Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09A0140
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: PODERES DA RELAÇÃO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONTESTAÇÃO
DEFESA POR EXCEPÇÃO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200903030001401
Apenso:
Data do Acordão: 03/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - Não está vedada ao Tribunal da Relação a actividade da aplicação normativa ou a actividade da interpretação jurídica, a propósito da matéria excepcional invocada pelo réu na contestação, ainda que este, na qualidade de recorrido, totalmente vitorioso, nesse segmento da decisão, não possa interpor recurso subordinado, nem requerer a ampliação do objecto do recurso, para obter a reforma da sentença impugnada, na parte em que desatendeu o referido fundamento em que apoiava a sua pretensão, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

II - Na contestação em que o réu deduza alguma excepção, para além de a destacar, separadamente, deve concluir o articulado, igualmente, em termos de a mesma dever ser julgada procedente.

III - O artigo 7.º, do Código do Registo Predial, tem subjacente uma dupla presunção legal, ou seja, a de que o direito registado, a título definitivo, existe e a de que o mesmo pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, mas não garantindo que o direito pertença, na realidade, à pessoa que figura no registo como seu titular ou que esse direito não esteja desfalcado no seu valor, por alguns encargos, porque não sana, radicalmente, os defeitos de que, eventualmente, enfermem os títulos apresentados para registo.

IV - Na acção de reivindicação, que não se enquadra na espécie classificativa das acções meramente declarativas ou de simples apreciação negativa, não tendo o autor demonstrado a factualidade correspondente, por si alegada, como lhe pertencia, deve a acção, desde logo, ser decidida a favor do réu.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AA e esposa, BB, residentes na Rua ......................, em Lisboa, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “CC - Sociedade de Construções, Lda”, com sede na Avª .........................., em Lisboa, pedindo que, na sua procedência, seja declarado e reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre a totalidade dos 1057,1m2 que constituem a área total do prédio urbano descrito na 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n° 5252, do Livro nº B-25, que seja devolvida aos autores a posse dos 651,1 m2 de terreno, correspondentes à área descoberta inscrita no n° 5252, do Livro nº B-25, da 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, que a ré seja condenada a rectificar a descrição, na Conservatória de Registo Predial, do prédio situado, na freguesia de Santos-o-Velho, descrito na 3ª Conservatória do Registo Predial, sob o n° 433, Livro nº B-6, de forma a que a totalidade da superfície do seu prédio seja de 1142,9 m2 e não como, actualmente, consta de 1707,3 m2, verificando-se que o acréscimo de área foi efectuado com prejuízo da propriedade dos autores, e que a ré seja condenada a demolir todas as construções implantadas na propriedade dos autores, invocando, para o efeito, e, em síntese, que estes são proprietários de um prédio urbano, composto por cinco andares e quintal, com 406 m2 de área coberta e 651,1 m2 de área descoberta, descrito na 3a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n°5252, Livro B-25, que obtiveram na sequência do exercício de acção de preferência, vindo a registar a respectiva aquisição, em 13 de Janeiro de 1995.
A ré é proprietária das várias fracções autónomas que integram o prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, descrito na 3a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n°433, do Livro B-6.
Tendo os autores iniciado, junto da Câmara Municipal de Lisboa, um processo para constituição da propriedade horizontal, vieram a ser informados que a área do seu prédio e a do prédio da ré não cabia dentro do espaço em planta, que era de 2200 m2, sendo certo que este último, cuja área inicial era de 1113,3 m2, aparece hoje registado com uma área total de 1707,3 m2.
A isto acresce, continuam os autores, que a ré tem realizado construções, no logradouro do prédio dos autores.
Na contestação, na parte que ainda interessa à apreciação do mérito da revista, a ré alega que a área descoberta de 651,1 m2, constante da descrição predial do prédio dos autores, foi integrada no prédio daquela, há mais de 100 anos, pertencendo, desde 1905, ao prédio da mesma, e que, desde então, os sucessivos proprietários e possuidores deste prédio sempre estiveram, na posse daquela parcela de 651,1 m2, adquirindo-a, por usucapião, enquanto que, em sede reconvencional, pede se declare a manutenção da posse da ré sobre todo o pátio/logradouro, se reconheça o direito de propriedade da ré sobre toda a área existente entre as fachadas dos prédios A e B, com as dependências nela edificadas, numa área total de 1.208,6 m2, sendo 604,3 m2 da área descoberta e 604,3 m2 de área coberta, se declare integrada nessa área do prédio A a área de 651, m2, que consta da descrição predial do prédio B, como área descoberta, cancelando-se e eliminando-se, em consequência, tal área da respectiva descrição predial, que se condenem os autores a reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade e a posse da ré sobre todo o pátio/logradouro, na sua extensão de 1.208,6 m2, que os autores sejam condenados a taparem as janelas que, ao nível do piso térreo, dão, directamente, para o pátio/logradouro do prédio da ré, que os autores sejam condenados a restituírem o acesso ao posto de transformação e a demolirem a construção que sobre ele fizeram, que os autores sejam condenados a absterem-se de quaisquer actos materiais ou jurídicos, praticados no seu prédio B, que violem ou prejudiquem o direito de propriedade da ré sobre o seu prédio.
Na réplica, os autores defendem a improcedência da contestação-reconvenção, concluindo como na petição inicial.
A sentença julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré dos pedidos e a reconvenção, parcialmente, procedente, condenando «os AA a reconhecerem à R. o direito de propriedade do prédio de C), com a superfície total de 1.707,6 m2, sendo que o prédio da Ré compreende toda a área existente entre as fachadas dos prédios de C) e G), com as dependências nela edificadas, isto é compreende todo o pátio/logradouro, a rectificarem a descrição do prédio de G) de modo a que não haja menção de área descoberta a reconhecerem que, sem outros cálculos mais rigorosos, o prédio dos AA terá de área total, e toda coberta, 492,4 m2, a reconhecerem que o prédio dos AA confina nas traseiras com o muro de AL) a reduzirem a janela que nas traseiras do prédio dos AA deita para o da Ré, ao nível do piso térreo (a que se pode ver na foto de fls. 275, mais à direita, por sob as telhas), às dimensões anteriores - de fresta», no mais absolvendo os autores do respectivo pedido reconvencional.
Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando a decisão impugnada.
Do acórdão da Relação, os mesmos autores interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que determine o lapso registral no actual prédio da ré, e, em consequência, seja tal registo predial rectificado para uma área superficial única de 1103,30m2, sendo que a área superficial do actual prédio dos recorrentes, isto é, 406m2 de área coberta e 651,10m2 de área descoberta (pátio) deverá manter-se, tal como consta da descrição predial originária, que é coerente e perfeita, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1ª - A competência do STJ no denominado recurso de revista cinge-se à apreciação da matéria de direito, isto é, à aplicação do direito aos factos.
2ª - Face à motivação de recurso apresentada pelos apelantes, o Tribunal da Relação de Lisboa teve a necessidade de alterar/excluir matéria de facto julgada incorrectamente pelo tribunal em primeira instância, bem como aditar factos novos, todos eles resultantes dos averbamentos constantes das certidões de registo predial de ambos os prédios.
3ª - Da matéria de facto transcrita na motivação de recurso, repare-se que, propositadamente, os apelantes fazem sobressair (com letra maior) os factos susceptíveis do enquadramento jurídico.
4ª - Isto porque, como o Tribunal da Relação de Lisboa evidenciou e bem que, ao contrário do que pretendiam os apelados, a questão da eventual usucapião não pode ser apreciada pelo tribunal de recurso - vide págs. 22 e 23 do acórdão recorrido:
Dispõe o n°1 do art. 684-A do CPC que no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
Ora, como explicam Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes cabendo no n1 do art. 684-A quer a situação de causas de pedir ou fundamentos de defesa alternativos, quer a de pluralidade de causas de pedir ou fundamentos de defesa em que um é indicado como principal e o outro (ou outros) como subsidiário, o mesmo só se aplica quando o tribunal recorrido tenha, efectivamente, conhecido, julgando-o improcedente, o fundamento em causa: a parte vencedora há-de ter nele decaído.
Se, ao invés, tal fundamento invocado pela parte em 1a instância não tiver chegado a ser apreciado - designadamente por ser subsidiário e proceder o fundamento principal - o tribunal de recurso dele não poderá conhecer sem necessidade de requerimento de ampliação.
No caso que nos ocupa e no que respeita ao fundamento/causa de pedir usucapião o tribunal de 1a instância dele não conheceu por considerar prejudicada a sua apreciação. Não estaremos, pois, propriamente perante a previsão do n°1 do art°. 684-A do CPC, uma vez que a R./Reconvinte não decaiu nesta parte.
5ª - Todavia, o Tribunal da Relação de Lisboa no que respeita à subsunção jurídica dos factos teve a necessidade de se socorrer da figura do usucapião, que ab initio e de forma expressa considerou vedada, dando assim razão aos apelados.
6ª - Aliás, os pontos 10 e 11 do capítulo IV do Acórdão recorrido - vide págs. 42 a 44 - são sintomáticos dessa mesma apreciação em sede de usucapião – com inúmeras referências à duração da posse do imóvel por parte dos recorridos, aos alegados pagamentos fiscais, às alegadas benfeitorias realizadas, ao conhecimento que terceiros de que os recorridos seriam os proprietários, etc - terminando o ilustre colectivo “a quo” no ponto 11 que, "conscientes embora do excesso (...) não oferece dúvidas, pois, a posse da ré (e dos seus antecessores) quer a aquisição, por usucapião da área descoberta de 604,3m2 a que se reportam os autos”.
7ª - Ou seja, o Tribunal recorrido acaba por aplicar a mesma figura jurídica - usucapião - que, páginas antes, vedara juridicamente e bem a sua apreciação.
8ª - É essencialmente por essa razão que agora se recorre para V. Exas., pois consideram os apelantes que a solução jurídica dos presentes autos não pode passar pela aplicação da figura da usucapião - nem sequer discutida/apreciada em julgamento – mas sim pelo verdadeiro enquadramento jurídico dos factos.
- Nem se alegue que o Tribunal da Relação dirimiu a questão com base na presunção da titularidade do direito nos termos do art°. 1268° do C.C.
10ª - É que a presunção de titularidade do direito a que alude o art°. 1268° do C.C., cuja previsão jurídica é bastante próxima da figura do usucapião, cessa se existir a favor de outrem (neste caso os apelantes) presunção fundada em registo anterior ao início da posse - que é claramente o caso, cfr. facto aditado dado como provado "AU".
11ª - Por outro lado a presunção a que alude o art°. 7o do Código de Registo Predial não abrange circunstâncias descritivas, como o são as confrontações e áreas dos prédios, pelo que, esse mesmo entendimento deve, então, ser válido para ambas as partes e não só de aplicação aos apelantes.
12ª - Para efeitos de presunção da titularidade do direito, é também irrelevante o facto dado como provado "AX" que, por óbito de D. DD, terá sido inventariado o referido pátio do prédio dos apelantes e passado a pertencer ao prédio dos apelados, pois para que assim fosse tal averbamento teria de ter sido feito também no registo predial do imóvel dos apelantes, de forma a vinculá-los também.
13ª - Nesta matéria, mais uma vez, o Tribunal da Relação de Lisboa dá razão aos apelantes, vide pág. 39 do aresto recorrido:
"É certo que na ocasião não foi mencionada no Registo qualquer desanexação ao prédio com frente para a Rua ........... (actualmente com frente para o Largo..................), ou seja qualquer desanexação relativa ao prédio que agora pertence aos AA. (...)
À época (1905) era o Código de Seabra nos seus art°s. 949 e seguintes que disciplinava na sua essência a matéria de Registo Predial - regulamentada através do regulamento de 20 de Janeiro de 1898.
Não se põe em causa que o averbamento n° 4 acima mencionado justificaria, na mesma ocasião, um correspondente averbamento de desanexação ou alteração nos elementos essenciais da descrição, originaria o averbamento em causa".
14ª - Ou seja, para efeito de presunção de titularidade do registo, agora em beneficio da R./Apelada era necessário que tal averbamento constasse do registo predial do prédio dos apelantes, pois nesse caso esse averbamento era necessário para colocar em crise a inscrição registral inicial. Mas esse não é o caso !
15ª - Ademais, considerando o Tribunal da Relação de Lisboa que os apelantes não têm razão no concernente à eventual má relação da verba no inventário por morte de D. DD, uma vez que inexistem elementos suficientes para indagar da real vontade dos intervenientes,
16ª - Por coerência de raciocínio, a mesma argumentação, se válida, deve ser tomada em consideração para a interpretação da descrição que é feita dessa mesma verba inventariada.
17ª - Ou seja, consta a verba n° 137 relacionada no inventário por óbito de EE, e que levou ao averbamento n° 4 da descrição predial do actual prédio da apelada, o seguinte:

"Um prédio urbano na rua ................., freguesia de Santos-o-Velho, com os números de polícia duzentos e noventa e oito a tresentos e quatorse e se compõe d lojas, primeiro, segundo, terceiro andares e águas furtadas e um páteo com telheiro e barracões onde estão instaladas cavalariças, machina de serração de pedra e deposito de cantaria, tendo o referido páteo e barracão entrada por um corredor cujo portal é para a Rua............. e tem o número ......... sendo actualmente todo este páteo pertença deste prédio" (certidão de fls. 226 e seguintes).

18ª - Como os apelantes referiram anteriormente em sede de motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, entendimento que aqui represtinam, a interpretação que se está a fazer desta descrição pode não ser, efectivamente a mais correcta, beneficiando-se duplamente dessa forma a apelada, em claro detrimento dos ora recorrentes.

19ª - Por um lado, quer-se atribuir relevância jurídico-registral a um averbamento que não tem correspondência no registo do prédio dos apelantes, por outro lado, desconhecendo-se a vontade real das partes interpreta-se esta descrição de forma abusiva, senão vejamos:

20ª - É líquido que desde a sua construção ambos os prédios em discussão, nas suas traseiras, beneficiam de pátios autónomos, embora contíguos, é aliás isso que decorre da inscrição registral.

21ª - O que agora a apelada pretende é que o pátio dos apelantes seja declarado sua propriedade, com base no referido averbamento de inventário por morte de D. DD, e com mais umas confusões à mistura que o Tribunal da Relação de Lisboa teve também o mérito de elucidar.

22ª - Sucede, porém, que desconhecendo-se actualmente a vontade real do inventariante, a interpretação da descrição da verba de inventário deve, o mais possível, ser fiel à sua letra e não tanto ao espírito (pois este estará relacionado com a vontade daquele que se desconhece).

23ª - E a verdade é que, se atentarmos bem na descrição da verba, e se V. Exas. tal como os apelantes fizerem o exercício de sobressair do texto as referências a "pátio", rapidamente constatamos que o pátio a que sempre se alude é efectivamente o pátio já pertença do prédio da apelada.

24ª - Repare-se que no referido texto é feita uma primeira referência ao pátio na descrição que se faz do prédio da apelada (isso parece ser inegável); depois faz-se referência novamente a esse pátio, na medida em que expressamente se diz «tendo o "referido"pateo» e mencionando-se ainda que a entrada se faz pela antiga Rua .................. (actual Largo Vitorino, daí também ter sido registado em ambos os registos a serventia comum para o pátio) e finalmente a última referência a pátio é acompanhada do pronome demonstrativo "este”.

25ª - Ora, os pronomes demonstrativos servem para fazer referência ao que já foi referido, isto é, ao pátio que já tinha sido aludido no mesmo texto.

26ª - Pelo que, do texto descrito na verba de inventário e posteriormente apenas registado no registo predial do prédio da apelada, em lado algum se retira ou se interpreta que se está a referir ao pátio dos apelantes.

27ª - E ao assim se entender está-se não só a presumir abusivamente através de uma interpretação não consentânea com a eventual vontade do inventariante que se desconhece (como bem lembrou o Tribunal da Relação de Lisboa), como da letra do texto se retira interpretação manifestamente diversa.

28ª - Em suma, a referência ao pátio relacionado na verba n° 137 do inventário diz respeito ao pátio já edificado com barracões e telheiros que sempre pertenceu ao prédio da Av. ......., com área de 604,30m2.

29ª - Assim, Venerandos Conselheiros, nesta questão em particular no que concerne ao averbamento n° 4 consideram os recorrentes que em nome da coerência de argumentação só pode configurar-se como possível um de dois caminhos:

30ª - Ou se concede, tal como também defendemos em sede de motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que a verba n° 137 se encontra mal relacionada no inventário por óbito de EE, por não respeitar a descrição predial n° 433 e que levou ao averbamento n°4 da descrição predial do actual prédio da apelada, sem que esse mesmo averbamento conste do prédio dos ora recorrentes.

31ª - E nesse caso a solução jurídica, na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2004, proc. 03A4140, in www.dqsi.pt passará pela rectificação da descrição da verba n° 137 do inventário, pois a descrição nessa mesma verba por inventário da esposa de FF, no que concerne ao prédio sito na Av. ......., não respeita a descrição predial em livro n° 433 desse mesmo prédio.

32ª - Ou caso se entenda que essa não é a via juridicamente aceitável por se desconhecer a vontade real do inventariante, em nome da coerência e lógica de argumentação, também não se pode presumir qual a vontade do inventariante na descrição que fez da verba n° 137, tendo que se proceder a uma interpretação da mesma o mais fiel possível do texto apresentado, pelo que,

33ª - A referência ao pátio relacionado na verba n° 137 do inventário deve ser compreendida referindo-se ao pátio já edificado com barracões e telheiros que sempre pertenceu ao prédio da Av. ......., com área de 604,30m2.

34ª - Na verdade, no registo predial em livro do prédio da apelada, desde 1880 nunca se descreve qualquer pátio ou área descoberta porque desde início o pátio daquele prédio foi logo edificado com barracões e telheiro e oficinas, conforme consta do averbamento n°1 junto à descrição predial.

35ª - O lapso registral aparece muito recentemente em 23 de Março de 1995, pelo Averbamento n° 000000000 da descrição predial do actual prédio da apelada, onde se encontra, para além da área coberta de 1.103,3m2 (corresponde à área de implantação do prédio de 499m2 mais a área das duas

dependências edificadas no pátio (as antigas barracas, telheiros, armazéns),

com área de 604,3m2, uma segunda inscrição de área descoberta com os

mesmíssimos 604,3m2 alusiva a um pátio, e que poderá ser explicado aí

sim, por um lapso de duplicação de áreas.

36ª - Atente-se no facto de bem antes dessa data, já em 1971 se encontrava registado na descrição predial do actual prédio dos recorrentes que "o prédio n°5252 é situado no Largo ..........., actual denominação da antiga Rua de............ para onde tem os n°s 3, 3-A, 3-B, 3-C, 3-D, 3-E, 3-F e 3-G de polícia em substituição dos antigos n°s. 33 a 49, ocupa a superfície coberta de 406 m2, tem quintal com a área de 651,10 m2 e o valor de 2,523.720$00”.

37ª - Com efeito, somadas ambas as áreas, a coberta de 406m2 e a descoberta de 651,10m2, encontramos a área total de 1057,10m2 que consta inicialmente da descrição predial.

38ª - Ou seja, os três andares e águas furtadas constituem a área coberta de 406m2 e os armazéns situavam-se na área descoberta de 651,10m2.

39ª - Já em 1975 a alteração do prédio dos apelantes é apenas realizada no que diz respeito à sua extensão vertical passando de 3 andares para cinco andares, conforme se encontra actualmente, não se alterando em nada a área descoberta de que sempre dispôs - os 651,10m2.

40ª - Isto é, em momento algum essa área descoberta é desanexada da descrição predial do actual prédio dos recorrentes.

41ª - Não existindo em 1995, nem antes nem depois dessa data, qualquer destaque ou desanexação no registo predial do prédio dos recorrentes.

42ª - Daí, actualmente se encontrar na certidão do registo predial do prédio urbano sito na Av. ....... n°s. 54, 54-A a 54-H, freguesia de Santos o Velho, em Lisboa, descrito na 3a Cons. Reg. Predial de Lisboa com o n°............. área coberta de 1103,30m2 mais uma área descoberta de 604,30m2.

43ª - Esta sim, foi por lapso registral incluída na descrição predial do actual prédio da apelada.

44ª - Aproveitando tal facto, juntamente com a relação da verba n° 137 no inventário por óbito e subsequente averbamento n° 4 de 1905, quis a ré fazer crer que o pátio de 651,10m2 dos recorrentes lhes pertence por ser a mesma área descoberta de 604,30m2 que a descrição predial da ré desde sempre teve averbado, o que é falso!

45ª - Não só não é a mesma área, como se observa pelas descrições prediais iniciais, como tal área nunca esteve contemplada.

46ª - Finalmente, sempre se deverá entender que nunca seria suficiente um averbamento unilateral num só registo para efectuar o destaque ou a desanexação de um pátio e anexá-lo a outro prédio, em prejuízo de direitos de outrem, designadamente o direito real de propriedade.

47ª - Por outras palavras, tal averbamento nunca poderia servir para colocar em crise a presunção de titularidade do direito de propriedade dos apelantes fundada em registo anterior, na medida em que um determinado averbamento registral, seja ele qual for, só reproduz alterações jurídicas na esfera jurídica daquele respectivo prédio e não noutros que nem sequer têm conhecimento da existência desse mesmo averbamento.

48ª - Em suma, a solução jurídica também não pode ser alcançada pela presunção da titularidade do direito como pretende perpassar o Tribunal da Relação de Lisboa, paredes meias, com a figura da usucapião cuja apreciação se encontra vedada.

49ª - Como escrevem os ilustre professores Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao art°. 1268° do CC: “Na segunda parte do n° 1 admite-se uma excepção à presunção legal. Havendo colisão entre a presunção resultante da posse e a presunção fundada no registo dum direito anterior ao início da posse, prevalece esta última (cfr. o acórdão do STJ de 4-7-1972, anot Por Vaz Serra na Ver. De Leg e de Jur., ao ano 106° págs. 281 e segs.).

A presunção derivada do registo é assim definida no artigo 8o do Código de Registo Predial: "O registo definitivo constitui presunção não só de que o direito registado existe, mas de que pertence à pessoa em cujo nome esteja inscrito, nos precisos termos em que o registo o define".

50ª - Entendem os apelantes que efectivamente a boa solução jurídica para a causa não pode ser encontrada nem na presunção da titularidade do direito pelo que acima se expôs, nem através da figura da usucapião cuja apreciação se encontra vedada pelos motivos apontados pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

51ª - Assim, entendem os apelantes que a solução jurídica passa pelo respeito das inscrições registrais que titulam o direito de propriedade.

52ª - Isto porque, por um lado, o averbamento no livro registral do prédio da apelada não pode produzir efeitos que prejudiquem o direito de propriedade de terceiros, in casu, dos apelantes, uma vez que inexiste qualquer correspondente desanexação ou destaque no registo predial do prédio destes,

53ª - Ademais, o averbamento n° 4 ou se encontra mal relacionado (por desrespeito à inscrição predial originária do prédio dos apelantes que não sofreu qualquer alteração) ou é susceptível de interpretação diversa da que a apelada pretende fazer crer.

54ª - Pelo que, desconhecendo-se a vontade real do inventariante ter-se-á de respeitar a letra do texto, expurgando-se todas as interpretações abusivas por não serem consentâneas com a sua letra.

Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser negado provimento à revista, mantendo-se a decisão recorrida.

O Tribunal da Relação declarou demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça tem como aceites, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

A acção deu entrada em 28 de Outubro de 2004 – A).

A ré reconhece que um dos pedidos formulados pelos autores é de serem restituídos na posse da área de 651,1 m2 – B).

A ré tem registada, a seu favor, na 3a CRP de Lisboa, a propriedade plena do prédio n° 00000000000, da Freguesia de Santos o Velho, situado na Av. ....... n°s 54, 54 -A a 54 -H, em Lisboa, urbano, artigo matricial 473. Consta da mesma descrição que a área coberta do prédio é de 1.103,3m2 e a descoberta de 604,3m2, conforme fls. 475 – C).

Em matéria de composição e confrontações, consta da descrição que: "composto de rés-do-chão, 1o, 2o, 3o, 4o andares e logradouro, com duas dependências com a área coberta de 604,30 m2. Fracções autónomas A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N" – D).

Depois, em matéria de composição e confrontações, é averbada uma informação anterior, ap. 18 de 22-1-2003, traduzida em alteração, ficando a constar da descrição que: "composto de lojas destinadas a comércio, 1o, 2o, 3o, 4o andares destinados a habitação, duas dependências e um pátio" – E).

Depois, em matéria de composição e confrontações, é averbada uma informação anterior, ap. 1 de 11-7-1997, traduzida em alteração, ficando a constar da descrição que é composto de lojas destinadas a comércio, 1o, 2o e 3o andares destinados a habitação e duas dependências e um pátio" – F).

Os autores têm registada, a seu favor, na 3o CRP de Lisboa, a propriedade plena do prédio n° 529/19930405, da Freguesia de Santos o Velho, situado no Largo..................., 3-A a 3- G, em Lisboa, urbano, artigo matricial 326. Consta da mesma descrição que a área coberta do prédio é de 406 m2 e a descoberta de 651,lm2, conforme fls. 29 – G).

Os autores adquiriram a propriedade do prédio de G), por via de acção de preferência, na sequência de douto Ac. do STJ, transitado em julgado a 24-11-1994 – H).

Em 1997, os autores iniciaram, junto da Câmara Municipal de Lisboa, um processo para constituição de propriedade horizontal – I).

O processo correu todos os seus termos, até que, em 23 de Julho de 2003, os autores são notificados, pela CML, do indeferimento - com ref. ao doc. n° 7 junto com a p.i. – J).

Uma vez que o somatório das áreas descobertas aparenta ser superior à área disponível e não existe nenhum elemento físico que determine os respectivos limites – L).

Esta constatação do departamento refere-se ao facto das áreas dos dois prédios - o dos autores e o da ré, não caberem dentro do espaço em planta, que é de 2.200m2 – M).

Que estando registado o prédio dos autores com uma superfície de 1.057,1 m2 e o da ré com uma superfície de 1.707,3 m2, não cabem no mesmo espaço real – N).

Desde, pelo menos, o averbamento n° 4 da descrição predial do prédio de C), que os sucessivos proprietários e possuidores deste agiram na convicção de que toda a área descoberta (com as respectivas edificações) implantadas entre as fachadas dos prédios da ré e dos autores (de C) e G)), pertencia ao prédio de C), sempre agindo pois como proprietários de tal área – T).

Sempre a consideraram incluída no arrendamento de 1878, e, mais tarde, no de 1919, a “FF & Filhos, Lda”, cobrando as respectivas rendas e destas dando quitação – V).

Sempre preservaram e cuidaram de tal área – X).

Pagaram as respectivas contribuições – Z).

A posse sempre foi pública, perante todos, incluindo os sucessivos proprietários do prédio de G), os quais sempre agiram como se, efectivamente, o pátio lhes não pertencesse, e pertencesse ao prédio de C) – AA).

Em toda a vizinhança, e fora dela, aquele espaço sempre foi conhecido como pertencendo ao prédio de C) – AB).

Nunca ninguém questionou, até à propositura da presente acção, a posse e a propriedade da ré e dos seus antecessores, sobre o pátio/logradouro – AC).

A posse é titulada - fundamenta-se na escritura de partilha por óbito de EE, e em todos os subsequentes títulos – AD).

É de boa fé, pois foi adquirida com o acordo de todos os então comproprietários, e pacífica – AE).

A posse verifica-se ininterrupta, desde 1905 – AF).

O prédio de C) teve os seguintes proprietários-possuidores: FF- de 1870 a 1900; Por falecimento de sua mulher, EE, foi adjudicado, em comum e partes iguais, aos filhos de então, GG e HH; Por falecimento dos anteriores, veio a pertencer em partilha, a totalidade do prédio, à filha do 1o - II; Por falecimento desta, foi herdado por seus primos, JJ e KK, em partes iguais; foram estes que o venderam à sociedade LL SA”, que, por sua vez, em 1996, o vendeu à sociedade “MM & Costa - Sociedade De Construções Lda” – AG).

Os autores são proprietários recentes do prédio, desde 1994 – AH).

Os antepossuidores do prédio de G) "fecharam" o espaço que existia entre a fachada traseira do prédio de G) e o muro que, à distância de cerca de 2 metros, o acompanhava, ao longo de toda esta fachada, integrando o espaço que daí resultou nos andares térreos do prédio de G) – AL).

E, sem qualquer autorização, abriram as janelas que se vêem na fotografia de fls.275 – AM).

A janela da esquerda resultou do alargamento de uma fresta que existia no mesmo lugar, e foi aberta pelos autores, há cerca de oito anos - NA).

A outra, a da direita, foi aberta por ante proprietários do prédio dos autores, aproximadamente, em simultâneo com a integração daquele espaço no correspondente andar térreo do prédio de G), ou seja - há décadas – AO).

A abertura de tais janelas foi, directamente, para o prédio vizinho - pátio do prédio da ré ( o de C)), sem autorização – AP).

A construção que a ré pretende que seja destruída está implantada no espaço do piso térreo, entre um muro ali existente e a edificação principal do prédio dos autores que corresponde ao quintal, que a ré reconhece ser dos autores – AQ).

O prédio 00000000000 foi, inicialmente, descrito no Registo Predial, sob a descrição n° 433, com referência à data de 7 de Fevereiro de 1868, nos seguintes termos: «Prédio urbano em construção, situado na Rua 0000000. perfazendo uma área superficial de mil cento e três metros quadrados e trinta centímetros» (certidão de registo predial a fls. 694) – AR).

Segundo o averbamento n°1 àquela descrição, tal prédio «cuja construção ou edificação se acha completada, tem actualmente os n°s de polícia 298 a 314 para a Rua 00000000 de .........e compõe-se de três andares, águas-furtadas, telheiros, barracão e mais oficinas» (certidão de registo predial a fls. 694) – AS).

Em 21 de Junho de 1880, foi inscrita, a favor de FF, «o domínio do terreno mencionado na descrição predial n° 433 que comprou à Câmara Municipal de Lisboa...no qual existe edificado o prédio urbano incluído ou especificado na mesma descrição, ficando por efeito dessa edificação inscrito também o mesmo prédio...» (certidão de registo predial a fls. 696) – AT).

O prédio 000000000 foi, inicialmente, descrito no Registo Predial, sob a descrição n° 5252, com referência à data de 21 de Junho de 1880, nos seguintes termos: «Um terreno na Rua ........., para onde tem a sua frente principal...perfazendo tudo uma área de 1.051,10 m2...Encontrando-se sobre este espaço, assim medido e confrontado, edificado um prédio urbano composto de armazéns, três andares e águas-furtadas, com os n°s de polícia 33 a 49» (cópia de certidão de Registo Predial, a fls. 7 dos autos) – AU).

Verificando-se, na mesma data, a seguinte inscrição: «...fica inscrito a favor de FF..a transmissão do terreno descrito sob o n° 5252...que comprou à Câmara Municipal de Lisboa...no qual edificou o prédio urbano mencionado na supra dita descrição, ficando por efeito dessa edificação inscrito também o mesmo prédio...» (cópia de certidão de Registo Predial, a fls. 9 dos autos) – AV).

Procedendo-se a inventário, por óbito de D. DD no qual foi inventariante aquele FF, foi ali descrito o seguinte prédio (verba n° 137): «Um prédio urbano na rua ..........., freguesia de Santos-o-Velho, com os números de polícia duzentos e noventa e oito a tresentos e quatorse e se compõe de lojas, primeiro, segundo, terceiro andares e águas furtadas e um pateo com telheiro e barracões onde estão instaladas cavalariças, machina de serração de pedra e deposito de cantaria, tendo o referido pateo e barracão entrada por um corredor cujo portal é para a Rua ............... e tem o número ......, sendo actualmente todo este pateo pertença deste prédio» (certidão de fls. 226 e seguintes) – AX).

Metade do aludido prédio foi dado em pagamento a GG e a outra metade a DD, embora com sujeição a usufruto, a favor do dito FF (mesma certidão) – AZ).

Com data de Fevereiro de 1905, foi feita a inscrição, a favor daqueles KK, da transmissão supra mencionada, constando, igualmente, com data de Março de 1905, o seguinte averbamento - averbamento n° 4 - relativo à descrição do prédio: «o pateo com telheiro e barracão que existem entre esta propriedade (nas suas trazeiras) e o prédio com frente para a Rua ........., descripto sob o n° 5252 fica por efeito de assim descripto e partilhado no respectivo inventário, pertencendo exclusivamente ao prédio n° 433» (fls. 694 e 697) – BA).

Em Junho de 1880, foi inscrito, no Registo Predial, com referência ao prédio n° 433, a favor da sociedade «FF & Filhos», «o ónus real do arrendamento que lhe foi feito por FF» de «umas oficinas, telheiros e barracões sitos na Rua ....... ... com pateos e respectivas serventias pela mesma Rua n° 304 e pela Rua de ................, o que tudo faz parte do prédio descrito sob o n°433...» (certidão de Registo Predial, a fls. 698 e a fls. 11) – BB).

No mesmo mês, foi inscrito, no Registo Predial, com referência ao prédio nº 5252, a favor da sociedade «FF & Filhos», «o ónus real do arrendamento que lhe foi feito por FF» de «umas oficinas, telheiros e barracões sitos na Rua ....... ... com pateos e respectivas serventias pela mesma Rua n° ........e pela Rua de ...........o que tudo faz parte do prédio descrito sob o n°433... sendo a dita serventia pela Rua ............. comum a este prédio e ao descrito sob o n° 5252...» (cópia de certidão de Registo Predial a fls. 11) – BC).

Por escritura pública, celebrada em 5 de Janeiro de 1919, GG e KK deram de arrendamento parte do prédio, sito na Rua ......., à sociedade «FF& Filhos, Lda.» (certidão de fls. 744 a fls. 749), tendo, na sequência, em 20 de Janeiro de 1919, sido inscrito, no Registo Predial, a favor da sociedade «FF & Filhos, Lda.», o arrendamento que lhe foi feito pelos supra mencionados GG e HH «do pateo com suas serventias e edifícios para officina de canteiro, cavalariça, armazém, atelier de escultura e serração de pedra, armazém onde se encontra o escritório e para a venda de outros produtos com os n°s 54-E e 54-H, tudo pertença do prédio descrito sob o n°433...» (certidão de Registo Predial, a fls. 710) – BD).

Em 22 de Fevereiro de 1995, entre «Tora - Sociedade Imobiliária, SA» e «FF & Filhos, Lda.» foi celebrada escritura pública de «Alteração de Arrendamento», nos termos da qual acordaram em alterar o arrendamento, celebrado em 5 de Fevereiro de 1919, no sentido de deixar de estar incluído no mesmo o que é hoje a loja com os n°s 54-E a 54-H e que constituía na data do contrato "o armazém onde se encontra o escritório e para venda de outros produtos" passando o objecto do arrendamento a ser apenas o pátio do referido prédio, com serventia pelo n° .prédio sito no Largo ............., com a superfície descoberta de, aproximadamente, 604 rn2 e as suas dependências para oficina de canteiro, armazém, atelier de escultura e serração de pedra» (doc. de fls. 389-393)» - BE).


Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da usucapião.

II – A questão da rectificação do registo predial como fundamento do pedido.

I. DA USUCAPIÃO

Sustentam os autores que a verdadeira essência da revista reside na indevida aplicação, pelo acórdão da Relação, do instituto da usucapião, porquanto, não tendo sido apreciada a respectiva factualidade integrante, enquanto fundamento do pedido reconvencional do reconhecimento, a favor da ré, do controvertido espaço de 651,1m2, em virtude da procedência da acção que o prejudicou, tal constituiria um desrespeito ao estatuído pelo artigo 684º-A, nº 1, do CPC.

Dispõe o artigo 684º-A, nº 1, do CPC, que “no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.

Efectivamente, não poderia a ré, enquanto parte vencedora, como não o fez, na hipótese em análise, solicitar à Relação, ainda que, subsidiariamente, nas alegações da apelação, o conhecimento do fundamento do pedido reconvencional, em que se traduziu a usucapião, prevenindo a eventualidade daquele tribunal de recurso julgar procedente a acção, pela simples razão de que a ré não decaiu no mesmo, por não ter sido objecto de conhecimento judicial, porquanto ficou prejudicada a sua apreciação com o insucesso da acção.

Ora, não tendo a recorrida ficado, minimamente, vencida nesse segmento do pedido que contendia com a usucapião, não podia, consequentemente, recorrer da sentença, nessa matéria, atento o preceituado pelo artigo 680º, nº 1, do CPC, muito embora, se o entendesse fazer, mas tal não aconteceu, haveria de requerer ao tribunal «ad quem» que, na eventualidade de julgar procedente o pedido dos autores, antes de conceder provimento ao recurso destes, entrasse na apreciação do fundamento da usucapião, em que alicerçara a reconvenção, e que a 1ª instância desconsiderara, por inutilidade.

Mas, só o poderia fazer, repita-se, se não fosse, totalmente, vitoriosa, neste segmento da decisão, pois tendo-o sido, como já se disse, não poderia interpor recurso subordinado, nem requerer a ampliação do objecto do recurso, sem assumir o estatuto de recorrente, em conformidade com o preceituado pelo artigo 684º-A, nº 1, do CPC, para obter a reforma da sentença impugnada, na parte em que desatendeu um dos fundamentos em que apoiava a sua pretensão, ainda que, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

Assim sendo, não só não ocorre a situação da “ampliação do objecto do recurso a requerimento do recorrido”, como, também, ao contrário do que defendem os autores, a Relação não assumiu outro entendimento, ao dizer que “não estaremos, pois, propriamente perante a previsão do nº 1 do artigo 684º-A do CPC, uma vez que a ré-reconvinte não decaiu nesta parte”.

Por outro lado, independentemente desta construção jurídica colocada pelos autores, não se pode esquecer, por força do princípio do conhecimento oficioso do direito, que o Tribunal deve examinar a causa, sob todos os pontos de vista jurídicos possíveis, movendo-se, neste domínio, com inteira liberdade, e sem vinculação às razões de direito invocadas pelas partes, quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas legais(1).

Ao contrário do que acontece, em matéria de facto, em que a acção do tribunal está vinculada, devendo, em princípio, abster-se de se pronunciar sobre os factos que não foram alegados pelas partes, excepto se forem notórios, se tiver conhecimento deles, por virtude do exercício das suas funções, se os dever invocar, para declarar anormal o uso do processo, ou se a sua natureza instrumental resultar da instrução e discussão da causa, nos termos das disposições combinadas dos artigos 664º, 264º, nº 2, 514º e 665º, todos do CPC, já quanto à determinação das regras de direito, a acção do Tribunal é livre.

Como assim, não estava vedado ao Tribunal da Relação a subsunção da matéria de facto apurada às normas jurídicas pertinentes, ou seja, a actividade da aplicação normativa, ou a definição da estatuição e consequências dessa subsunção, isto é, a actividade da interpretação jurídica.

II. DA RECTIFICAÇÃO DO REGISTO
Com a presente acção visam os autores o reconhecimento do direito de propriedade sobre a totalidade do prédio urbano controvertido, com a área total de 1057,1m2, com a consequente restituição pela ré da superfície de 651,1 m2 de terreno, que corresponde à parte descoberta do mesmo, que esta, abusivamente, ocupa e se recusa a abrir mão, fundamentando a sua pretensão, no essencial, no histórico dos dados constantes do respectivo registo predial, sendo certo, outrossim, conforme acentuam, que não ocorreu no mesmo qualquer destaque ou desanexação, enquanto que o prédio da ré, cuja área, inicialmente, era de 1113,3m2, surge, no presente, com 1703,3m2.
A ré, na sua contestação, propriamente dita, invoca que os antecessores do seu prédio teriam adquirido, por usucapião e integrado no mesmo, concretamente, no seu pátio ou logradouro, a referida área de 651,1m2, constando, erradamente, da descrição do prédio dos autores.
O Tribunal de 1ª instância julgou o pedido improcedente, com base no estipulado pelo artigo 342º, nº 1, do Código Civil (CC), porquanto os autores não realizaram a prova do seu invocado direito.
Por sua vez, o Tribunal da Relação, considerando que não oferece dúvidas que a posse da ré era susceptível de facultar a aquisição do respectivo direito de propriedade, por usucapião, sobre a área descoberta questionada, manteve a decisão recorrida, embora com fundamentação diversa desta.

Revertendo à factualidade concreta que ficou demonstrada, importa reter, no que concerne à apreciação e decisão do objecto da revista, que os autores adquiriram, em 1994, o prédio urbano, com o artigo matricial 326, por via de sentença constitutiva, proferida em acção de preferência, cuja propriedade plena se encontra registada, a seu favor, constando da respectiva descrição predial com o nº0000000000 e a inscrição com o nº5252, com a área coberta de 406 m2 e a descoberta de 651,1m2.

Por sua vez, a ré tem registada, a seu favor, a propriedade plena do prédio urbano, com o artigo matricial 473, constando da correspondente descrição predial com o nº 0000000000000, e a inscrição com o nº 433, com a área coberta de 1.103,3m2 e a descoberta de 604,3m2.

Porém, as áreas registadas dos prédios dos autores e da ré, acabadas de discriminar, cujo somatório é de 2764,7m2, não cabem no mesmo espaço real, ou seja, dentro do espaço em planta, que é de 2.200m2.

A isto acresce que, desde 1905 e até ao presente, ininterruptamente, com base em escritura de partilha, por óbito de NN com o acordo de todos os então comproprietários, e, em todos os subsequentes títulos, a ré, por si e antecessores, sempre preservou e cuidou da área descoberta de 651,1m2, reclamada pelos autores, pagou as respectivas contribuições, cobrou as correspondentes rendas e destas deu quitação, perante todos, incluindo os sucessivos proprietários do prédio dos autores, sempre estes agindo como se, efectivamente, o pátio lhes não pertencesse, e pertencesse ao prédio da ré, o que era conhecido, em toda a vizinhança, e fora dela, nunca ninguém tendo questionado, até à propositura da presente acção, a posse e a propriedade da ré e dos seus antecessores, sobre o pátio/logradouro em apreço.

O prédio da ré, com referência à data de 7 de Fevereiro de 1868, foi descrito no registo predial, como «prédio urbano em construção, situado na Rua .................perfazendo uma área superficial de mil cento e três metros quadrados e trinta centímetros».

Em Junho de 1880, foi inscrito no registo predial, com referência ao prédio da ré, a favor da sociedade «FF & Filhos», «o ónus real do arrendamento que lhe foi feito por FF» de «umas oficinas, telheiros e barracões sitos na Rua ....... ... com pateos e respectivas serventias pela mesma Rua n° 304 e pela Rua de V..............., o que tudo faz parte do prédio descrito sob o n°433... [o prédio da ré]».

Entretanto, no inventário por óbito de D. DD, o prédio da ré foi descrito «com…um pateo com telheiro e barracões onde estão instaladas cavalariças, machina de serração de pedra e deposito de cantaria, tendo o referido pateo e barracão entrada por um corredor cujo portal é para a Rua .......e tem o número ......, sendo actualmente todo este pateo pertença deste prédio».

E ainda, em Março de 1905, dum averbamento relativo à descrição do prédio da ré, consta «o pateo com telheiro e barracão que existem entre esta propriedade (nas suas trazeiras) e o prédio com frente para a Rua ................. sob o n° 5252 fica por efeito de assim descripto e partilhado no respectivo inventário, pertencendo exclusivamente ao prédio n° 433 [o prédio da ré]».

Por escritura pública, celebrada em 5 de Janeiro de 1919, GG e HH deram de arrendamento parte do prédio, sito na Rua ......., à sociedade «FF & Filhos, Lda.», tendo, na sequência, em 20 de Janeiro de 1919, sido inscrito, no registo predial, a favor da sociedade «FF & Filhos, Lda.», o arrendamento que lhe foi feito, pelos supra mencionados GG e HH, «do pateo com suas serventias e edifícios para officina de canteiro, cavalariça, armazém, atelier de escultura e serração de pedra, armazém onde se encontra o escritório e para a venda de outros produtos com os n°s 54-E e 54-H, tudo pertença do prédio descrito sob o n°433... [o prédio da ré]».

Finalmente, em 22 de Fevereiro de 1995, entre «... - Sociedade Imobiliária, SA» e «FF & Filhos, Lda.» foi celebrada escritura pública de «Alteração de Arrendamento», nos termos da qual acordaram em alterar o arrendamento celebrado, em 5 de Fevereiro de 1919, no sentido de…passar o objecto do arrendamento a ser apenas o pátio do referido prédio [o prédio da ré], com serventia pelo n° 3-C do prédio sito no Largo ......................., com a superfície descoberta de, aproximadamente, 604 rn2 e as suas dependências para oficina de canteiro, armazém, atelier de escultura e serração de pedra».

Por seu turno, o prédio dos autores, com referência à data de 21 de Junho de 1880, foi descrito no registo predial, como «um terreno na Rua ..........., para onde tem a sua frente principal...perfazendo tudo uma área de 1.051,10 m2... Encontrando-se sobre este espaço, assim medido e confrontado, edificado um prédio urbano composto de armazéns, três andares e águas-furtadas, com os n°s de polícia 33 a 49», sendo inscrito, no mesmo mês de Junho de 1880, no registo predial, com referência ao mesmo prédio, a favor da sociedade «FF& Filhos», «o ónus real do arrendamento que lhe foi feito por FF» de «umas oficinas, telheiros e barracões sitos na Rua ....... ... com pateos e respectivas serventias pela mesma Rua n° ..... e pela Rua de .........., o que tudo faz parte do prédio descrito sob o n°433 [o prédio da ré]...sendo a dita serventia pela Rua ..........a este prédio e ao descrito sob o n° 5252... [o prédio dos autores]».

Efectuada a súmula dos factos mais significativos que ficaram consagrados, importa, em seguida, subsumi-los ao Direito aplicável, sem esquecer, como é óbvio, as questões decidendas que constituem o objecto do recurso de revista.

A usucapião representa uma das formas de aquisição originária da propriedade e, processualmente, quando invocada pelo réu, uma excepção peremptória, um facto extintivo do efeito jurídico do facto constitutivo invocado pelo autor, cuja arguição a lei torna dependente da vontade do interessado, nos termos das disposições combinadas dos artigos 303º e 1292º, do CC, e 496º, do CPC (2)..

Propondo-se os autores, com a presente acção, a reivindicação de uma determinada parcela do seu prédio, com base em factos constitutivos, como seja, a compra e venda e a usucapião, poderia a ré defender-se, deduzindo a excepção da usucapião ou da prescrição positiva, alegando que já tinha adquirido, pela posse, a aludida parte do prédio reivindicado, e, consequentemente, que se extinguira o direito de propriedade de cuja titularidade os autores se arrogavam, hipótese em que, demonstrando-se que se encontrava na respectiva posse, durante o tempo e com os requisitos necessários, a que aludem os artigos 1294º e seguintes, do CC, poder vir a adquirir o direito de propriedade correspondente, procedendo, então, a excepção, com o consequente insucesso da acção.

Com efeito, a ré, no articulado da contestação, alega, neste particular, que os antecessores do seu prédio teriam adquirido, por usucapião, e integrado no mesmo, concretamente, no seu pátio ou logradouro, a referida área de 651,1m2, que consta, erradamente, da descrição do prédio dos autores, destacando, autonomamente, a excepção da usucapião e concluindo pela improcedência da acção, nos termos do preceituado pelo artigo 488º, do CPC (3)
.

Preceitua o artigo 488º, do CPC, que “na contestação deve o réu...especificar separadamente as excepções que deduza”, concluindo o mesmo articulado com a indicação do efeito jurídico, de direito processual ou material, que resulta da defesa, tal como é apresentada (4), e, na hipótese de deduzir defesa por excepção, deve terminar, em conformidade, em termos de ser julgada procedente a excepção (5)
.

Na verdade, a ré defende-se, por impugnação, negando os factos que constituem a causa de pedir, os pressupostos fácticos da norma fundamentadora do direito dos autores, ou, na acepção legal, “contradizendo os factos articulados na petição”, mas, também, por excepção, porquanto alega factos capazes de servir de “causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelos autores”, como resulta do disposto pelo artigo 487º, nº 2, do CPC (6)

O proprietário não possuidor pode exigir, judicialmente, de qualquer possuidor ou detentor da coisa, não proprietário, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, como corolário do direito real de sequela, em que se consubstancia o direito e a correspondente acção de reivindicação ou petitória (7).

Efectivamente, são dois os pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação, isto é, o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa.

Trata-se, pois, de uma acção condenatória e não de uma acção de simples apreciação ou, meramente declarativa, aquela que se encontra em apreciação, nesta revista, uma vez que o Tribunal não pode condenar o eventual infractor, sem que antes se certifique da existência e violação do direito do demandante.

A natureza da acção de reivindicação resulta, aliás, imediatamente, da causa de pedir, objectivada no direito de propriedade, e do fim visado pelo autor, que é constituído pela declaração da existência da sua propriedade e pela entrega do objecto sobre o qual o seu direito de propriedade incide (8).

Na acção de reivindicação, compete aquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, daqueles que pertencem à norma fundamentadora do direito e que, em si, lhe não são indiferentes, isto é, que conduzem ao reconhecimento do direito de propriedade de que se arroga, atento o disposto pelos artigos 1311º, nº 1 e 342º, nº 1, do CC (6).

De facto, nas acções de reivindicação, a causa de pedir é, especialmente, complexa, para o autor, face à inexistência de relações pessoais que se estabelecem entre aquele e o réu.

Incumbe, por isso, ao autor a prova do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa, e, para tanto, não basta que exiba um título translativo, havendo ainda necessidade de demonstrar que o direito já existia no transmitente, ou que, pelas sucessivas e antecedentes transmissões do prédio, e pela posse, se operou a aquisição originária, por usucapião, a qual, em última análise, acabará por se tornar no verdadeiro facto constitutivo do direito (10), ou, em derradeira alternativa, de que goza da presunção da titularidade do direito de propriedade correspondente, com base no disposto pelo artigo 1268º, nº 1, do CC.

Na hipótese em apreço, os autores, na petição inicial, invocam, a seu favor, a presunção da titularidade do direito inscrito sobre a parte descoberta do prédio em questão, nos termos do estipulado pelo artigo 7º, do Código do Registo Predial (CRP), enquanto que a ré, por seu turno, alega a usucapião, como forma de aquisição originária da propriedade da mesma.

A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida durante certo lapso de tempo e com certas características, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, ou seja, a via da usucapião, definida pelo artigo 1287º, do CC.

Pelo exposto, atendendo à factualidade demonstrada e bem assim como ao preceituado pelas disposições concertadas dos artigos 1251º, 1259º, nº 1, 1260º, nº 1, 1261º, nº 1, 1262º, 1287º e 1296º, todos do CC, importa concluir que a ré, se outra causa não tivesse, adquiriu a propriedade da parcela em questão, constituída pela parte descoberta do páteo/logradouro em causa, com a área de 651,1m2, através da usucapião.

Como já se disse, os autores fundamentam a essencialidade do pedido de reivindicação de parte do prédio, no histórico dos dados constantes do respectivo registo predial, que importaria rectificar, muito embora, nas alegações da revista, sustentem que a solução jurídica para a causa não pode ser encontrada na presunção da titularidade do direito.

Estipula o artigo 1268º, nº 1, do CC, que “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”.

Em sintonia com o princípio enformador de que o registo predial assume, essencialmente, como finalidade, nos termos do preceituado pelo artigo 1º, do CRP, dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, sendo sua função assegurar a quem adquire direitos de certa pessoa sobre um prédio que esta não realizou, relativamente a eles, actos susceptíveis de prejudicar o mesmo adquirente (11), o artigo 7º, do referido diploma legal, contém uma conclusão que se suporta numa dupla presunção legal, ou seja, a de que o direito registado, a título definitivo, existe e a de que o mesmo pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, aliás, na esteira do nosso sistema jurídico, que lhe confere natureza, meramente declarativa, e não constitutiva, corolário do instituto que o concebe, enquanto realidade que «não dá direitos, mas apenas os conserva» (12)., não garantindo que o direito pertença, na realidade, à pessoa que figura no registo como seu titular ou que esse direito não esteja desfalcado no seu valor por alguns encargos, porquanto não vigora, entre nós, o princípio da universalidade do registo, e ainda porque este não sana, radicalmente, os defeitos de que, eventualmente, enfermem os títulos apresentados para registo (13).

Atendendo a esta presunção de propriedade que decorre do preceituado pelos artigos 1268º, nº 1, do CC, e 7º, do CRP, o possuidor inscrito, como é o caso dos autores, é, em princípio, o proprietário do bem e, como tal, pode exigir, judicialmente, de qualquer possuidor ou detentor, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, em conformidade com o estipulado pelo artigo 1311º, nº 1, do CC.

Competindo aos autores o ónus da prova da posse da parte descoberta do prédio, com a área de 651,1m2, mas que não lograram realizar, a acção, cujo fundamento radica no título de transmissão, pelo seu valor de presunção do domínio ou da titularidade do direito, deveria, desde logo, na dúvida, ser decidida a favor da ré.

Assim sendo, não tendo os autores demonstrado os elementos, essencialmente, constitutivos do seu alegado direito, como lhes pertencia, na decorrência do preceituado pelo artigo 342º, n 1, do CC, e não se enquadrando a presente acção na espécie classificativa das acções meramente declarativas ou de simples apreciação negativa, hipótese em que, então, competiria à ré a prova dos factos constitutivos do direito invocado pelos autores, seria a estes, atento o disposto pelo artigo 343º, nº 1, também, do CC, que sempre caberia demonstrar a factualidade correspondente, por si alegada (14).

Porém, foi a própria ré quem demonstrou que, já em Junho de 1880, constava da inscrição registral do seu prédio, como pertencente ao mesmo, «umas oficinas, telheiros e barracões sitos na Rua ....... ... com pateos e respectivas serventias…», e que, no inventário por óbito de D. DD, que teve lugar em 1905, o prédio em questão foi descrito com «…um pateo com telheiro e barracões onde estão instaladas cavalariças, machina de serração de pedra e deposito de cantaria, tendo o referido pateo e barracão entrada por um corredor cujo portal é para a Rua ......... e tem o número ......... sendo actualmente todo este pateo pertença deste prédio, o que voltou a constar dum averbamento relativo à descrição do prédio da ré, efectuado em Março de 1905, e, em 20 de Janeiro de 1919, sido inscrito no registo predial, a favor da sociedade «FF & Filhos, Lda.», o arrendamento que lhe foi feito pelos supra mencionados GG e HH «do pateo com suas serventias e edifícios para officina de canteiro, cavalariça, armazém, atelier de escultura e serração de pedra, armazém onde se encontra o escritório e para a venda de outros produtos, como pertencendo ao prédio da ré, para, finalmente, em 22 de Fevereiro de 1995, ter sido celebrada uma escritura pública entre «LL- Sociedade Imobiliária, SA» e «FF & Filhos, Lda.», nos termos da qual acordaram em alterar o arrendamento celebrado em 5 de Fevereiro de 1919, no sentido de…passar o objecto do arrendamento a ser apenas o pátio do referido prédio da ré.

Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações dos autores, mantendo-se a decisão recorrida.

CONCLUSÕES:

I – Não está vedada ao Tribunal da Relação a actividade da aplicação normativa ou a actividade da interpretação jurídica, a propósito da matéria excepcional invocada pelo réu na contestação, ainda que este, na qualidade de recorrido, totalmente vitorioso, nesse segmento da decisão, não possa interpor recurso subordinado, nem requerer a ampliação do objecto do recurso, para obter a reforma da sentença impugnada, na parte em que desatendeu o referido fundamento em que apoiava a sua pretensão, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

II - Na contestação em que o réu deduza alguma excepção, para além de a destacar, separadamente, deve concluir o articulado, igualmente, em termos de a mesma dever ser julgada procedente.

III – O artigo 7º, do Código do Registo Predial, tem subjacente uma dupla presunção legal, ou seja, a de que o direito registado, a título definitivo, existe e a de que o mesmo pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, mas não garantindo que o direito pertença, na realidade, à pessoa que figura no registo como seu titular ou que esse direito não esteja desfalcado no seu valor, por alguns encargos, porque não sana, radicalmente, os defeitos de que, eventualmente, enfermem os títulos apresentados para registo.

IV - Na acção de reivindicação, que não se enquadra na espécie classificativa das acções meramente declarativas ou de simples apreciação negativa, não tendo o autor demonstrado a factualidade correspondente, por si alegada, como lhe pertencia, deve a acção, desde logo, ser decidida a favor do réu.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o douto acórdão recorrido.


Custas pelos autores.

Notifique.


Lisboa, 03 de Março de 2009

Helder Roque (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
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(1) Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 255 e 256; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 1981, 92 e 93.
(2) Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 130; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 2001, 44; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, 1981, 87 e ss.
(3) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, 1981, 40 e 41.

(4) Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 2001, 37.
(5) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, 1981, 40 e 41.

(6) Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, reimpressão, 1970, 336 e 337; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 126 a 128.
(7) Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 92, 238 e 239; Manuel Rodrigues, A Reivindicação no Direito Civil Português, RLJ, Ano 57º, 144.
(8) Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, I, 1970, 175 a 188 e 199 a 223; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 114; Manuel Rodrigues, A Reivindicação no Direito Civil Português, RLJ, Ano 57º, 161 e 175; Manuel Salvador, Elementos de Reivindicação, nº 24.
(9)Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 435.
(10) Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, IV, 1968, 137 e 138; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 115.
(11) Vaz Serra, RLJ, Ano 97º, 57.
(12) Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1966, 20.
(13) Antunes Varela, RLJ, Ano 118º, 312, nota 2.
(14) Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil - Aditamentos, 1970/1971, 36 e ss.