Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PEDRO DE LIMA GONÇALVES | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PODERES DA RELAÇÃO ATO INÚTIL DÍVIDA DE CÔNJUGES RESPONSABILIDADE PATRIMÓNIO DO DEVEDOR TERCEIRO DIREITOS DE TERCEIRO IMPUGNAÇÃO PAULIANA PROPRIEDADE PRIVADA BOA FÉ | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADAS AS REVISTAS | ||
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Sumário : | I - O Tribunal da Relação pode apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, sendo-lhe lícito, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por tal se prefigurar como um ato inútil. II - O património comum é responsável pelas dívidas comuns e só depois pelas dívidas próprias de cada um dos cônjuges (artigo 1689.º, n.º2, do Código Civil). III - Os bens do devedor respondem pelas suas dívidas (artigo 601.º do Código Civil) e da livre disponibilidade dos bens (com consagração expressa no artigo 62.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa), uma vez que estão em jogo interesses de terceiros (com relevo para a propriedade e a autonomia privada), entendeu o legislador, em desvio àquelas regras, sujeitar o terceiro à impugnação pauliana, mas só o fazendo com um fundamento sério, relacionado com a violação de princípios fundamentais da ordem jurídica (“in casu”, a boa-fé). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1. AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, CC e DD, pedindo: a) A condenação da 1ª Ré a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de €63 631,88, correspondente ao valor atualizado da indemnização recebida na sequência do sinistro de que foi vítima e que utilizou para suportar os custos iniciais da construção da moradia que foi edificada no prédio doado pelos pais da ora 1.ª Ré à mesma, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento. b) A condenação da 1ª Ré a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de €39 862,20, valor esse correspondente ao da meação do ora autor na indemnização devida pela ora 1ª Ré ao património comum do casal pela construção da benfeitoria descrita em 20) da petição inicial, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento. c) O decretamento da ineficácia em relação ao Autor do ato de compra e venda do imóvel, celebrado entre a 1.ª Ré e o 3.º Réu, em representação do 2.º Réu. d) A determinação ao 2.º Réu da restituição do prédio descrito em 20) da petição inicial, de modo a que o Autor se possa pagar à custa desse prédio. Para tanto, alegou, em síntese: - O Autor e a Ré foram casados, segundo o regime da comunhão de adquiridos, entre 16/09/1995 e 20/02/2014, data em que foi decretado o divórcio, vivendo, porém, na mesma casa até agosto de 2016, data em que seguiram vidas totalmente separadas; - Após a doação de 5/04/1994, referida em 10) da petição inicial, outorgada pelos pais da 1.ª Ré a seu favor do prédio rústico ali descrito, o casal decidiu construir a sua casa de morada de família (após a qual a o prédio passou a descrever-se como prédio misto, inscrito na matriz predial urbana sob o art....62º e rústica sob o art.1026º), obras para as quais usou: o valor da indemnização por si auferida em 1997, no valor de 8 500 000$00 (bem que considera próprio seu); o valor obtido com recurso a empréstimos bancários contraídos junto da Banco 1... a 15/01/2001 e a 15/10/2001, no valor global de cerca de 12.000.000$00, para garantia dos quais foram constituídas e registadas duas hipotecas sobre o imóvel, ficando a moradia concluída em 2002. - A 1/03/2017 este imóvel foi objeto de penhora no processo nº43/08...., em que foi exequente o Banco 2... e credor reclamante o Banco 1..., data na qual o casal ainda não havia procedido à partilha do acervo comum. - O Autor e a 1ª Ré, como não tinham condições para liquidar os valores reclamados pelos credores: em setembro de 2015 decidiram vender o imóvel por €165 000,00, recorrendo aos serviços da “C..., Lda.”; em 16/03/2017 decidiram alterar aquele valor para o valor de €149 000,00, sendo que, após a obtenção de interessado na compra a 17/08/2017 e feita a correspondente ficha de reserva para o preço acordado de €137 500,00, foi redigido o contrato-promessa de compra e venda a 6/09/2017, que a 1.ª Ré acabou por não assinar. - A 1.ª Ré, sem o seu conhecimento, encetou diligências para vender o imóvel, tendo mesmo procedido ao distrate da hipoteca e ao cancelamento da penhora que sobre o mesmo recaiam e outorgou a 31/10/2017 com o 3.º Réu, em representação do 2.º Réu, escritura pública de compra e venda daquele prédio pelo valor de €135 000,00, inviabilizando a realização das operações do art.1689º do C. Civil em sede de inventário. - Sendo o imóvel um bem próprio da 1.ª Ré, tendo a construção erigida sobre o prédio rústico que lhe havia sido doado pelos pais sido feita com dinheiro próprio seu e com recurso a financiamento bancário, constituindo tal construção uma benfeitoria útil, deve ser indemnizado pelas regras do enriquecimento sem causa pelo valor de €103 494,00, correspondente à soma: do valor de €63 631,88 do seu investimento na construção de 20 500 000$00/€102 253,46 com o bem próprio da sua indemnização (valor de €42 397, 82, atualizado com os índices do preço de consumidor para o valor de €63 631,88); do valor de €39 862, 00, correspondente ao valor de ½ do valor do financiamento de 12 000 000$00/€59 855,74, atualizado com os índices de preço do consumidor para o valor de €79 724,40 (€79 724,40: 2 = €39 862,00). - Os 2º e 3º Réus são responsáveis, uma vez que: pela mera consulta da certidão de ónus do prédio, a que o 2º e o 3º Réus tiveram acesso, era possível perceber que a moradia havia sido construída na pendência do casamento do Autor com a 1.ª Ré, mostrando-se averbado desde 30/11/2000 que a 1.ª Ré era casada com o Autor, ainda assim não se abstiveram aqueles de fazer o negócio e de entregar à 1.ª Ré a totalidade do preço; o 3º Réu, que se dedica à atividade do imobiliário, conhecia o litígio que opunha o ex-casal. - Agiram os Réus em comunhão de esforços com o propósito concretizado de obstar a que o autor recebesse as quantias que lhe eram devidas pela venda da casa de morada de família do casal, uma vez que a 1.ª Ré é operária têxtil, tem acumulado dívidas ante terceiros e familiares, tendo ainda sido alvo de um processo executivo iniciado pelo Finicrédito, e não tem quaisquer outros bens que possam garantir o pagamento do aludido crédito do Autor. - Como o imóvel alienado era o único património da 1.ª Ré capaz de assegurar o crédito do Autor, emergente da cessação da relação conjugal, ficou o mesmo com a venda outorgada a 31/10/2017 impossibilitado de obter a satisfação daquele, tem direito, com a impugnação pauliana, à restituição do bem ao património da 1ª Ré, nos termos do art.616º, n.º1 do Código Civil. 2. Citados, os Réus vieram contestar. - A 1.ª Ré defendeu-se por exceção e por impugnação: a) Arguiu a exceção de ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis e por contradição do pedido com a causa de pedir. b) Defendeu que, caso assim não se entendesse, deveria ser feita a compensação de créditos, com os créditos que a 1ª Ré tem sobre o Autor: do valor global de €10050,00, a título de alimentos do filho EE, a que o Autor foi condenado e não pagou; do valor de €1 750,00, a título de danos não patrimoniais à própria 1.ª Ré, a que foi condenado e não pagou. c) Impugnou a matéria alegada, defendendo, nomeadamente, que o valor da indemnização que o Autor recebeu, por força do acidente que sofreu, foi usado para liquidar os honorários do seu Advogado, para fazer a aquisição de um veículo automóvel, e, posteriormente, com o valor remanescente, para abertura de uma loja de artesanato, em ..., adquirindo o Autor o mobiliário, o recheio e, além disso, para pagar o salário de uma funcionária. d) Alegou: d1) A contração de dívidas na pendência do casamento, como justificação de dividas do casal e de pagamentos referidos em d2): que após a doação referida e enquanto aguardavam a aprovação do crédito bancário, o casal solicitou à irmã da 1.ª Ré, FF, um empréstimo de €3 850,00, para dar início à construção do prédio urbano, pelo que foi com este valor e com dinheiro do casal que se iniciou a edificação; que o casal adquiriu ainda diversos bens móveis para rechear a habitação por €7 000,00, que ficaram a pagar a prestações até ao divórcio; que, além dos empréstimos referidos, o casal contraiu um crédito pessoal na Banco 1... de 2 000$00 e um outro ao Banco 2...; que, face às dificuldades atravessadas o imóvel foi penhorado a 1/03/2017, no processo n.º 43/06...., onde era exequente o Banco 3... (€5 088,66) e credor reclamante a Banco 1..., assim como está pendente a execução n.º 763/11...., onde é exequente o Finicrédito pelo valor de €5 588,92; que, para liquidar uma dívida feita pelo Autor junto da A..., para adquirir materiais de construção civil, a filha do casal, GG, contraiu um empréstimo bancário de €5 000,00, uma vez que aqueles já não possuíam crédito junto da banca; que, além disso, o casal a HH, irmão da 1.ª Ré, o valor de €1 600,00, para saldar prestações em atraso à Banco 1...; d2) Que, antes da celebração da escritura de 31/10/2017, teve de pagar: as despesas identificadas em 78) da contestação, no total de €1 169,89; os pagamentos descritos em 79) no momento da sua outorga, no valor total de €55 458,50 e no valor total de €14 663,00. d3) Que terá que pagar imposto por mais-valias. A 1.ª Ré deduziu reconvenção, na qual: a) Reiterou neste âmbito os factos alegados, concluindo que, valendo o prédio rústico onde foi erigida a construção, pelo menos €50 000,00 e tendo em conta os créditos referidos, nada deve ao Autor. b) Pediu a condenação do Autor a pagar-lhe os seguintes valores, de que se julga credora: o valor de €32 739,85 (que achou pela dedução à meação do valor da venda do imóvel do valor de € 50 000, 00, dos créditos supra referidos e de ½ dos pagamentos feitos); a metade das mais valias pela venda do prédio urbano, a liquidar posteriormente.
- Os 2.º e 3.º Réus apresentaram igualmente a sua contestação, na qual: a) Arguiram a ilegitimidade para a causa do 3.º Réu, por este ter agido como simples procurador do 2º Réu. b) Impugnaram factos alegados e formularam um pedido de condenação (sem discriminar como reconvenção), alegando e defendendo: que o 2.º Réu é pessoa de bem e estava convencido que estava a celebrar um negócio legal, do qual teve conhecimento porque uma placa estava colocada no local; que, além disso, como é nacional de outro país e reside no estrangeiro, nem sequer fala português; que, tendo a casa sido erigida em prédio que só à 1.ª Ré pertencia e que só a seu favor se mostrava registado, a venda efetuada não padecia de qualquer vício; que o 2.º Réu não conhece nem o Autor nem a 1.ª Ré, desconhecia que tinham sido casados, tendo o negócio sido intermediado pela imobiliária “B...”; que o 2.º Réu assim como o 3.º Réu agiram de boa-fé, não tendo por objetivo causar qualquer prejuízo ao Autor, sendo que foi liquidado integralmente o preço; que, face ao estado degradado em que o imóvel se encontrava, após a sua compra, o 2.º Réu começou a executar obras de restauro e de melhoramento do mesmo, tendo nomeadamente feito as obras descritas nos arts. 54.º a 69.º da sua contestação, e ainda adquiriu mobílias e eletrodomésticos, com o que gastou um valor total de €93 850,00; que, além disso, o 2.º Réu pagou o IMT, imposto de selo e registos o valor de €3 043,05; que, caso o Tribunal não absolva os contestantes, deve condenar o Autor e a 1.ª Ré a pagar ao 2.º Réu a quantia global de €231 893,05, correspondente ao preço pago pela aquisição, ao valor das obras realizadas no prédio e equipamentos adquiridos e ao valor das despesas liquidadas com a escritura, registos e impostos. 3. O Autor apresentou réplica, pronunciando-se sobre as exceções e reconvenção deduzidas. 4. A 16/01/2019 foi proferido despacho em que se decidiu: a) Indeferir liminarmente o pedido deduzido pelos 2.º e 3.º réus contra o autor e 1.ª ré, quanto ao valor de € 231 893,05, acrescido do valor das obras em curso. b) Declarar nulo todo o processo, nos termos dos arts. 186.º/1 e 2-c) e 4, 196.º e 278.º/1-b), 576.º/1 e 2, 577.º/b) e 578.º do C. P. Civil, por ineptidão da petição, e absolver os réus da instância. c) Declarar, ainda que assim não se entendesse, nulo todo o processo, nos termos dos arts. 193.º, 196.º e 278.º/1-b), 576.º/1 e 2, 577.º/b) e 578.º do C. P .Civil, por erro na forma de processo, não sendo nenhum ato aproveitável e, em consequência, absolver os réus da instância. 5. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação. 6. O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão a julgar a apelação procedente e a ordenar o prosseguimento dos autos. 7. Foi proferido despacho saneador, no qual: foram admitidos os pedidos reconvencionais deduzidos pela 1ª Ré, com exceção do referente ao crédito por alimentos devidos a EE (€10 050,00), mantendo-se o indeferimento liminar do pedido de condenação do Autor e da 1.ª Ré no montante indicado pelos 2.º e 3.ºs Réus, que não foi objeto de recurso; julgaram-se as partes legítimas, sem prejuízo dos eventuais efeitos da impugnação pauliana (a proceder, definiu-se o objeto do litígio e fez-se ainda a indicação dos temas da prova). 8. Realizou-se a audiência final a 7/06/2021. 9. A 11/06/2021 a 1.ª Ré juntou ainda documentação para prova do alegado sob os arts. 66 e 67 da contestação, face ao alegado nas declarações de parte do Autor quanto ao empréstimo contraído pela filha GG junto do Banco 4..., bem ainda cópia da carta com a denúncia do contrato de mediação assinado com a C..., Lda.. 10. Na sequência da admissão desses documentos por despacho proferido a 14/06/2021, veio o Autor exercer o contraditório a 16/06/2021. 11. Juntou ainda a 1.ª Ré documentos a 22/06/2021, que o Autor impugnou a 30.06.2021. 12. A 28/09/2021 foi proferida sentença, sendo o dispositivo do seguinte teor: «Pelo exposto, o Tribunal decide: a) julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolve os réus de todos os pedidos contra si formulados pelo autor; b) julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condena o autor a pagar à 1.ª ré/reconvinte, por força de crédito dela própria (as indemnizações) sobre o autor ou por força de crédito dela própria sobre o património comum, o valor global de 21.980,12 Eur. (vinte e um mil, novecentos e oitenta euros e doze cêntimos), absolvendo-se o autor/reconvindo do demais valor peticionado.». - Na elaboração desta parte do relatório seguiu-se, de perto, o relatório elaborado pelo Tribunal da Relação de Guimarães - 13. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido Acórdão, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, as juízes desembargadoras da ... Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgando parcialmente procedente o recurso, revogam a decisão recorrida e julgando a ação e a reconvenção parcialmente procedentes: 1. Condenam a 1ª ré a pagar ao autor o valor de €7 604, 205, acrescido de juros de mora à taxa civil, desde a sua citação. 2. Julgam improcedentes os demais pedidos da ação e da reconvenção”. 14. Inconformados, o Autor e a Ré vieram interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: - O Autor 1.ª Por acórdão datado de 31.03.2021 julgou o Tribunal a quo parcialmente o recurso interposto pelo ora Recorrente e, consequentemente, foi a 1ª Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €7 604, 20 acrescida de juros de mora à taxa civil desde a sua citação. 2.ª Como fundamento para a interposição do referido recurso o recorrente invocou violação da lei processual strito sensu e, noutros casos, a inidoneidade do meio de prova para prova dos factos que integravam a lista de factos assentes, argumentos esses que não tendo sido atendidos pelo Tribunal recorrido motivam igualmente a interposição do presente recurso. 3.ª Resulta dos pontos 57, 58 e da lista de factos assentes o seguinte: - 57. O autor contraiu ainda uma dívida com a empresa de materiais de construção civil denominada de “A.C.C. – António da Costa Carvalho & Ca. Lda.”, com sede na Rua ..., em ..., ...; - 58. Que iniciou contra o aqui autor a execução n.º 393/11...., que correu termos no ... Juízo cível ..., e onde foi alcançado acordo para pagamento em vinte e seis prestações do valor de 4.220,00 Eur. (quatro mil, duzentos e vinte euros), com início a 20.12.2013, e que não foi integralmente cumprido; - 59. Pelo que, a filha do extinto casal, GG, para que os pais liquidassem tal dívida e fosse levantada a penhora registada sobre a casa de morada de família, anuiu em contrair um empréstimo junto do Banco 5... em Novembro de 2015, aprovado pelo valor de € 6.296,62 (seis mil, duzentos e noventa e seis euros e sessenta e dois cêntimos); 4.ª Os pontos 57, 58 e 59 da matéria de facto foram dados como provados tendo em conta o teor dos documentos juntos com o requerimento remetido pela Ré aos presentes autos a 11 de Junho de 2021, ou seja, já depois de encerrada a audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal recorrido entendido que a respectiva junção é admissível porquanto foi facultado ao autor o exercício do contraditório. 5.ª O art. 423º limita temporalmente o momento da junção de documentos aos autos: o encerramento da discussão em primeira instância. 6.ª Analisando cada um dos documentos juntos após o encerramento da audiência de discussão e julgamento constata-se que documentos em causa – acordo formulado no processo executivo nº393/11...., proposta de crédito subscrita pela filha dos Autores, carta de rescisão do primeiro contrato de mediação, impõe-se concluir que a Ré BB não estava impedida de juntar com os articulados por si oferecidos ou até mesmo até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, os referidos documentos, pelo que a sua junção é manifestamente extemporânea, atento o disposto no art. 423.º, n.º2 e 3 do CPC e não poderiam tais documentos ser valorados no âmbito dos presentes autos. 7.ª Assim sendo, e por manifesta violação da lei processual mais concretamente dos preceitos supra enunciados, devem ser expurgados da lista de factos assentes os pontos 57, 58 e 59 por a matéria de facto dele resultante ter sido dada como provada em violação clara e ostensiva das regras de direito processual, nomeadamente, da norma do art. 423.º do CPC, norma essa que define qual o limite temporal para apresentação de documentos. 8.ªPorquediretamenterelacionadocomoponto59dalistadefactosassentes,deve igualmente ser expurgado da lista de factos assentes o ponto 60 (“Em virtude de os pais não possuírem crédito junto da banca”). 9.ª Não obstante o convite do Tribunal de 1ª Instância para se pronunciar sobre, sobre o teor dos referidos documentos, a verdade é que, o mesmo, atento o momento em que os mesmos foram juntos, ficou impossibilitado de confrontar as testemunhas II e GG com o teor dos mesmos, assim como de requerer que se oficiasse à AT que informasse os presentes autos qual a matrícula do carro adquirido pela testemunha GG no ano de 2015. 10.ª A junção pela Ré BB dos documentos referidos na conclusão 6. após o encerramento da audiência de discussão e julgamento impediu o ora Recorrente de exercer verdadeiro contraditório relativamente ao conteúdo dos mesmos, motivo pelo qual sempre se imporia a rejeição da respectiva junção por a mesma violar o princípio do contraditório. 11.ª O Tribunal a quo não poderia manter na lista de factos assentes o ponto 58 porquanto o referido documentose encontra incompleto, e,tratando-sede requerimento junto aprocesso judicial, os factos dele resultantes só poderiam ser valorados se fosse junta certidão do mesmo, o que não sucedeu in casu. 12.ª Para que fosse dado como provado que o destino dado ao empréstimo contraído pela referida GG, cujo valor é manifestamente superior ao valor ao do acordo celebrado entre o Autor e a A... tornava-se necessário que fosse junto aos presentes autos documento comprovativo da data, e montantes pagos, pela referida GG, informação facilmente alcançável através da junção da certidão das peças processuais do processo executivo em causa, nomeadamente requerimentos a solicitar guias de pagamento e comprovativos de pagamento. 13.ª Por manifesta falta de prova documental que comprove o destino das quantias do empréstimo contraído pela filha dos Autores deve igualmente ser dado como não provado o facto vertido no ponto 59 da lista de factos assentes. O Tribunal recorrido deu como provado nos pontos 45, 61, 62 e 63 viii), e 69º os seguintes factos: “45. Enquanto o crédito que o casal solicitou e referido em 12. não se encontrava aprovado, o autor e a 1.ª ré solicitaram um empréstimo à irmã da 1.ª ré, de nome FF, no valor de €3.850,00 (três mil, oitocentos e cinquenta euros), para dar início à construção do prédio urbano. 61. Ainda por força das dificuldades económicas que vivenciaram e para beneficiarem de período de carência junto da Banco 1...., o casal contraiu ainda um empréstimo com o irmão da 1.ª ré, HH, no valor de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros); 62. Com o qual saldaram prestações bancárias em atraso junto à Banco 1.... 63. Posteriormente à celebração da dita escritura pública de compra e venda do referido imóvel, a ré fez ainda pagamentos, a saber: (…) viii. € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pagos à irmã da 1.ª ré, de nome JJ, relativo ao empréstimo concedido por esta ao casal para libertar uma tranche do empréstimo referido em 12.; 69. O Réu CC tem nacionalidade francesa, reside no estrangeiro e não fala, nem entende português” 13.ª Estes 5 pontos que integram a lista de factos dada como assente devem igualmente ser retiradas porquanto o(s) meio(s) de prova de que as instâncias se socorreram para dar os mesmos como provados são inidóneos para a prova dos mesmos. 14.ª Nenhum documento foi junto aos presentes autos que ateste a existência do empréstimo da quantia de € 3850, 00 ao dissolvido casal: nem o documento a que alude o art. 1143º do CC na sua parte final, nem qualquer outro documento que comprove a entrega pela testemunha FF da quantia de € 3850, 00 à Ré BB e ao Autor, nomeadamente extractos bancários, de onde teriam sido retirados os referidos valores ou cheque. 15.ª Mais resulta até do ponto 66 vii que a 1ª Ré pagou à testemunha FF €3005,51, valor diverso do referido no ponto 45, havendo assim contradição entre estes dois concretos pontos da lista de factos assentes. 16.ª Resulta do Ponto 5 da lista de factos assentes, por escritura pública datada de 05.04.1994, os pais da 1ª ré doaram à mesma, e por conta da sua quota disponível o prédio rústico melhor descrito no referido ponto da matéria de facto, e, no ponto 7 que o Autor e 1ª ré decidiram construir no referido terreno aquela que viria a ser a casa morada-de-família. 17.ª Mais resulta do ponto 8 da lista de factos assentes que, em data não concretamente apurada, mas situável em 1999/2000, tiveram início os trabalhos de construção da referida moradia. 18.ª No intervalo de tempo que medeou entre a doação do terreno e o início dos trabalhos de construção do prédio, e tal como resulta provado dos pontos 9, 10 e 11, o Autor recebeu a quantia de PTE 8 500 000$00, a título de indemnização pelos danos sofridos em virtude de um sinistro de que foi vítima. 19.ª A decisão ora em crise viola as mais elementares regras da experiência comum, porquanto não é verosímil que, um casal que tenha como projeto de vida a construção de uma habitação, e em que um dos membros tenha recebido uma avultada quantia decorrente de um infortúnio, recorra a empréstimos particulares para dar corpo a esse mesmo projeto, sendo certo que, o valor que a referida testemunha alega ter emprestado aos Autores (o equivalente a €3840, 00), atentos os custos de construção de uma habitação não era sequer suficiente para a execução dos trabalhos iniciais de construção da referida habitação, nem sequer, para pagar o projecto de arquitectura de uma habitação e os elevados custos que, já na década de 90, implicava um pedido de licenciamento de obra particular. 20.ª O Tribunal a quo não tomou em consideração o facto de a testemunha FF e a Ré serem irmãs, e terem sido, em tempos sócias da mesma sociedade, a F..., sociedade essa a qual segundo o depoimento prestado pela referida testemunha foi declarada insolvente, insolvência essa que foi declarada culposa, como, aliás, resulta do depoimento da testemunha KK. 21.ª O Tribunal a quo não tomou em consideração o teor do depoimento da testemunha JJ que a referida sociedade acumulou dívidas, entre outras entidades, ao I..., IP, dívidas essas por cujo pagamento são igualmente responsáveis os antigos sócios, a saber, a 1ªRé, a e os seus irmãos, FF, JJ e HH e que os mesmos, por forma a contornar a lei, e em clara fraude à mesma, continuaram a laborar desta feita com uma nova sociedade em nome do marido da referida testemunha. 22.ª Extravasando as relações entre a Autora e seus irmãos, as simples relações familiares, e estendendo-se as mesmas à atividade profissional dos mesmos, impõe-se questionar a razão de ser de tais empréstimos tendo em conta que a 1º ré era sócia da mesma sociedade e dela retirava proventos idênticos aos dos seus irmãos, que, em sede de audiência de discussão e julgamento não deixaram de alardear a desafogada situação financeira em que vivem por contraponto com a 1ª Ré. 23.ª Resumindo, inexistindo in casu documento comprovativo da existência da dívida alegada pela 1º Ré a favor da sua irmã elaborado nos termos previstos no art. 1143º do CC, ou comprovativo da transferência patrimonial da referida verba das contas da irmã da 1ª Ré, FF para uma conta titulada pelo Autor e 1ªRé, deve ser expurgado da lista de factos assentes o ponto 45 da mesma. 24.ª Os mesmos argumentos permanecem válidos para o empréstimo alegadamente realizado pelos irmãos da 1º Ré JJ e HH. 25.ª Nenhum documento foi junto aos presentes autos que ateste a transferência das referidas verbas, e, são os mesmos tenham efectivamente existido, as respectivas datas. 26.ª Os factos vertidos nos pontos 45, 61, 62 e 63 viii) devem ser igualmente expurgados da lista de factos assentes, atenta a manifesta insuficiência da prova testemunhal produzida para que in casu se dê como provados tais factos, porquanto nenhum outro elemento probatório foi junto aos autos que ateste a entrega das referidas quantias pelos irmãos da Ré a esta e ao Autor, montantes e datas dos referidos empréstimos. 27.ª Ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 45, 61, 62 e 63 viii) da lista de factos assentes o Tribunal recorrido violou as regras 342º, nº 1, do CC e 1143º do CC. 28.ª No que à selecção da matéria de facto diz respeito, o Tribunal a quo manteve como não provados os factos 1, 2 e 3 da lista de factos não assentes, a saber: 1. Parte do custo inicial da construção da referida moradia foi suportado com o valor da indemnização recebida pelo autor. 2. O custo total da construção importou na quantia de 20.500.000$00 (vinte milhões e quinhentos mil escudos). 3. Sendo que, do referido valor € 42.397,82 (quarenta e dois mil, trezentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos), era dinheiro proveniente da indemnização que o autor recebeu referida de 9. a 11. dos factos provados. 29.ª O Tribunal recorrido considerou que o Autor não impugnou expressamente a não inclusão na lista de factos assentes dos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto não provada. 30.ª Da conclusão 19 do recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, pese embora o lapso de escrita, consta expressamente a referida impugnação. (A matéria de facto que integra o ponto 1, 2 e 3 da lista de factos dada como assente tentas as declarações de parte do ora Autor, mas também as regras da experiência comum, uma vez que o valor dos empréstimos contraídos por Autor e Ré eram em 2001, manifestamente insuficientes para construir uma moradia com as características daquela que foi erigida pelo ora Autor e 1ª Ré, e o valor da respectiva construção apenas poderia ser complementado com um valor semelhante àquele que foi recebido pelo Autor a título de indemnização. 31.ª O Tribunal a quo considerou que as declarações de parte do ora Autor são insuficientes para dar como provados os factos 1, 2 e 3 da lista de factos assentes, porquanto a mesma é contraditada por outros depoimentos, nomeadamente a da 1ª Ré e da sua irmã FF. 32.ª Ora, atento o lapso temporal decorrido entre o início dos trabalhos de construção da moradia, a data do decretamento do divórcio entre o Autor e 1ª Ré, e a propositura da presente acção, decorreram quase 20 anos, não sendo exigível ao ora Autor que, durante cerca de 20 anos guardasse comprovativos dos movimentos bancários. 33.ª Tendo o Tribunal recorrido dado como provado que as obras de construção da moradia tiveram lugar cerca de 1/2 anos antes de as partes terem contraído um empréstimo bancário para financiamento da mesma, não tendo sido provadas outras fontes de rendimentos do dissolvido casal, que não a indemnização por este obtida, e atento os montantes habitualmente despendidos na construção de uma habitação, torna-se forçoso concluir que a versão carreada para os presentes autos pelo Autor, e por ele narrada nas suas declarações de parte, são mais verosímeis do que carreada para os presentes autos pela 1ª Ré. 34.ª As declarações de parte do ora Autor, conjugada com outros elementos de prova, nomeadamente com os contratos de empréstimo que o Autor e 1ª Ré celebraram com a C..., SA, do qual resulta que os Autores solicitaram dois empréstimos de apenas PTE 1 000 000$00 para construção da respectiva habitação, bem como o facto provado no ponto 8, do qual resulta os trabalhos de construção da mesma terem-se iniciado 1/2 anos antes importam que se deem como provados os factos que integram a lista de factos não provados sob o nº 1, 2, e 3. 35.ª A considerar-se como não provados tais factos, salvo o devido respeito por melhor opinião, viola-se o valor probatório das declarações de parte prestadas pelo Autor (art. 466º do CPC). 36.ª O Tribunal recorrido também não considerou como provados os factos vertidos nos pontos 6 e 7 da lista de factos não assentes não obstante a informação prestada pela AT a informar que a 1º ré não é titular de qualquer património, e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, mais concretamente, o depoimento da testemunha JJ que em sede de audiência de discussão e julgamento declarou que “a BB lhe chegou a pedir dinheiro para dar de comer aos filhos e que ela chegou a ter apoio alimentar da Segurança Social”. 37.ª Ao não dar como provados tais factos com base quer na informação prestada pela AT quer pela prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal recorrido violou as normas do art. 369º e 392º do CC. 38.ª O Tribunal recorrido também considerou como não provados os pontos 8, 9 e 10 da lista de factos não provados, onde se pode ler o seguinte: 8. Em tempos, o autor e a 1.ª ré abordaram o 3.º réu, que se dedica à actividade imobiliária, para proceder à venda do imóvel ora em causa, conhecendo o mesmo o litígio que opunha o autor à 1ª ré antes da outorga da escritura de 31.10.2017. 9. Os três réus agiram em comunhão de esforços com o propósito concretizado de obstar a que o autor recebesse as quantias que lhe eram devidas resultado da venda do prédio que outrora foi a casa morada de família. 40.ª A resposta positiva ao facto 8 e 9 da lista de factos não assentes impõe-se através da própria fundamentação da matéria de facto da decisão proferida pela 1ª instância, nomeadamente, da súmula que o próprio tribunal fez das declarações prestadas pelas testemunhas LL e MM. 41.ª Ao não dar como provados os referidos factos com base nos referidos depoimentos o Tribunal a quo violou o art. 392º do CC. 42.ª A considerar-se que, a decisão recorrida violou não só a lei do processo mas as regras de produção e valoração da prova, a alteração da selecção da matéria de facto acarreta naturalmente consequências ao nível da solução de direito nos presentes autos, quer o nível fixação do quantum indemnizatório pela benfeitoria que cabe ao Autor quer ao nível da verificação dos requisitos da impugnação pauliana. 43.ª No caso concreto, atendendo a que o imóvel ora em causa foi construído sobre um bem próprio da 1ª Ré o mesmo adquiriu a qualidade de bem próprio da mesma. 44.ª Porque a casa erigida no terreno que é propriedade da ora 1º R é deve ser considerada como benfeitoria útil, e, não podendo a mesma ser levantada, assiste ao ora Autor o direito a ser indemnizado pela 1ª Ré não apenas pelo valor despendido na parte inicial da construção do referido imóvel, valor monetário esse que era bem próprio seu, mas também a metade do valor que cabe ao património comum do dissolvido casal, sob pena de, caso não se reconheça ao Autor os referidos direitos, tal importar um locupletamento injustificado da ora 1ª Ré à custa do ora Autor, sem que ocorra in casu causa justificativa para esse efeito (art. 473º do CC). 45.ª Porque as benfeitorias úteis que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa são dívidas de valor, devem as mesmas ser actualizadas em função da depreciação que o valor da moeda tenha sofrido, actualização essa que deve ser processada com base nas taxas de variação do índice de preços do consumidor. 46.ª Reportando-nos ao caso concreto, para determinar o valor devido pela Ré ao ora Autor deve-se primeiramente descontar no valor pelo qual foi vendido o imóvel (€ 135 000, 00) a quantia de € 63 631, 88, valor esse que decorre da atualização de acordo do índice de preços do consumidor do montante de € 42 397, 82 (valor equivalente a PTE 8 500 000$00), e que corresponde à compensação devida ao ora Autor pela utilização de bens próprios na aquisição de um bem, in casu direito, comum do casal, sendo que o valor da 47.ª Subtraindo-se ao valor da venda do imóvel o valor da contribuição de cada um dos membros do casal para a construção da moradia (€ 135 000, 00 - € 50 000, 00 - € 63 631, 88) temos que o valor da compensação devida ao Autor correspondente ao da sua meação na indemnização devida pela ora 1ª Ré ao património comum do casal pela construção da benfeitoria é de €21 368,12, sendo, portanto, de € 10 684, 06 o valor da meação de cada um dos cônjuges pelo que o valor indemnizatório a atribuir ao Autor seria de € 74 315, 94, caso o dissolvido casal não tivesse dívidas. 48.ª O Autor nada tem a opor a que sejam deduzidos do valor da indemnização que lhe é devida: d) as quantias por si devidas à 1ª Ré relativos aos processos-crime em que o Autor foi condenado a pagar-lhe indemnização e) A sua quota parte nos valores devidos às instituições bancárias, nomeadamente C..., SA e Banco 2..., f) A sua quota parte os valores despendidos com a obtenção da licença de utilização. 49.º Atendendo a que as dívidas do dissolvido casal ascendiam a € 52 583, 80, deve ao valor da indemnização devida ao Autor ser deduzido o montante de € 48 024, 04, valor ao qual deve ainda ser deduzido o valor das indemnizações devidas pelo Autor (€ 46 274, 04). 50.ª A considerar-se que o Autor não contribuiu com meio próprios para a construção da referida habitação, as operações aritméticas feitas pelo Tribunal recorrido não podem manter-se porque ao valor encontrado de € 7 605, 20 terá que ser acrescentado metade do valor dos referidos “créditos” no montante de € 5731, 50, tudo num total de € 13 336, 70. 51.ª No caso concreto, estão igualmente reunidos os requisitos da impugnação pauliana. 52.ª No tocante ao primeiro dos requisitos para que haja lugar à impugnação da venda do imóvel ora em causa, dúvidas não há face ao supra expandido de que o Autor é titular de um crédito sobre a ora 1ª Ré, crédito esse que emerge logo após a cessação do vinculo conjugal,. 53.ª A venda do referido imóvel, face ao comportamento anterior, durante e posterior da 2º Ré, que até hoje não disponibilizou ao após a realização da venda do imóvel, é verdadeiramente demonstrativo da intenção da Autora de fazer exclusivamente seu o produto da venda do imóvel. 54.ª a Autora negociou exclusivamente com o 2º e 3º Réus os termos e condições da venda do imóvel; declarou no acto de escritura que o imóvel era exclusivamente seu sem fazer qualquer menção ao facto de o imóvel nele implantado ser uma benfeitoria, e recebeu a totalidade do respectivo preço. 55.ª Os 2º e 3º Réus tiveram acesso prévio a toda a documentação referente ao prédio, e, portanto, não ignoravam, porque tal facto constava da respectiva certidão predial, que a moradia ora em causa, foi construída na pendência do matrimónio da ora 1ª Ré, uma vez que, no referido documento constava a menção de que a mesma era casada com o ora Autor, conforme averbamento à descrição datado de 30.11.2000. 56.ª Não obstante a informação que ressaltava da referida documentação, e do notário onde esteve primeiramente agendada a realização da escritura ter recusado realizar a mesma por ter sido advertido pelo Autor para o facto de não ter anuído na venda, os 2º e 3º réus não se abstiveram de negociar com a ora 1ª Ré os termos da venda, e de entregar àquela a totalidade do preço acordado para a venda, tendo-se, os Réus deslocado ao ... para celebrar a escritura de compra e venda do imóvel sem o conhecimento do Autor. 57.ª Os Réus agiram em comunhão de esforços com o propósito concretizado de obstar a que o Autor recebesse as quantias que lhe eram devidas resultado da venda da moradia que outrora foi a casa morada de família do dissolvido casal. 58.ª Deve ser declarada a ineficácia em relação ao Autor do negócio de compra e venda celebrado entre a 1ª Ré e o 3º Réu em representação do 2º Réu que teve como objecto o imóvel em causa nos presentes autos e que se encontra melhor descrito em 32 da lista de factos assentes, por forma a que o ora Autor possa obter a satisfação do seu crédito sobre a ora 1ª Ré às custas do referido imóvel. E conclui “Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado”.
- A 1.ª Ré (excluindo as conclusões que se reportam à admissibilidade do recurso de revista) D. Com todo o devido respeito, a Recorrente discorda com a matéria de Direito assente no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, porquanto: E. O prédio aqui em discussão foi vendido pelo 1ª Ré, aqui Recorrente, pelo preço de €135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros) – cfr. ponto 35 dos provados. F. Quer isto dizer que o valor a receber pelo Recorrido, será metade do valor da venda do imóvel (€135.000,00), que corresponde a €67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros) de metade do património comum. G. Do referido valor que o Recorrido tinha direito, teremos de deduzir €50.000,00 (cinquenta mil euros), referente ao valor do terreno, propriedade da Recorrente – cfr. ponto 63 dos factos dados como provados. H. Por outra banda, é necessário deduzir metade do valor apurado de despesas suportadas pela Recorrente, provadas em 64, 65 e 66 como despesas comuns, com exceção das que foram excluídas no Douto Acórdão recorrido, despesas estas que correspondem: ao valor de € 1.169,89 quanto às do ponto 64; ao valor de € 50.458,50 quanto ao ponto 65- i., ii., e iv (já deduzido do valor da comissão de € 5.000, 00 do ponto 65-iii); ao valor de €14.663, 00 quanto ao ponto 66 – v. a ix. (já com exclusão do valor do imposto de € 4.168, 87 do ponto 66-x), que se contabilizam em €33.145,70 (trinta e três mil cento e quarenta e cinco euros e setenta cêntimos) - {€1.169,89 + € 50.458,50 + € 14.663,00 = €66.291,40 % 2}. I. Por fim, teremos de deduzir o valor de €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) referente aos valores de indemnização de que a 1ª ré era credora para com o autor, provados em 43 e 44, em compensação de obrigações (arts.847º ss do C. Civil). J. Pagas estas despesas, não existe valor comum a partilhar. Ao invés, o Recorrido deverá ser considerado devedor à Recorrente da quantia de €17.395,70 (dezassete mil trezentos e noventa e cinco euros e setenta cêntimos): €67.500,00 (correspondente à meação do cônjuge Recorrido) - €50.000,00 (valor do terreno, propriedade da Recorrente) - €33.145,70 (metade das despesas comuns suportadas pela Recorrente «64, 65 e 66 dos factos provados» - €1.750,00 ( valores de indemnização de que a 1ª ré era credora para com o autor, provados em 43 e 44, em compensação de obrigações) = €17.395,70. K. A Decisão da 1ª Instância foi assertiva quanto ao valor a ser pago pelo Autor, aqui Recorrido. L. Foram violados os preceitos enunciados nos arts. 216º, 1699º e 1722º, entre outros, do Código Civil. M. Face ao exposto, deverá ser revogada a Decisão do Douto Acórdão, e ser substituído por outro que condene o Autor, ora Recorrido, a pagar à Recorrente o montante de €17.395,70 (dezassete mil trezentos e noventa e cinco euros e setenta cêntimos). E conclui: “deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, em consequência, deverá ser revogado o Douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro, que condene o Autor, ora Recorrido a pagar à Recorrente o montante de €17 395,70 (dezassete mil trezentos e noventa e cinco euros e setenta cêntimos). 15. O Autor e a Ré contra-alegaram. 16. Cumpre apreciar e decidir. II. Delimitação do objeto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: - Da liquidação do património comum do ex-casal formado pelo autor e pela 1.ª Ré; - Do preenchimento dos requisitos da impugnação pauliana. III. Fundamentação 1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (após a modificação efetuada pelo Tribunal da Relação): 1.1. O autor e a 1.ª ré contraíram casamento católico no dia 16.09.1995, sem convenção antenupcial. 1.2. Do referido casamento nasceram dois filhos: GG e EE. 1.3. O referido casamento foi dissolvido por divórcio decretado a 20.02.2014, pela Conservatória do Registo Civil .... 1.4. Apesar do decretamento do divórcio, por não terem outra habitação disponível e por não se entenderem quanto à partilha desse bem, o autor e 1.ª ré continuaram a habitar na casa que foi a casa de morada de família pelo menos até Agosto de 2016 a 1.ª ré e o autor até Outubro de 2016. 1.5. No dia 05 de Abril de 1994, através de escritura pública celebrada na Secretaria Notarial ..., os pais da ora 1.ª ré declararam doar à mesma, por conta da sua quota disponível, o prédio rústico de cultura e ramada com a área de 2000 m2, sito no lugar da ..., da freguesia ... inscrito na matriz predial rústica sob o art. ...61 e ainda não descrito na Conservatória. 1.6. As partes atribuíram à referida doação o valor de PTE 400.000$00 (quatrocentos mil escudos). 1.7. Como o autor e a 1.ª ré não dispunham de habitação própria permanente, decidiram construir no terreno que foi doado àquela pelos pais a que viria a ser a sua casa morada-de-família. 1.8. Assim, e em data não concretamente apurada, mas situável entre os anos de 1999/2000, tiveram início os trabalhos de construção de uma casa de habitação de rés-do-chão, com cinco divisões, que veio a ser inscrita na matriz em 2003. 1.9. O autor recebeu uma indemnização, na sequência do sinistro de que foi vítima quando tinha 24 anos de idade, ainda no estado de solteiro; 1.10. que lhe foi paga pela Companhia de Seguros ..., no ano de 1997; 1.11. no valor de 8.500.000$00 (oito milhões e quinhentos mil escudos). 1.12. Como o autor e a 1.ª ré não dispunham dos meios financeiros necessários para suportar os custos inerente à construção da referida habitação, contraíram junto da “Banco 1...”, os seguintes empréstimos: A - Empréstimo n.º ...85, formalizado em 15 de Janeiro de 2001, por escritura pública de mútuo com hipoteca, com as seguintes características: I. montante: PTE 8.000.000$00 (oito milhões de escudos), a que equivalem € 39.903,83 (trinta e nove mil, novecentos e três euros e oitenta e três cêntimos) entregues aos mutuários mediante crédito lançado na conta de depósitos à ordem n.º ...00 por estes titulada na agência de ...; II. prazo: 360 meses; III. finalidade: financiar a construção de imóvel destinado a habitação própria e permanente; IV. taxa de juro: - o empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do contrato, acrescida de um diferencial até 2,125%, o que se traduz no momento da celebração do contrato a uma taxa de juro nominal de 7,063% e a uma taxa efectiva de 7,296%. B - Empréstimo n.º ...85 formalizado em 15 de Outubro de 2001, por escritura pública de mútuo com hipoteca, com as seguintes características: I. montante: PTE 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos), a que equivalem € 19.951,92 (dezanove mil, novecentos e cinquenta e um euros e noventa e dois cêntimos) entregues aos mutuários mediante crédito lançado na conta de depósitos à ordem n.º ...00 por estes titulada na agência de ...; II. prazo: 24 anos; III. finalidade: financiar a construção de imóvel destinado a habitação própria e permanente; IV. taxa de juro: - o empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do contrato, acrescida de um diferencial até 2,125%, o que se traduz no momento da celebração do contrato a uma taxa de juro nominal de 6,063% e a uma taxa efectiva de 6,234%; em caso de mora, os respectivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa credora para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até 4%,ao ano, a título de cláusula penal. 1.13. Para garantia das responsabilidades emergentes dos empréstimos referidos, a saber, capital, juros e despesas, foram constituídas duas hipotecas voluntária a favor da “Banco 1...” sobre o prédio rústico descrito em 5.º. 1.14. Prédio esse que após a construção da moradia passou a ter a seguinte descrição: - Prédio misto, composto por casa de rés-do-chão, com logradouro e terreno de ..., sito no Lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...77/..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...62.º e rústica sob o art. 1026.º. 1.15. O valor dos aludidos empréstimos foi usado para realizar a construção da aludida habitação. 1.16. Após conclusão da moradia o autor e a 1.ª ré passaram a residir na referida habitação. 1.17. A 1 de Março de 2017 o prédio urbano referido foi objecto de penhora por parte do “Banco 2...” (Ap. ...50 de 2017/03/01), para garantia do pagamento da quantia exequenda de 5.088,66 Eur. (cinco mil, oitenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos); 1.18. Penhora essa levada a cabo no âmbito do processo executivo n.º 43/08.... que corria termos no Juiz ... do Juízo de Execução ..., e em que era exequente o referido “Banco 2...” e credor reclamante a “Banco 1...”, esta pelo valor de 39.190,33 Eur. (trinta e nove mil, cento e noventa euros e trinta e três cêntimos). 1.19. Na data da penhora o autor e a 1.ª ré não tinham procedido à partilha do acervo comum do casal e não dispunham de meios financeiros para liquidar as quantias devidas aos bancos; 1.20. Pelo que, acordaram em vender o prédio urbano, por forma a proceder ao pagamento dos referidos débitos. 1.21. A 3 de Setembro de 2015, o autor e a 1.ª ré celebraram com a “C..., Lda.” um contrato através do qual esta empresa se comprometeu “a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 165.000,00 Eur. (cento e sessenta e cinco mil euros) desenvolvendo, para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis”. 1.22. O referido contrato foi objecto de uma alteração a 16 de Março de 2017, fixando-se o valor da venda em 149.000,00 Eur. (cento e quarenta e nove mil euros). 1.23. E a 17 de Agosto de 2017 a “C..., Lda.”, elaborou uma denominada “ficha de reserva” do imóvel, assinada por NN, que entregou 200,00 Eur. (duzentos euros), em numerário, à guarda da imobiliária; 1.24. Na aludida ficha ficou consignado que seria outorgado no prazo de 8 dias o contrato-promessa de compra e venda do imóvel e que a NN teria de entregar a quantia de 20.000,00 Eur. (vinte mil euros), a título de sinal ou princípio de pagamento; 1.25. e que o preço para a venda do imóvel seria de 137.500,00 Eur. (cento e trinta e sete mil e quinhentos euros). 1.26. A 06 de Setembro de 2017 foi concluída a redação do contrato-promessa de compra e venda do imóvel ora em causa. 1.27. O autor ficou proibido de contactar a 1.ª ré por um ano, por força da pena acessória de proibição de contactos que lhe foi aplicada no âmbito do processo comum singular n.º 844/16...., que correu termos no J... da Instância Local Criminal .... 1.28. Pelo que o autor, a 1.ª ré e a interessada NN foram convocadas para, em diferentes momentos, comparecerem nas instalações da imobiliária referida, sitas na Av. ..., Edifício ..., ..., ... para assinar o contrato-promessa de compra e venda do imóvel em causa; 1.29. O que só o autor e a aludida NN fizeram. 1.30. A referida NN entregou à imobiliária dois cheques, cada um no valor de 10.000,00 Eur. (dez mil euros), um endossado ao autor e outro endossado à 1.ª ré, ambos datados de 6.09.2017. 1.31. A 1.ª ré encetou diligências no sentido de proceder ela à venda do imóvel e diligenciou junto da “Banco 1...” e do “Banco 2...”, pelo distrate da hipoteca e cancelamento da penhora que incidia sobre o imóvel; 1.32. A 31 de Outubro de 2017, por escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial ..., a 1.ª ré declarou vender a CC, o ora 2.º réu que, naquele acto, foi representado pelo 3.º réu, DD, o prédio referido em 14., por 135.000,00 Eur. (cento e trinta e cinco mil euros). 1.33. A 1.ª ré não comunicou ao autor a venda do imóvel, nem as suas condições, mormente o preço, nem antes nem depois da sua concretização. 1.34. A aquisição referida foi registada a favor do aqui 2.º réu, CC, através da Ap. ...25 de 2017/10/31. 1.35. Quando o autor tomou conhecimento do referido em 31. e como preliminar de processo de inventário, instaurou providência cautelar de arrolamento dos bens e direito que integravam o acervo patrimonial comum do dissolvido casal. 1.36. No âmbito desse processo que correu termos sob o n.º 2508/17...., no Juízo de Família e Menores ..., Juiz ..., veio a ser proferida sentença a 16.11.2017, a decretar o arrolamento do recheio da casa de morada de família e “do direito de crédito que integra o património comum do casal resultante do valor das despesas feitas com a construção da moradia …”. 1.37. Até 10.01.2018, o autor não logrou proceder ao arrolamento de quaisquer bens. 1.38. Foi a 1.ª ré quem negociou com o 2.º e o 3.º réus os termos e condições da venda do imóvel e foi ela quem recebeu a totalidade do respectivo preço. 1.39. Os 2.º e 3.º réus que tiveram acesso prévio à documentação referente ao prédio ora em causa, mormente à respectiva certidão predial, onde constava que a moradia foi construída na pendência do matrimónio da ora 1.ª ré com o autor. 1.40. A 10 de Novembro de 2017 o aqui autor informou o 2.º e o 3.º réus, por carta registada, que iria impugnar a venda referida em 32. 1.41. A 1.ª ré é operária têxtil, tendo já trabalhado por conta própria, e actualmente trabalhar por conta de outrem, tendo feito descontos para a Segurança Social sobre os montantes mensais auferidos por força dessa sua actividade/profissão entre 2000 e 2014. 1.42. A 1.ª ré não tem bens imóveis inscritos a seu favor. 1.43. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 9.10.2017 foi o aqui autor condenado, no âmbito do processo n.º 1105/16...., do J... do Juízo local criminal ..., a pagar à 1.ª ré a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, contados desde a data do acórdão até efectivo e integral pagamento. 1.44. Por sentença proferida a 6.02.2017 foi o aqui autor condenado, no âmbito do processo n.º 844/16...., que correu termos no J... do Juízo local criminal ..., pagar à 1.ª ré a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, contados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento. 1.45. Enquanto o crédito que o casal solicitou e referido em 12. não se encontrava aprovado, o autor e a 1.ª ré solicitaram um empréstimo à irmã da 1.ª ré, de nome FF, no valor de € 3.850,00 (três mil, oitocentos e cinquenta euros), para dar início à construção do prédio urbano. 1.46. Além disso, para suportar esses mesmos custos iniciais e após as prestações correspondentes aos créditos bancários aprovados o autor e a 1.ª ré usaram os respectivos vencimentos. 1.47. eliminado 1.48. eliminado 1.49. eliminado 1.50. eliminado 1.51. eliminado 1.52. O autor e a 1.ª ré adquiriram móveis de cozinha e outros artigos utilitários como electrodomésticos e outros para rechear a sua casa de habitação à empresa P..., sita em ..., ..., no valor superior a € 7.000,00 (sete mil euros), que foram liquidando em prestações mensais e sucessivas até ao divórcio. 1.53. Além dos empréstimos referidos em 12., o então casal contraiu ainda um empréstimo junto do “Banco 2...”. 1.54. Após a celebração dos contratos de mútuo referidos em 12. e 53., o casal amortizou mensalmente o capital, juros e despesas. 1.55. Foi proposta uma execução pelo “Finicrédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, a reclamar o pagamento de € 5.588,29 (cinco mil, quinhentos e oitenta e oito euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros, distribuída com o n.º 763/11.... no Juiz ... do Tribunal ...; 1.56. desconhecendo-se o actual estado do processo, quem são ali os executados, a origem e data da dívida que deu origem ao título. 1.57. O autor contraiu ainda uma dívida com a empresa de materiais de construção civil denominada de “A.C.C. – António da Costa Carvalho & Ca. Lda.”, com sede na Rua ..., em ..., ...; 1.58. Que iniciou contra o aqui autor a execução n.º 393/11...., que correu termos no ... Juízo cível ..., e onde foi alcançado acordo para pagamento em vinte e seis prestações do valor de 4.220,00 Eur. (quatro mil, duzentos e vinte euros), com início a 20.12.2013, e que não foi integralmente cumprido; 1.59. Pelo que, a filha do extinto casal, GG, para que os pais liquidassem tal dívida e fosse levantada a penhora registada sobre a casa de morada de família, anuiu em contrair um empréstimo junto do Banco 5... em Novembro de 2015, aprovado pelo valor de € 6.296,62 (seis mil, duzentos e noventa e seis euros e sessenta e dois cêntimos); 1.60. Em virtude de os pais não possuírem crédito junto da banca. 1.61. Ainda por força das dificuldades económicas que vivenciaram e para beneficiarem de período de carência junto da Banco 1...., o casal contraiu ainda um empréstimo com o irmão da 1.ª ré, HH, no valor de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros); 1.62. Com o qual saldaram prestações bancárias em atraso junto à Banco 1.... 1.63. O terreno sobre o qual foi edificada a casa de habitação do extinto casal, tem o valor comercial: - à data do divórcio, de € 50.000,00 (cinquenta mil euros); - à data da doação, de € 26.000,00 (vinte e seis mil euros). 1.64. Antes da celebração da escritura pública de compra e venda de 31.10.2017 a 1.ª ré liquidou as infra quantias, a saber: i. a 11.09.2017 € 60,00 (sessenta euros), pago ao Município ..., a título de alvará de autorização/alterações referente ao prédio urbano; ii. a 17.08.2017, a 1.09.2017 e a 11.10.2017 € 45,00 (quarenta e cinco euros), pago ao Município ..., a título de pedido de emissão de autorização de utilização e fichas técnicas de habitação do prédio; iii. a 1.09.2017 € 20,00 (vinte euros), pago à Conservatória do Registo Predial ..., a título de obtenção de certidão online; iv. a 3.11.2017 € 176,00 (cento e setenta e seis euros), pago a OO, a título de estudo para emissão de certificado energético do prédio urbano; v. a 30.04.2014 € 193,07 (cento e noventa e três e sete cêntimos), pago a título de IMI do ano de 2013; vi. a 24.11.2017 € 599,32 (quinhentos e noventa e nove euros e trinta e dois cêntimos), pago às Águas de ..., a título de consumos de água, juros de mora e outros, por facturas vencidas entre 12.11.2010 e 14.06.2017. vii. a 24.11.2017 € 76,50 (setenta e seis euros e cinquenta cêntimos), pago às Águas de ..., a título de consumos de água. 1.65. No dia da outorga da referida escritura, a ré efectuou ainda os seguintes pagamentos, a saber: i. € 46.968,50 (quarenta e seis mil, novecentos e sessenta e oito euros e cinquenta cêntimos) à Banco 1... ii. € 3.400,00 (três mil e quatrocentos euros) referente ao pagamento da dívida ao Banco 2....; iii. € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de comissão da imobiliária interveniente no negócio; iv. € 90,00 (noventa euros), para cancelamento das hipotecas constituídas a favor da Banco 1.... sob a ap. ...9 de 2000.11.30 e sob a ap. ...6 de 2001.09.21. 1.66. Posteriormente à celebração da dita escritura pública de compra e venda do referido imóvel, a ré fez ainda pagamentos, a saber: v. € 4.355,41 (quatro mil, trezentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e um cêntimo), à filha do ex casal, GG, por meio de transferência bancária, para a conta desta na CCAM do ..., para liquidar o empréstimo referido em 59.; vi. € 1.602,08 (mil, seiscentos e dois euros e oito cêntimos), ao irmão da 1.ª ré e sua esposa, HH e PP, para pagamento do empréstimo referido em 61.; vii. € 3.005,51 (três mil, cinco euros e cinquenta e um cêntimo), pagos à irmã da 1.ª ré, de nome FF, relativo ao empréstimo referido em 45.; viii. € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pagos à irmã da 1.ª ré, de nome JJ, relativo ao empréstimo concedido por esta ao casal para libertar uma tranche do empréstimo referido em 12.; ix. € 3.200,00 (três mil e duzentos euros) à empresa P..., referente aos valores referidos em 52. e pagos após o divórcio e cessação da coabitação; x. € 4.168,87 (quatro mil, cento e sessenta e oito euros e oitenta e sete cêntimos) a título de mais mais-valias pela venda do prédio urbano. 1.67. eliminado 1.68. eliminado 1.69. O réu CC tem nacionalidade francesa, reside no estrangeiro e não fala, nem entende português; 1.70. O réu CC não conhecia, nem conhece, o autor e/ou a 1.ª ré, porque todo o negócio foi intermediado pela B..., e nele foi seu representante e procurador o 3.º réu, DD; 1.71. Após a compra, e face ao estado em que o prédio se encontrava, o 2.º réu iniciou obras de restauro e melhoramento, mormente no seu exterior e interior. 2. E foram julgados como não provados os seguintes factos: 2.1. Parte do custo inicial da construção da referida moradia foi suportado com o valor da indemnização recebida pelo autor. 2.2. O custo toral da construção importou na quantia de 20.500.000$00 (vinte milhões e quinhentos mil escudos). 2.3. Sendo que, do referido valor € 42.397,82 (quarenta e dois mil, trezentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos), era dinheiro proveniente da indemnização que o autor recebeu referida de 9. a 11. dos factos provados. 2.4. Além do arrolamento referido em 35. dos factos provados, o aqui autor iniciou arresto, do qual veio a desistir porque na sequência da venda do prédio o Juízo de Família e Menores passou a ser incompetente para a sua apreciação. 2.5. As assinaturas apostas na alteração e “ficha de reserva” referidos em 22. e 23. dos factos provados, sob a menção de “BB” foram apostas pela 1.ª ré e pelo seu punho. 2.6. A 1.ª ré não é titular de quaisquer outros bens, cujo valor permita ao autor obter a satisfação do seu crédito. 2.7. A venda do imóvel impossibilitou que o autor possa obter a satisfação do seu crédito à custa do produto da sua venda. 2.8. Em tempos, o autor e a 1.ª ré abordaram o 3.º réu, que se dedica à actividade imobiliária, para proceder à venda do imóvel ora em causa, conhecendo o mesmo o litígio que opunha o autor à 1ª ré antes da outorga da escritura de 31.10.2017. 2.9. Os três réus agiram em comunhão de esforços com o propósito concretizado de obstar a que o autor recebesse as quantias que lhe eram devidas resultado da venda do prédio que outrora foi a casa morada de família. 2.10. Nos últimos anos, a 1.ª ré acumulou dívidas a terceiros, inclusive a familiares do autor. 2.11. A imobiliária C..., Lda. está a reclamar da autora € 8.000,00 (oito mil euros). 2.12. A execução referida em 55. e 56. dos factos provados foi proposta apenas contra a 1.ª ré, respeitando a dívida do autor ou a dívida contraída pelo casal. 2.13. O empréstimo referido em 59. dos factos provados destinou-se à aquisição de um veículo automóvel (Volkswagen Polo), para a própria GG. 2.14. Com as obras no exterior do prédio, e também com a aquisição de equipamentos e mobílias para rechear a casa, o 2.º réu gastou 93.850,00 Eur. (noventa e três mil, oitocentos e cinquenta euros). 3. Apreciação do recurso 3.1. Da violação de normas relativas à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto Começa o Autor/Recorrente por se insurgir contra a circunstância de os factos 57, 58 e 59 terem sido dados como provados na sequência de documentos juntos pela Ré ao processo já depois de encerrada a audiência de discussão e julgamento. Afirma o Autor que, atento o conteúdo de tais documentos (acordo formulado no processo executivo nº 393/11...., proposta de crédito subscrita pela filha do Autor e da Ré, carta de rescisão do primeiro contrato de mediação), a sua junção foi intempestiva, concluindo que o tribunal recorrido, ao admitir tal junção, violou o regime estatuído pelo artigo 423.º do Código de Processo Civil. Em causa estão os factos com a seguinte redação: “57. O autor contraiu ainda uma dívida com a empresa de materiais de construção civil denominada de “A.C.C. – António da Costa Carvalho & Ca. Lda.”, com sede na Rua ..., em ..., ...; 58. Que iniciou contra o aqui autor a execução n.º 393/11...., que correu termos no ... Juízo cível ..., e onde foi alcançado acordo para pagamento em vinte e seis prestações do valor de 4.220,00 Eur. (quatro mil, duzentos e vinte euros), com início a 20.12.2013, e que não foi integralmente cumprido; 59. Pelo que, a filha do extinto casal, GG, para que os pais liquidassem tal dívida e fosse levantada a penhora registada sobre a casa de morada de família, anuiu em contrair um empréstimo junto do Banco 5... em Novembro de 2015, aprovado pelo valor de € 6.296,62 (seis mil, duzentos e noventa e seis euros e sessenta e dois cêntimos);” Neste particular, considerou o Tribunal da Relação de Guimarães que o tribunal de 1.ª instância, não obstante não ter formalmente determinado a reabertura da audiência, fê-lo implicitamente ao proferir despacho de admissão dos documentos e ao conceder prazo para o exercício do contraditório. Observou o tribunal recorrido a este respeito: “o despacho de admissão dos documentos com possibilidade de concessão de contraditório, não foi objeto de qualquer recurso do recorrente, nos termos do art.644º/2-d) do C. P. Civil (via na qual este podia ter defendido a inadmissibilidade da admissão da prova, face ao regime do art.423º do C. P. Civil), transitando em julgado e passando a ter força definitiva no processo, nos termos do art.620º do C. P. Civil. Também, no exercício do contraditório que lhe foi concedido, o autor, a 16.06.2021, não pediu o confronto dos documentos com qualquer outro meio de prova em audiência, o que leva a que a sua arguição de falta deste confronto neste recurso seja extemporânea.” A argumentação do Tribunal da Relação merece-nos total acolhimento: a imputada violação da lei adjetiva deveria ter sido suscitada pelo Recorrente na sequência da admissão do meio de prova pelo Tribunal de 1.ª instância. Não o tendo sido, tal decisão tornou-se definitiva endoprocessualmente - o que constitui um obstáculo intransponível à sua modificação em sede de recurso de apelação interposto da sentença proferida e, por maioria de razão, em sede de recurso de revista. Acrescente-se, no entanto, que o Autor/Recorrente foi expressamente notificado para se pronunciar sobre o conteúdo dos aludidos documentos – não tendo este requerido, oportunamente, qualquer produção suplementar de prova, como deflui da consulta dos autos - pelo que, sob esta ótica, nunca seria de concluir pela existência de uma violação do princípio do contraditório suscetível de consubstanciar uma nulidade processual com influência no exame ou decisão da causa (artigo 195.º, n.º1 do Código de Processo Civil). Aduz o Autor/Recorrente que o Tribunal da Relação não poderia manter na lista de factos assentes o ponto 58. “porquanto o referido documento se encontra incompleto, e, tratando-se de requerimento junto a processo judicial, os factos dele resultantes só poderiam ser valorados se fosse junta certidão do mesmo, o que não sucedeu in casu.” O Tribunal da Relação de Guimarães considerou o seguinte a este propósito: “Por um lado, e preliminarmente, verifica-se que a impugnação realizada é insuficiente para alcançar coerentemente o efeito pretendido pelo recorrente, uma vez que este não impugnou o facto provado em 66- v, no qual o tribunal a quo julgou provado que a 1ª ré pagou à filha do ex-casal, GG, o valor de «€ 4.355, 41 (…) para liquidar o empréstimo referido em 59.», facto este que dá o empréstimo como assente e para as finalidades de liquidação da dívida a que se refere os factos 57 e 58.” Ainda que a matéria constante do ponto 58) respeite à instauração e desfecho de um processo de execução que correu termos sob o n.º 393/11...., não é de exigir para a sua demonstração, documento autêntico consistente na certidão do processo judicial em causa, tendo em conta que a referida factualidade, como bem nota a decisão recorrida, não se integra no “thema decidendum” do presente processo, não constituindo objeto direto da ação, antes aqui revestindo um interesse meramente contextual. Neste conspecto, não existe óbice, do ponto de vista do direito probatório material vigente, a que o Tribunal da Relação considere – como considerou - provados tais factos por confissão ficta (cf. Acórdão do STJ de 6/02/2003, num entendimento que, sem embargo de ter sido expendido a respeito da prova do casamento ou do estado civil, se mostra transponível para a situação em apreço, por respeitar a factos para cuja demonstração a lei exige prova documental tarifada). O Autor/Recorrente acrescenta que não foi produzida prova documental bastante no que concerne ao destino das quantias do empréstimo contraído pela filha do casal dissolvido a que se reporta o ponto 59) da factualidade assente. O Tribunal da Relação, observando estar em causa um facto cuja convicção probatória positiva assentou, por parte do Tribunal de 1.ª instância, no teor de documentos (documentação de crédito pedido pela filha do Autor e da Ré, GG, e dos seus fiadores, QQ e KK, subscrita por estes, e documento que titula acordo de pagamento prestacional de €4 220, 00, entre o aqui autor AA a A... Lda..) e nos depoimentos da testemunha GG e da 1ª Ré, ressaltou que o Autor/Recorrente não impugnou o teor da documentação em análise, nem deu mostras de pretender contrariar a credibilidade suscitada pelos depoimentos gravados, não cumprindo o ónus adjetivo a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, assim como a alínea a) do n.º 2 da mesma disposição, concluindo pela inviabilidade de reapreciação de tais depoimentos. Ora, não invocando o Autor/Recorrente uma atuação desviada pelo Tribunal da Relação, quanto à exercitação dos poderes conferidos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, e não estando nós perante um facto cuja demonstração em juízo esteja dependente da produção de prova vinculada, a apreciação da questão vertente escapa aos restritos poderes de cognição do STJ em sede de matéria de facto (artigo 674.º, n.º3 do Código de Processo Civil). Prosseguindo na sua alegação, o Autor/Recorrente questiona o juízo probatório firmado pelas instâncias a respeito dos pontos 45, 61, 62 e 63 viii), e 69 da matéria dada como assente. Em causa estão os factos com o seguinte teor: “45. Enquanto o crédito que o casal solicitou e referido em 12. não se encontrava aprovado, o autor e a 1.ª ré solicitaram um empréstimo à irmã da 1.ª ré, de nome FF, no valor de € 3.850,00 (três mil, oitocentos e cinquenta euros), para dar início à construção do prédio urbano (…) 61. Ainda por força das dificuldades económicas que vivenciaram e para beneficiarem de período de carência junto da Banco 1...., o casal contraiu ainda um empréstimo com o irmão da 1.ª ré, HH, no valor de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros); 62. Com o qual saldaram prestações bancárias em atraso junto à Banco 1... 63. O terreno sobre o qual foi edificada a casa de habitação do extinto casal, tem o valor comercial: - à data do divórcio, de € 50.000,00 (cinquenta mil euros); - à data da doação, de € 26.000,00 (vinte e seis mil euros) (…) 69. O réu CC tem nacionalidade francesa, reside no estrangeiro e não fala, nem entende português.” Sublinhe-se, a título introdutório, que o Autor/Recorrente não impugnou, em sede de recurso de apelação, a matéria de facto constante dos pontos 62 e 63, razão pela qual inexiste qualquer decisão da Relação a este respeito suscetível de sindicância na presente sede. Já no que se refere ao ponto 45), o Tribunal da Relação, depois de considerar que o aí apelante não observou o ónus a que alude do artigo 640.º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil – decisão essa que o Autor/Recorrente não vem colocar em crise -, não se deixou de pronunciar, a título de argumentação subsidiária, sobre o mérito da pretensão do Recorrente, concluindo pela sua improcedência por duas ordens de motivos: em primeiro lugar, pela circunstância de o Autor não ter impugnado o facto provado em 66 – vii (no qual se considerou provado o empréstimo a que alude o ponto 45) sob escrutínio); em segundo lugar, porque nunca estaria o tribunal impedido de recorrer a prova testemunhal para dar como provada a celebração verbal de um contrato de mútuo, ainda que este, à luz do preceituado no artigo 1143.º do Código Civil e por exceder a quantia de €2 500,00, venha a ser declarado nulo por vício de forma. Esta argumentação merece-nos adesão. Como sublinhou o acórdão do STJ de 15/11/2011 “a falta de observância da forma exigida pelo art. 1143.º do CC para a celebração de contrato de mútuo releva em termos de validade do negócio, mas já não para a demonstração da celebração do contrato”. Se é certo que as razões justificativas do carácter formal do contrato de mútuo se prendem com a extrema falibilidade da prova testemunhal, a verdade é que tal regime, como fazem notar Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª edição, p. 765), não vai ao ponto de impedir que se recorra à prova testemunhal, a valorar de acordo com o princípio da liberdade de julgamento (artigo 607.º, n.º5 do Código de Processo Civil), para efeitos de demonstrar os elementos formativos do mútuo (asserção que, naturalmente, vale para a demonstração do empréstimo a que se reporta o ponto 61). Por outro lado, não se poderá deixar de sublinhar que não se verifica a alegada contradição entre o ponto vertente e o teor do facto 66, vii), tendo em conta que o valor é inferior ao montante emprestado, circunstância que é logicamente compatível com uma liquidação parcial do empréstimo. No que se refere ao ponto 61 dos factos provados, considerou o Tribunal da Relação: “Ora, por um lado, os factos provados em 61 da matéria de facto provada não exigem a produção de prova vinculada documental, cuja falta impedisse a prova do facto. Por outro lado, o recorrente, para além de não discutir a fundamentação do tribunal, referiu-se a depoimentos de testemunhas e da 1ª que pretendeu descaracterizar com base nas relações comerciais que mantiveram entre si, sem indicar qualquer trecho da gravação dos referidos depoimentos que suportassem essa análise, nos termos do art.640º/1-b) e 2-a) do C. P. Civil, falta de cumprimento de ónus este que impede o conhecimento da impugnação para além do fundamento de falta de documento já apreciado.” Mais uma vez, o Autor/Recorrente não invocou a violação pelo Tribunal da Relação do regime adjetivo contido no artigo 640.º do Código de Processo Civil, criticando a decisão por “violar as mais elementares regras da experiência comum”. Ora, o Tribunal da Relação de Guimarães não mobilizou qualquer presunção a este respeito, sendo que, como se fez notar no acórdão do STJ de 29/03/2022 (processo n.º893/19.8T8BJA.E1.S1), o STJ tem excluído do seu controlo o “não uso de presunções judiciais por parte das instâncias, estando-lhe vedado indagar de um eventual erro na ausência de formulação de um juízo presuntivo pelo tribunal “a quo” que, neste domínio, se move no âmbito da liberdade de apreciação da prova escapando ao controlo do STJ.” Cumpre, nesta linha, salientar que os factos em análise (contração de empréstimos, destino do dinheiro obtido com tais empréstimos), não constituem factos para cuja demonstração a lei expressamente exija certa espécie de prova, sendo o juízo realizado a seu respeito, que se moveu no domínio da livre apreciação probatória, insuscetível de ser sindicado em terceiro grau. Por fim, no que concerne ao facto n.º 69, entendeu o Tribunal da Relação, antes de realçar, mais uma vez, que o apelante não cumpriu o ónus adjetivo a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, que “a matéria em causa é apenas contextual e não é relevante para a apreciação da responsabilidade do 2º réu, pelo que a decisão sobre a mesma e sobre a sua impugnação não assume qualquer interesse para a solução do recurso, em qualquer uma das soluções plausíveis das questões de direito.” Com efeito, a jurisprudência do STJ tem-se pronunciado, de modo convergente, no sentido de que o Tribunal da Relação pode apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, sendo-lhe lícito, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por tal se prefigurar como um ato inútil (cf., neste sentido, os acórdãos de 9/02/2021 - processo n.º26069/18.3T8PRT.P1.S1 -, de 28/01/2020 – processo n.º287/11.3TYVNG-G.P1.S1 -, de 13/07/2017 - n.º processo n.º442/15.7T8PVZ.P1.S1). Na presente ação, o Autor formula um pedido de ineficácia do contrato de compra e venda celebrado entre a 1.ª Ré e o 3.º Réu, em representação do 2.º Réu, pelo que os factos consistentes na nacionalidade deste Réu, assim como o seu domínio da língua portuguesa não se afiguram relevantes para a apreciação daquele pedido, à luz das soluções plausíveis de direito aplicáveis. A decisão da Relação de rejeição da apreciação da impugnação não merece, assim, qualquer reparo. Donde se conclui pela improcedência dos argumentos elencados nos pontos 13) a 27) das suas conclusões de recurso. Por outro lado, o Autor impugna a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães em manter como não provados os seguintes factos: “1. Parte do custo inicial da construção da referida moradia foi suportado com o valor da indemnização recebida pelo autor. 2. O custo total da construção importou na quantia de 20.500.000$00 (vinte milhões e quinhentos mil escudos). 3. Sendo que, do referido valor € 42.397,82 (quarenta e dois mil, trezentos e noventa e sete euros e oitenta e dois cêntimos), era dinheiro proveniente da indemnização que o autor recebeu referida de 9. a 11. dos factos provados.” Ora, ainda que preliminarmente o Tribunal da Relação tenha afirmado que o incumprimento pelo Recorrente do ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, poderia determinar a rejeição da apreciação da impugnação, mais uma vez não deixou de analisar o seu mérito, tendo entendido que o teor das declarações de parte prestadas pelo Autor, na ausência de outros elementos corroborantes, se mostra insuficiente para considerar demonstrada a facticidade sob apreciação. Segundo o Tribunal da Relação de Guimarães “a análise da prova indicada pelo recorrente, nos termos do art.640º/1-b) e 2-a) do C.P. Civil (o seu próprio depoimento, com passagem da gravação indicada), limitou-se à matéria do investimento do valor da indemnização provada nos factos 9 a 11 na construção e não se referiu exatamente ao valor da construção alegado e julgado não provado; que o depoimento do autor, para além de vago e contraditado por outros depoimentos da audiência (como o da 1º ré e da testemunha FF), é um depoimento favorável à sua pretensão, que não pode ser considerado prova suficiente para apurar se a indemnização provada nos factos 9 a 11 foi investida na construção da casa de morada de família, se o foi total ou parcialmente e em que termos (que valor da indemnização se encontrava depositado na data em que começaram as obras? Que transferências foram feitas dessa indemnização para pagamento de materiais e serviços? etc) e qual o valor total da construção da mesma (não objeto, sequer, de análise particular do recorrente na impugnação realizada), e, nessa medida, para julgar provado o facto, total ou parcialmente, sem outra prova (testemunhal e/ou documental).” O Recorrente sustenta que, analisando, de forma integrada, a factualidade provada à luz das regras da experiência comum e da prova documental adquirida, a versão dos factos por si narrada é mais verosímil que a versão apresentada pela 1.ª Ré. Conclui que o Tribunal da Relação violou o valor probatório das declarações de parte com fundamento legal no artigo 466.º do Código de Processo Civil, ao decidir pela manutenção como não provados dos factos em apreço. O Recorrente não imputa ao Tribunal recorrido, é bom de ver, um erro na valoração de declarações de índole confessória, antes um erro de valoração das suas declarações sobre factos que lhe são favoráveis. Ora, a lei é lapidar ao estatuir que “o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, alvo se as mesmas constituírem confissão (artigo 466.º, n.º3 do Código de Processo Civil). Encontrando-nos nós no âmbito dos factos sujeitos à livre apreciação de prova, não há como não acompanhar o acórdão do STJ de 14/07/2020 (processo n.º1630/17.7T8VRL.G1.S1) na conclusão de que está “arredada a possibilidade de formulação, por parte do STJ, de quaisquer juízos de valor acerca da livre convicção formada pelo tribunal da Relação sobre este meio de prova, designadamente sobre a existência de eventual erro na sua valoração.” Também neste segmento improcede, pois, a argumentação do Recorrente. O Recorrente refere que o Tribunal recorrido violou as normas dos artigos 369.º e 392.º do Código Civil, ao não considerar provados os factos vertidos nos pontos 6 e 7 dos factos não assentes, não obstante o teor da informação prestada pela AT – a informar que a 1.ª Ré não é titular de qualquer património - e a prova produzida em audiência de julgamento. Em causa estão os seguintes factos: “6. A 1.ª ré não é titular de quaisquer outros bens, cujo valor permita ao autor obter a satisfação do seu crédito. 7. A venda do imóvel impossibilitou que o autor possa obter a satisfação do seu crédito à custa do produto da sua venda.” O Tribunal da Relação decidiu rejeitar a impugnação da matéria de facto neste ponto, atenta a circunstância de o Autor não ter indicado as passagens da gravação que invoca e com base nos quais pretendia a alteração do juízo sobre os factos. Todavia, e como já tinha feito antes, acabou por se pronunciar quanto ao mérito (pelo menos parcial) da impugnação, ao considerar que “a informação das Finanças de inexistência de imóveis da 1ª ré em 14.11.2019 não é suficiente para julgar a inexistência de qualquer património, nomeadamente veículos, ou rendimentos penhoráveis.” Sublinhe-se que o Recorrente não pretende colocar em crise a decisão de rejeição da impugnação, imputando, ao invés, ao Tribunal da Relação a violação de normas de direito probatório material. Mais uma vez, não estamos no domínio de factos para cuja demonstração a lei exija prova tabelada, não podendo o alegado erro acerca da não demonstração da sua existência ser sindicado pelo STJ - sendo de formular idêntica conclusão a respeito do juízo probatório empreendido em relação aos pontos 8 e 9 do elenco de factos não provados. Em particular, realce-se que o valor probatório da declaração da Autoridade Tributária - que, sendo um documento autêntico para efeitos do disposto no artigo 369.º do Código Civil, faz prova plena dos factos nele referidos como tendo sido praticados pela entidade documentadora, assim como dos factos nele atestados com base nas perceções dessa entidade (artigo 371.º, n.º1 do Código Civil) – não tem de ser ponderado nesta sede, uma vez que tal elemento não apresenta, manifestamente, a virtualidade de demonstrar o facto em crise (a ausência de património da 1.ª Ré), na medida em que a demandada poderá dispor de outros bens que não inscritos em seu nome nas Finanças (desde logo, bens móveis). Improcedem, pelo que fica dito, as conclusões do Recorrente constantes dos pontos 36 a 41. 3.2. Da liquidação do património comum do ex-casal formado pelo Autor e pela 1.ª Ré Imputando ao Tribunal recorrido erro no julgamento da matéria de direito, o Recorrente coloca em causa a fixação do quantum compensatório que lhe foi atribuído pela realização da benfeitoria consistente na moradia que foi construída, com dinheiro comum, no terreno da propriedade da 1.ª Ré. Argumenta que lhe cabe ser indemnizado pela 1.ª Ré não apenas pelo valor despendido na parte inicial do imóvel, mas igualmente pela parte do valor que cabe ao património comum do dissolvido casal. Analisando. O Autor e a 1.ª Ré contraíram casamento católico no dia 16/09/1995, sem convenção antenupcial, sob o regime da comunhão de bens adquiridos, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio decretado a 20/02/2014. Como se retira do teor do artigo 1788.º do Código Civil, “o divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as exceções consagradas na lei.”. Com o divórcio extingue-se a comunhão conjugal, cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges. Como ensina Guilherme de Oliveira, cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (artigo 1689.º do Código Civil), sendo que “a partilha, numa aceção ampla, compõe-se de três operações básicas: a separação de bens próprios, como operação ideal preliminar; a liquidação do património comum, destinada a apurar o valor do ativo comum líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges; e a partilha propriamente dita.” (Manual de Direito da Família, 2.ª edição, p.210). O caso em apreço suscita particulares questões no que se refere à liquidação do património comum, no âmbito do cálculo das compensações, por referência às transferências de valores entre os patrimónios – o património comum e os dois patrimónios próprios dos cônjuges -, assim como no âmbito do cálculo das dívidas a terceiros (artigo 1689.º, n.º2 do Código Civil). Não é suscitada discussão que o prédio onde foi construída a outrora casa de morada de família constitui bem próprio da 1.ª Ré, apresentando a moradia a natureza de benfeitoria útil (artigo 216.º do Código Civil). O Recorrente pretende, na presente ação, receber a quantia de €63 631,88, correspondente ao valor atualizado do montante indemnizatório recebido na sequência do sinistro que foi utilizado para suportar os custos iniciais da construção, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento. Este pedido não poderá deixar de soçobrar, tendo em conta que não ficou provado que a indemnização recebida pelo Autor na sequência do sinistro de que foi vítima quando tinha 24 anos de idade, ainda no estado de solteiro, no ano de 1997, no valor de 8.500.000$00 (oito milhões e quinhentos mil escudos) (pontos 9 a 11 dos factos provados) tenha sido aplicada na fase inicial da construção da moradia (ponto 1 dos factos não provados). O Recorrente acrescenta que, ainda que se considere que não aplicou o produto da mencionada indemnização na construção da moradia, ao valor de €7 605,20 fixado pelo Tribunal da Relação a título de compensação devida, sempre terá de se acrescentar o montante de €5 731,50, correspondente a metade do valor das “dívidas à própria filha e familiares da 1ª Ré.”. Em causa estão – ainda que os valores assinalados pelo Recorrente não sejam coincidentes com os que se indicarão – o empréstimo que o casal obteve por parte da irmã da 1.ª Ré, de nome FF, no valor de €3 850,00 (três mil, oitocentos e cinquenta euros), para dar início à construção do prédio urbano (ponto 45), o crédito que a filha comum, GG, contraiu junto do Banco 5... em novembro de 2015 para que fosse levantada a penhora registada sobre a casa de morada de família, pelo valor de €6 296,62 (ponto 59), assim como o empréstimo que o casal dissolvido contraiu junto do irmão da 1.ª Ré, HH, no valor de €1 600,00 (mil e seiscentos euros) (ponto 61). Mostra-se irrefutável, à luz do preceituado no artigo 1689.º, n.º2 do Código Civil, que o património comum é responsável pelas dívidas comuns e só depois pelas dívidas próprias de cada um dos cônjuges. As dívidas em causa (indicadas no ponto 66, v), vi), vii)) foram consideradas pelas instâncias nas operações de liquidação realizadas como devendo onerar o património comum. Efetivamente, não há como eximir o Autor da responsabilidade pelo seu pagamento, considerando que se tratam de dívidas contraídas por ambos os membros do ex-casal para liquidar dívida contraída pelo próprio (cf. artigo 1691.º, n.º1, alíneas a) e c) do Código Civil). Soçobra, também neste segmento, a pretensão do Recorrente. Quanto ao recurso interposto pela Ré: A Ré reclama a atribuição de uma compensação pelo Autor no montante de €17 395,70. O Tribunal da Relação, dissentindo do Tribunal de 1.ª instância, considerou com acerto que o crédito adveniente da construção do imóvel – considerado convergentemente como uma benfeitoria realizada com recurso a bens comuns do ex-casal – constitui um crédito do património comum, e não do Autor, sobre o património próprio do cônjuge mulher. Esse crédito deverá ser computado em €85 000,00, correspondente à diferença entre o valor de alienação da globalidade do prédio (€135 000,00) e o valor atualizado do terreno onde a moradia foi implantada (€50 000,00) – montante que traduz a beneficiação do prédio rústico doado à Ré em solteira. É precisamente este valor de €85 000,00 – que se reconduz a um direito de crédito da titularidade do património comum, a ser compensado pelo património próprio da 1.ª Ré (cf. artigos 1721.º, 1726.º, n.º1 do Código Civil) – que integra o património comum e ao qual deverão ser deduzidas as dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, desde logo as contraídas junto de terceiros. Neste campo, uma vez que o Tribunal da Relação, do montante global (€37 730,12) das despesas consideradas como comuns pelo Tribunal de 1.ª instância apenas deslocou dois items – correspondentes ao valor da comissão imobiliária de €5 000,00 e ao valor do imposto de mais-valias de €4 168, 87 – para a órbita da responsabilidade exclusiva da Ré, pode extrair-se, não sem apreciável esforço interpretativo, dos cálculos aritméticos elencados pela Recorrente, que a mesma pretende impugnar a decisão recorrida nos apontados pontos, que lhe foram desfavoráveis. Considerou o Tribunal da Relação de Guimarães a respeito da comissão devida pela alineação da casa de morada de família: “a) Os factos provados em 31, 32, 33, 38 demonstram que a ré diligenciou sozinha e sem o autor pela negociação e concretização do contrato de compra e venda do seu bem próprio, pelo qual veio a pagar a comissão imobiliária provada em 65-iii), factos estes ocorridos após o divórcio das partes provado no facto 3. A comissão paga pela ré à mediadora, como remuneração do contrato que se presume que tenha celebrado com a mesma para a venda do imóvel, nos termos dos arts.16º ss (e 19) da Lei n.º 15/2013 de 8 de fevereiro, não corresponde a dívida contratual que pudesse ser qualificada como sendo de responsabilidade comum dos cônjuges nos termos dos arts.1691º e 1694º/1 do C. Civil, uma vez que decorre de factos ocorridos após cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, nos termos do art.1688º do C. Civil, e aos quais o autor foi alheio. Desta forma, este valor de despesa não deve ser suportado pelo património comum do casal, com a quota de responsabilidade do ex-cônjuge autor.” Em causa está, pois, dilucidar se a comissão imobiliária paga pela Ré pela venda do imóvel deve ser considerada uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges. De acordo com o que dispõe o n.º 1 do artigo 1694.º do Código Civil, as dívidas que onerem bens comuns são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges, quer se tenham vencido antes, quer depois da comunicação dos bens. Como dá conta Cristina Araújo Dias, “o art. 1694.º fixa duas regras em relação às dívidas que oneram bens certos e determinados: as dívidas que oneram bens comuns responsabilizam ambos os cônjuges; as dívidas que oneram bens próprios são da exclusiva responsabilidade do cônjuge titular desses bens. Quanto às primeiras, o regime é o mesmo quer as dívidas sejam anteriores ou posteriores ao casamento, a fim de evitar que os credores das dívidas anteriores sejam prejudicados nas suas expectativas, pois contariam, naturalmente, com a responsabilidade dos bens por inteiro, para a realização do seu crédito, e não apenas com a agressão ao direito a uma quota ideal desses bens, dado os bens, próprios no momento da contração da dívida, passarem a ser bens comuns em virtude do regime de bens estipulado no casamento.” (Código Civil Anotado – Livro IV – Direito da Família, Clara Sottomayor (coordenação), Coimbra, Almedina, 2020, p. 315). Na síntese de Rute Teixeira Pedro, “do n.º 1 do presente artigo extrai-se a regra de que a oneração de bens comuns por uma dívida, ainda que contraída apenas por um dos cônjuges, dita a comunicabilidade da dívida e tal acontecerá, mesmo que a data de vencimento da dívida seja anterior à da comunicação dos bens.” (Código Civil Anotado, Ana Prata (coordenação), Coimbra, Almedina, 2017, p. 586). Tendo esta sido uma dívida, de fonte contratual, contraída pela 1.ª Ré após a dissolução do casamento, não se vislumbra existir uma conexão especial entre a comissão em causa e qualquer bem comum, podendo, quando muito, estabelecer-se uma ligação entre a remuneração do contrato de mediação imobiliária celebrado pela Recorrente e o bem próprio da 1.ª Ré benfeitorizado, enquanto seu objeto material (recorrendo à expressão utilizada pela alínea c) do artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária). Em suma, a circunstância de a titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel alienado residir, não no património comum do ex-casal, mas no património próprio de um dos cônjuges, obsta a que se conclua pela comunicabilidade da dívida nos moldes pretendidos pela Recorrente. Também pelo facto de residir no património da 1.ª Ré (e independentemente de esta ser o sujeito passivo do imposto) a titularidade do bem sobre o qual incidia o direito de propriedade cuja alienação onerosa determinou um ganho tributado, em sede de mais-valias, de acordo com o regime previsto no artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, não há que fazer repercutir o valor de tal imposto, à luz das regras que disciplinam a responsabilidade por dívidas do casal, no passivo comum. Em suma, nenhum erro de direito (em particular, por referência às normas dos artigos 216º, 1699º e 1722º do Código Civil elencadas pela Recorrente como tendo sido violadas) se vislumbra na efetivação das operações de cálculo levadas a cabo pelo Tribunal recorrido que, ao acervo do património comum (€85 000,00), subtraiu o valor das dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges (no valor de €66 291, 39) e a metade deste saldo – correspondente à meação do Autor, no valor de €9 354,31 (artigo 1730.º, n.º1 do Código Civil) – deduziu o montante, não contestado pelo Autor, de €1 750,00, a título de compensação (artigo 847.º do Código Civil), responsabilizando o património próprio da 1.ª Ré (no qual ingressou a totalidade do preço de venda do imóvel – ponto 38 dos factos provados) pelo pagamento de uma compensação ao Autor no valor de €7 604, 205. Resta, assim, concluir que o acórdão recorrido deverá igualmente ser mantido quanto às efetuadas operações de liquidação do património comum. 3.3. Do preenchimento dos requisitos da impugnação pauliana O Autor pretende, por fim, reverter a decisão de improcedência do pedido atinente à impugnação pauliana formulada, alvitrando ser titular de um crédito sobre a Ré e acrescentando que os Réus agiram em comunhão de esforços com o propósito concretizado de obstar a que Autor recebesse as quantias que lhe eram devidas em resultado da venda da moradia que outrora foi a casa de morada de família do dissolvido casal. O Tribunal da Relação de Guimarães, aplicando a regra da substituição a que alude o n.º 2 do artigo 665.º do Código de Processo Civil, conheceu da vertente questão (cuja apreciação foi considerada prejudicada pelo Tribunal de 1.ª instância), concluindo não ter ficado demonstrado a má-fé bilateral dos Réus necessária à impugnação do ato oneroso consistente na venda da moradia em análise. E com toda a razão. Retiram-se dos artigos 610.º a 612.º do Código Civil os requisitos gerais da impugnação pauliana, a saber: i. Existência de um ato praticado pelo devedor que não seja de natureza pessoal; ii. Que tal ato provoque, para o credor, a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa possibilidade; iii. Sendo tal ato oneroso, que exista má-fé do devedor e do terceiro; iv. Existência de um crédito anterior ao ato; v. Sendo tal crédito posterior, é mister que o ato tenha sido efetuado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor. Estabelece, pois, o artigo 610.º do Código Civil, a possibilidade de o credor impugnar atos que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do seu crédito (por redução do ativo - venda, doação, ou renúncia a direitos - ou aumento do passivo - por assunção de dívida), que não sejam de natureza pessoal (v.g. casamento, divórcio ou adoção), desde que o crédito seja anterior ao ato - ou sendo posterior, tenha sido realizado com o fim de dolosamente impedir a satisfação do direito do futuro credor - e resulte do ato (nexo de causalidade) a impossibilidade para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa possibilidade (com a substituição de um bem, por outro de natureza mais volátil ou deteriorável, a título de exemplo). Tratando-se de um ato oneroso, como o presente, e para além da prova do montante em dívida (artigo 611.º, 1.ª parte, do Código Civil) - cabe ao autor (credor) demonstrar a má-fé do devedor e a do terceiro adquirente (artigo 612º, n.º1, do Código Civil), entendida esta como "a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor" (artigo 612º, n.º2, daquele diploma). Quer dizer, para além da regra segundo a qual os bens do devedor respondem pelas suas dívidas (artigo 601.º do Código Civil) e da livre disponibilidade dos bens (com consagração expressa no artigo 62.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa), uma vez que estão em jogo interesses de terceiros (com relevo para a propriedade e a autonomia privada), entendeu o legislador, em desvio àquelas regras, sujeitar o terceiro à impugnação pauliana, mas só o fazendo com um fundamento sério, relacionado com a violação de princípios fundamentais da ordem jurídica (“in casu”, a boa-fé). Como ensina Menezes Cordeiro, "a boa-fé traduz, na pauliana, não uma vantagem, mas a aplicação do regime normal. Em compensação, a má-fé é penalizada. (...) A própria expressão «consciência do prejuízo», constante da lei, dá conta da presença, no instituto, de um nível axiológico-normativo relevante." (Da Boa Fé no Direito Civil, I, Almedina, 1985, p. 496). Segundo Mário Júlio de Almeida Costa, a má-fé subjetiva prevista no artigo 612.º, n.º2 do Código Civil reconduz-se à convicção do agente “de que o ato ocasiona dano ao credor. O que aponta, com expressiva clareza, para o estado de má-fé em que se analisam o dolo e a negligência consciente.” (Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, pp. 866-867). Com efeito, a má-fé em análise, nas palavras do acórdão do STJ de 13-10-2011 (processo n.º 116/09.8T2AVR-Q.C1.S1), “envolvendo a consciência do prejuízo causado pelo acto impugnado à garantia dos credores do alienante, pode revelar-se sob a forma dolosa, em qualquer das suas modalidades, e ainda sob a forma de negligência consciente, estando, todavia, excluído de tal conceito a mera negligência inconsciente. Na verdade, não se enquadra na expressão legal «consciência do prejuízo» a mera cognoscibilidade do efeito nocivo do acto impugnado sobre a garantia geral dos credores, que se não traduziu ou consubstanciou em efectiva representação ou conhecimento do prejuízo causado, ainda que decorrente da omissão de um pretenso dever de diligência no esclarecimento e averiguação, por parte do adquirente dos bens, de todas as circunstâncias envolventes do negócio, respectivas motivações subjectivas e efectiva situação financeira do alienante dos bens.” No caso em apreço, e independentemente da verificação dos restantes requisitos pressupostos pela figura em análise, é claro que o Autor não conseguiu provar, como lhe competia (artigo 342.º, n.º1, do Código Civil), uma atuação concertada dos Réus visando, com a alienação concretizada, obstar à satisfação de um crédito devido ao Recorrente (cf. ponto 9 dos factos não provados), sendo de acompanhar integralmente o Tribunal da Relação na conclusão de que “o simples conhecimento da certidão predial do prédio, com descrição de uma moradia construída na pendência do casamento (facto 39), não é suficiente para considerar que o 2º réu/comprador tivesse qualquer tipo de consciência, ou devesse ter, que a compra e venda do imóvel doado à 1ª ré quando solteira (facto provado em 5), através de contrato celebrado oficialmente por escritura pública, pudesse lesar os interesses do autor.” Improcede, assim, nesta parte o recurso apresentado pelo Autor. Deste modo, os recursos de revista interpostos pelo Autor e pela Ré têm de improceder IV. Decisão Posto o que precede, acorda-se em negar as revistas, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido. Custas pelos Recorrentes. Lisboa, 25 de outubro de 2022 Pedro de Lima Gonçalves (Relator) Maria João Vaz Tomé António Magalhães |