Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3525/23.6T8ALM.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: PRESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 01/29/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REMETIDO À RELAÇÃO PARA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário :
I. Devem resultar da própria nota de culpa os factos que permitam em abstrato a subsunção num tipo penal, mormente os factos que permitam concluir pela existência de dolo ou de uma intenção específica exigida por um certo tipo legal de crime;

II. A sanção do despedimento pode ser desproporcionada quando se provou que outros trabalhadores praticaram igual infração, havendo, então, que apurar se também foram objeto de sanções disciplinares.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 3525/23.6T8ALM.L1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

AA intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo de Trabalho contra Farmácia C… de Almada de G…, Lda.

Não tendo sido possível a conciliação, a Ré apresentou articulado a fundamentar o despedimento e juntou cópia do procedimento disciplinar.

A Autora contestou e deduziu reconvenção, formulando os seguintes pedidos:

Nestes termos e nos melhores de direito:

a) Ser julgada improcedente, por não provada, a presente ação e, consequentemente, ser declarada a inexistência de motivo justificativo para despedimento da trabalhadora e, dessa forma, declarado ilegal o despedimento da Autora;

b) Ser a entidade patronal, aqui Ré, condenada a pagar à Autora, em alternativa à reintegração, a indemnização calculada nos termos do artigo 392.º n.º 3, por aplicação do artigo 63.º n.º 8, ambas as normas do Código de Trabalho;

c) Ser a Ré condenada a pagar a quantia de € 1.258,00 de horas de formação em falta, bem como todo e qualquer outro crédito que assista à Ré em virtude da inexistência de motivo justificativo para o despedimento por justa causa, como sejam férias não gozadas, proporcionais de férias e subsídio de férias e de Natal que se venceram após 30 de Abril de 2023, e cuja valor só pode se apurado em sentença final.

c) Ser a Ré condenada a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 5.000,00 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais.

e) todas estas importâncias devem ser acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde o respetivo vencimento e até integral pagamento”.

A Ré respondeu ao articulado da Autora, propugnando pela sua absolvição do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi admitida reconvenção.

Realizada a audiência de julgamento, em 15.02.2024, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

Por tudo quanto se deixa exposto, o Tribunal considera que existe justa causa de despedimento da trabalhadora, pelo que julga lícito o despedimento promovido pela empregadora, determinando consequentemente a improcedência da ação.

Quanto ao pedido reconvencional, a empregadora vai condenada no pagamento das remunerações em dívida, no valor global de € 586,57, sendo absolvida dos demais pedidos formulados pela trabalhadora. A tal valor acrescem juros legais, desde a data de vencimento dos montantes em causa até integral pagamento.

A Autora interpôs recurso de apelação.

Por acórdão de 3.07.2024, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram em:

I. Julgar parcialmente procedente o recurso.

II. Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou lícito o despedimento e substituí-la por outra que declara ilícito o despedimento da recorrente.

III. Alterar a decisão recorrida proferida quanto à reconvenção deduzida pela recorrente e condenar a recorrida a pagar à recorrente as seguintes quantias

Retribuições intercalares

i. 890,17 euros (oitocentos e noventa euros e dezassete cêntimos), devidos pelo mês de maio de 2023.

ii. 1271,67 euros (mil duzentos e setenta e um euros e sessenta e sete cêntimos) devidos, respetivamente, por cada um dos meses seguintes, desde junho de 2023 até ao trânsito em julgado do presente acórdão.

iii. Às retribuições intercalares acima mencionadas em i. e ii., a recorrida deve deduzir e entregar à segurança social o montante de 4 871,79 (quatro mil e oitocentos e setenta e um euros e setenta e nove cêntimos) já recebido pela recorrente a título de subsídio de desemprego até novembro de 2023 e o valor do subsídio de desemprego atribuído à recorrente desde dezembro de 2023 até ao trânsito em julgado do presente acórdão, conforme se liquidar em execução de sentença.

iv. Os juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre os valores mencionados em i. ii. e iii. desde a data em que se liquidarem essas quantias.

Indemnização pelo despedimento ilícito

v. 13 806,73 euros (treze mil oitocentos e seis euros e setenta e três cêntimos).

vi. Os juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, sobre a quantia acima indicada em v.

vii. A quantia devida por cada ano ou fração de antiguidade que, até ao trânsito em julgado do presente acórdão, venha a acrescer aos indicados no parágrafo 123, à razão de 20 (vinte) dias de retribuição base, que perfazem 726,67 euros (setecentos e vinte seis euros e sessenta e sete cêntimos), por cada ano ou fração de antiguidade, acrescida dos juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data do trânsito em julgado do presente acórdão.

IV. Manter no mais a decisão recorrida sobre a reconvenção.

V. Condenar a recorrida nas custas, na proporção em que decaiu e determinar que a dispensa de pagamento de custas de que beneficia a recorrente, em virtude do apoio judiciário, não prejudica a aplicação do disposto no artigo 26.º n.º 6 do RCP”.

A Ré veio interpor recurso de revista, no qual arguiu também a nulidade do acórdão recorrido.

Nas conclusões do seu recurso de revista sustenta, desde logo, que a Autora na sua apelação apenas invocou a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar e não a prescrição, pelo que o Acórdão recorrido seria nulo, tanto por ter conhecido de matéria de que não podia conhecer, como por violação do contraditório (Conclusões A a D).

Invoca seguidamente que em todo o caso haveria que atender a que a Autora teria praticado os crimes de falsidade informática (previsto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 109/2009) – Conclusões F a P – em concurso real com o crime de burla (Conclusões Q a S) e eventualmente com o crime de abuso de confiança (a expressão é da Recorrente na sua Conclusão T: “Tudo isto, sem que se prescinda do eventual preenchimento do tipo penal de abuso de confiança”), “pelo que o prazo de prescrição disciplinarmente relevante das condutas da Recorrida é igual ao prazo de prescrição da lei penal” (Conclusão U).

Afirma depois que o aditamento do facto 36 pelo Tribunal da Relação representaria uma violação da lei (Conclusões V a BB) e critica a decisão do Acórdão recorrido no sentido da inexistência, em qualquer caso, de justa causa para o despedimento

A Autora apresentou contra-alegações.

Por acórdão de 11.09.2024, o Tribunal da Relação julgou improcedente a arguição da nulidade.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código do Processo de Trabalho, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso de revista.

A Ré respondeu ao Parecer.

2. Fundamentação

a) De Facto

Foi a seguinte a matéria de facto apurada nas instâncias:

1. A A. foi admitida ao serviço da R. a 1 de fevereiro de 2006.

2. Tem presentemente a categoria profissional de Caixeira de 1ª, tendo como funções o atendimento de clientes, venda de produtos de dermocosmética, puericultura, podologia e produtos ortopédicos, deles recebendo valores para pagamento dos produtos, registando as respetivas vendas, dando entrada de encomendas, afixando preços e outras tarefas conexas.

3. Todos os funcionários da R. beneficiam de um desconto de 20% em compras feitas na própria farmácia.

4. Desconto este não cumulável com outros, facto que é do conhecimento de todos os trabalhadores, incluindo da A.

5. O Cartão Saúda – ou cartão das farmácias portuguesas - é um cartão disponibilizado pelas “Farmácias Portuguesas”, uma rede de mais de 2000 estabelecimentos farmacêuticos espalhados por todo o país, da qual a R. é aderente.

6. Este cartão permite que a todas as compras realizadas nas farmácias aderentes de produtos de saúde e bem-estar, ou de medicamentos não sujeitos a receita médica e serviços farmacêuticos, sejam atribuídos pontos.

7. Estes pontos podem ser trocados diretamente por produtos constantes no catálogo de pontos ou podem ser convertidos em vales de dinheiro que podem ser utilizados para pagar a conta da farmácia.

8. Cada um euro gasto pelo cliente nos produtos enunciados anteriormente equivale a um ponto atribuído no Cartão Saúda.

9. Este cartão tem em vista a fidelização do cliente, porque o cliente ganha um ponto pela primeira visita diária à farmácia, desde que o valor da compra seja igual ou superior a 3€.

10. Os pontos podem ser trocados diretamente por produtos ou serviços constantes na revista Saúda.

11. E podem ser igualmente trocados por vales, existindo vales de 2,00€ (50 pontos); 5,00€ (120 pontos); 10,00€ (230 pontos); e 20,00€ (440 pontos), que, por sua vez, podem ser descontados nas compras de produtos ou aquisição de serviços em qualquer das farmácias aderentes.

12. Cada ponto atribuído em cartão é colocado no sistema comum das “farmácias portuguesas”, gerando uma conta corrente.

13. Cada compra ou desconto em aquisição de um produto ou serviço, quando efetivamente usados pelo cliente, gera um custo para a farmácia aderente no valor de cinco cêntimos por cada ponto inserido na conta corrente respetiva.

14. A empregadora, por ocasião da implementação do cartão saúda, comunicou aos trabalhadores – a todos os trabalhadores, e, portanto, também à trabalhadora, que já trabalhava na farmácia – que o registo de pontos nos cartões individuais dos funcionários decorrentes de compras realizadas por clientes da farmácia era proibido.

15. A autora nunca pediu esclarecimentos sobre a utilização do cartão, ocultando que registava no seu cartão pontos decorrentes de compras feitas por clientes da farmácia.

16. A empregadora solicitou ao sistema Farmácias Portuguesas os extratos de alguns funcionários, nomeadamente o relativo ao cartão da trabalhadora, com o número ...48.

17. Em dia não concretamente apurado do mês de fevereiro de 2023, mas não anterior a dia 14, a ré tomou conhecimento do extrato do cartão Saúda da autora com base no qual instruiu o processo disciplinar, elaborou a nota de culpa e proferiu a decisão disciplinar, juntos aos autos com as referências citius ...91 a ...07, de 26.7.2023 (alterado pelo Tribunal da Relação).

18. Foram processadas pela autora, entre 1.9.2020 e 19.10.2021, as vendas, com os descontos nas percentagens e valores indicados nas faturas recibo e os registos no cartão Saúda ...48 de que era titular a autora, mencionados das faturas recibo e registos cujo teor se dá por integralmente reproduzido, constantes de fls. 1 a 65 do processo disciplinar, juntos aos presentes autos com as referências citius ...92, ...93, ...94, ...95, ...97 e ...98, de 26.7.2023, de entre os quais, as faturas recibo que mencionam o número fiscal de contribuinte ...23, de que é titular a autora, se referem a compras da autora e as que mencionam números fiscais de contribuinte diversos, se referem a compras de terceiros, clientes da ré (alterado pelo Tribunal da Relação).

19. Por via de correio eletrónico enviado em 23.03.2023 e de correio registado na mesma data, foi remetida à trabalhadora nota de culpa, na qual se dá conta do apurado registo indevido de pontos no seu cartão.

20. Foram realizadas as diligências instrutórias requeridas pela trabalhadora.

21. A empregadora, por decisão de 4.05.2023, comunicada à trabalhadora no dia 9 de maio de 2023, informou a trabalhadora da decisão de despedimento com justa causa.

22. Antes de comunicar à autora a suspensão referida no facto provado 28, a ré propôs à autora celebrarem um acordo de cessação do contrato de trabalho, apresentando minuta desse acordo que a autora recusou assinar (alterado pelo Tribunal da Relação).

23. Em outubro de 2021, a empregadora reuniu com os trabalhadores, comunicando que não seria possível acumular os pontos dos cartões com os benefícios comerciais que as marcas ofereciam, abordando-se a questão relacionada com os pontos de indústria.

24. Depois da reunião de outubro de 2021, a trabalhadora deu baixa do seu cartão, não tendo feito qualquer utilização do mesmo desde então.

25. Ao longo dos 17 anos em que a trabalhadora exerceu funções na empregadora nunca sofreu qualquer sanção disciplinar.

26. Em data não concretamente apurada, a trabalhadora e outras colegas fecharam a loja, mantendo no seu interior um assaltante, para que o mesmo fosse detido pela PSP que foi chamada ao local, conseguindo desse modo evitar a consumação do assalto.

27. A trabalhadora, nos últimos anos em que exerceu funções na empregadora, consultava o seu horário semanal ao domingo.

28. A trabalhadora foi suspensa, no âmbito do processo disciplinar, em 25 de fevereiro de 2023.

29. A trabalhadora, na sequência da instauração do processo disciplinar passou a sentir ansiedade, nervosismo, sentimentos de zanga e fúria, apresentando dificuldade em dormir, tendo consultado um psiquiatra.

30. Depois da pandemia, a trabalhadora não recebeu formação profissional da empregadora (ano de 2022).

31. Em março de 2023, a empregadora descontou € 77,19, relativo a abono para falhas pago a mais em fevereiro de 2023.

32. Em maio de 2023, a empregadora pagou à trabalhadora o montante de € 2.288,17, relativo a “compensação global pecuniária”.

33. A trabalhadora auferia, à data do despedimento, o vencimento mensal ilíquido de € 1.090,00.

34. O desempenho da trabalhadora na sua profissão era apreciado pelas clientes da farmácia.

35. Foram trocados entre os mandatários os emails que constam dos autos durante o processo disciplinar.

36. A gerência da ré, em 2019 teve conhecimento de que alguns trabalhadores registavam vendas dos clientes nos respetivos cartões Saúda de que eram titulares esses trabalhadores, tendo alguns deles pedido desculpa e em junho de 2020, a gerência da ré quis indagar se essa prática se mantinha, colocando a hipótese de despedir alguns trabalhadores (facto aditado pelo Tribunal da Relação).

Factos não provados

- Que a empregadora tenha relembrado amiúde os seus funcionários que a atribuição de pontos tem um custo monetário associado para a mesma.

- Que a empregadora tenha recordado em reuniões que era proibido o registo de pontos de clientes da farmácia no cartão individual do funcionário.

- Que os clientes da trabalhadora não utilizassem os respetivos cartões.

- Que a trabalhadora não incentivasse os clientes a utilizar os seus cartões.

- O concreto prejuízo pecuniário causado pela conduta da trabalhadora na esfera da empregadora.

- Que na reunião de outubro de 2021 se tenha abordado a questão do registo dos pontos dos clientes nos cartões dos funcionários.

b) De Direito

No presente processo e em sua defesa a trabalhadora veio invocar que o poder disciplinar em relação às infrações que alegadamente cometera já não existia por força da passagem do tempo. Ainda que se tenha referido a uma caducidade concorda-se com o Acórdão recorrido quando este sustenta que a qualificação jurídica cabe ao tribunal e que se deve considerar que o que a trabalhadora pretendeu invocar foi a prescrição da infração disciplinar. Como refere o Acórdão recorrido, “embora a recorrente qualifique os factos à luz da caducidade, o Tribunal julga que a argumentação da recorrente convoca a aplicação do disposto no artigo 329.º n.ºs 1 (prescrição) e 2 (caducidade) do CT”. Não existe, por conseguinte, na matéria qualquer nulidade, tanto mais que a invocação da prescrição não exige qualquer fórmula “sacramental”.

Destarte, a questão prévia que há, desde logo, que discutir é, pois, a de saber se a infração disciplinar (ou infrações disciplinares) prescreveu (prescreveram). Tratando-se de uma infração disciplinar continuada ter-se-á em conta o momento em que a conduta ilícita cessou (ver factos 18 e 24: outubro de 2021).

O artigo 329.º n.º 1 do CT estabelece que “o direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime”. Sendo certo que passou mais de um ano entre a prática da infração (mais precisamente a cessação da conduta continuada) e o exercício do poder disciplinar (cfr. factos 17 e 18) a questão que se suscita é a de saber se o empregador poderá invocar a parte final da norma para concluir que a infração disciplinar não estava prescrita. Com efeito, o empregador sustenta, agora, no seu recurso de revista que estão preenchidos vários tipos legais de crime (crime de falsidade informática, burla, abuso de confiança).

Importa ter presente que na decisão de proceder ao despedimento não podem ser invocados factos “não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador salvo se atenuarem a responsabilidade” (n.º 4 do artigo 357.º do CT). É perante os factos constantes da acusação que o trabalhador pode exercer o seu direito de defesa, no qual se insere a possibilidade de invocar a caducidade do procedimento disciplinar ou a prescrição da infração disciplinar. Quer isto dizer que devem resultar da própria nota de culpa os factos que permitam inequivocamente a subsunção num tipo penal, mormente os factos que permitam concluir pela existência de dolo ou de uma intenção específica exigida por um certo tipo legal de crime, e, por conseguinte, que a acusação tem essa gravidade. Tal é exigível particularmente em casos como o presente em que o prazo geral de um ano já se consumou.

Para que o prazo de prescrição criminal seja aplicável à infração disciplinar basta, todavia, que os factos constituam em abstrato a prática de um crime, sendo que não exige o efetivo exercício da ação penal, nem, muito menos, uma efetiva condenação penal.

Analisada a nota de culpa verifica-se que nos pontos 51, 55, 57, 59, 89, 97, 121, 125, 165, 183, 185, 187, 189, 206, 230, 238, 250, 258, 273, 277, 309, 321, 335, 406, 457, 481, 489, 497, 509, 523, 531, 537 da mesma se imputa expressamente à trabalhadora a troca de pontos por vales (com indicação dos pontos e valores) e respetivos descontos no valor das contas e nos pontos 538 a 544 é alegado o prejuízo relativo “ao valor monetário pago pela arguente por cada ponto”. Assim, por exemplo, verifica-se a acusação de introdução de dados informáticos falsos (registando no seu próprio cartão compras de clientes) com dolo e com o elemento subjetivo especial do tipo de crime de falsidade informática previsto no artigo 3.º da Lei n.º 109/2009, a saber, a intenção de provocar engano nas relações jurídicas.

Tanto basta para que se deve considerar que a infração disciplinar não prescreveu.

Por outro lado, trata-se de um comportamento culposo que representa uma violação grave dos deveres de honestidade e probidade.

No entanto, para que haja justa causa de despedimento é necessário que tal comportamento pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

Ora tal não resulta claro face ao facto provado 36: “A gerência da ré, em 2019 teve conhecimento de que alguns trabalhadores registavam vendas dos clientes nos respetivos cartões Saúda de que eram titulares esses trabalhadores, tendo alguns deles pedido desculpa e em junho de 2020, a gerência da ré quis indagar se essa prática se mantinha, colocando a hipótese de despedir alguns trabalhadores”.

Se a Ré teve conhecimento de que outros trabalhadores cometeram a mesma infração e não os despediu então pode e deve concluir-se que o comportamento em causa não torna “imediata e praticamente impossível a subsistência da relação e trabalho” (artigo 351.º n.º 1 do Código de Trabalho). Com efeito, se outro ou outros trabalhadores cometeram a mesma infração, tendo a mesma ou similar posição hierárquica da Autora, e não foram sancionados com o despedimento então o comportamento em causa é compatível com a subsistência da relação. Importa, pois, averiguar se foi esse o caso – em caso afirmativo, a sanção do despedimento será ilícita. Destarte a decisão da matéria de facto deve ser ampliada (artigo 682.º n.º 3 do Código de Processo Civil)

Decisão: Remetam-se os autos ao Tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto.

Custas a decidir a final.

Lisboa, 29 de janeiro de 2025

Júlio Gomes (Relator)

José Eduardo Sapateiro

Mário Belo Morgado