide na reclamação onde se questiona a licitude doutro ato, objeto dessa ratificação: nesse sentido o Parecer do GAVPV de 27.09.2018, na Reclamação n.º 2017-215/PD-A[7].

Importa ter presente, no entanto, que naquele citado caso não deixa de se considerar sanada uma “invalidade orgânica” (como deixámos sublinhado), a reclamação é posterior à ratificação pelo Plenário, a Exma. Reclamante “aceitou”, uma vez notificada, o uso dos meios contenciosos e, com todo o respeito por diferente saber, parece aceitar-se que a única via de impugnação da deliberação do Plenário seria a contenciosa e não, nomeadamente, a reclamação (graciosa) para o próprio órgão (Plenário).

No caso presente, atenta a anterioridade da Reclamação apresentada pelo Exmo. Senhor ... AA, pelo menos em relação à notificação da deliberação, ponderando os vícios invocados, os quais, salvo melhor entendimento, não se reconduzem unicamente a vícios formais (sendo embora discutível se como tal será a falta de fundamentação)[8] e, ainda menos à (in)competência (delegada ou própria) do Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, sequer invocada na reclamação[9], e porque a deliberação ratificativa não apreciou qualquer dos vícios invocados (como verdadeiras nulidades, alguns, acrescente-se) não podemos deixar de concluir que se impõe a apreciação graciosa da Reclamação.

E se algum obstáculo poderia derivar da constatação de, agora, estarmos perante órgão reclamado diverso, cremos que a possibilidade de reclamação para o próprio órgão e a aplicação analógica do disposto no artigo 41, n.º 1 do CPA, afastam as dúvidas.

Em suma, não obstante a deliberação que ratificou o despacho, há que apreciar a Reclamação.              

3.4 – Cumpre, pois, apreciar os fundamentos da Reclamação. No entanto, a ponderação das diversas questões enumeradas em 3.2, impõe uma prévia abordagem.

O procedimento disciplinar, previsto nos artigos 81 e seguintes do EMJ, sendo direito administrativo sancionatório, prevê a aplicação subsidiária das normas do Estatuto Disciplinar (que, hoje, é a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), “do Código Penal, bem como do Processo Penal e diplomas complementares” – artigo 131 do EMJ.

Os vários preceitos que integram estatutariamente o Capítulo relativo ao “Procedimento disciplinar” (os aludidos artigos 81 e ss.) referem-se ao procedimento criminal ou ao processo penal apenas os artigos 83 (autonomia da jurisdição disciplinar) e 112 (impedimentos e suspeições), o primeiro realçando precisamente a independência entre o procedimento criminal e o procedimento disciplinar e o segundo cuidando do caso específico do regime dos impedimentos e suspeições.

Como nos parece claro, a aplicação subsidiária (prevista no citado artigo 131 do EMJ) tem uma ordem ou lógica jurídica, uma vez detetada a lacuna no EMJ.

Já no domínio no anterior ED, Luís Vasconcelos Abreu[10] o afirmava: “Como o procedimento disciplinar é um procedimento administrativo especial, de natureza sancionatória, cumpre em primeiro lugar, no processo de integração de lacunas, esgotada a analogia dentro do próprio direito processual disciplinar, fazer apelo às normas e princípios do procedimento administrativo (...). Só em seguida se recorrerá às normas e princípios do direito processual penal, que é, de todos os regimes jurídico-processuais, aquele que revela maior apuramento no plano das garantias de defesa. O CPP não será, assim, aplicável de forma automática, pondo em causa a autonomia do procedimento disciplinar (...)”.

Além disso – e como já se afirmou em anterior Reclamação do Exmo. Senhor ... – “acresce que, além do princípio que se adiantou, também numa visão material e concreta, a remissão para o CPP (artigo 215) não nos parece, salvo melhor saber, sufragável. Quer pela razão de ser e requisitos, quer pela finalidade e efeitos, não fará sentido jurídico, buscar neste preceito o preenchimento de uma eventual lacuna do procedimento disciplinar. Importa dizer que aqui está em causa o alargamento significativo, não do inquérito ou da instrução, propriamente ditos, mas o prazo de duração da prisão preventiva. Por outro lado, a definição exemplificativa (processual penal) da excecional complexidade é descabida, com o respeito devido a outra opinião, para o procedimento disciplinar: é que, por definição, o número de arguidos, neste, é um só, porque o procedimento é individual, e o número de ofendidos também é só uma, a Administração Pública”.

Efetivamente, e deste modo, apreciamos já a segunda parte do ponto 3.2.I, sempre que o EMJ pretende a aplicação do processo penal faz essa direta referência, como dissemos, não podendo tomar-se por omissão, perante tal realidade, os casos em que a não faz.

Em conformidade, o artigo 114 do EMJ é bastante em si mesmo ou complementa-se com o disposto no artigo 205 da LTFP e esta Lei – na medida das suas omissões, nomeadamente quanto à fundamentação decisória ou à audiência prévia, com o disposto no CPA. Efetivamente, as disposições deste último diploma aplicam-se “subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais” (artigo 2.º, .º 5 do CPA), como é o caso do procedimento administrativo disciplinar.

Feitas estas considerações, prossigamos.

3.2.I.

Já vimos, anteriormente, que a aplicação subsidiária que reclama o processo disciplinar previsto no EMJ se encontra na LTFP e no CPA, não, para o caso em análise, no CPP. E, porque assim é, não há que chamar à colação o disposto no artigo 215 desse último diploma, que tem razão de ser e finalidades completamente diversas.

Sem embargo, determinado o citado artigo 215 do CPP a prévia audição do arguido, também é certo que o CPA estipula no seu artigo 121, n.º 1: “Sem prejuízo do disposto no art. 124º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”

Como se reconhece, o Exmo. Reclamante não foi ouvido antes da prolação do despacho reclamado,  nem lhe foi dado antecipado conhecimento do seu teor provável. Não há dúvida, assim, de que, antes de tal despacho, não foi observado o estatuído no preceito além transcrito.

A primeira questão que se coloca é, assim, a de saber se devia ter tido lugar a audiência prévia, nos termos do citado artigo 121, n.º1 do CPA.

A audiência prévia, já prevista no artigo 100, n.º1[11] do anterior CPA e igualmente consagrada em várias legislações europeias[12], consagrando um direito fundamental do cidadão/interessado, ocorre, como a lei esclarece imediatamente antes da tomada de decisão final no/do procedimento e, nesse sentido, parece-nos afastada no caso presente.

Mas, como segunda questão, e a admitir-se que, no caso presente, devia haver lugar à mesma, cumpre saber se a sua omissão é fundamento de nulidade ou de anulabilidade do procedimento[13].

Além de entendermos que não teria de haver lugar à mesma, por não se antecipar uma decisão final do procedimento, admitindo-a, em abstrato, consideramos que, em concreto, a aludida audiência prévia não tinha de ter lugar.

Efetivamente, quer pelos prazos impostos ao processo disciplinar (desde logo no artigo 114 do EMJ), mas igualmente por remissão para o disposto no artigo 205, n.º 4 da LTFP, o processo disciplinar, propriamente dito, mas pelo menos o incidente em causa (prorrogação do prazo de instrução) não pode deixar de ser considerado como tendo natureza urgente. Dito de outro modo, a decisão aqui em causa, ao ser urgente, sempre afastaria a realização da audiência prévia (artigo 124, n.º 1, al. a) do CPA.

Mas ainda que não se entendesse assim, acrescentamos o seguinte:  De acordo com o disposto no artigo 163, nº 5 do CPA, o efeito anulatório não se produz nos casos, além do mais, e de acordo com a alínea b) do preceito, em que “O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via”.

Já dissemos que a reclamação (recurso administrativo especial) é um meio gracioso de reexame. Havendo reclamação, como aqui sucede, “o ato administrativo apenas se torna definitivo com a deliberação do Plenário do CSM”. Assim, quando o Exmo. Reclamante “é notificada daquele despacho e apresenta a reclamação, tem a oportunidade de se pronunciar e de contrapor as suas razões invalidantes, na sua perspetiva, dos fundamentos” do despacho. Assim, tendo o Exmo. Reclamante “reclamado para o órgão” Plenário “visando a substituição do ato reclamado e sendo a deliberação o ato administrativo definitivo, concluímos que se mostra preenchida a situação prevista na al. b) do transcrito nº 5, do art. 163º, ou seja, a exigência procedimental de audiência prévia foi alcançada com a reclamação”[14].

É certo que, nesta Reclamação, o Exmo. Senhor ... sustenta que, ainda assim, sempre faltaria ao despacho reclamado o cumprimento do disposto no artigo 124, n.º 2 do CPA, ou seja a necessidade de a decisão final dever indicar as razões da não realização da audiência.

De facto, tais razões não constam do despacho. No entanto, em primeiro lugar, continuamos a considerar que a decisão final referida no preceito é a decisão final do procedimento e, por outro lado, mas por maioria de razão, a pretensa invalidade (anulabilidade) sempre estaria afastada, nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 163 do CPA.    

Refere ainda o Exmo. Reclamante que o artigo 124 do EMJ considera nulidade insuprível a falta de audiência do arguido.

Não se concorda, com todo o respeito. A nulidade refere-se à audição no procedimento, durante o processo disciplinar, naturalmente antes da decisão final, já não relativamente a cada aspeto incidental do mesmo processo.

Note-se que, quer a doutrina quer a jurisprudência, afirmam categoricamente que a ultrapassagem do prazo de instrução do processo disciplinar (os 30 dias no EMJ,  os 45 na LTFP, mas igualmente, como é natural, a sua prorrogação) não acarreta qualquer irregularidade e, se tanto, apenas conduz a uma eventual responsabilidade disciplinar do inspetor.

3.2.II.

Refere o artigo 114, nº 2 do EMJ que o prazo dentro do qual se deve ultimar a instrução do processo disciplinar, 30 dias, só pode ser excedido “em caso justificado”. O artigo 205, n.º 1 da LTFP, por seu turno, diz-nos que o prazo de instrução é de 45 dias[15], mas pode ser excedido, “nos casos de excecional complexidade”, acrescentando o n.º 4 do mesmo normativo que “o procedimento disciplinar é urgente, sem prejuízo das garantias de audiência e defesa do trabalhador”.

Entende o Exmo. ... Reclamante que nova prorrogação do prazo de instrução constitui uma prorrogação anómala, uma vez que a leitura correta do artigo 114, n.º 2 do EMJ implica que a prorrogação, a existir, seja uma só.

Salvo o devido respeito, não vemos como possa ser extraída a conclusão que antecede, quando a lei de modo algum o diz: o prazo de trinta dias para ultimar a instrução do processo disciplinar pode ser excedido, ainda que apenas em caso justificado. Se bem lemos, o prazo pode ser excedido, apenas, mas sempre que se justifique. Não há outra exigência, nem diverso limite.

Importa ter presente que, como referem Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar[16] “para além do prazo para a conclusão da instrução poder ser prorrogado, o incumprimento dos prazos aqui mencionados constitui mera irregularidade que, no máximo, apenas poderá implicar a responsabilidade disciplinar do próprio instrutor, não constituindo qualquer nulidade processual de que se possa aproveitar o arguido. Pelo contrário, o incumprimento destes prazos só pode ser aproveitado pelo arguido se esse mesmo incumprimento determinar que seja ultrapassado o prazo geral de 18 meses previsto no n.º 5 do art. 178.º para a conclusão do procedimento disciplinar”.

Em conclusão, não decorre da (nova) prorrogação qualquer vício administrativo.

3.2.III      

Nos termos dos artigos 152 e 153 do CPA, os atos administrativos, nomeadamente os chamados “atos primários desfavoráveis”[17] (os que “neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções”), devem ser fundamentados e esta “deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato”.

Acrescenta o artigo 153, n.º 2 do mesmo diploma legal que a obscuridade, contradição ou insuficiência que levem a que os fundamentos do ato não esclareçam concretamente a sua motivação “equivale à falta de fundamentação”.

A falta de fundamentação do ato administrativo conduz à anulabilidade (artigo 163, n.º 1 do CPA) uma vez que o vício respetivo não se enquadra em qualquer das alíneas que taxativamente preveem os casos de nulidade (161, n.º 2)[18]

Dito isto, importa saber se o despacho aqui em causa padece de falta de fundamentação.

Como já decorre do que se disse anteriormente, a fundamentação do ato administrativo deve ser expressa, sucinta, de facto e de direito, e não (deve) padecer de obscuridade, de contradição ou ser insuficiente.

Lido o despacho aqui em crise (Fls. 405 – Atento os motivos invocados pelo Exmo. Senhor Inspetor Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., defiro a prorrogação do prazo de instrução solicitada de doze dias”), que remete diretamente para o requerimento do Exmo. Conselheiro Inspetor (“Atendendo à impossibilidade de se proceder à audição do Senhor ... AA, que estava designada para hoje, considerando as datas disponíveis comunicadas pelo Senhor Advogado, conforme consta da cota de fls. 397, foi designado para audição o dia ...e na hipótese de não se efetuar nesse dia, foi designado o dia ... horas. De modo a que possa ser efectivado o direito de audição e atentas as datas referidas requer-se a V. Exa. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura a prorrogação do prazo de instrução por doze dias”) podemos verificar que a conclusão de “caso justificado” se mostra cabalmente esclarecida e justificada. 

É percetível da leitura do despacho (e do requerimento para o qual remete) a razão da decisão e, substantivamente compreensível que se dê oportunidade de audição ao Exmo. ... Reclamante. Aliás, reclamando o mesmo da sua não audição – e chegando a invocar a esse título o disposto no artigo 124 do EMJ – não se compreende que, tanto mais que justificou a sua falta, se insurja agora, ao que parece, contra o prazo necessário a essa audição ou que afirme que se usa contra si um direito seu (de audição) quando, que dos autos conste, nunca dela prescindiu, antes sempre a desejou.     

Não vemos, por isso, como o despacho do Exmo. Conselheiro Vice-Presidente do CSM, no enquadramento do procedimento disciplinar que lhe subjaz, padeça de falta de fundamentação ou que esta se mostre contraditória, obscura ou insuficiente.

4 – Decisão:

Tudo visto, deliberam os membros que compõem o Plenário do Conselho Superior da Magistratura considerar improcedente a Reclamação apresentada pela Exmo. Sr. ... AA, e assim manter a deliberação reclamada.»

8. Elencados os factos que se consideram relevantes para apreciar as questões equacionadas cumpre decidir:  

Como já se referiu o recorrente sustenta que a deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de ..., enferma de nulidade por falta de fundamentação e por não ter sido conferido o direito ao contraditório do arguido.

Após o enquadramento da questão, o recorrente, ao longo das suas conclusões, questiona o regime legal aplicável nos moldes que sintetiza nas alíneas L. a O. das mesmas, que para melhor compreensão se transcrevem:

«L. Em primeiro lugar, cumpre estabelecer que o preenchimento das lacunas existentes no EMJ é feito por reporte à aplicação das normas do CP e CPP, e não já CPA e CPTA, como defende o CSM.

M. O CSM entende que o procedimento disciplinar é um procedimento administrativo especial, de natureza sancionatória, e que, portanto, lhe são aplicáveis as normas do procedimento administrativo, relevando o disposto no artigo 131.° do EMJ para situações de "lógica jurídica, uma vez detetada a lacuna no EMJ".

N. Não se pode concordar com tal argumentação, uma vez que, não só pela integração sistemática do artigo 131.° do EMJ, mas também pela própria letra do mesmo, apenas se poderá concluir que é o regime penal e processual penal que rege a matéria disciplinar, funcionando como subsidiárias as leis administrativas meramente no que concerne à tramitação impugnatória e recursiva (direito adjetivo e não material) - tanto mais que essa é a sua inserção sistemática (artigo 178.° do EMJ).

O. Qualquer outra interpretação reduziria o artigo 131.° do EMJ a letra morta.»

Na sua resposta, o Conselho Superior da Magistratura sustenta:

– À tramitação do procedimento disciplinar aplicam-se, em primeiro lugar, as disposições que lhe são próprias, constantes do EMJ e, subsidiariamente, o regime decorrente da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), do CP e do CPP – cfr. artigo 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais;

– Em termos procedimentais (ou adjetivos como designado pelo Recorrente), no procedimento disciplinar está em causa uma sucessão de atos administrativos, encadeados, e que culminam com uma decisão;

– Decisão essa proferida por uma entidade pública, relativa ao cumprimento de deveres estatutários e de interesse público, proferida no âmbito de uma relação jurídica de natureza pública;

– Atentando na definição de procedimento administrativo: “Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.” (Cfr. artigo 1.º, n.º1 do CPA);

– Ora, como resulta inequívoco, o procedimento disciplinar é uma sucessão de atos, que culmina com a prática de um ato administrativo de natureza sancionatória;

– O procedimento disciplinar é regulado através de um regime jurídico específico, assumindo por isso a natureza de procedimento administrativo especial;

– Sendo certo que, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 2.º do CPA, “As disposições do presente Código, designadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais.”;

– Em acréscimo, decorre expressamente do artigo 224.º da LGTFP que: “Os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente.”;

– Ora, afigura-se-nos claro que, se não estivesse em causa um procedimento administrativo especial, a LGTFP não admitira a possibilidade de impugnação no âmbito do Código de Procedimento Administrativo;

– Com efeito, a aplicar-se subsidiariamente o CP e o CPP, como pretende o Exm.º Recorrente, ficaria esvaziado de conteúdo e utilidade o aludido artigo 224.º da LGTFP;

– Afigura-se, pois, inequívoco que a possibilidade de interposição de recurso hierárquico dos atos (quer da decisão final sancionatória, quer de quaisquer atos interlocutórios) expressamente admitida pela LGTFP, nos termos do CPA, é por si só demonstrativa da aplicabilidade desde regime;

– Em acréscimo, a circunstância de o artigo 131.º do EMJ remeter para a aplicação subsidiária da LGTFP, do CP e do CPP, não significa que tais regimes sejam aplicáveis em bloco, de forma automática, nem para o preenchimento de todas e quaisquer lacunas do EMJ em matéria disciplinar;

– Em suma, dúvidas inexistem de que o CPA é aplicável na situação que nos ocupa.

Vejamos então qual o regime legal aplicável aos Magistrados Judiciais em matéria disciplinar.

O Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, dispõe nos seus artigos 81.º a 135.º sobre o procedimento disciplinar e nos artigos 164.º a 179.º sobre as reclamações das decisões do presidente, do vice-presidente ou dos vogais do Conselho Superior da Magistratura, bem como dos recursos das deliberações deste órgão.

O artigo 131.º do referido diploma legal, com a epígrafe de Direito subsidiário estatui que «São aplicáveis subsidiariamente em matéria disciplinar as normas do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, regional e Local, (atualmente Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), do Código Penal, bem como do Código de Processo Penal, e diplomas complementares.

No que concerne aos recursos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura manda o art.º 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais aplicar subsidiariamente as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo.     

O processo disciplinar tal como resulta do art.º 110.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais é o meio de efetivar a responsabilidade disciplinar, competindo ao Conselho Superior da Magistratura, quando seja o caso, a instauração do respetivo procedimento disciplinar.

Como se refere no art.º 1 do Código de Procedimento Administrativo «Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública», entendendo-se «por processo administrativo o conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo».

O art.º 2.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, estatui que «As disposições do presente Código respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo».

O n.º 5 desta disposição legal refere que «As disposições do presente Código, designadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais».

 O procedimento disciplinar, previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais, uma vez que é regido, numa primeira linha, por normas próprias, assume-se como um procedimento administrativo especial, ao qual são subsidiariamente aplicáveis as normas constantes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – Lei n.º 35/2014, de 20 de junho e também o Código de Procedimento Administrativo.

A aplicação subsidiária deste último diploma apresenta-se como a solução coerente e própria  imposta por uma interpretação da lei que tem em conta a unidade do sistema jurídico, tal como é apontado pelo art.º 9.º do Código Civil.

A mesma coerência imposta pela unidade do sistema jurídico resulta de se considerar igualmente aplicável subsidiariamente a norma constante do art.º 224.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, que dispõe que «Os atos proferidos no processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código de Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente».

É este o contexto que deve servir para interpretar o art.º 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que logo, numa primeira linha, manda aplicar subsidiariamente em matéria disciplinar o regime jurídico geral aplicável ao Trabalho em Funções Públicas.

Atento o exposto, também a argumentação do recorrente, constante nas alíneas P. a R., em que procura estabelecer similitude entre o procedimento disciplinar e o procedimento aplicável ao ilícito de mera ordenação social, em que a lei subsidiária aplicável a este último é a lei penal e processual penal, não é de acolher dada a natureza própria, especial, do procedimento disciplinar, e dada a diferente natureza da fase jurisdicional do processo contraordenacional relativamente ao procedimento disciplinar.

Além do mais, mesmo tendo em conta que, por força do disposto no art.º  131.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais , o Código de Processo Penal constitua legislação subsidiária, certo é que não poderemos equiparar o despacho a prolongar o prazo de instrução no âmbito do procedimento disciplinar com base na impossibilidade de proceder à audição do arguido, à decisão de excecional complexidade no âmbito do processo penal, uma vez que esta última (que deve ser precedida da audição do arguido e do assistente, nos termos do art. 215.º, n.º 4, do CPP) tem uma implicação direta na privação da liberdade do arguido (alargamento dos prazos de prisão preventiva nos termos do art. 215.º, n.º 3, do CPP), consequência que não se verifica no caso de alargamento do prazo de instrução do procedimento disciplinar. Não existe, pois, paralelismo entre ambas as situações, uma vez que no presente caso o alargamento do prazo de instrução não determinou um alargamento do período de privação da liberdade (inexistente) e foi consequência da impossibilidade de audição atempada do interessado.

O recorrente, nas alíneas S. e seguintes das suas conclusões, sustenta a nulidade da decisão recorrida atenta a preterição do direito de audiência prévia, salientando que para audiência prévia pudesse ser preterida teria de haver um despacho nesse sentido, o qual teria de referir, de forma expressa, o motivo da dispensa.

O artigo 267.º, da Constituição da República Portuguesa, com a epígrafe «Estrutura da Administração», dispõe assim nos seus números 1 e 5:

1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática.

5. O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

Consagrado na lei fundamental o princípio da participação dos cidadãos interessados na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, o mesmo concretiza-se no direito de audiência prévia, previsto no art.º 110.º , n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais e no art.º 121.º do Código de Procedimento Administrativo, os quais referem o seguinte:

– Art.º 110.º , n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais:

2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 85.º, o processo disciplinar é sempre escrito e não depende de formalidades, salvo a audiência com possibilidade de defesa do arguido.

– Art.º 121.º do Código de Procedimento Administrativo:

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.

2 - No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.

3 - A realização da audiência suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.

A lei confere, pois, aos interessados, na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, o direito a audiência com possibilidade de apresentarem a sua defesa, devendo ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final e informados sobre o sentido provável desta.

O recorrente, nas suas conclusões B.B. e seguintes, invoca jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 499/97, Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 555/08, Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 279/95, Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 298/05), no sentido de que o direito de contraditório não se esgota em decisões de prova ou em decisões finais, mas abrange todos os aspetos de qualificação jurídica que tenham repercussão na situação do Arguido.

No caso concreto, estamos perante uma deliberação que manteve um despacho que prorrogou o prazo da instrução por doze dias.

A deliberação em causa não consubstancia uma decisão final do procedimento, nem colide com quaisquer aspetos atinentes à qualificação jurídica da situação que possa ter repercussão na situação processual do arguido.

            Assim, no caso concreto, não se nos afigura que tivesse de ter sido lugar à audiência prévia, prevista no art.º 121.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, pelo que não se verifica a invocada nulidade prevista no art.º 124.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais ou qualquer violação das disposições constitucionais constantes dos art.º 32.º, n.º 1 e 2 e 267.º, n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

            O recorrente, a propósito das sucessivas prorrogações do prazo da instrução, sustenta, nas suas conclusões v. e segs., que o presente procedimento disciplinar já transcorreu todos os prazos possíveis, contendendo, de forma direta e ilegal, com o imperativo constitucional da presunção de inocência (art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).

O art.º 114.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, com a epígrafe «Prazo de instrução» estatui:

1 - A instrução do processo disciplinar deve ultimar-se no prazo de trinta dias.

2 - O prazo referido no número anterior só pode ser excedido em caso justificado.

3 - O instrutor deve dar conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura e ao arguido da data em que iniciar a instrução do processo.

Este preceito admite expressamente que o prazo da instrução do processo disciplinar pode ser excedido, exigindo apenas justificação para tal.

O preceito também não limita o número de prorrogações do referido prazo, pelo não se vislumbra que assista razão ao recorrente, nomeadamente quando invoca o art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui que «Todo o arguido se presume inocente até trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», tanto mais que o sistema jurídico dispõe dos mecanismos jurídicos adequados para prevenir essas situações ao estabelecer no art.º 178.º, n.º 5, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que «O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final».

O recorrente, nas suas conclusões de alíneas JJ. e seguintes, sustenta a nulidade da deliberação recorrida, por preterição do dever de fundamentação, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 97.º, n.º 5, 374,º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a), todos do Código de Processo Penal.

Para o efeito argumenta:

– O CSM não fundamenta a prorrogação ora em questão, quer em termos materiais, quer em termos formais;

– Em termos formais, o CSM limita-se a referir que o Arguido não foi ouvido, entendendo o Recorrente que esta justificação é manifestamente precária, porquanto não explica em si a necessidade de prorrogação do prazo por mais 12 dias. O CSM tinha que, objetivamente, elencar as razões de facto que motivariam a prorrogação, e, ademais, o próprio prazo;

– A fundamentação fáctica é inexistente, porque uma fundamentação não se basta com a mera alegação de que "o Arguido não foi ouvido", sendo certo que o Arguido não foi ouvido única e exclusivamente por negligência da instrução que apenas optou por o chamar no final do prazo (já após a primeira prorrogação), quando, ademais, o EMJ o prevê que aconteça ainda nos 30 (trinta) dias iniciais;

– A falta de fundamentação que se suscita não tem que ver com o facto de a deliberação recorrida se limitar a remeter para os fundamentos constantes do despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM e proposta do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Inspetor Judicial Extraordinário, mas sim, com o facto de esses documentos para os quais remete serem, eles próprios, omissos em fundamentação;

– Por outro lado, a nível material, inexiste fundamento à decisão aqui em causa, uma vez que o CSM a funda, única e exclusivamente, na falta de audição do Arguido. Audição essa que se prevê que ocorra no decurso do processo de instrução que o EMJ fixa como tendo 30 (trinta) dias de duração.

Esta questão da alegada falta de fundamentação foi apreciada na deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura nos seguintes termos:

«Nos termos dos artigos 152 e 153 do CPA, os atos administrativos, nomeadamente os chamados “atos primários desfavoráveis” (os que “neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções”), devem ser fundamentados e esta “deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato”.

Acrescenta o artigo 153, n.º 2 do mesmo diploma legal que a obscuridade, contradição ou insuficiência que levem a que os fundamentos do ato não esclareçam concretamente a sua motivação “equivale à falta de fundamentação”.

A falta de fundamentação do ato administrativo conduz à anulabilidade (artigo 163, n.º 1 do CPA) uma vez que o vício respetivo não se enquadra em qualquer das alíneas que taxativamente preveem os casos de nulidade (161, n.º 2).

 Dito isto, importa saber se o despacho aqui em causa padece de falta de fundamentação.

Como já decorre do que se disse anteriormente, a fundamentação do ato administrativo deve ser expressa, sucinta, de facto e de direito, e não (deve) padecer de obscuridade, de contradição ou ser insuficiente.

Lido o despacho aqui em crise (Fls. 405 – Atento os motivos invocados pelo Exmo. Senhor Inspetor Judicial Extraordinário, Juiz Conselheiro Dr. ..., defiro a prorrogação do prazo de instrução solicitada de doze dias”), que remete diretamente para o requerimento do Exmo. Conselheiro Inspetor (“Atendendo à impossibilidade de se proceder à audição do Senhor ... AA, que estava designada para hoje, considerando as datas disponíveis comunicadas pelo Senhor Advogado, conforme consta da cota de fls. 397, foi designado para audição o dia ...e na hipótese de não se efetuar nesse dia, foi designado o dia ... horas. De modo a que possa ser efetivado o direito de audição e atentas as datas referidas requer-se a V. Exa. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura a prorrogação do prazo de instrução por doze dias”) podemos verificar que a conclusão de “caso justificado” se mostra cabalmente esclarecida e justificada. 

É percetível da leitura do despacho (e do requerimento para o qual remete) a razão da decisão e, substantivamente compreensível que se dê oportunidade de audição ao Exmo. ... Reclamante. Aliás, reclamando o mesmo da sua não audição – e chegando a invocar a esse título o disposto no artigo 124 do EMJ – não se compreende que, tanto mais que justificou a sua falta, se insurja agora, ao que parece, contra o prazo necessário a essa audição ou que afirme que se usa contra si um direito seu (de audição) quando, que dos autos conste, nunca dela prescindiu, antes sempre a desejou.     

Não vemos, por isso, como o despacho do Exmo. Conselheiro Vice-Presidente do CSM, no enquadramento do procedimento disciplinar que lhe subjaz, padeça de falta de fundamentação ou que esta se mostre contraditória, obscura ou insuficiente.»

A factualidade com relevo para apreciar esta questão é a seguinte:

a) Durante a instrução foram efetuadas as seguintes diligências com vista à audição do arguido:

1 – Na sequência do despacho do Exmo. Inspetor Judicial Extraordinário, de 29/01/2019, e mediante ofícios expedidos por via postal na mesma data, para o arguido e para o respetivo mandatário, foi indicada a data de ..., pelas 10 horas, para audição do arguido (docs. de fls. 73 a 75);

2 – Através de e-mail de ..., o mandatário do arguido veio requerer o reagendamento da audição do arguido, por na data indicada – ...– ter que comparecer pessoalmente num julgamento previamente agendado, estando por isso (o mandatário) impossibilitado de comparecer na referida audição (docs. de fols. 76 e 77);

3 – Por despacho do Exmo. Inspetor Judicial Extraordinário, de ..., notificado em ...ao arguido e respetivo mandatário, foi indicada nova data para a realização da audição do arguido, concretamente o dia ..., pelas ...(docs. de fols. 78 a 80);

4 – No dia ..., esteve presente o mandatário, mas não compareceu o arguido, tendo justificado telefonicamente ao seu mandatário que se encontrava doente (doc. de fols. 81 e 82);

5 – Dada a falta de comparência do arguido não foi possível proceder à respetiva audição, tendo sido designada nova data – ..., pelas ...– considerando-se o mandatário desde logo notificado e comprometendo-se a notificar o arguido (doc. de fols. 81 e 82);

 6 – Por e-mail de ..., o mandatário do arguido informou que aquele se encontrava doente e que não iria comparecer à audição marcada para o dia seguinte – ... -, tendo junto certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença de funcionário público/agente administrativo, com a indicação de incapacidade para a sua atividade profissional, por motivo de doença natural que não implica a permanência no domicílio, por um período de 8 dias, com início a ... e termo a ... (docs. de fols. 83 a 85);

7 – Em ..., à hora designada para a audição, nem o arguido, nem o seu mandatário compareceram (doc. de fols.86);

8 – Por despacho do Exmo. Inspetor Judicial Extraordinário, de ..., e mediante ofício entregue em mão ao mandatário do arguido e notificada ao arguido por via postal (dado não ter sido possível a sua notificação pessoal), foi indicada a data de ..., pelas ... horas, para audição do arguido (docs. de fols. 87 a 89);

9 – Notificado para a diligência de audição, veio o arguido, por intermédio do seu mandatário manifestar a impossibilidade do mesmo comparecer na data indicada, por ter que comparecer em audiência de julgamento previamente agendada, solicitando o reagendamento da audição marcada para o dia ...e telefonicamente indicou como datas possíveis o dia ...e ...(docs. de fols 91 e 92);

10 – Em ...não compareceram o arguido, nem o seu mandatário e, por despacho do Exmo. Inspetor Judicial Extraordinário, proferido nessa mesma data, foram indicadas como datas para a realização da audição, as mesmas indicadas pelo mandatário do arguido – ...(docs. de fols. 93 e 94);

11 – Mediante ofício remetido por correio, ao mandatário do arguido e ao arguido, foi indicada a data de ..., pelas ... horas e ..., pelas … horas, para audição (docs. de fols. 95 a 96);

b) Em ... o Sr. Inspetor extraordinário proferiu o seguinte despacho nos autos:

«Atendendo à impossibilidade de se proceder à audição do Senhor ... AA, que estava designada para hoje, considerando as datas disponíveis comunicadas pelo Senhor Advogado, conforme consta da cota de fls. 397, foi designado para audição o dia ...e na hipótese de não se efetuar nesse dia, foi designado o dia ... horas. De modo a que possa ser efetivado o direito de audição e atentas as datas referidas requer‑se a V. Exa. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura a prorrogação do prazo de instrução por doze dias. Lisboa, ...».

c) O Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura atendendo aos motivos invocados pelo Exmo. Senhor Inspetor Judicial Extraordinário deferiu a prorrogação do prazo de instrução solicitada de doze dias.

d) Na sessão do Plenário do CSM realizada a ...foi deliberado por unanimidade «ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente desde Conselho de ..., que concordando com a proposta do Exmo. Sr. Inspetor Judicial Extraordinário, prorrogou a instrução disciplinar n.º ..., em que é arguido o Exmo. Sr. Juiz ... Dr. AA, por mais 12 dias».

Resulta da factualidade referida que no dia ..., designado para audição do arguido, este e o seu mandatário não compareceram, pelo que face a essa situação o

Sr. Inspetor Judicial Extraordinário decidiu designar para audição o dia ...e na hipótese de não se efetuar nesse dia, foi designado o dia ... horas. Nesse mesmo despacho o Sr. Inspetor Judicial Extraordinário acrescentou o seguinte: «De modo a que possa ser efetivado o direito de audição e atentas as datas referidas requer‑se a V. Exa. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura a prorrogação do prazo de instrução por doze dias. Lisboa, ...».

Temos assim, que o Sr. Inspetor Judicial Extraordinário justificou a necessidade da prorrogação do prazo da instrução para que pudesse ser efetivado o direito de audição do arguido, frisando que a prorrogação do prazo da instrução por doze dias se destinava  a permitir a efetivação da audição nas datas referidas, uma vez que estávamos em ... e as datas sugeridas e pelo Exmo. Mandatário do arguido foram 8 de março ou no dia 15 de março (cfr. cota de fols. 92).

Concluímos assim que a prorrogação do prazo da instrução foi devidamente justificado, bem como a necessidade da prorrogação por doze dias, pelo que não se verifica a invocada nulidade da deliberação recorrida, por preterição do dever de fundamentação, atento o disposto nos art.º 97.º, n.º 5, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 alínea a), todos do Código de Processo Penal.

9. Pelo exposto, acorda-se na secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente a ação administrativa de impugnação interposta pelo Juiz ... AA contra a deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura de ..., na parte que lhe diz respeito.

10. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs.

Lisboa, 24 de outubro de 2019.

Chambel Mourisco (Relator)

Helena Moniz

Graça Amaral

Oliveira Abreu

Pedro de Lima Gonçalves

Maria da Graça Trigo

Manuel Augusto de Matos

______________
[1] Diferentemente do que que sucedia no Procedimento Administrativo anterior a este Código, deixou de se poder revogar o ato do subordinado, quando este tiver competência exclusiva. No mais, ou seja, fora desses casos e tal como anteriormente, o preceito confirma que “a competência do superior hierárquico é de reexame” (Luiz S. Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo, anotado, Coimbra Editora, 2015, pág. 65  
[2] Diogo Freitas do Amaral – com a colaboração de Pedro Machete e Lino Torgal, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2016, pág. 416.
[3] Sobre a distinção entre vícios materiais ou substanciais (relativos ao fim ou relativos ao conteúdo) e vícios formais (relativos ao procedimento e relativos à forma), Fernanda Paula Oliveira/José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 4.ª Edição, Almedina, 2016, págs. 255/258.
[4] Citamos Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves – J. Pacheco Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 664) ao referir o “acto praticado sem a fundamentação legalmente exigida, que pode ser objecto de uma ratificação posterior, praticando-se fundamentadamente”.
[5] Francisco António de M.L. Ferreira de Almeida, Direito Administrativo, Almedina, 2018, pág. 229.
[6] Marcelo Rebelo de Sousa/André Salvado de Matos, Direito Administrativo Geral, Actividade Administrativa, Tomo III, 2.ª edição, reimpressão, D. Quixote, 2006, págs. 111, 198 e 215/216. 
[7] Que resumimos: “Em 13/07/2018, já depois de ratificado o despacho do Exmo. Vice-Presidente, deu entrada a reclamação, dirigida ao Plenário, requerendo a declaração de nulidade do despacho e a extinção do procedimento. Em 03/09/2018, foi a Exma. Reclamante notificada da deliberação do Plenário de ratificação do despacho, tendo em 20/09/2018 interposto junto do STJ pedido de suspensão de eficácia da deliberação (...) A ratificação do acto administrativo, prevista e regulada no artigo 164º do CPA, bem como a reforma e conversão, são atos secundários ou de segundo grau que incidem sobre um ato primário ferido de ilegalidade e cujo objeto é a supressão desta mesma ilegalidade através de um novo acto praticado sem as ilegalidades daquele. (…) A ratificação e a reforma distinguem-se pela natureza do vício de que padece o acto primário, de incompetência, formal ou procedimental no caso da ratificação e de conteúdo no caso da reforma, citando Cabral de Moncada, in CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO, pg. 586. Segundo Paulo Otero, in DIREITO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, A ratificação, tradicionalmente designada como ratificação-sanação, pressupondo uma manifestação de vontade de eliminar um determinado vício, falando-se em animus ratificandi, encontra-se circunscrita às condutas feridas de anulabilidade (...). Assim, a ratificação do despacho, por parte do Plenário do CSM, representa, pois, a confirmação, a adoção ou mesmo a perfilhação do teor do despacho, a assunção da autoria do mesmo pelo Plenário do CSM, sanando-se, dessa forma, a invalidade orgânica de que o mesmo padecia. Logo e em consequência lógica, não fará sentido admitir a manutenção da reclamação apresentada contra o mesmo despacho, necessária e por força de Lei, dirigida à entidade que o ratificou entretanto. Retroagindo a ratificação os seus efeitos à data do acto a que respeita – n.º 5 do citado artigo 164.º do CPA-, haverá que concluir-se que o acto em questão é da autoria do Plenário do CSM, sendo que, das deliberações do CSM recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 168.º, n.º1 do EMJ, como o fez a Exma. Reclamante. A este respeito, veja-se, ainda, o Ac. do TCAN, de 06/03/2015, disponível na base de dados www.dgsi.pt: Tendo o acto impugnado sido ratificado foi o mesmo substituído por um novo acto, pelo que a presente acção administrativa especial perdeu o seu objecto. Na verdade, se o acto primário foi substituído não faz mais sentido falar-se nos vícios do acto primário uma vez que estes, por força da prática do novo acto, terão sido sanados (...) Se não houver impugnação do novo acto ocorrerá necessariamente inutilidade superveniente da lide, uma vez que ao acto primariamente impugnado já foi retirado da ordem jurídica (...) Ver ainda proc. n.º 011128/05, de 14-02-2006 “Ocorre ratificação - sanação quando a Administração, confrontada com ilegalidade de um acto administrativo seu, pretendendo mantê-lo válido na ordem jurídica, pratica novo acto, com o mesmo sentido decisório, em que expurga o primeiro de vício formal gerador de invalidade. II - O acto ratificante substituiu na ordem jurídica o acto ratificado, o que determina a perda do objecto do recurso contencioso interposto deste acto, acarretando a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287º, al. e), do C.P. Civil, aplicável por força do artigo 1º, da LPTA (...) Para os efeitos em apreciação, o acto relevante é a deliberação do Plenário de 11/07/2018, perfeitamente tempestiva e afigura-se cumprir integralmente os requisitos formais e formalidades legais a que está vinculada”.
[8] Que, de todo o modo, o Exmo. Reclamante alicerça como material ou de substância. 
[9] Mas indubitavelmente razão da remessa ao Plenário “para ratificação”, constante do despacho aqui em causa, pois não seria entendível que quaisquer outros vícios fossem reconhecidos pelo autor do ato, e os colmatasse com a simples remessa para ratificação.    
[10] Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina, 1993, pág. 84. 
[11] “Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”. Comentando este preceito, referem Mário Esteves de Oliveira – Pedro Costa Gonçalves – J. Pacheco de Amorim (Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, 8.ª Reimpressão, Almedina, 2010, pág. 453, o que ora transcrevemos e sublinhamos: “Começa aqui a terceira fase do procedimento: uma fase de saneamento, digamos assim. Acabou a instrução do procedimento, o instrutor entende estarem reunidos os elementos necessários para ponderar qual deve ser a decisão do procedimento, enuncia-os e agora vai ouvir os interessados (...) A audiência é, pois, facultada aos interessados depois de “concluída a instrução” (...) A escolha desse momento para ser dada audiência – e que é naturalmente o mais adequado para o efeito...”  
[12] A propósito da sua consagração no Direito alemão (onde se prevê o afastamento da audiência dos interessados “quando a esta se oponha um interesse público imperativo”), Jorge Alves Correia/Andreas Isenberg, Lei Alemã do Procedimento Administrativo – Guias de Leitura e Anotações, Almedina, Almedina, 2016, págs. 49/50. Também sobre o Direito alemão, mas igualmente sobre o italiano (onde a audiência não é regra geral) e o francês, Lourenço Vilhena de Freitas, Direito do Procedimento Administrativo e Formas de Actuação da Administração, Parte Geral, Lições ao Curso de Mestrado, AAFDL, 2016, págs.95/96, nota151.   
[13] Citamos o Acórdão do STJ (relator Conselheiro Ribeiro Mendes) proferido no Processo 81/17 (secção do Contencioso): “Para os defensores da nulidade o direito de audiência prévia é um direito fundamental com consagração constitucional no art. 267º da CP e transposto para o art. 12º do CPA. Pese embora a imposição constitucional de a Administração Pública ser estruturada de forma a “assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva”, não se nos afigura líquido que o direito de audição prévia deva ser encarado como um direito fundamental. Efetivamente o direito de audição prévia e mesmo o direito mais lato de participação na gestão ou na formação das decisões da administração não se encontra previsto na Parte I, da CRP, dedicada aos direitos e deveres fundamentais. Trata-se antes da concretização do modelo de administração participada estabelecido no art. 267º da CRP, sendo certo que essa positivação poderia ser consagrada de outra forma e não necessariamente pela audiência prévia. O regime regra de invalidade dos atos administrativos é, como dispõe o art. 163º do CPA, o da anulabilidade e apenas será o da nulidade nos casos em que a lei preveja essa sanção (art. 161º, nº 1). O CPA elenca os atos nulos no seu art. 161º, nº 2, pese embora o faça de forma não exaustiva, como resulta do advérbio “designadamente”. É certo que na al. d) se estabelece que são nulos “[o]s atos que  ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”. Mas, como referimos, entendemos que o direito de audiência prévia, qua tale, não constitui um direito fundamental com consagração constitucional. Por conseguinte, a sua inobservância pela administração não torna o ato nulo mas anulável”.
[14] Citamos o acórdão referido na nota anterior, o qual, embora refletindo sobre um caso de delegação de poderes, se mostra pertinente ao caso presente, atendendo, como se disse à natureza da Reclamação.
[15] A propósito deste prazo – e no que pensamos ser relevante para os efeitos da sua eventual violação -, o Acórdão do STA de 1.02.2001 (Processo n.º 663/06) refere que “é um prazo meramente ordenador cujo desrespeito, podendo acarretar eventuais consequências disciplinares para os responsáveis pela instrução, não afeta a validade dos atos do processo disciplinar”.  
[16] Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º Volume, Coimbra Editora, 2014, pág. 593. O mesmo autor (Paulo Veiga e Moura) comentando preceito semelhante (artigo 39, n.º 1) do (anterior) Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública (Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Anotado, Coimbra Editora, 2009, pág. 152) referia que os aludidos prazos (de início e de tremo da instrução) “são prazos meramente ordenadores, que constituem referências para o instrutor responsável pelo processo” e  “para além de o prazo para a conclusão da instrução poder ser prorrogado, o incumprimento dos prazos aqui mencionados constitui mera irregularidade”. [17] Diogo Freitas do Amaral, com a colaboração de Pedro Machete e Lino Torgal, Curso de Direito Administrativo, cit., pág. 315.
[18] Nomeadamente na alínea d) desse preceito, porquanto ofensa é ao “conteúdo essencial” de um direito fundamental, ou seja, uma violação substantiva a esses direitos e não os requisitos do ato. A propósito, Fernanda Paula Oliveira/José Eduardo Figueiredo Dias, ob. e loc. cit.