Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1499/21.7T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 1,ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CADUCIDADE DA AÇÃO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
DEFEITOS
DENÚNCIA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
AÇÃO DE ANULAÇÃO
ANALOGIA
VENDEDOR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
REPARAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
SUSPENSÃO DE PRAZO
COVID-19
CONTAGEM DE PRAZOS
Data do Acordão: 07/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - É entendimento geral que o prazo de caducidade de seis meses, previsto no art. 917.º do CC, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, para além da ação de anulação, também às ações que visem obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual.

II - O impedimento da caducidade da denúncia do defeito só ocorrerá se intentada a respetiva ação ou, mediante o reconhecimento do direito do comprador por parte do vendedor como vem sendo considerado admissível, nos termos gerais do art. 331.º, n.º 2, do CC.

III - Para que os réus vendedores possam ser responsabilizados pelo cumprimento defeituoso e seja reconhecido o direito aos compradores à eliminação dos defeitos é indispensável que estes tempestivamente procedam à sua denúncia, nos termos do art. 916.º do CC e, não sendo na sequência dela eliminados, interponham a correspondente ação no prazo fixado no art. 917.º do mesmo código.

IV - Os prazos processuais onde se inclui o prazo de caducidade do direito de ação, por força das denominadas leis da pandemia e suprarreferidas, estiveram suspensos de 22-01-2021 até 06-04-2021. O que significa que os prazos processuais estiveram “parados”, sofreram uma pausa na sua contagem, retomando-a no primeiro dia útil subsequente ao fim da suspensão.

IV - Tendo a denúncia a que se reporta o art. 916.º do CC ocorrido em 28-01-2021, quando o prazo de caducidade já se encontrava suspenso e já não se iniciou no dia seguinte (nem contava face à suspensão iniciada em 22-01-2021), só começou a contar em 07-04-2021 (quarta-feira), dia útil seguinte à cessação da suspensão do prazo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

AA e BB intentaram ação contra CC e DD, pedindo a sua condenação a:

a) a procederem à realização das obras necessárias à remoção dos defeitos existentes na moradia dos autores e necessárias à reparação dos danos resultantes da infiltração de águas, designadamente, do pavimento exterior da moradia, dos tetos das casas de banho, das chaminés, do chão interior (soalho flutuante) do piso inferior (cave), das paredes e rodapés do interior do piso inferior (cave);

b) a pagarem aos autores a quantia de €3.700,00 correspondente aos custos das obras urgentes, já realizadas e custeadas pelos autores;

c) a pagarem aos autores a quantia de € 8.577,44, correspondente aos danos patrimoniais sofridos pelos autores, em mobiliário, equipamentos eletrodomésticos, resultantes dos defeitos existentes na moradia, que deram origem à infiltração de água, em consequência de omissão de comunicação da existência dos mesmos pelos réus, em momento anterior à venda;

d) a pagarem aos autores a quantia corresponde a €45,00 por cada dia que estes ficaram privados do gozo da totalidade do prédio urbano que adquiriram aos réus, desde 28 de janeiro de 2021 até ao final das obras peticionadas em a);

e) a pagarem aos autores a quantia de € 3.000,00, correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelos autores em consequência da conduta dos réus;

f) ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de €100,00 por cada dia de atraso na realização das obras prevista no ponto a).

Fundamentaram tais pedidos alegando terem comprado aos Réus o prédio urbano em questão, para sua habitação, nele tendo depois efetuado obras de remodelação e melhoramentos; sucede que logo no ano seguinte se verificaram graves infiltrações, tendo então vindo a saber que esse problema já era comum enquanto os Réus foram proprietários; na verdade, os danos existentes na moradia, que deram origem às infiltrações de água, são defeitos no isolamento da fachada, na canalização existente no solo e nas caixas de escoamento de águas pluviais, bem como nas chaminés, defeitos que eram do conhecimento dos Réus, e não lhes foram comunicados. Interpelados para a realização da remoção dos defeitos, os Réus declinaram.

Em contestação, os Réus impugnaram a factualidade alegada e excecionaram com a caducidade da ação.

Foi proferido despacho saneador, relegando para final o conhecimento da exceção de caducidade, fixado o objeto do litígio e os temas de prova, sem reclamações.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou os Réus:

Na realização das obras necessárias à reparação do piso exterior;

No pagamento da quantia de 3.700,00 €, correspondente ao custo das obras urgentes já realizadas e custeadas pelos Autores.

No pagamento da quantia de 7.388,45 € correspondente aos danos patrimoniais sofridos pelos Autores, em mobiliário, equipamentos e eletrodomésticos, resultante dos defeitos existentes na moradia, que deram origem à infiltração de água, em consequência da omissão de comunicação da sua existência em momento anterior à venda;

No pagamento da quantia de 3.000,00 €, correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores;

Absolver os Réus do demais peticionado.

Inconformados apresentaram os réus recurso de apelação, sendo decididas as questões suscitadas:

- Se operou a caducidade do direito de ação

- Se é de rejeitar o recurso da matéria de facto

- Em caso negativo, proceder à respetiva reapreciação

- Em conformidade com o decidido, verificar se existiu erro de julgamento na subsunção dos factos ao direito.

Decidindo o Tribunal da Relação, após deliberação: “Pelo que fica exposto, no provimento do recurso, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, julgar procedente a exceção de caducidade do direito dos Autores e absolver os Réus dos pedidos contra eles formulados.

Custas do recurso a cargo dos Autores, pelo decaimento”.


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Inconformados, agora, com o decidido pela Relação interpuseram os autores recurso de Revista e concluem as alegações que apresentam:

1- Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo decidiu contra a sua própria Jurisprudência e sem ter em conta toda a factualidade provada nos presentes autos.

2- Conforme resulta do ponto 10 dos factos provados, os autores denunciaram aos réus a existência de defeitos na moradia que lhes tinham adquirido, em 28 de Janeiro de 2021.

3- Ficou assente no ponto 24 dos factos provados que os autores, compradores, exigiram aos réus, vendedores, por carta registada com aviso de recepção, a reparação dos danos, em 26 de Abril de 2021, exigindo, assim, extrajudicialmente, a reparação dos danos aos réus cerca de três meses após terem denunciado os defeitos.

4- Conforme entendeu o próprio Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 11/06/2012,no processo nº 2071/11.5..., os direito à reparação dos danos pode ser exercido extrajudicialmente, impedindo-se a sua caducidade.

5- Ainda de acordo com o mesmo Acórdão, impedida a caducidade do direito pela via extrajudicial, ao prazo para propositura da respectiva acção judicial aplicam-se as regras da caducidade.

6- In casu, o direito à reparação dos defeitos foi exercido pelos autores, extrajudicialmente, antes de completado o prazo de caducidade de seis meses, em 26 de Abril de 2021.

7- Tendo a acção tendente à condenação dos réus na reparação dos danos, que voluntariamente não repararam, sido proposta a 25 de Outubro de 2021, também ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição do direito dos autores.

8- Mesmo que assim não se entenda, por mera hipótese de raciocínio, o pedido formulado pelos autores nos presentes autos, não se limitou à reparação dos defeitos existentes no imóvel vencido pelos réus.

9- Os autores peticionaram o ressarcimento de danos patrimoniais e não-patrimoniais, por parte dos réus, consequência dos defeitos na coisa adquirida e independentes da reparação dos mesmos.

10- Quantias essas a que os réus foram condenados a pagar, em primeira instância.

11- Mesmo que se verificasse a caducidade do direito dos autores à reparação dos defeitos na coisa defeituosa, teria que ser apreciado o pedido de responsabilidade civil dos réus e o respectivo direito dos autores ao ressarcimento dos danos que lhe foram infligidos.

12- O Acórdão de que se recorre não se pronunciou sobre essa matéria, que constituia o objecto do recurso dos réus, limitando-se a decidir acerca da caducidade do direito de reparação dos defeitos, absolvendo os réus de todos os pedidos contra eles formulados, mesmo daqueles que são independentes da reparação dos defeitos.

13- Verifica-se a nulidade da decisão sob recurso, por omissão de pronúncia, nulidade que expressamente se invoca, com os devidos efeitos legais.

14- Não se concorda com a interpretação do Tribunal a quo acerca da aplicação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro; da Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de Março; e da Lei nº 13-B/2021, de 05 de Abril.

15- O Acórdão deste Colendo Tribunal que sustentou a posição do Tribunal a quo, teve por base um acto praticado após a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.

16- In casu, a denúncia dos defeitos foi efectuada a 28 de Janeiro de 2021, antes da entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.

17- In casu, o prazo de caducidade iniciou-se, efectivamente, a 28 de Janeiro de 2021, tendo sido suspenso pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que retroagiu os seus efeitos a 22 de Janeiro de 2021.

18- A situação factual objecto dos presentes autos é diferente da situação factual sobre que versou o Acórdão invocado pelo Tribunal da Relação do Porto, que serviu de base de fundamentação da decisão sob recurso, exarado por este Colendo Supremo Tribunal.

19- Daí que se entenda que é de aplicar ao caso concreto dos presentes autos, a norma constante do artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 05 de Abril, por estar dentro da ratio legis da respectiva norma.

20- Deste modo, tendo a acção sido proposta a 25 de Outubro de 2021, também não se verifica a caducidade do direito dos autores à reparação dos defeitos na coisa vendida.

21- Foram violadas as normas constantes dos artigos 914º, 916º, 917º e 331º nº 1 do CC, do artigo 608º nº 2, 615º nº 1 alínea d) do CPC, bem como o disposto no artigo 5º da Lei nº 13-B/2021, de 05 de Abril.

NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO”.

Respondem os réus pugnando pelo não provimento do recurso e entendendo que deve ser mantido o acórdão recorrido nos seus precisos termos.


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O recurso foi admitido.

Cumpre apreciar e decidir.


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Mostram-se apurados nos autos os seguintes factos:

“Factos provados

1. Os Autores compraram aos Réus, em 15 de Outubro de 2020, a moradia sita na Rua ..., na ..., registada na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...53, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 9534, da União das Freguesias de ... e ....

2. Os Autores adquiriram a referida moradia para sua habitação própria e permanente, para lá residirem ambos e os filhos respetivos de cada um dos Autores.

3. Os Autores adquiram a propriedade da referida moradia, usada, em bom estado de conservação, com exceção do portão de acesso à garagem.

4. Os Autores efetuaram obras de remodelação e melhoramento da moradia, designadamente, procederam à colocação de chãos, paredes, tetos novos e casa de banho nova, no piso inferior (cave), com o intuito de lá instalar os aposentos privativos dos filhos do Autor.

5. Os Autores gastaram a quantia de 2.209,45 € em mobiliário para o quarto dos filhos do Autor.

6. Por volta do final do mês de Janeiro de 2021, em dia que os Autores não conseguem precisar, numa altura de grande pluviosidade, após chuvas intensas, os Autores detetaram diversas infiltrações de água dentro da moradia.

7. A água infiltrou-se nos tetos das casas de banho, pela zona das chaminés.

8. A água infiltrou-se no piso inferior, na cave, pelas paredes.

9. O piso inferior da moradia dos Autores ficou inundado com água pela altura de 20 cm acima do piso.

10. Por e-mail de 28 de Janeiro de 2021, os Autores comunicaram a existência dos defeitos existentes na moradia e das consequentes infiltrações de água aos Réus.

11. Os Réus responderam aos Autores no dia seguinte, alegando que não os enganaram e que inexistem defeitos na moradia.

12. Tendo obtido a resposta, nos termos do documento junto a fls. 67, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

14. Confrontados com as infiltrações, os Autores recorreram aos serviços de empresa especializada em engenharia e construção civil, com o intuito de detetar a origem das infiltrações e obter solução para a reparação das mesmas.

15. Foi efetuada perícia técnica de engenharia civil à moradia dos Autores, no dia 7 de Fevereiro de 2021, tendo-se obtido as seguintes conclusões:

- Que a inundação não se deveu a pluviosidade excecional, nem a falha das bombas de drenagem de água existentes na moradia;

- Que existiam danos profundos na caixa de escoamento de águas pluviais, permitindo a infiltração de água no interior da moradia dos autores.

16. Os danos existentes na moradia dos Autores, que deram origem às infiltrações de água, são defeitos no isolamento da fachada, na canalização existente no solo e nas caixas de escoamento de águas pluviais, bem como nas chaminés.

17. Sempre que chovesse abundantemente, a cave da moradia teria infiltrações de água pluvial, dado o grau de deterioração dos isolamentos de fachada, pavimento e caixas de escoamento, bem como das chaminés, no telhado.

18. Os defeitos e os danos agravar-se-iam ainda mais se não fosse realizada uma intervenção imediata, procedendo-se às reparações necessárias aos defeitos que estavam a permitir a infiltração de água na cave.

19. Em momento anterior à venda do prédio aos Autores a moradia teve outras inundações.

20. No momento da compra da moradia aos Réus os Autores não tinham conhecimento dos defeitos existentes na moradia, que deram origem às infiltrações e consequentes danos.

21. Perante a inação dos Réus, os Autores foram confrontados com a necessidade de proceder à reparação imediata de alguns dos defeitos existentes na moradia, de forma a impedir que a água pluvial se continuasse a infiltrar no interior da moradia, agravando ainda mais os danos.

22. A expensas dos Autores, foram realizadas obras de pichelaria e alvenaria, consistentes na substituição e reparação de canalizações e caixas de escoamento de águas pluviais, bem como a impermeabilização da fachada e solos, no valor total de 3.710,00 €.

23. É necessária, ainda, a realização de obras para reparação e substituição do chão exterior.

24. Por carta registada, com aviso de receção, datada de 26 de Abril de 2021 os Autores interpelaram os Réus, no sentido de que estes procedessem à realização das obras necessárias à reparação dos defeitos, bem como ao seu ressarcimento, na quantia paga pelas obras urgentes cuja realização e custo estes suportaram, na quantia correspondente aos danos em mobiliário, equipamentos e eletrodomésticos que foram destruídos com a infiltração de água.

25. Os Réus responderam alegando que as infiltrações se deveram à falta de manutenção dos equipamentos de drenagem, pelos Autores.

26. A inundação da cave provocou danos em equipamentos, eletrodomésticos e mobiliário existentes no piso inferior da moradia, a saber:

- Aquecedores elétricos HJM: 1.679,00 €;

- Televisor Sony 65”: 3.500,00 €;

- Mobiliário IKEA, quarto 1 da cave: 1.163,49 €;

- Mobiliário IKEA, quarto 2 da cave: 1.045,96 €.

27. O piso inferior da moradia encontra-se com humidade e marcas de infiltração nas paredes.

28. No exterior, o jardim e quintal do prédio tem buracos abertos, encontra-se em terra batida e sem acabamento o que impede a sua fruição.

29. Os Autores, durante e após a inundação da moradia, viveram momentos de sofrimento.

30. Os Autores tiveram de reorganizar a sua família, tendo os filhos do Autor ficado com os seus quartos inundados.

31. Os Autores perderam várias horas do seu tempo de trabalho e de descanso a procurar drenar toda a água existente no piso inferior da moradia, em pleno inverno, com temperaturas baixas.

32. Em consequência, a Autora BB contraiu doença que a impossibilitou de trabalhar durante 10 dias.

33. A acrescer que os Autores viram os seus pertences ser destruídos pela inundação.

34. Os Autores viram o piso inferior da sua casa de morada de família, que tinha sido completamente remodelado meses antes, ficar destruído pela inundação.

35. Os Autores, fruto da inundação, tiveram de retirar os filhos do Autor dos seus quartos, colocando-os a pernoitar noutras divisões.

36. Os Réus adquiriram o imóvel objeto dos presentes autos no ano de 2010.

37. No decurso de utilização do imóvel pelos Réus, num momento de grande pluviosidade, veio a ocorrer uma inundação na zona da garagem da referida moradia.

38. Esta situação veio a ser comunicada ao promotor imobiliário que procedeu à remoção parcial do piso da garagem, colocou tubos de drenagem das águas do piso a escoar para o poço das águas pluviais e reforçou o sistema de bombagem para o sistema público das águas pluviais.

39. Em 5 de Agosto de 2020, os Autores celebraram com os Réus um contrato promessa de compra e venda, sob o qual os Réus prometiam vender aos Autores, que por sua vez prometiam comprar, o imóvel objeto dos autos, livre de quaisquer ónus, encargos, pessoas e bens, pelo preço de 260.000,00 €.

40. À data, os Réus tiveram a cautela de transmitir aos Autores que existiam poços, ao nível da cave da moradia, nos quais se encontravam instaladas bombas de extração de água para manter os níveis freáticos da água sempre inferiores à quota da cave.

41. Alertando, inclusive, da absoluta essencialidade de manter as bombas de extração de água em bom funcionamento por forma a evitar alagamentos na zona da garagem (que se encontra a uma cota inferior às águas pluviais públicas e a sua extração encontra-se preconizada através do sistema de bombagem).

42. Os Réus providenciaram no sentido de os Autores averiguarem pelo estado de conservação do imóvel, tendo estes declarado, no referido contrato, que conheciam o estado físico e jurídico em que o imóvel se encontrava e que aceitavam comprar nesse mesmo estado.

43. Por solicitação dos Autores, os Réus, em 21 de Agosto de 2020, com efeito a 24 de Agosto de 2020, autorizaram os Autores a realizar no imóvel “pinturas interiores, exteriores, eventuais arranjos no chão, entre outros” passando a ter a posse do imóvel.

44. Os Autores, por seu turno, declararam prescindir de todo o direito a exigir qualquer indemnização ou retenção das benfeitorias que efetuassem no imóvel.

45. À data da inundação pelo menos uma bomba encontrava-se avariada.

46. No e-mail de 29.01.2021 os Autores alegaram que “as infiltrações não são nas paredes vêm do chão”.

Factos não provados:

1. Os defeitos no isolamento da fachada, na canalização existente no solo e nas caixas de escoamento de águas pluviais, bem como nas chaminés eram do conhecimento dos réus que, deliberadamente, os ocultaram aos Autores.

2. É necessária, ainda, a realização de obras para reparação e substituição de:

- Tetos;

- Chaminés;

- Chão interior (soalho flutuante) do piso inferior (cave);

- Paredes e rodapés do interior do piso inferior (cave).

3. A inundação da cave provocou danos em equipamentos, eletrodomésticos e mobiliário existentes no piso inferior da moradia, a saber:

- Ferro de Caldeira Bosch: 239,99 €;

- Sofá: 949,00 €.

4. O piso inferior da moradia encontra-se com o chão de madeira levantado de que resulta a impossibilidade do seu uso.

5. O referido imóvel encontrava-se em conformidade com o projeto aprovado pela Câmara Municipal e de acordo com as normas construtivas em vigor.

6. Desde a referida intervenção, até ao momento em que venderam o imóvel, nunca mais os Réus tiveram qualquer problema similar ao inicialmente ocorrido uma vez que sempre diligenciaram por manter as bombas de extração de água em perfeito estado de funcionamento.

7. Durante os anos de 2017 a 2020 o imóvel esteve por alguns períodos arrendado e nunca o inquilino denunciou qualquer problema com o imóvel, tendo usufruído e conservado o mesmo na sua plenitude.

8. A inundação da cave deveu-se ao facto de as bombas dos poços encontrarem-se desativadas, por falta de eletricidade ou avaria.

9. Num dia de pluviosidade acentuada um dos equipamentos não é bastante para a extração de água.

10. A zona da cave encontra-se licenciada para garagem e zona de arrumos não sendo previsível a sua afetação a outras finalidades nomeadamente instalação de um quarto ou sala de estar”.


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Conhecendo:

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação – artigo 635º e 639º, do Código de Processo Civil – as questões a decidir respeitam:

- Se ocorreu, ou não, o prazo legal de interposição da ação para eliminação de defeitos em bem imóvel adquirido, previsto no art. 917º, do Cód. Civil.

- Saber se esse prazo interfere com o alegado direito dos autores a serem ressarcidos por danos patrimoniais e não patrimoniais que os defeitos na obra lhes provocaram.

- Interpretação das leis de suspensão de prazos que vigoraram no período de pandemia, nomeadamente a L. nº 1-A/2020 de 19 de março, a L. nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro e a L. nº 13-B/2021 de 5 de abril.


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- Prazo de interposição da ação para eliminação de defeitos em bem imóvel adquirido:

Como preceitua o art. 917º, do Cód. Civil, “a ação de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no nº 2 do art. 287º”.

É entendimento geral que este prazo de caducidade de seis meses deve aplicar-se, por interpretação extensiva, para além da ação de anulação, também às ações que visem obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual.

“É consensual que este prazo é também o prazo a que estão subordinadas as acções para a realização dos direitos que assistem ao comprador em caso de erro, quais sejam o direito à redução do preço, o direito à reparação ou à substituição da coisa, ou mesmo o direito à indemnização”, como refere o Ac. deste STJ de 05-05-2022, proferido no Proc. nº1608/20.3T8AMT-A.P1.S1.

No caso temos que foi feita a denúncia, “10. Por e-mail de 28 de Janeiro de 2021, os Autores comunicaram a existência dos defeitos existentes na moradia e das consequentes infiltrações de água aos Réus”.

Assim, a caducidade do direito de ação dá-se decorridos que sejam seis meses sobre a denúncia.

O impedimento da caducidade da denúncia do defeito só ocorrerá se intentada a respetiva ação ou, mediante o reconhecimento do direito do comprador por parte do vendedor como vem sendo considerado admissível, nos termos gerais do art. 331º, nº 2 do Cód. Civil.

Não tem, nesta sede, qualquer relevância o facto de os autores terem interpelado os réus em abril, “24. Por carta registada, com aviso de receção, datada de 26 de Abril de 2021 os Autores interpelaram os Réus, no sentido de que estes procedessem à realização das obras necessárias à reparação dos defeitos, bem como ao seu ressarcimento, na quantia paga pelas obras urgentes cuja realização e custo estes suportaram, na quantia correspondente aos danos em mobiliário, equipamentos e eletrodomésticos que foram destruídos com a infiltração de água”.

Esta carta terá apenas o valor de uma insistência na denúncia, mas não tem a virtualidade de impedir ou reiniciar um novo prazo de caducidade da ação.

Conforme art. 331º, nº 1 do Cód. Civil, “Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”.

No que concerne à jurisprudência, há alguns acórdãos das Relações que têm vindo a considerar que os direitos do dono da obra a que se reporta o art. 1224º do Cód. Civil, não têm de ser exercidos através de ação judicial situação que, por analogia, teria aplicação aos casos de caducidade da ação por venda de coisas defeituosas – art. 917º, do Cód. Civil.

Mas a generalidade da jurisprudência e deste STJ pensamos que unanime (também por analogia com o regime da empreitada), entende que à denuncia se deve seguir a propositura da competente ação e só esta é impeditiva da caducidade do direito.

Para que os réus vendedores possam ser responsabilizados pelo cumprimento defeituoso e seja reconhecido o direito aos compradores à eliminação dos defeitos é indispensável que estes tempestivamente procedam à sua denúncia, nos termos do art. 916º do Código Civil e, não sendo na sequência dela eliminados, interponham a correspondente ação no prazo fixado no artigo 917º do mesmo Código.

Veja-se o Ac. deste STJ de 10-01-2023 (e jurisprudência aí citada), proferido no Proc. nº 35/20.7T8PNI-A.C1.S1, onde se conclui que “I. No âmbito de um contrato de empreitada, o direito do dono da obra à eliminação dos defeitos, perante uma infrutífera denúncia feita ao empreiteiro, deve ser exercido mediante instauração de acção judicial, sob pena de caducidade dos seus direitos (arts. 1224º, nº 1, e 1225º, nºs 2 e 3 do C. Civil), não bastando, para o efeito, uma interpelação extrajudicial”.

E o prazo de caducidade de seis meses decorridos sobre a denuncia efetuada dos defeitos (falta de qualidade da coisa) interfere com o alegado direito dos autores a serem ressarcidos por danos patrimoniais e não patrimoniais que os defeitos na obra lhes provocaram.

Como já supra se referiu “É consensual que este prazo é também o prazo a que estão subordinadas as acções para a realização dos direitos que assistem ao comprador em caso de erro, quais sejam o direito à redução do preço, o direito à reparação ou à substituição da coisa, ou mesmo o direito à indemnização”, como se concluiu no Ac. deste STJ de 05-05-2022, proferido no Proc. nº1608/20.3T8AMT-A.P1.S1.

O prazo de caducidade contemplado pelo art. 917º do Cód. Civil, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, quer à ação de anulação, quer às ações que visem o pagamento de indemnização por violação contratual.

Veja-se, o Ac. deste STJ de 12-01-2010, no Proc. nº 2212/06.4TBMAI.P1.S1, onde se concluiu: “I. Os prazos de caducidade previstos no art. 917º do Cód. Civil para a acção de anulação de venda de coisa defeituosa aplicam-se aos demais meios de reacção do comprador contra aquela venda: reparação/substituição da coisa, redução do preço, resolução do contrato ou indemnização”.

E o Ac. do STJ de 13-02-2014, no Proc. nº 1115/05.4TCGMR.G1.S1 concluiu: “II - A ação de indemnização no caso de venda de coisa defeituosa, a que se aplica por interpretação extensiva o disposto no art. 917.º do CC, caduca no prazo de seis meses a contar da denúncia do defeito”. Neste mesmo aresto se refere, “A jurisprudência tem vindo a decidir de modo uniforme que este preceito se aplica, por interpretação extensiva, às ações de indemnização que visam obter o pagamento de indemnização por violação contratual ainda que o pedido seja desacompanhado do pedido de reparação ou substituição da coisa ou de redução do preço ( Ac. do S.T.J. de 6-11-2007, rel. Azevedo Ramos, C.J.,3, pág. 129, Ac. do S.T.J. de 2-11-2010, rel. Alves Velho, 6473/06.OTBALM.L1.S1, Ac. do S.T.J. de 5-2-2009 e de 24-5-2012, rel. Serra Batista, revista n.º 3427/08 e 1288/08,4TBAGD.C1.S1., Ac. do S.T.J. de 7-5-2009, rel. Pires da Rosa, P. 57/09 ou 09B0057, Ac. do S.T.J. de 4-5-2010, rel. Hélder Roque, 2990/06.TBACB.C1.S1, Ac. do S.T.J. de 16-3-2011, rel. João Bernardo, 558/03.2TVPRT.P1.S1., Ac. do S.T.J. de 12-5-2011, rel. Tavares de Paiva, revista n.º 3867/06.5TBAVR.C1.S1) todos consultáveis em www.dgsi.pt ou www.stj.pt”.

Resta averiguar se ocorreu, ou não, o prazo de interposição da ação para eliminação de defeitos em bem imóvel adquirido e indemnização peticionada.

Tendo em conta o disposto nas leis de suspensão de prazos que vigoraram no período de pandemia, nomeadamente a L. nº 1-A/2020 de 19 de março, a L. nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro e a L. nº 13-B/2021 de 5 de abril.

No caso temos que foi feita a denúncia por e-mail de 28 de janeiro de 2021, no qual os autores comunicaram aos réus a existência dos defeitos existentes na moradia e das consequentes infiltrações de água.

E a ação foi intentada em 25/10/2021.

Como se refere no acórdão recorrido, “Tratando-se da contagem de um prazo substantivo, há que atender ao art.º 279º do CC; assim, por força da sua alínea c) o prazo terminaria no dia 28 de julho de 2021 (quarta-feira).

Sucede que, entretanto, houve leis a determinar de forma diferente (art.º 328º CC, in fine), as leis relativas à situação epidemiológica do Covid 19, que determinaram a suspensão do decurso dos prazos, incluindo os prazos de caducidade.

Tendo em conta a data da denúncia (28/01/2021), vejamos as leis que determinaram a suspensão. Releva a Lei nº 4-B/2021 [Que aditou à Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, um artigo 6.º-B, determinando a suspensão do prazo de caducidade], em vigor desde 02/02/2021, e que vigorou até à publicação da Lei nº 13-B/2021, de 05 de abril”.

O art. 4º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, dispunha:

“O disposto nos artigos 6º-B a 6º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados”.

E o art. 6º-B da Lei n.º 1-A/2020 (com a redação agora dada pela Lei 4-B/2021) dispunha:

“3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão”.

A Lei nº 4-B/2021 vigorou até à publicação da Lei nº 13-B/2021, de 05 de abril, a qual determinou a cessação da suspensão dos prazos de caducidade a partir de 06 de abril de 2021.

“Artigo 6.º (Norma revogatória)

São revogados os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual”.

Ou seja, prazos processuais onde se inclui o prazo de caducidade do direito de ação, por força das denominadas leis da pandemia e suprarreferidas, estiveram suspensos de 22 de janeiro de 2021 até 06 de abril de 2021.

O que significa que os prazos processuais estiveram “parados”, sofreram uma pausa na sua contagem, retomando-a no primeiro dia útil subsequente ao fim da suspensão.

No caso, a denuncia a que se reporta o art. 916º, do Cód. Civil ocorreu em 28-01-2021, quando o prazo de caducidade já se encontrava suspenso e já não se iniciou no dia seguinte (nem contava face à suspensão iniciada em 22-01-2021) e, só começou a contar em 7 de abril de 2021 (quarta-feira), dia útil seguinte à cessação da suspensão do prazo.

Tendo em conta o disposto no art. 279º, al. c), do Cód. Civil, o prazo termina às 24 horas do dia e mês a que corresponda a data, ou seja, in caso às 24 horas do dia 07 de outubro de 2021 (quinta-feira).

Sendo a ação intentada em 25-10-202, é manifesto que ocorreu a caducidade do direito de os autores intentarem a ação, face ao supra exposto e ao disposto nos arts. 916º e 917º, do Cód. Civil.

Com os fundamentos expostos se há-de julgar improcedente o recurso e negada a revista.


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Sumário elaborado nos termos do disposto no art. 663º nº 7 do CPC:

I- É entendimento geral que o prazo de caducidade de seis meses, previsto no art. 917º, do Cód. Civil, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, para além da ação de anulação, também às ações que visem obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual.

II- O impedimento da caducidade da denúncia do defeito só ocorrerá se intentada a respetiva ação ou, mediante o reconhecimento do direito do comprador por parte do vendedor como vem sendo considerado admissível, nos termos gerais do art. 331º, nº 2 do Cód. Civil.

III- Para que os réus vendedores possam ser responsabilizados pelo cumprimento defeituoso e seja reconhecido o direito aos compradores à eliminação dos defeitos é indispensável que estes tempestivamente procedam à sua denúncia, nos termos do art. 916º do Código Civil e, não sendo na sequência dela eliminados, interponham a correspondente ação no prazo fixado no artigo 917º do mesmo Código.

IV- Os prazos processuais onde se inclui o prazo de caducidade do direito de ação, por força das denominadas leis da pandemia e suprarreferidas, estiveram suspensos de 22 de janeiro de 2021 até 06 de abril de 2021.

O que significa que os prazos processuais estiveram “parados”, sofreram uma pausa na sua contagem, retomando-a no primeiro dia útil subsequente ao fim da suspensão.

IV- Tendo a denuncia a que se reporta o art. 916º, do Cód. Civil ocorrido em 28-01-2021, quando o prazo de caducidade já se encontrava suspenso e já não se iniciou no dia seguinte (nem contava face à suspensão iniciada em 22-01-2021), só começou a contar em 7 de abril de 2021 (quarta-feira), dia útil seguinte à cessação da suspensão do prazo.


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Decisão:

Acordam na 1ª Secção do STJ em julgar improcedente a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 11-07-2023


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro Relator

Manuel Aguiar Pereira – Juiz Conselheiro 1º adjunto

António Magalhães – Juiz Conselheiro 2º adjunto