Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25671/18.8T8LSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
COMPETÊNCIA MATERIAL
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 11/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : Num caso com o dos autos em que a fundamentação do acórdão recorrido revela que a decisão de improcedência do recurso de apelação teve como fundamento essencial o erro na forma do processo e a impossibilidade da sua correcção - sendo o juízo acerca do tribunal competente meramente consequencial em relação àquele fundamento - não está em causa uma verdadeira e própria questão de competência em razão da matéria pelo que não tem aplicação o fundamento especial de admissibilidade do recurso previsto no art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. Em 24 de Setembro de 2020 foi proferida, nos termos do art. 643.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, a seguinte decisão da relatora:

1. O recurso de revista interposto por AA, com fundamento em violação das regras de competência em razão da matéria não foi admitido por decisão de 21/02/2020 dos seguintes termos:

“A embargante executada, AA, notificada do acórdão que julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão da 1ª instância - que indeferiu os embargos à execução por considerar que esse meio processual não é adequado a impugnar o título de desocupação injuntório por o artº 15º-J nº 6 do NRAU não o permitir e, indeferiu a pretendida correcção do erro na forma de processo - veio interpor recurso de revista para o STJ, invocando os artºs 671º e 629º nº 2, al. a), dizendo que o recurso tem por fundamento a violação das regras de competência em razão da matéria.

Pois bem, o recurso não teve por objecto uma decisão de competência em razão da matéria.

Quando no acórdão se escreveu:

“Verificando-se uma inidoneidade absoluta da forma de processo, que não permita que o juiz possa remediar a situação processual e fazer seguir a forma adequada do processo, não pode corrigir-se esse erro de forma do processo.

É o que sucede no caso dos autos: não pode aproveitar-se como acção declarativa comum uma petição de embargos a uma execução.

Quando, ainda por cima, aquela acção teria de pender num juízo cível, local ou central e não perante um juízo de execução.

Note-se, ainda, que contrariamente ao que defende a apelante, a violação das regras da competência declarativa/executiva, isto é, a instauração de acção num juízo de execução quando para essa acção seja competente um juízo cível (local ou central), gera uma situação de incompetência absoluta porque consubstancia violação de regras de competência especializada em razão da matéria cível, como decorre dos artºs 40º nº 2 e 81º nº 1 e nº 3, als. a), b) e j) da Lei 62/2013 e do artº 96º nº 1, al. a) do CPC.”, não se decidiu qualquer questão de incompetência em razão da matéria, simplesmente, essa argumentação   constitui um obter dicta para reforçar a questão da impossibilidade de correcção do erro na forma de processo.

Por conseguinte, não se tratando de decisão que verse sobre incompetência em razão da matéria, não é aplicável ao caso o disposto no artº 629º nº 2, al. a). E, atendendo ao valor da causa e ainda à situação de dupla conforme, resta concluir que o recurso de revista não é admissível.

Em face do exposto, não se admite o recurso.” [negritos nossos]


2. Desta decisão reclamou a Recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do art. 643º do CPC, reclamação remetida a este Tribunal por despacho do relator do Tribunal da Relação datado de 08/09/2020.


3. Invoca a Recorrente, ora reclamante, o seguinte:

“1. Por despacho de fls de 21-02-2020, não foi admitido o recurso de revista para o STJ interposto pela ora reclamante do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ..... que  julgou improcedente o recurso de apelação e confirmou a decisão da 1ª Instância, que indeferiu os embargos à execução por considerar que esse meio processual não é adequado a impugnar o título de desocupação injuntório por o artº 15º-J nº 6 do NRAU não o permitir e, indeferiu a pretendida correcção do erro na forma de processo.

2. O despacho de não admissão do recurso considerou que o recurso não teve por objecto uma decisão de competência em razão da matéria, referindo que «Quando no acórdão se escreveu: “Verificando-se uma inidoneidade absoluta da forma de processo, que não permita que o juiz possa remediar a situação processual e fazer seguir a forma adequada do processo, não pode corrigir-se esse erro de forma do processo. É o que sucede no caso dos autos: não pode aproveitar-se como acção declarativa comum uma petição de embargos a uma execução. Quando, ainda por cima, aquela acção teria de pender num juízo cível, local ou central e não perante um juízo de execução. Note-se, ainda, que contrariamente ao que defende a apelante, a violação das regras da competência declarativa/executiva, isto é, a instauração de acção num juízo de execução quando para essa acção seja competente um juízo cível (local ou central), gera uma situação de incompetência absoluta porque consubstancia violação de regras de competência especializada em razão da matéria cível, como decorre dos artºs 40º nº 2 e 81º nº 1 e nº 3, als. a), b) e j) da Lei 62/2013 e do artº 96º nº 1, al. a) do CPC.”, não se decidiu qualquer questão de incompetência em razão da matéria, simplesmente, essa argumentação constitui um obter dicta para reforçar a questão da impossibilidade de correcção do erro na forma de processo. Por conseguinte, não se tratando de decisão que verse sobre incompetência em razão da matéria, não é aplicável ao caso o disposto no artº 629º nº 2, al. a). E, atendendo ao valor da causa e ainda à situação de dupla conforme, resta concluir que o recurso de revista não é admissível.»

3. Porém, salvo o devido respeito, não se afigura que a transcrita argumentação expendida no Acórdão da Relação de ...... , tenha a natureza de “obiter dictum”.

4. Pelo contrário, naquele douto acórdão, ao afirmar-se que “não pode aproveitar-se como acção declarativa comum uma petição de embargos a uma execução. Quando, ainda por cima, aquela acção teria de pender num juízo cível, local ou central e não perante um juízo de execução. “sublinhando-se até esta última frase para lhe dar maior importância, o acórdão recorrido evidência o carácter essencial da incompetência material para a decisão.

5. Levando a concluir que a impossibilidade de correcção do erro na forma do processo resulta da incompetência em razão da matéria.

6. E assumindo a incompetência material a verdadeira “ratio decidendi” do acórdão recorrido.

7. De resto, o douto acórdão recorrido decidiu claramente sobre a questão da incompetência em causa, pois que ali exarou tratar-se de uma situação de incompetência absoluta, afirmando “Note-se, ainda, que contrariamente ao que defende a apelante, a violação das regras da competência declarativa/executiva, isto é, a instauração de acção num juízo de execução quando para essa acção seja competente um juízo cível (local ou central), gera uma situação de incompetência absoluta porque consubstancia violação de regras de competência especializada em razão da matéria cível, como decorre dos artºs 40º n° 2 e 815 nº 1 e nº. 3, als. a), b) e j) da Lei 62/2013 e do artº 96º nº 1, al. a) do CPC.”

8. Nesta conformidade, dúvidas não restam de que se tratou de decisão sobre incompetência em razão da matéria , assim sendo aplicável o disposto no artigo 629 nº 2 a) do CPC, e consequentemente não pode o Tribunal recorrido deixar de admitir o recurso em questão com fundamento no disposto na referida norma legal.”

Cumpre apreciar e decidir.


4. Consideremos a fundamentação do acórdão recorrido na parte relevante para a decisão da presente reclamação:

“ii)- Correcção do erro na forma de processo.

A apelante defende que se impõe a revogação da decisão de indeferimento liminar dos embargos à execução porque a interpretação do art° 15°-J n° 6 do NRAU, no sentido de não ser admissível oposição à execução, viola os art° 729°, als. a), d) e g) e art° 731º do CPC e os art°s 20° e 189° da CRP.

Isto porque, segundo alega, arguiu a nulidade da citação para o PED (foi enviada para morada que não a sua) e, por consequência, a inexistência de título executivo. Mais alegou que as peticionadas rendas em dívida se mostram pagas através de consignação em depósito.

Além disso, diz que o mencionado erro na forma do processo deveria ter sido corrigido.

Será assim?

Vejamos.

Para solucionar as questões colocadas, importa revisitar, sinteticamente, o Regime do Procedimento Especial de Despejo criado pela Reforma de 2012 do NRAU operada pela Lei 31/2012, de 14/08 (seguiremos de perto a lição de Rui Pinto, Notas sobre a execução do despejo após a Lei 31/2012, in Temas de Direito do Arrendamento, AAVV, Cadernos O Direito, n° 7 de 2013, Almedina, Coord. de Menezes Cordeiro e Januário Gomes, pág. 123 e segs).

Pois bem, com a do Procedimento Especial de Despejo (PED) passaram a ser duas as fontes de títulos executivos: (i) a acção de despejo; (ii) e o procedimento especial de despejo (PED).

Interessa-nos esta forma de obtenção de título executivo, o PED.

O PED constitui um meio de tutela especial e sincrético, com carácter misto, declarativo c executivo, previsto nos art°s 15° a 15°-S do NRAU (diploma a que nos referiremos sem indicação de fonte diversa).

É definido, no art° 15º n° 1 do NRAU, como o meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista pela lei ou fixada pelas partes.

A execução da pretensão de despejo faz-se após a conversão do requerimento de despejo em título de desocupação do locado, nos termos dos art°s 15°-I n° 10 e 15°-J n° 1.

Além da pretensão de despejo, o art° 15° n° 5 e o artº 15°-B n° 2 permitem que o pagamento das rendas, encargos e despesas da responsabilidade do arrendatário, possa ser deduzido cumulativamente com o pedido de despejo no âmbito do PED, desde que tenha sido comunicado ao arrendatário o montante em dívida. Ou seja, daqui decorre que não existe PED apenas para se pedir o pagamento de rendas, encargos ou despesas.

Em termos de competência, o regime reparte competências no PED entre o Balcão Nacional de Arrendamento (BNA), o executor e o juiz.

A secretaria judicial do BNA.

Tem competência exclusiva para a tramitação do PED em todo o território nacional, competindo-lhe o recebimento do requerimento de despejo, notificações e gestão dos processos, designação do executor.

Por sua vez, o executor.

Tem competência executiva dos actos de desocupação do locado e, sendo cumulativamente pedido o pagamento de rendas e encargos e consequente execução, compete-lhe igualmente a execução do pagamento das rendas (art° 15-B, lis. j) e k)).

Quanto ao juiz.

Os autos podem ser apresentados à distribuição a um juiz sempre que se suscite questão sujeita a decisão judicial (art° 15°-H n° 4 e art° 11° n° 4 da Portaria 9/2013, de 10/01), sendo para o efeito competente o tribunal da situação do locado (art°s 15°-S n° 7 e 15°-PP n° 2).

Em termos de fases processuais.

O PED tem uma fase injuntória que se inicia com a apresentação do requerimento de despejo (art° 15°-B) e termina com a entrega voluntária do locado ou com a constituição de título de desocupação (art°15°-E).

A fase contenciosa inicia-se com a apresentação da oposição ao despejo (art° 15°-F) e termina com o trânsito em julgado da sentença.

A fase executiva destina-se a efectivar a entrega do locado (e eventualmente o pagamento coercivo de rendas) e baseia-se em título executivo formado no próprio PED, injuntório ou judicial, consoante a fase em que foi formado. E compreende os actos de desocupação do locado e o pagamento das rendas (art° 15º-J) e admite diversos modos de direito de defesa pelo inquilino e por terceiros, como a suspensão da desocupação do locado (art° 15°-M) deferimento da desocupação (artº 15°-N e 15°-Q) e ainda a impugnação do título de desocupação do locado (art° 15°-P). meio de defesa que apreciaremos adiante.

Quanto à notificação do inquilino.

Recebido o requerimento de despejo pelo BNA, é expedida notificação para o requerido para o local indicado no requerimento de despejo, por carta registada por aviso de recepção, considerando-se realizada na pessoa do notificando no dia em que o aviso de recepção for assinado (art° 230° n° 1 do CPC). Se não tinha sido convencionado o domicílio, aplica-se o disposto no art° 228° do CPC; se foi convencionado o domicílio, aplicam-se os art°s 229° n°s 3 a 5 e 230° n° 2 do CPC.

O requerido pode deduzir oposição ao pedido de desocupação e de pagamento de rendas em 15 dias (art° 15°-F), iniciando-se assim a fase contenciosa. E tem o ónus de deduzir toda a defesa nesta fase processual. Depois da fase normal da oposição apenas podem ser deduzidos os meios de defesa previstos no art° 15°-P.

No exercício do direito de defesa mediante apresentação de oposição nos termos do art° 15°-F, é admissível a invocação de quaisquer fundamentos invocáveis no processo de declaração, seja por excepção seja por impugnação (e fazer valer o direito a benfeitorias, em reconvenção).

Voltando ao artº 15°-P.

Ao abrigo deste preceito, o inquilino só pode opor-se à execução mediante impugnação do titulo para desocupação com fundamento em nulidade do documento que serviu de base ao PED, ou seja, violação do disposto nos art°s 9° e 10° (do NRAU) relativos ao regime de comunicações, ou invocando a falta ou a nulidade da notificação, isto é, a violação do disposto no art° 15°-D relativo à notificação ao inquilino.

Este meio de impugnação do título de despejo (e de pagamento das rendas e despesas) apenas é aplicável ao título injuntório: constituído exclusivamente pelo BNA nos termos do art° 15°-E.

Ora bem, a impugnação do título de desocupação injuntório prevista no art° 15°-P deve ser deduzida no prazo de 10 dias a contar da deslocação do executor ao imóvel para a sua desocupação, ou a contar do momento em que o arrendatário teve conhecimento de ter sido efectuada a desocupação e deve ser dirigido ao juiz do tribunal judicial da situação do locado, acompanhado de cópia do título de desocupação do locado e dos respectivos meios de prova (artº15°-P n°s 2 e 3º al. a).

Essa impugnação segue, com as devidas adaptações, a tramitação do recurso de apelação do processo declarativo (art0 15°-P, n° 3, al. c)) e a sua forma de apresentação será a de processo comum (cf. Rui Pinto, Notas sobre a execução do despejo..., cit, pág. 161). Esta equiparação da impugnação posterior a um recurso de apelação tem a ver com a natureza desta impugnação que constitui um meio de anulação de um acto processual final, o título executivo de despejo produzido pelo BNA.

Quanto à competência para a tramitação desta impugnação tardia do título de despejo (e de pagamento de rendas) é do tribunal judicial do local da situação do locado (art0 15°-P n°2) com competência declarativa, visto tratar-se de processo comum de declaração, por encerrar um meio de anulação de um acto processual final que é o título executivo de despejo produzido pelo BNA.

Por conseguinte, não pode este meio de impugnação ser deduzido através de embargos à execução, até porque o art° 15°-J n° 6 não os permite. Antes terá de ser instaurado junto do tribunal cível central ou local, consoante o valor da acção.

Daqui decorre que não há fundamento para considerar o art° 15°-J do NRAU contrário ao princípio constitucional do direito ao contraditório previsto no art° 20° da CRP, dado que o inquilino tem ao seu alcance meios que lhe permitiriam impugnar o título de desocupação e pagamento de rendas.


Finalmente, quanto à pretendida correcção do erro na forma de processo.

Não há fundamento para tanto.

Na verdade como é sabido, o uso de uma forma processual inadequada a fazer valer uma determinada pretensão consubstancia uma situação de erro na forma de processo, vício que implica a anulação dos actos processuais que não possam ser aproveitados (art° 193° n° 1 do CPC).

Porém, para que possam aproveitar-se alguns actos ou todos, mandando-se seguir a forma processual adequada, é necessário que esses actos processuais tenham alguma idoneidade/aptidão para permitir que se aproximem da forma processual adequado à apreciação da pretensão deduzida e que não impliquem uma diminuição dos meios de defesa da parte contrária. Verificando-se uma inidoneidade absoluta da forma de processo, que não permita que o juiz possa remediar a situação processual e fazer seguir a forma adequada do processo, não pode corrigir-se esse erro de forma do processo.

É o que sucede no caso dos autos: não pode aproveitar-se como acção declarativa comum uma petição de embargos a uma execução.

Quando, ainda por cima, aquela acção teria de pender num juízo cível, local ou central e não perante um juízo de execução.

Note-se, ainda, que contrariamente ao que defende a apelante, a violação das regras da competência declarativa/executiva, isto é, a instauração de acção num juízo de execução quando para essa acção seja competente um juízo cível (local ou central), gera uma situação de incompetência absoluta porque consubstancia violação de regras de competência especializada em razão da matéria cível, como decorre dos art°s 40° n° 2 e 81° n° 1 e n° 3. als, al. b) e j) da Lei 62/2013 e do art° 96° n° 1. al. a) do CPC.


Em suma: o recurso improcede.” [negritos nossos]


 Do teor da fundamentação transcrita resulta claramente que – contrariamente ao alegado pela Recorrente/reclamante – a decisão de improcedência do recurso de apelação teve por base o erro na forma do processo e a impossibilidade da sua correcção. O juízo acerca do tribunal competente para apreciar a acção (que tivesse seguido a forma de processo correcta) é meramente consequencial em relação àquele fundamento.  

A questão de saber se, num caso como o dos autos, estamos ou não perante uma decisão sobre a competência em razão da matéria foi, aliás, recentemente apreciada no acórdão deste Supremo Tribunal de 30/06/2020 (proc. nº 3460/18.0T8LRA.C1.S1), relatado pela presente relatora e consultável em jurisprudencia.csm.org.pt, nos seguintes termos:

“(…) no caso dos autos não está em causa uma verdadeira decisão de competência em razão da matéria.

Com efeito, constata-se que, tendo a R. invocado as excepções de erro na forma do processo e de incompetência do tribunal, a decisão de procedência (na 1ª instância) e de improcedência (na Relação) da excepção de incompetência foi apenas consequencial da antecedente decisão de procedência (na 1ª instância) e de improcedência (na Relação) da excepção de erro na forma do processo.

Deste modo, tendo o acórdão recorrido decidido não se verificar erro na forma de processo, e estando esta decisão estabilizada – uma vez que não se insere em qualquer das hipóteses do nº 2 do art. 629º do CPC – a competência do tribunal cível é meramente uma consequência, ainda que necessária, de tal decisão.

Por outras palavras: se, de acordo com a jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, a admissibilidade do recurso de revista com qualquer dos fundamentos previstos nas alíneas do nº 2 do art. 629º do CPC se circunscreve à apreciação do fundamento invocado, não podendo ser apreciadas outras questões decididas pelas instâncias, no presente recurso a decisão relativa à forma do processo não pode ser objecto de reapreacição. Assim sendo, a competência do tribunal cível decorre necessariamente de tal decisão sobre a forma processual.

Assim, concluindo-se que, em rigor, não está em causa qualquer questão de competência em razão da matéria, não tem aplicação a previsão do art. 629º, nº 2, alínea a) do CPC.”


Estas considerações - que se afiguram inteiramente válidas para o caso dos autos - levam a concluir que, também aqui, não estando em causa uma verdadeira e própria questão de competência em razão da matéria, não tem aplicação a previsão do art. 629º, nº 2, alínea a) do CPC.


5. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não admissão do recurso.


Custas pela Recorrente/reclamante”.


2. Desta decisão vem a Recorrente impugnar para a conferência, ao abrigo do art. 652.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 643.º, n.º 4 do mesmo Código, alegando nos termos seguintes:

“1. A Recorrente pretende que a decisão da Exmª Senhora Conselheira Relatora que indeferiu a reclamação, seja submetida à Conferência, para que sobre tal decisão recaia um Acórdão .

2. A Decisão ora reclamada entendeu que a Decisão recorrida (do Tribunal da Relação de ..... ) não teve por objecto a competência material do tribunal.

3. No recurso para o Tribunal da Relação de ..... o que a ora Recorrente sustentou foi que o erro na forma de processo cometido pela executada ao deduzir embargos de executado (em vez duma acção de impugnação da existência do contrato de arrendamento) podia e devia ter sido corrigido pelo tribunal da execução, ordenando que o processo passasse a seguir os trâmites da tal impugnação do título executivo formado no BNA. E o facto de o tribunal da execução não ter competência para apreciar essa acção de impugnação do título executivo não era óbice à correcção do erro na forma de processo, porque, uma vez corrigido esse erro, os autos sempre poderiam ser remetidos ao tribunal competente para conhecer da tal impugnação do título executivo formado no BNA.

4. Ora, o tribunal a quo entendeu que não, porque se trataria duma hipótese de incompetência relativa (e não de incompetência absoluta).

5. Portanto, em última instância, o Tribunal da Relação de ..... - ao julgar o recurso de Apelação - teve de apreciar essa questão - a de saber se era um caso de incompetência absoluta ou de incompetência absoluta.

6. Salvo o devido respeito, a esta luz, não constitui um argumento lógico ou verdadeiro , afirmar-se que nunca esteve em causa a incompetência absoluta do tribunal: foi precisamente por ter qualificado o caso como incompetência relativa (e não como incompetência absoluta) é que o Venerando Tribunal da Relação de ... concluiu que a ter havido erro na forma de processo, o processo utilizado era inaproveitável para ser mandado seguir no tribunal materialmente competente para apreciar a validade substancial do título executivo formado no BNA.

7. De modo que, ao menos indirectamente, o Tribunal a quo acabou por se pronunciar sobre uma questão de competência, porque a resolução da questão de saber se o erro na forma de processo era (ou não) passível de ser corrigido passava pela resolução duma questão de competência, assim havendo lugar à aplicação da previsão do artigo 629º nº 2 alínea a) do CPC.”

Não houve resposta

Cumpre decidir.


3. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, entende este colectivo que a fundamentação do acórdão recorrido revela que a decisão de improcedência do recurso de apelação teve como fundamento essencial o erro na forma do processo e a impossibilidade da sua correcção. Nele se afirma, a concluir, o seguinte:

“É o que sucede no caso dos autos: não pode aproveitar-se como acção declarativa comum uma petição de embargos a uma execução.

Quando, ainda por cima, aquela acção teria de pender num juízo cível, local ou central e não perante um juízo de execução.

Note-se, ainda, que contrariamente ao que defende a apelante, a violação das regras da competência declarativa/executiva, isto é, a instauração de acção num juízo de execução quando para essa acção seja competente um juízo cível (local ou central), gera uma situação de incompetência absoluta porque consubstancia violação de regras de competência especializada em razão da matéria cível, como decorre dos art°s 40° n° 2 e 81° n° 1 e n° 3. als, al. b) e j) da Lei 62/2013 e do art° 96° n° 1. al. a) do CPC.”

Constata-se que a referência à questão da competência material constitui apenas um fundamento complementar em relação ao fundamento principal e determinante. Pelo que, reitera-se, não estando em causa uma verdadeira e própria questão de competência em razão da matéria, não tem aplicação a previsão do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC.


4. Pelo exposto, indefere-se a reclamação.


Custas pela Recorrente/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.


Lisboa, 26 de Novembro de 2020


Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo. 


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Catarina Serra