Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
88/09.9PESNT.L1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
VOTO DO PRESIDENTE DE SECÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
HOMICÍDIO QUALIFICADO
UNIÃO DE FACTO
ARMA DE FOGO
AGENTE DA AUTORIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
INDEMNIZAÇÃO
LESADO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
REPARAÇÃO OFICIOSA DA VÍTIMA
Data do Acordão: 10/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :

I - O recorrente argúi a nulidade do acórdão recorrido devido ao facto do tribunal que julgou o recurso ser composto por dois – e não três – juízes desembargadores: no entanto, como o acórdão é de 23-03-2011 e foi julgado em conferência, formando-se maioria, a intervenção do Presidente da Secção não lhe dá direito a voto, ou a assinatura.
II - O conhecimento do recurso em matéria de facto é da competência da Relação, mesmo tratando-se da invocação dos vícios do art. 410.º do CPP; ainda que se apele para a garantia de incidência constitucional, de um duplo grau de jurisdição também em matéria de facto, ela fica preservada, devendo apenas, se for o caso, o arguido optar pela interposição de recurso para a Relação, quando invocar aqueles vícios.
III - A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados.
IV - A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b) do n.º 2 da referida norma), pode ser perceptível, antes do mais, na motivação da convicção do julgador que levou a que se desse por provado certo facto, mas pode também decorrer dos próprios factos dados por provados e por não provados; já quanto à contradição entre a fundamentação e a decisão, ela resultará, em princípio, da fundamentação apontar num sentido e a decisão ir noutro.
V - O erro notório na apreciação da prova (al. c) do n.º 2 da citada norma), tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, um erro patente, evidente e perceptível por um qualquer cidadão médio.
VI - A factualidade dada por provada – o recorrente e a vítima viviam como marido e mulher há 3 anos, discutiram, e na sequência dessa discussão, ele fez um disparo com o cano da arma que lhe estava distribuída (pistola 7,65), encostado à testa da vítima –, surge não só como possível, como altamente verosímil do efectivamente ocorrido (atente-se que a versão do recorrente segundo a qual estaria a desmuniciar a arma junto da mesinha de cabeceira do quarto, a pistola disparou sem querer e foi atingir a vítima, quando esta estava a 3 m de distância, é frontalmente contrariada pelo relatório de autópsia e demais prova produzida).
VII - Nada há a objectar à qualificação jurídica operada pelas instâncias – um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CP –, pois a especial censurabilidade ou perversidade do agente não será mais do que a revelação de um desrespeito acrescido, ou de um desprezo extremo, do autor, pelo bem jurídico protegido, e traduz um modo próprio do agente estar em sociedade e, por tal via, inclusivamente, de uma perigosidade merecedora de particular atenção.
VIII - Não se provou que o crime tenha sido cometido por ciúmes ou por excesso de bebida, daí que a falta de elementos que expliquem o móbil do crime se não pode prejudicar o agente, também o não deve beneficiar.
IX - O quadro descrito é o de uma importante superioridade do agente sobre a vítima, com quem vivia, e a colocação desta em situação de absoluta incapacidade para resistir, ou de defesa (encostar o cano da arma à testa da vítima revela uma intensidade dolosa brutal).
X - Na fixação da medida concreta da pena, pondera-se que o recorrente tinha 42 anos e a vítima 38 anos; aquele era agente da PSP há 19 anos; o facto de ser agente da autoridade impõe-lhe o dever acrescido de proteger a comunidade, não cometendo crimes; não apresenta passado criminal; após o cometimento do crime chamou por socorro, através do 112; as necessidades de prevenção são apreciáveis, porque surgem com cada vez mais frequência casos de utilização indevida, por parte de agentes, das armas que lhes estão distribuídas, e as necessidades de prevenção especial são menores, pelo que se entende justa a pena de 16 anos de prisão [a 1.ª instância fixou a pena em 18 anos de prisão, confirmada pelo Tribunal da Relação].
XI - A decisão de 1.ª instância (confirmada em recurso), com a cobertura declarada do art. 82.º-A do CPP, condenou o recorrente a pagar, a título de danos não patrimoniais, a cada um dos três filhos da vítima, €25 000 e fixou, ainda, em € 60 000 o valor da indemnização por si devida, relativa à perda do direito à vida.
XII - A questão que se coloca é a de saber, se para efeitos de reparação prevista no art. 82.º-A do CPP, o conceito de vítima não deverá ser encarado em termos abrangentes, de modo a incluir simples lesados (no caso, os filhos da vítima), que porém reclamem particulares exigências de protecção em virtude do cometimento do crime – cf. também art. 2.º da Lei 104/2009, de 14-09.
XIII - Entende-se que sim: desde logo, ao fazer depender a reparação de não ter sido pedida indemnização nos termos dos arts. 72.º e 77.º do CPP, o preceito parece abrir a porta a todos quantos à partida poderiam formular pedido cível, depois, ao condicionar a reparação ao facto de a vítima ter ficado especialmente desprotegida em virtude do crime, não se percebe porque é que se deveriam deixar de fora todos quantos, em virtude do crime, ficaram em situação de desprotecção grave, colmatável com a reparação, só porque não foram objecto material de acção, ou não eram titulares de bem jurídico que especialmente se quis proteger com a incriminação.
XIV - O escopo do art. 82.º-A do CPP é atalhar a uma situação de especial desprotecção que, neste caso, se cifra no facto de, por causa do crime, os filhos da vítima terem ficado numa situação económica difícil: está provado que a mesma tinha emigrado do Brasil à procura de melhores condições de vida para si e para os seus filhos, de tal modo que assegurava o seu sustento, remetendo-lhes cerca de € 350/mês; porém, na altura dos factos, aquela não exercia actividade remunerada, sendo o arguido quem disponibilizava esse valor. À data, os filhos tinham 17, 13 e 10 anos e viviam com o avô materno que representa e exerce as responsabilidades parentais sobre os dois últimos.
XV - Tendo em conta que o recorrente auferia mensalmente € 1200 a € 1300, tem casa própria, pagando € 330 para a sua amortização, a quantia a arbitrar deverá ser calculada à luz da equidade, reputando-se adequadas as reparações de € 15 000, € 20 000 e € 25 000, para cada um dos filhos, fixadas nos termos do art. 82.º-A do CPP, como «terceiro grau do sistema sancionatório» e a título de princípio de reparação, acrescidas de juros de mora contados desde a data da decisão da 1.ª instância e até integral pagamento.
Decisão Texto Integral:

Em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, foi julgado a 6/10/2010, na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste (Sintra – Juízo de Grande Inst. Criminal - 1ª Secção - Juiz 2), AA, nascido a 23/6/1967, divorciado, agente da Polícia de Segurança Pública (P S P), residente antes de preso em Massamá, Belas. Foi condenado:

 -   Pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 131°, 132°, n.° 1 e 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 18 anos de prisão.

 -  Mais foi condenado a pagar ao Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., a indemnização de € 6.456,11, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde a notificação até integral pagamento.

 -  A título de danos não patrimoniais, o arguido foi condenado a pagar a cada um dos três filhos da vítima BB, CC, DD e EE, a indemnização de € 25 000,00.

 -  Ainda se fixou em € 60.000,00 o valor da indemnização por si devida, relativa à perda do direito à vida da mesma BB, tendo o arguido sido condenado a pagar os valores em causa, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão até integral pagamento.

Durante a audiência de julgamento o recorrente requereu a produção de várias diligências de prova que foram indeferidas (fls. 764). Desse despacho de indeferimento interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. Interpôs depois recurso do acórdão final condenatório para o mesmo Tribunal.

Por acórdão de 23/3/2011, o Tribunal da Relação conheceu de ambos os recursos e, negando-lhes provimento, confirmou em tudo o acórdão final recorrido.

È deste acórdão que o recorrente agora vem recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.

A  -  ACÓRDÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA

1)  Na decisão condenatória de primeira instância foram dados por provados os seguintes factos:

“ - O arguido AA e BB viviam, como marido e mulher, na residência sita na Rua... ;

- No dia 8 de Outubro de 2009, após a hora de jantar, o arguido e BB discutiram em termos perceptíveis para uma vizinha do primeiro andar do mesmo prédio;

- Cerca da 01H00 da manhã, no quarto de dormir de ambos, o arguido pegou na pistola de serviço calibre 7,65, municiada com sete projécteis;

- E, em circunstâncias não apuradas, efectuou disparo com o cano da arma encostado à região frontal da cabeça de BB;

- Após, e tendo em vista eximir-se à responsabilidade penal decorrente de tal acto, efectuou telefonemas a partir do telemóvel n.° 93 8234024 para o serviço de emergência 112, invocando, no primeiro, pelas 1h01m58, ter morto a mulher acidentalmente e, no segundo, pelas 1h09m41s, ter sido a própria a "mexer" na arma e a disparar;

- Atento o orifício existente na cabeça e a quantidade de sangue derramado, BB foi considerada cadáver por elemento da PSP, bem como e por elementos do INEM, cerca da 01H33;

- Minutos após, cerca da 01H48, o INEM voltou a comparecer no local, por ter sido entretanto verificada a existência de sinais de vitais, tendo a vítima sido então transportada para o Hospital S. Francisco Xavier, após prestação da assistência médica possível;

- A mesma foi admitida no Hospital pelas 02H37, em situação clínica de coma "score 3" e deu entrada na Unidade de Cuidados Intensivos cerca das 04H30, com ferida extensa na calote e região frontal, hemorragia abundante "que saia pela cavidade oral" e "exteriorização de massa encefálica" tendo falecido às 07H05;

- No Hospital foi efectuada cirurgia de "encerramento das feridas por neurocirurgia";

- As lesões cerebrais produzidas pelo projéctil de arma de fogo foram extensas e o "período agónico" foi de horas por não ter sido atingido o tronco cerebral;

- Submetida a autópsia médico-legal, BB apresentava as seguintes lesões a nível do hábito externo: "Ferida perfuro-contundente na região frontal mediana, suturada, "estrelada", com ferida orificial central de contorno circular que mede 0,80 cm de diâmetro, cujos ramos medem 5, 4, 4, 3 e 3 cm de comprimento - de entrada de projéctil de arma de fogo".

- "O projéctil de arma de fogo penetrou no crânio pela região frontal mediana, seguiu um trajecto orientado de diante para trás, da esquerda para a direita e ligeiramente de baixo para cima e ficou alojado na cavidade craniana.";

- A nível de hábito interno, BB apresentava:

"Infiltração hemorrágica de todo o couro cabeludo e aponevrose epicraniana

Fracturas de crânio:

- orificial, na região frontal mediana, que mede 0.8 cm diâmetro, com orla de tatuagem nos quadrantes inferiores que mede 0,30 cm de largura e com bordos em bisel nos quadrantes superiores - de entrada de projéctil com arma de fogo;

- lineares e nos andares anterior e médio da base do crânio;

Laceração em forma de túnel rodeado de focos de contusão, dos pólos frontais e dos lobos frontal e parietal direito, segundo um trajecto orientado de diante para trás, da esquerda para a direita e ligeiramente de baixo para cima.

Projéctil alojado no ventrículo lateral direito (...)

Hemorragia leptomeningea e na base;

Hemorragia tetraventricular cerebral.

Hemorragias subendocardicas na parede ventricular esquerda."

- Em consequência do disparo BB sofreu "lesões traumáticas

crânio-encefálicas de natureza perfuro-contundentes" que lhe determinaram a morte de forma

directa e necessária;

*

- O arguido conhecia as características e potencialidades da pistola que lhe estava atribuída;

- Sabia que o disparo efectuado, com o cano da pistola encostado à zona frontal da cabeça, provocaria a morte da sua companheira, o que quis e conseguiu;

- O mesmo actuou na sequência da discussão referida supra utilizando pistola 7,65 mm que lhe estava atribuída para o exercício das suas funções e que é propriedade da PSP;

- Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

*

- O arguido é divorciado e não tem filhos;

- Antes de viver com BB, teve outro relacionamento amoroso;

- É filho único e os pais são pessoas de idade avançada e doentes, tendo o pai sofrido AVC;

- Frequentou o 9º ano de escolaridade;

- Trabalhou na construção civil até ingressar na PSP em 1990;

- Auferia rendimento mensal de cerca de €1.200,00, €1.300,00;

- Tem casa própria e paga de amortização de empréstimo cerca de €330,00 mensais.

*

- BB tinha nacionalidade brasileira e 38 anos de idade;

- A mesma era divorciada e vivia maritalmente com o arguido desde há três, quatro anos;

- Emigrou para Portugal à procura de melhores condições de vida para si e para os seus filhos;

- CC, nascida a 9 de Março de 1992, DD, nascido a 19 de Agosto de 1996 e EE, nascido a 5 de Agosto de 1999, eram filhos de BB;

- Apesar destes terem permanecido no Brasil com os avós maternos, BB estava presente na sua vida, mantendo com eles contactos frequentes;

- A morte de BB causou grande desgosto e angústia aos filhos desta;

- A guarda dos menores EE, com 11 anos de idade e DD, com 14 anos de idade, foi entregue ao avô materno FF;

- Era BB quem assegurava o sustento dos filhos, na medida das suas possibilidades, remetendo para o Brasil cerca de € 350,00 mensais;

- Na altura dos factos BB não exercia actividade remunerada, sendo o arguido quem lhe disponibilizava o valor necessário para o sustento dos filhos.

*

- O Centro Hospitalar de Lisboa Odicental, E.P.E. prestou assistência hospitalar a BB, ascendendo o respectivo custo a €6.456,11.”

2)  Quanto à fundamentação do decidido, foi dito que:

“Os factos provados e não provados resultaram da análise conjugada dos relatórios e elementos periciais juntos aos autos - quanto às lesões sofridas pela vítima e quanto à sua morte, bem como quanto às características da pistola apreendida e com a qual foi efectuado o disparo -, com as declarações do arguido e com os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência.

Dos factos imputados, o arguido apenas admitiu ter sido quem efectuou o disparo que vitimou BB, invocando, porém, que o mesmo foi acidental. Na sua versão, estaria a "desmuniciar" a pistola de serviço que inadvertidamente tinha um projéctil na câmara, ocorrendo o disparo no momento em que a vítima entrou no quarto sem que disso se apercebesse. Referiu estar junto à mesinha de cabeceira e que o disparo ocorreu a cerca de três metros da vítima, a qual de imediato tentou socorrer, ao mesmo tempo que telefonava para a emergência médica e 112.

Que imediatamente após os factos o arguido se dirigiu à vítima e esteve em contacto com esta, resulta dos vestígios hemátícos encontrados na sua roupa, bem como do depoimento da testemunha GG. Este, reproduziu em audiência o que ouviu na madrugada dos factos, referindo-se a discussão entre o arguido e a vítima, situação que afirmou recorrente, dando ainda conta de, cessada aquela, ter ouvido as palavras "não morras". Que o arguido deu conta dos factos ao INEM e à PSP, resulta também da transcrição do teor das chamadas telefónicas que efectuou e constantes do auto de fls. 327 e ss.. Mas será que, nas circunstâncias, se pode concluir que o arguido quis desse modo socorrer BB? E que socorro é possível dispensar no caso de disparo que perfurou o crânio e provocou as lesões descritas nos autos? Nenhum socorro útil, é o que se pode concluir dos relatórios periciais juntos aos autos, o que o arguido, sendo experiente agente da PSP e conhecedor de armas, não podia deixar de saber. O que se pode concluir da transcrição das chamadas telefónicas referidas e das versões nelas plasmadas (aí o arguido invocou que o "acidente" ocorreu quando a mulher "pegou na arma") é algum desnorte do agente e uma sua tentativa de se desresponsabilizar pelos factos praticados, atitude também demonstrada quando defende que a morte de BB poderia ter sido evitada se a assistência médica lhe tivesse sido prestada de forma mais imediata do que o foi.

Quanto ao modo como ocorreu o disparo a versão do arguido não mereceu qualquer credibilidade, por contrariar as regras as da normalidade, as da evidência e as da dinâmica. Primeiro, é altamente improvável, em termos de normalidade, que um disparo acidental, a três metros de distância e nas posições em que se encontravam autor e vítima, fosse atingir esta última na testa. Por outro lado, o relatório de autópsia conclui, de forma inequívoca, que o mesmo foi efectuado com "o cano da arma encostado à região frontal mediana", conclusão extraída em face das lesões verificadas, características de disparo à "queima-roupa" (como o é uma "ferida perfuro-contundente", "estrelada", com a "orla de tatuagem"). Finalmente, também do exame pericial de fls. 256 e ss. resulta que o disparo foi efectuado a "curta distância", ou seja, a menos de um metro. Com efeito, a t-shirt do arguido apresentava, além das manchas de sangue provenientes de contacto por transferência, salpicos de sangue resultantes da sua projecção em direcção ao autor do disparo e que naturalmente não o atingiriam se no momento estivesse junto à mesinha de cabeceira, como referiu estar.

Além do relatório de autópsia e dos demais elementos e informações médicas juntas aos autos - boletins de informação clínica do Hospital S. Francisco Xavier, S.A. (e particular a fls. 210-215) e aditamento ao relatório de autópsia de fls. 449 a 451 - tiveram-se ainda em conta os esclarecimentos prestados pela Sra. Prof. Dra. I...P...R..., perita em medicina legal, que, por referência aos sinais objectivos e inequívocos que encontrou, afastou a possibilidade do disparo ter sido efectuado de outro modo que não à "queima-roupa". A mesma explicou também o motivo pelo qual a morte da vítima não foi imediata. A este propósito afirmou que o período agónico, aquele que antecedeu o inevitável falecimento de BB, foi de horas, por na sua trajectória errática, o projéctil não ter directamente atingido o tronco cerebral.

Que o arguido quis matar BB resulta de tudo o referido, em particular da circunstância do disparo ter sido efectuado, como foi, com o cano da pistola encostado à cabeça da vítima.

Considerou-se também o teor do relatório do exame pericial à pistola semi-automática calibre 7,65 mm Browning, distribuída ao arguido e que este admitiu ter sido a utilizada no cometimento do crime (cfr. fls. 550 e ss.).

Quanto ao relacionamento da vítima com os seus filhos e ao normal sofrimento destes, bem como quanto à sua situação presente, consideraram-se os depoimentos das testemunhas ouvidas sobre a matéria e tios dos menores. Tiveram-se ainda em conta os documentos juntos aos autos quanto à idade e situação presente dos mesmos, bem como as declarações do arguido e documentos por este juntos ao processo.

Consideram-se também as declarações do arguido quanto aos factos relativos à sua condição económica, social e profissional, bem como quanto ao facto de, em vida de BB, ajudar financeiramente a família desta.

Quanto à inexistência de antecedentes criminais teve-se em conta o teor do CRC.”

3)  Em matéria de enquadramento jurídico teceram-se a dado passo as seguintes considerações:

 “(…) Vinha o arguido acusado de homicídio qualificado em razão do preenchimento das circunstâncias previstas nas alíneas b) e e) do n.° 2 do artigo 132° do Código Penal, ou seja, "b) Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em Io grau;" "e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer outro motivo torpe ou fútil.".

Apurou-se apenas que o arguido efectuou o disparo da forma descrita supra, após e na sequência de discussão, não se apurando, em concreto, o motivo que o levou a agir dessa forma e que na acusação se dava a entender tenha sido o ciúme. A ausência de conhecimento das razões que determinaram o arguido, não equivale à verificação de um motivo torpe ou fútil. O motivo tem tais características se for "incompreensível ou inexplicável à luz do modo de agir do homem médio ou mesmo revelador de baixo carácter", "pesadamente repugnante, baixo ou gratuito". No caso, como referido, não se apurou a motivação do agente, não se podendo concluir pela verificação da circunstância qualificativa em causa.

Porém, o arguido vivia com a vítima em condições análogas à dos cônjuges e, assim, nas circunstâncias previstas na alínea b) do n.° 2 do artigo 132° do Código Penal. A relação de proximidade e os laços que uniam a vítima ao arguido, tornam a sua conduta particularmente intolerável e censurável.

Uma vez que o preenchimento de um só dos "tipos orientadores" do n.° 2 do artigo 132° do Código Penal, concretizando o critério generalizador do n.° 1 desse normativo, é suficiente para volver um homicídio em homicídio qualificado, tem de se concluir ter o arguido incorrido na prática do crime em causa, sendo dentro da moldura do mesmo crime que se há-de fazer a determinação da pena a aplicar.”

4)  E quanto à responsabilidade civil transcreve-se a passagem seguinte:

“(…)  Nos termos do artigo 82°-A do Código de Processo Penal,

"1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigo 72° e 73°, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2. No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3. A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.".

No caso, não foi concretamente formulado pedido de indemnização civil e são particularmente acentuadas as exigências de protecção dos filhos da vítima, tanto mais que estão em causa, uma filha jovem e dois filhos menores, de 11 e 14 anos de idade.

Foi observado o princípio do contraditório, tanto que o arguido se manifestou pela improcedência da pretensão de arbitramento de indemnização àqueles.

Nos termos do n° 1 do artigo 496° do Código Civil na fixação da indemnização deve o tribunal atender aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

Como em qualquer caso de morte de familiar próximo, a morte brutal de BB causou profundo desgosto e angústia aos seus três filhos, dois dos quais com 11 e 14 anos de idade. Os danos em causa são indiscutivelmente merecedores de tutela jurídica e ocorreram em consequência da conduta ilícita e culposa do arguido, entendendo o Tribunal ser caso de arbitramento de indemnização, por se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil e por se impor, como referido, proteger os filhos da vítima. Tudo ponderado, entende o Tribunal ajustada a fixação de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, no valor de € 25.000,00 para cada um dos três filhos.

Também a perda do direito à vida é, por si só, dano não patrimonial indemnizável e, sendo-o, é transmissível às pessoas elencadas no n.° 2 do artigo 496° do Código Civil.

Tratando-se de um direito patrimonial pode ser integrado numa indemnização global que contemple outros factores ressarcitórios. BB tinha 38 anos de idade, três filhos e toda uma vida pela frente, afigurando-se ao Tribunal ajustada a fixação de indemnização pela perda do direito à vida no montante de € 60 000,00, valor que, como se referiu, é transmissível aos seus três filhos.”

B  -  ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO

O arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa retirando-se das conclusões da sua motivação, em síntese, que o mesmo contesta a factualidade dada por assente, apresentando como versão sua dos factos, a morte da companheira ter sobrevindo na sequência de um acidente, ocorrendo o disparo quando o arguido desmuniciava a arma que lhe estava distribuída.

Neste recurso, que é sobre matéria de facto, o recorrente leva às conclusões aquilo que considera falhas da instrução do caso, contradições na matéria dada por provada e a partir da prova produzida, tudo para pedir a anulação do acórdão e pretender a produção de várias diligências de prova “sendo que algumas constam do recurso intercalar, e que se repete” (fls. 870).

Nas conclusões 32 a 40 o recorrente insurge-se contra as indemnizações fixadas, entendendo que devia ser absolvido da condenação em matéria cível, e, sem conceder, serem diminuídos os montantes arbitrados.

O Mº Pº respondeu, circunstanciadamente, rebatendo todas as objecções apresentadas (fls. 898 a 905).

O Tribunal da Relação lavrou então acórdão que, para além de se pronunciar sobre o recurso intercalar, disse quanto ao recurso da decisão final, entre o mais, o seguinte:

“II

No recurso apresentado sobre a decisão final o recorrente contesta a matéria de facto dada como assente, alegando que esta se encontra inquinada dos vícios elencados no artigo 410° n°2 ais. a) e c) do CPP, e insurge-se contra o "quantum" da indemnização a título de danos não patrimoniais em que foi condenado.

(…)

 Tendo em mente o acima exposto, não se vislumbra existir no Acórdão recorrido, qualquer dos vícios por si invocados. Pois que a decisão de facto se mostra perfeitamente escorada nos factos alegados e provados pela Acusação, sendo que o Acórdão descreve factos que apresentam uma coerência interna, estão articulados entre si de acordo com as regras da lógica, são plausíveis de acordo com as regras da experiência comum, e não assentam em qualquer conclusão desprovida de fundamento que não seja expressamente mencionado, ou que sofra de falta de razoabilidade.

Da análise do teor das Conclusões apresentadas pelo recorrente o que ressalta é apenas e tão somente a sua discordância quanto ao modo como o Tribunal "a quo" procedeu à apreciação da prova, muito particularmente no que toca à adesão pelo Tribunal " a quo" ao teor dos exames periciais efectuados nos Autos, mormente ao Relatório da Autópsia da vítima.

Neste exame pericial afirma-se peremptoriamente que o disparo que vitimou BB foi efectuado "com o cano da arma encostado à região frontal mediana", facto que é comprovado pela natureza, configuração e extensão das lesões sofridas pela vítima e ainda pela forma e localização dos vestígios hemáticos na t-shirt do recorrente.

Bem como estabelece o necessário nexo causal entre as lesões cerebrais provocadas pelo disparo e a morte da vítima.

Este exame pericial foi objecto de esclarecimentos, em Audiência de Julgamento, do que resultou não só a confirmação da curta distância a que foi disparado o tiro fatal, como também o facto de que a duração do período agónico da vítima se deveu apenas e exclusivamente à "trajectória errática" da bala, que não atingiu o tronco cerebral, e não como alega o recorrente a qualquer eventual negligência médica.

Estes elementos de prova, porque obtidos através de um exame pericial não se encontram submetidos ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no artigo 127° do CPP, mas sim à disciplina contida no artigo 163° do CPP, atentos os especiais conhecimentos científicos necessários para a formulação do respectivo juízo, sendo refutáveis apenas com um outro fundado juízo científico.

In casu, a motivação expressa pelo Tribunal "a quo" é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como o Tribunal de recurso, a concluir que as provas a que o Tribunal «a quo» atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art. 355°, do CPP, e que o Tribunal "a quo" seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras experiência comum na apreciação da prova.

Assim sendo conclui-se pela improcedência dos vícios alegados, e como tal a requerida renovação da prova.

2.

O recorrente estriba a sua oposição ao montante da Indemnização por danos não patrimoniais em que foi condenado na sua insuficiência económica para a satisfazer.

A disciplina que rege esta matéria encontra-se condensada no artigo 494° do C. Civil, de acordo com o qual na fixação do montante da sua indemnização se recorrerá a critérios de equidade, que serão balizados por considerações como o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do/a lesado/a e as demais circunstâncias do caso.

(…)

Ora, nestes Autos está dado como assente que o recorrente, agente da PSP; pôs termo à vida da sua companheira e mãe dos destinatários da indemnização, de uma forma brutal - encostando o cano da arma à cabeça da vítima - o que denuncia um muito elevado grau de culpa.

Está ainda provado que o recorrente, à data dos factos, tinha um rendimento médio mensal de cerca de €1.200,00, e pagava €330,00 mensais de amortização de um empréstimo bancário.

E também que:

"Cerca da 01H00 da manhã, no quarto de dormir de ambos, o arguido pegou na pistola de serviço calibre 7,65, municiada com sete projécteis;

E, em circunstâncias não apuradas, efectuou disparo com o cano da arma encostado à região frontal da cabeça de BB;

(...)

A mesma foi admitida no Hospital pelas 02H37, em situação clínica de coma "score 3" e deu entrada na Unidade de Cuidados Intensivos cerca das 04H30, com ferida extensa na calote e região frontal, hemorragia abundante "que saia pela cavidade oral"16 e "exteriorização de massa encefálica" tendo falecido às 07H05;

No Hospital foi efectuada cirurgia de "encerramento das feridas por neurocirurgia";

As lesões cerebrais produzidas pelo projéctil de arma de fogo foram extensas e o "período agónico" foi de horas por não ter sido atingido o tronco cerebral;

(...)

BB tinha nacionalidade brasileira e 38 anos de idade;

A mesma era divorciada e vivia maritalmente com o arguido desde há três, quatro anos;

Emigrou para Portugal à procura de melhores condições de vida para si e para os seus filhos;

CC, nascida a 9 de Março de 1992, DD, nascido a 19 de Agosto de 1996 e EE, nascido a 5 de Agosto de 1 999, eram filhos de BB;

Apesar destes terem permanecido no Brasil com os avós maternos, BB estava presente na sua vida, mantendo com eles contactos frequentes;

A morte de BB causou grande desgosto e angústia aos filhos desta;

A guarda dos menores EE, com 11 anos de idade e DD, com 14 anos de idade, foi entregue ao avô materno FF;

Era BB quem assegurava o sustento dos filhos, na medida das suas possibilidades, remetendo para o Brasil cerca de €350,00 mensais;

Na altura dos factos BB não exercia actividade remunerada, sendo o arguido quem lhe disponibilizava o valor necessário para o sustento dos filhos."

Tendo em consideração estes factos, entendeu o Tribunal " a quo" fixar em 25.000 € o montante da Indemnização por danos não patrimoniais para cada um dos 3 filhos e, em 60.000 € a indemnização pela perda do direito à vida.

Ora, sem menosprezar as naturais dificuldades económicas do recorrente, considera-se como ajustado e consentâneo ao sofrimento inominável experimentado pela vítima e pelos seus filhos a fixação do montante da Indemnização pelos danos não patrimoniais no montante determinado pelo Tribunal "a quo".”

C  -  RECURSO PARA  O  S T J

O arguido recorreu para este Supremo Tribunal concluindo a sua motivação como se segue:

“1) O Recorrente vem sendo acusado pela prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. no art° 131° e 132, n° 1 e 2, alínea a b) e e) do Código Penal, conforme a acusação do Ministério Público que se dá aqui por integralmente reproduzida.

2) Foi proferido acórdão final do Tribunal Colectivo de Sintra, sufragado pelo douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, ora recorrido, e que se dá aqui como reproduzido.

3) O Recorrente sempre pugnou pela sua inocência e impugnou os factos que constam na acusação, conforme a contestação de fls..., que se dá aqui por integralmente reproduzida.

4) Sumariando a contestação, destaca-se, o Recorrente tinha uma relação apaixonada com a falecida BB, e apoiava-a monetariamente e os filhos desta, que se encontravam a residirem no Brasil, como se comprova pelos documentos juntos aos autos. Nesses documentos de fls..., pode ler-se "eu mais uma vez, peço-te o que é tudo mais sagrado neste mundo, não me deixes, eu amo-te demais, amor, verdade. Acho que podemos ter uma boa vida, temos que falar, mais uma vez digo (...). Amo-te".

5) O Recorrente tinha ainda uma boa relação com os filhos da falecida BB, como se comprova pelos referidos documentos juntos aos autos. Escreve o filho DD, com o seu punho, para; "BB e AA", "amo vocês, mando um beijo para todo o mundo, (referindo-se à falecida Mãe, e ao Recorrente), mãe entrega para todos a carta, Beijo!"., a fls... dos autos.

6) E o filho EE com o sua caligrafia, a fls... dos autos; "BB (a Mãe) e AA; " (...) te amo mia princesa, te amo meu padrasto", referindo-se ao Recorrente. Era esse o sentimento que os filhos da falecida BB demonstravam pelo Recorrente, um homem que adorava a mãe deles, e que a ajudava monetariamente, bem como os filhos dela.

7) O Recorrente, por infeliz acidente, assume que foi autor do disparo que lesionou a sua Companheira BB , e que ocorreu no momento em que o casal se preparava para se deitar, e quando o Recorrente desmuniciava a arma que lhe estava distribuída, mas isso não o transforma num criminoso, sendo que aquele nunca encostou o cano da arma à cabeça da sua Companheira, e que esta não faleceu no momento e local do disparo.

8) Compuseram o referido Tribunal Sua Excelência a Relatora, Veneranda Desembargadora Maria Teresa Féria de Almeida, e o Adjunto, sua Excelência o Venerando Desembargador Carlos Rodrigues de Almeida, cujas assinaturas constam na pag. 32 do referido acórdão.

9) Ora a referida secção, salvo melhor opinião, deveria ser constituída por três Venerandos Desembargadores, o que não se verifica.

10) Assim estamos perante um caso de nulidade do acórdão, salvo melhor opinião, e que se invoca.

11) O acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, dá acolhimento ao acórdão do Tribunal Colectivo de Primeira Instância, que considerou como provado que a (...) BB foi considerada cadáver por elemento da PSP, bem como e por elementos do INEM, cerca da 1h33m"., pag. 16 do acórdão recorrido.

12) Ora, além da BB não ter falecido no local, em juizo, não compareceu nenhum elemento do INEM, que tenha estado no local, ou fora dele, e muito menos o clínico, P...J...S...J...S..., que declarou o óbito inexistente, apesar de ter sido requerida a sua presença em Tribunal, sendo fundamental inquirir esta testemunha sobre toda a ambiência dos factos.

13) Entendeu ainda o acórdão recorrido do TRL, pág. 16, sufragando sempre a deliberação da Primeira Instância, que; "em circunstâncias não apuradas, efectuou disparo com o cano da arma encostado à região frontal da cabeça BB"

14) Se assim tivesse sido, a referida arma, que ficou à guarda da investigação criminal, tinha de conter vestígios hemáticos da BB.

15) Essa prova que seria crucial produzir em juizo não foi apresentada.

16) O acórdão condenatório na senda do deliberado pelo referido Tribunal de Primeira Instância, firmou-se sobretudo no depoimento da perita I...P...R..., e descurou a produção de outras provas.

17) Aliás, no que respeita aos vestígios hemáticos "por salpico" no vestuário do Recorrente a prova cabal também não foi apresentada em tribunal. Foi ouvido o inspector da Policia Judiciária, ..., a 7o testemunha a comparecer em juizo, no dia 9-09-2010, pelas 16h53m22s, mas esta testemunha, além de não ser portador de nenhuma prova material, limitou-se a ser portador do parecer da referida perita Prof. I...P...R....

18) As contradições do Recorrente, proferidas ao telefone 938234024 para o serviço de emergência 112, referidas na pag. 16 do acórdão recorrido, primeiro invocando ter morto a mulher acidentalmente, e segundo ter sido a própria a mexer na arma, tratando-se dum agente de autoridade, e sabendo que essas chamadas são gravadas, só pode ser entendido como um certo desnorte que aliás foi confirmado pelos seus Colegas quando o detiveram à porta da sua residência.

19) Afirma ainda o acórdão recorrido, pág. 16, sufragando a deliberação do Tribunal Colectivo "a quo". que "no dia 8 de Outubro de 2009, (...) discutiram em termos perceptíveis para uma vizinha do primeiro andar do mesmo prédio".

20) Ora, com todo o respeito não é essa conclusão que se pode retirar do depoimento da testemunha GG.

21) Em relação ao depoimento da 2ª testemunha, GG, prestado em 9-09-2010, pelas 15h45m12s, no tribunal, o acórdão recorrido refere que esta disse ter ouvido as palavras "não morras", mas não assinala devidamente que aquela reside no primeiro andar do prédio onde habita o Recorrente, mas do lado esquerdo, - o Recorrente vive no rés do chão direito - e que declarou que estava deitada no seu quarto, cerca das 24h40m, e ouviu uma altercação grande, mas não se recorda de nenhuma expressão, nem de nenhuma frase, e que predominava a voz dos dois - Recorrente/falecida - e que não ouviu o tiro, nem qualquer barulho semelhante a um tiro, e que houve um silêncio entre a discussão do casal e a referida expressão que o Recorrente teria proferido, "depressa, depressa, não morras", - que a testemunha repetiu três vezes - silêncio este que a testemunha "mediu" como sendo de um minuto, e que a dita expressão “depressa, depressa, não morras", foi dito com muita ansiedade, e com muita angústia e também com intensidade.

22) Também são importantes as declarações da 3a testemunha, L...B...S...do R... , 9-09-2010, 16h12m54s, em que este afirmou em juizo, serena e convictamente, que o Recorrente não resistiu ao acto da sua detenção, e que disse; 'Vão lá depressa, por favor dentro",  e que  estava visivelmente transtornado,  e  referindo-se a testemunha aos procedimentos de segurança com a arma, esclareceu que há agentes que usam sempre munição na câmara. Casuisticamente também referiu que um colega formador deu um tiro noutro colega numa situação de procedimento de segurança da arma!

23) A 4a testemunha, J...L...G..., 9-09-2010, 16h38m37s, ouvida em juizo, depois de referir os aspectos relacionados com a sua intervenção na noite da ocorrência, também corroborou que o Recorrente insistia que "chamassem os médicos".

24) Tem particular relevância para os autos a ocorrência relatada no Diário de Notícias de 4 de Março de 2011 de que destaca; ACIDENTE Polícia matou colega por descuido por DN.pt04 Março 2011. O chefe M..., que matou por acidente o agente ..., de 24 anos, quarta-feira na esquadra de Carnide, em Lisboa, terá violado duas regras de segurança. Primeiro porque havia munição na arma, o que no acto de transporte é proibido. E Também porque terá feito os procedimentos de segurança dentro da esquadra, o que deve ser evitado. Ao DN, um seu colega lembrou que o chefe M... era muito cuidadoso com armas de fogo e até costumava alertar os colegas para esse perigo. Esta notícia pode ser lida em: http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx7content id=1798509

25) Ora apesar do chefe M... uma pessoa muito cuidadosa com armas de fogo, tal, infelizmente, não evitou o acidente, que teve como consequência a morte do seu Colega de trabalho. Há inúmeros pontos de contacto entre estes dois casos que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça não deixará de apreciar e valorar, situação que, em abstracto, foi completamente ignorada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido.

26) Na verdade a 11ª testemunha, A...R...M..., 9-09-2009, 17h35m59s, também referiu que "o carregador está dentro da arma, pode haver um lapso. Se não se olhar a parte de baixo da arma não dá para ver propriamente se tem o carregador ou não".

27) Sendo o Recorrente um experiente agente da PSP, e querendo como defende o acórdão da Primeira Instância "se desresponsabilizar pelos factos praticados" não lhe teria sido bastante fácil tirar o carregador da arma, mudar o corpo da sua companheira para outro local da habitação onde não subsistissem dúvidas quanto à forma como ocorreu o acidente?

28) A falecida BB não morreu no local, e no momento, em que foi chamada pelo Recorrente as autoridades de polícia criminal, sendo que num primeiro momento, foi considerada falecida pelo médico que compareceu no local do sinistro, mas depois revelou de sinais de vida, e foi transportada para o hospital S. Francisco Xavier, onde cerca de sete horas depois, viria a falecer.

29) Esse facto foi largamente noticiado por uma grande quantidade de jornais, i. e. o "correio da manhã", e outros, com o título "discussão atrasou socorro" de 11 de Outubro de 2009, conforme doe. de fls... junto aos autos.

30) É convicção do Recorrente que a falecida BB, apesar do que consta no relatório da autópsia, não teria sucumbido se o médico que a assistiu não tivesse falhado gravemente no diagnóstico, e que indicia, pelo menos, negligência grave e grosseira, devendo o facto ter sido participado à Ordem dos Médicos, e não apenas à Ordem dos Advogados, porque não se trata de defesa de interesses difusos.

31) Assim jamais poderemos estar perante um alegado homicídio qualificado.

32) Relativamente ao flagrante delito, foi o Recorrente que contactou, e chamou ao local do acidente, as autoridades de polícia criminal, tendo os factos ocorrido antes da comparência das referidas autoridades, e em ambiente fechado, dentro da habitação, sem testemunhas.

33) Sem conceder, não está em causa o disposto no art° 256°/1 do CP. Penal, desconhece-se, como confirma o acórdão da Primeira Instância, nunca concedendo, na matéria dada como provada, que; "em circunstâncias não apuradas, efectuou disparo (...) cabeça de BB". Ora não sendo conhecidas as circunstancialismo em que os factos ocorreram como se pode defender, e decidir, pela existência de flagrante delito? Também aqui houve violação da referida disposição legal.

34) Portanto, jamais pode considerar-se que estejamos perante uma situação de flagrante delito.

35) Na resposta do Digno Magistrado do Ministério Público, 2a conclusão, é referido que "o requerido exame à arma já foi feito", sufragado pelo acórdão do douto Tribunal da Relação recorrido, pág. 12. Ora se esse exame foi feito onde estão os vestígios de sangue de BB na arma?

36) Também o acórdão da Relação recorrido, na pág. 16, sufraga que "o disparo foi efectuado com o cano da arma encostado à região frontal da cabeça de BB". Sem conceder, a arma teria sempre que revelar vestígios de sangue da falecida BB.

37) lmporta apurar a responsabilidade objectiva do médico P...J...S...J...S..., envolvido no transporte da falecida BB.

38) O clínico P...J...S...J...S... que declarou o óbito de BB o Hospital S. Francisco Xavier deve esclarecer em juízo, qual a razão porque declarou o óbito daquela, não estando falecida.

39) O Recorrente, por infeliz acidente, assume que foi autor do disparo que lesionou a sua Companheira BB , mas isso não o coloca na posição de um criminoso. Os elementos de prova que faltam no processo são suficientes para se perceber que estamos em presença dum cidadão que eventualmente cometeu um acto negligente. O Recorrente é uma pessoa sociável, bom profissional, bem considerado no seu meio social, e respeitado.

40) O relatório da autópsia, não merece o mínimo crédito ao Recorrente, sendo que este nunca encostou o cano da arma à cabeça da sua Companheira BB . Como se referiu antes a sua Companheira não faleceu no momento e local do disparo. O Recorrente considera fundamental para a descoberta da verdade material conhecer-se a forma como faleceu a sua Companheira BB . O acidente ocorreu quando o Recorrente desmuniciava a arma que lhe estava distribuída.

41) O Recorrente considera que deveria de ter sido feita, em sede de inquérito, e como requereu atempadamente, e depois na audiência de julgamento, a reconstituição do acidente ocorrido com o disparo da arma de fogo.

42) O Recorrente entende que devem ser feitas ou renovadas as seguintes diligências de prova, ao abrigo do disposto no artigos 154°/1, 354, 15071 e 34071 todos do C.P.P..

43) Seja exumado o cadáver de BB, com vista a ser feito novo exame pericial e contraditar a relatório da autópsia da falecida elaborado pelo hospital SFX, e bem assim o relatório pericial de I...P...R..., uma vez que esta não foi morta com o cano da arma encostada às têmporas ou a qualquer outra parte do corpo.

44) Seja feito novo exame no local tendo em conta a posição onde a falecida BB foi atingida pelo projéctil, e o local e o posicionamento do corpo da falecida onde foi encontrada;

45) Seja feito novo exame pericial para apurar se a infeliz BB faleceu por falta de assistência médica, tendo em conta o momento do pedido auxílio do INEM pelo Recorrente, e o momento em que foi assistida no Hospital S. Francisco Xavier.

46) Seja ouvido em audiência o clínico P...J...S...J...S..., que declarou o óbito de BB , no local do acidente, e diga a razão de ciência porque declarou o óbito daquela.

47) Seja elaborado, e junto aos autos o relatório do foro psicológico do Recorrente para que se conheça a sua personalidade.

48) Seja efectuado exame pericial da arma que foi disparada pelo Recorrente para se apurar se esta contém vestígios hemáticos da falecida BB.

49) Seja efectuado a reconstituição dos factos.

50) Seja analisado o roupão da falecida BB, que usava no momento do disparo acidental, e que ora junta aos autos, para se apurar se tem vestígios da pólvora resultante do disparo da arma de fogo.

51) O facto de terem sido ignoradas todas essas requeridas diligências de prova e que se consideram fundamentais para a descoberta da verdade material atentam gravemente, além de outras, contra as disposições dos art°s 2o, 3o, n° 2, 9o, ai. b), 12°, n° 1, 16°, 18°, n° 1, 20°, n° 1, 29°, n° 6, 32°, n° 1, 5 da Constituição.

52) O acórdão recorrido do Venerando TRL sufragou a condenação do Tribunal "quo", do Recorrente a pagar as despesas do HSFX e uma indemnização aos três filhos de BB de €25.000,00 cada, além do dano pela perda do direito à vida no montante de €60.000,00. O Recorrente, para encurtar razões faz valer aqui o vertido antes nas presentes motivações, e como tal jamais poderá ser condenado nesses montantes.

53) Ademais, hoje, a remuneração mensal que recebe é na ordem de €696,00, e a sua situação de emprego está periclitante.

54) O direito à vida é de facto um bem superior e inestimável.

55) Todavia o Recorrente está inocente do crime de que vem sendo acusado.

56) A condenação do pedido cível, a vingar, coloca-o numa situação de quase indigência enquanto for vivo.

57) O bem vida não pode ser absoluto perante a dignidade humana. A falecida BB, está reconhecido no acórdão recorrido do TRL, na pág,. 20, que sufraga o deliberado pelo Tribunal "a quo", "não exercia actividade remunerada, sendo o Recorrente quem lhe disponibilizava o valor necessário para o sustento dos filhos".

58) Sem mais considerações o Recorrente tem de ser absolvido da condenação em matéria civil, e esta nunca poderia ser fixada neste montante.

59) Efectivamente, e infelizmente, o mandatário judicial sofreu um derrame cerebral, "ave", no passado dia 3 de Dezembro de 2009, tendo sido assistido nas urgências, e internado no Hospital de São José, em Lisboa, e depois no Hospital dos Capuchos, tendo ficado paralisado do lado direito, e com perda de equilíbrio, como o comprovam os 9 (nove) documentos que seguem em anexo, a que se sucederam outros episódios de doença, sendo que ainda não se encontra em condições físicas e psicológicas para o exercício da profissão se é que a poderá voltar a exercer em pleno.

60) A sua doença teve efeitos colaterais bastante graves, por o derrame ter sido próximo do tronco central do cérebro. Também sofri uma perda do campo visual do olho esquerdo, o único de que vejo, além do glaucoma.

61) Tudo isso em consequência do stress da profissão, e continua a sofrer picos de tensão (19/10), medicado, e que se mantém, e que o impedem de trabalhar, embora o Requerente tenha assegurado o patrocínio, em alguns casos, mas com sério risco de vida. Assim desde o dia 6 de Abril que está incapacitado para o trabalho, sendo que exerce a advocacia em prática isolada, encontrando-se numa situação de justo impedimento, ex-vi do art° 146°/1 do C.P.C..

62) O mandatário esteve assim impedido de praticar o acto até hoje, dia 18-04-2011.

63) O acórdão recorrido do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, com todo o respeito, de entre outras, sufragando o deliberado pela deliberação do Tribunal "a quo" atentou contra as disposições dos artigos 432°/, n° 1. ai. b) e ai. d), 434°, e 410°, n° 2, ai. a), b), c) e n° 3, e 61°, n° 1, ai. i), 124°, n° 1, 150°/1, 154°/1, 354°, 150°/1, 256°/1 e 340°, n° 1, 354°, do Código de Processo Penal, e art° 15° , ai. b), e 146°, 131° e 132, n° 1 e 2, alínea a b) e e) do Código Penal, e art°s 2o, 3o, n° 2, 9o, ai. b), 12°, n° 1, 16°, 18°, n° 1, 20°, n° 1, 29°, n° 6, 32°, n° 1, 5 da Constituição.

64) O acórdão recorrido do TRL deveria ter sido no sentido de uma condenação do Recorrente por ofensa à integridade física privilegiada de BB, prevista no artigo 146° do Código Penal.

65) A manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, a notoriedade dos erros na apreciação da prova produzida plasmados no acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa recorrido, e o reexame da matéria de direito terão necessariamente como consequência a revogação do acórdão recorrido.

Nestes termos requer-se a V. Exas., Venerandos Conselheiros, que seja admitido liminarmente as presentes motivações de recurso, e que lhe seja dado provimento, decretando-se a anulação do julgamento, e consequentemente do acórdão condenatório recorrido, com os fundamentos expostos, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

Indica como testemunhas do justo impedimento do mandatário judicial:

1.- V....M... (a funcionária do mandatário) 2.- E...A...E...M...Ambas a apresentar”

O Mº Pº respondeu concluindo assim:

“4.1 - O Acórdão impugnado conheceu e decidiu definitivamente, posto que negando-lhe provimento, do recurso interposto pelo recorrente da decisão da l.a Instância no que diz respeito à impugnação da matéria de facto.

4.2 - Nos termos do estatuído no art. 434.° do CPP, o recurso subsequentemente interposto para o STJ só pode visar o reexame de matéria de direito.

4.3 - Após a reforma do CPP de 1998, que pôs termo ao recurso de "revista alargada" para o ST], criando em sua substituição um recurso em matéria de facto para a Relação, os vícios indicados no n.° 2 do art. 410.° do CPP deverão ser impugnados junto da Relação, que decide nessa matéria em última instância, posto que sem prejuízo da apreciação, oficiosa, desses mesmos vícios pelo STJ, quando detectados, nos termos do art. 434.° do CPP, os quais manifestamente se não verificam "in casu".

4.4 - Reafirmado, "in totum", o quadro factual adquirido pela l.a Instância, é por demais evidente que o recorrente perfectibilizou com a sua conduta os elementos objectivos e subjectivos do crime de homicídio qualificado por que foi condenado, não merecendo, pois, qualquer reparo a qualificação jurídica operada pelas Instâncias.

4.5 - O Acórdão desta Relação, ora impugnado, não padece de qualquer vício ou anomalia processual, "maxime" da invocada nulidade decorrente da falta do número de Juízes Desembargadores que o subscreveram. O recurso foi, com efeito, julgado em Conferência sendo que nos termos do disposto nos n.°s 1 e 2 do art. 419.° do CPP, nesta intervêm, para além do presidente, o relator e apenas um juiz adjunto, e que o presidente só vota, para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e do juiz adjunto. O que vale por dizer, pois, que tendo-se formado maioria sem necessidade de intervenção do presidente, este não tem de assinar o Acórdão pela simples e singela razão de que também não tem direito de voto.

4.6 - O Aresto recorrido - no seu segmento penal, bem entendido - é, pois, de rejeitar liminarmente, por manifesta improcedência, nos termos das disposições combinadas do art. 420.°, n.° l/a), do CPP, ou, assim se não entendendo, de confirmar nos seus precisos termos.”

O Mº Pº neste Supremo Tribunal pronunciou-se em termos de que destacamos a passagem que segue:

“Acompanhamos inteiramente a resposta do MP junto do Tribunal da Relação de Lisboa, através do Sr. Procurador-Geral Adjunto que na área penal questiona todas as questões rebatendo-as, incluindo a ausência da nulidade do acórdão proferido em recurso quanto ao tribunal/secção não está devidamente constituído nos termos do art. 419° n° 2 do CPP.

O arguido/recorrente mantém a mesma fundamentação do recurso do acórdão proferido na Ia instância quando deveria impugnar o acórdão da Relação de Lisboa que sucintamente lhe negou provimento ao recurso.

Mas quanto a uma das indemnizações a que o arguido AA foi condenado se tivesse sido em tempo requerida, o MP não teria legitimidade para responder, no entanto parece-nos que haverá uma questão prévia -nulidade, que ousaremos suscitar devido à legalidade democrática que nos compete defender.

O arguido/recorrente além de ter sido condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado e tendo sido julgado procedente o pedido de indemnização civil do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, foi condenado a pagar a quantia pedida (6.456,11€) e foi ainda condenado a pagar uma indemnização a título de danos não patrimoniais (25.000€ a cada um dos filhos) e outra indemnização com o valor fixado em 60.000€ pela perda do direito à vida da vítima.

Como resulta do próprio acórdão recorrido e que se confirma pelo acórdão da Ia instância, não foi requerida pelos filhos da vítima BB qualquer indemnização, mas apenas foi requerida ao abrigo do art. 82° n° 1 do CPP que fosse arbitrada uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

O douto acórdão condenatório proferido no 2° Juízo de Sintra, comarca de Lisboa-Noroeste acerca da responsabilidade civil e depois de atribuir a indemnização ao Centro Hospitalar nos termos dos arts. 128° e 71° do CPP e 483° n° 3 e 563 do C.Civil, refere em concreto que "não foi formulado pedido de indemnização''' mas que "são particularmente acentuadas as exigências de protecção dos filhos da vítima".

Foi por isso fixada outra indemnização, nos termos do n° 1 do art. 496° n° 1 do C.Civil - danos não patrimoniais e nos termos do n° 2 do art. 496° do CC - perda do direito à vida.

Parece-nos no entanto que a reparação da vítima p. no art. 82°-A do CPP disposição esta introduzida pela lei n° 59/98, só veio estabelecer a possibilidade de o tribunal, oficiosamente, poder arbitrar, como efeito penal da condenação, uma reparação pelos prejuízos sofridos pelas vítimas especialmente carecidos (anotações de Maia Gonçalves, fls. 245, CPP, 2009, Anotado).

A quantia a título de reparação não é uma indemnização tal como resulta do n° 3 do art. 82o-A, pois tal quantia é tida em conta em acção que venha a conhecer o pedido civil de indemnização.

Por outro lado a atribuição desta quantia é oficiosa e embora seja assegurado o respeito do contraditório (n° 2) não é regulada pela lei civil (art. 129° do CP) por não ser uma indemnização de perdas e danos.

Ainda que houvesse uma parte civil autónoma do responsável penal (o que não acontece, neste caso concreto) a mesma não podia ser condenada ao abrigo do disposto no art. 82°-A, por, processualmente, não ser um sujeito processual (id. Maia Gonçalves).

A decisão condenatória da 1ª instância confirmada em recurso pelo Tribunal da Relação no entanto, expressamente, considerou «caso de arbitramento de indemnização por se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil» para além de proteger os filhos da vítima, fixando a indemnização por danos não patrimoniais aos 3 filhos e ainda fixada a indemnização pela perda do direito à vida.

Parece-nos que estas condenações indemnizatórias pelos danos não patrimoniais p. no art. 456° n° 1 e 496° do Código Civil vão muito para além dos prejuízos sofridos pelos filhos da vítima quando efectivamente nos parece que se impõe e exige alguma protecção de acordo com os factos dados como provados e o disposto no art. 82°-A do CPP.

Esta "reparação pelos prejuízos sofridos" será, como o Cons. Maia Gonçalves refere "um terceiro degrau do sistema sancionatório".

A sentença proferida na Ia instância e mantida em recurso conheceu e condenou o arguido da indemnização civil de que não podia conhecer porque não requerida, é nula por ter violado o disposto na ai. c) do n° 1 do art. 379° do CPP, devendo por isso ainda que por fundamentos completamente diversos, não ser conhecido o recurso do arguido AA quanto à indemnização civil.

Assim e por tudo isto parece-nos que deverá ser rejeitado o recurso do arguido AA quanto à matéria penal, mas quanto à sua condenação à indemnização nos termos do art. 82°-A do CPP, dever ser declarada nula tal decisão (art. 379° n° 1 c) do CPP)”.

Colhidos os vistos foram os autos presentes a conferência.

D  -  APRECIAÇÃO

Seguindo basicamente a mesma linha do recurso interposto para o Tribunal da Relação, fundamentalmente, o arguido volta a questionar a matéria de facto, pretende uma diferente qualificação da factualidade que na sua particular versão deveria ter sido dada por provada, (ofensa à integridade física privilegiada do art. 146º do C P), insurgindo-se depois, também em termos semelhantes ao que já ocorrera, contra as indemnizações arbitradas. Vejamos porém mais de perto as conclusões da motivação.

1.  O recorrente invoca uma grande variedade de preceitos cuja oportunidade nem sempre descortinamos.  

Em primeiro lugar, defende a interposição do presente recurso, também com a cobertura da al. d) do nº 1 do art. 432º do C P P, nos termos do qual se recorre para o S T J de decisões interlocutórias que devam subir com os recursos interpostos ao abrigo de alíneas anteriores do mesmo número e preceito (cf. fls. 1042 e 1069 – conclusão 63).

Ora, o recurso da decisão interlocutória de fls. 764, produzida em audiência de julgamento na primeira instância, e que indeferiu diligências de produção de prova, já subiu com o recurso da decisão final interposto para o Tribunal da Relação.

 Não tem que subir agora novamente ao S T J para que este se voltasse a pronunciar sobre um despacho interlocutório. Acerca dele se manifestou o acórdão ora recorrido e a decisão, obviamente, transitou nessa parte em julgado.

Também por isso perde todo o sentido a menção, como fundamento para o recurso, dos art.s 124º nº 1 (objecto da prova), 154º nº 1 (despacho que ordena a perícia), 354º (exame ao local), 150º nº 1 (reconstituição do facto), ou 340º nº 1 (produção de prova em audiência), todos do C P P.

Deduzimos de toda a motivação e conclusões, do presente recurso, com relevo para o requerimento de produção de inúmeras diligências de prova, que o arguido também quer ver fiscalizada a posição que a Relação tomou, face ao recurso da decisão interlocutória que ele havia interposto.

Só que o acórdão da Relação é evidentemente irrecorrível, na parte em que se pronunciou sobre a decisão de fls. 764. De tal modo que, pretendendo recorrer o arguido também nessa parte, desde já se toma posição de não conhecer o presente recurso, em tudo o que se relacione com o despacho de fls. 764, e posição que sobre ele tomou a Relação no acórdão recorrido, tudo nos termos do art. 432º e 420º nº 1 al. b), ambos do C P P.

2.  Claramente dispensável seria também, a nosso ver, fundar o presente recurso em preceitos da Constituição, concretamente nos art.s 2º (“Estado de direito democrático”), 3º nº 2 (“Soberania e Legalidade”), 9º al. b) (“Tarefas fundamentais do Estado”), 12º nº 1 (“Princípio da universalidade”), 16º (“Âmbito e sentido dos direitos fundamentais”), 18º (“Força jurídica” dos preceitos constitucionais referentes a direitos liberdades e garantias), 20º nº 1 (“Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”), 29º nº 6 (“Aplicação da lei criminal” concretamente no tocante ao recurso extraordinário de revisão), ou ainda no art. 32º nº 1 e 5 (“Garantias de processo criminal”).

Pelo contrário, o recorrente não mencionou em matéria de responsabilidade civil qualquer preceito que considere ter sido violado, dando assim cumprimento ao art. 412º, nº 2 do C P P. Porque é possível deduzir a indicação que deveria ter sido feita, desses preceitos, aceitaram-se as conclusões tal como estão (art. 417º nº 3 do C P P).

3.  Nas conclusões 52 a 58 o recorrente reporta-se às indemnizações cíveis arbitradas. Termina com o pedido de absolvição em matéria cível, e, de qualquer modo, com a afirmação de que o montante da condenação é inaceitável. Ora, logo a seguir, na conclusão 59, o recorrente diz que “Efectivamente e infelizmente” o seu mandatário judicial sofreu um derrame cerebral, descrevendo depois as consequências disso na respectiva saúde e vida profissional (conclusões 59 a 62). E indica duas testemunhas do justo impedimento do mandatário, e junta nove documentos a atestar a sua doença (fls. 1071 a 1079).

Com o maior respeito pela doença sobrevinda ao ilustre mandatário do arguido, que evidentemente se lamenta, não se alcança qual o objectivo que se pretende prosseguir com esta informação e prova indicada, em sede de motivação e conclusões do recurso. Porque na verdade, se por um lado nem o arguido revogou o mandato nem o ilustre mandatário a ele renunciou (cf. art.39º do C P P ex vi do art. 4ª do C P P), por outro, a apresentação atempada ou não da motivação e conclusões, deve ser e foi apreciada, no próprio processo, por despacho (fls. 1091 e 1105). Aliás o recurso foi tempestivo (considerado notificado a 29/3/2011 o arguido interpôs recurso a 18/4/2011 – fls. 970 e 975).

4.  Passando agora em revista as 65 conclusões da motivação, e sabido que o objecto de um recurso se fixa com elas, verificámos que as três primeiras servem de introdução ao que se vai seguir, iniciando o recorrente nas conclusões 4) a 7) a descrição dos factos tal como a seu ver deveriam ter sido dados por provados. Nas conclusões 11) a 23), 26) e 27), 35) a 41) prossegue-se nessa apresentação da versão dos factos, conjugada com inúmeras referências à prova, produzida ou que o deveria ter sido, ora criticando-se o que se deu por provado, ora indicando o que se deveria ter dado por provado. As conclusões 41) a 50) respeitam a cada uma a diligências de prova que são requeridas, acrescentando-se na conclusão 51) os preceitos da Constituição, que neste âmbito, e por omissão, o recorrente entende terem sido violados.

As conclusões 24) e 25) referem uma notícia jornalística nos termos da qual um Agente da P S P teria por acidente matado um colega, assim se pretendendo fazer passar a verosimilhança, da tese defendida pelo recorrente da prática de um crime negligente.

As conclusões 32) a 34) dedicam-se a afastar a tese do flagrante delito, no caso, não se vislumbra, porém, com que utilidade. 

Tudo visto, conseguimos seleccionar, como temas que importa tratar, os seguintes:

a) Composição do Tribunal da Relação que julgou o recurso para si interposto [conclusões 8) a 10)].

b) Âmbito dos poderes de cognição do S T J em matéria de facto [conclusões acima referidas a este propósito, e ainda conclusão 65)].

c) Qualificação do crime e medida da pena [conclusões 28) a 31), 64) e 65)].

d) Responsabilidade civil [conclusões 52) a 58)]

 Abordemos essas questões.

a)  Composição do Tribunal da Relação que julgou o recurso para si interposto.  

Pretende o recorrente que se está perante um caso de nulidade do acórdão recorrido, devido ao facto de o tribunal que julgou o recurso ser composto apenas por dois desembargadores, contando o acórdão apenas com duas assinaturas, quando a secção deveria ser constituída por três juízes desembargadores.

O acórdão recorrido é de 23/3/2011 e foi julgado em conferência.

De acordo com o art. 419º nº 1, do C P P, na conferência intervêm, apenas, o presidente da secção, o relator e um juiz adjunto. Mas a intervenção na conferência não dá direito a voto ao presidente.

De acordo com o nº 2 do preceito o presidente “só vota, para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e do juiz adjunto”. No caso presente essa maioria aconteceu. A sem razão do recorrente é clara.

b)  Âmbito dos poderes de cognição do S T J em matéria de facto

1.  O art. 434º do C P P refere que “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”, sem prejuízo do que consta do art. 410º nº 2 do C P P, referente a vícios da matéria de facto.

 E o conhecimento de recurso em matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal colectivo, é em princípio da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da invocação dos vícios do artº 410º do C.P.P..

Ainda que se apele para a garantia de incidência constitucional, de um duplo grau de jurisdição também em matéria de facto, ela fica preservada, devendo apenas, se for o caso, optar o arguido recorrente pela interposição do recurso para a Relação, como aliás fez, quando invocar os vícios do artº 410º do C.P.P.. 

Conforme se disse, por exemplo, em acórdão deste Tribunal e Secção (Pº 2369/04),   “(…) tendo os recorrentes ao seu dispor o Tribunal da Relação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, e tendo aquele tribunal mantido tal decisão, vedado lhes está pedir ao Supremo Tribunal uma reapreciação da decisão de facto tomada pelo Tribunal da Relação e, muito menos, directamente do acórdão sobre os factos do tribunal colectivo de 1ª instância”.  

 Na doutrina é esta também a posição sufragada por Simas Santos e Leal Henriques (in “Recursos em Processo Penal”, pag.149 e segs.), Vinício Ribeiro (in “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, pag. 1022) ou  Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal, III, pag. 371).

Diferentemente se pronunciou, mais recentemente, Paulo P. Albuquerque, que entende poderem os vícios ser verificados no S T J, a requerimento, embora a este tribunal não assista o poder de os sanar mesmo que constem todos os elementos pertinentes dos autos, por ser esse um exclusivo poder da Relação, de acordo com o art. 431º do C P P (in “Comentário do Código de Processo Penal”, pag. 1188).

O recurso interposto pelo arguido AA, vindo da Relação, pretende, no fundo, a reanálise da matéria de facto, e o mais que solicita deriva dessa pretensão da reapreciação desta matéria de facto. E já houve recurso abrangendo matéria de facto, invocando os vícios do artº 412º nº 2 do C P P, para a Relação, que manteve, nesse âmbito, a decisão do colectivo da 1ª instância. 

Acontece, porém, que ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o S.T.J. tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa: “o recurso que verse, ou verse também, matéria de facto, designadamente os vícios referidos no art. 410º, terá sempre que ser dirigido à Relação, em cujos poderes de cognição está incluída a apreciação de uma e de outro, sem prejuízo de o S T J poder conhecer, oficiosamente, daqueles vícios, como condição de conhecimento de direito” (cf. ac. de 29/3/2001, Pº 874/01, 5ª Secção).

 

1. 1. A insuficiência da matéria de facto para a decisão [al. a) do nº 2 do art. 412º] implica a falta de factos provados que autorizem a ilação jurídica tirada. É uma lacuna de factos, que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão. Mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados.

Propositadamente, transcrevemos acima, não só a fundamentação do acórdão condenatório de primeira instância como a passagem em que a Relação se pronuncia em matéria de insuficiência de factos para a decisão condenatória. Fica sem qualquer reparo, a decisão ora recorrida, no tocante à posição que tomou a respeito de uma possível insuficiência da matéria de facto dada por provada, para que a decisão de condenação pudesse ter sido proferida como foi.

Basta atentar em que arguido e vítima viviam como marido e mulher, discutiram, e na sequência dessa discussão ele fez um disparo, com o cano da arma que lhe está distribuída (pistola 7.65), encostado à testa da vítima. O tribunal considerou que “Em consequência do disparo BB sofreu "lesões traumáticas crânio-encefálicas de natureza perfuro-contundentes" que lhe determinaram a morte de forma directa e necessária”.

1. 2. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [al. b)], pode ser perceptível, antes do mais, na motivação da convicção do julgador que levou a que se desse por provado certo facto. Mas também pode decorrer dos próprios factos dados por provados e por não provados. Quanto à contradição entre a fundamentação e a decisão, resultará ela, em princípio, da fundamentação apontar num sentido e a decisão ir noutro sentido.

A contradição tem que ser inultrapassável, apesar de se recorrer à apreciação da decisão no seu todo, ou a regras da experiência, para que possa relevar, em termos de nulidade.

Por isso também se não vê qualquer contradição ao nível da fundamentação, designadamente por o mesmo facto ter sido simultaneamente dado por provado e por não provado, ou por haver total incompatibilidade entre factos provados, ou entre estes e os não provados, que se não mostre removível, com recurso à letra dos pontos invocados, à lógica, à experiência da vida, e ao que demais se escreveu nas decisões de 1ª e 2ª instância a este propósito. Manifestamente, não descortinamos nenhuma contradição a este nível. Tanto mais que aquilo que se considerou “Matéria de facto não provada” foi:

“Não se provou que as discussões existentes entre o arguido e BB fossem por o primeiro ingerir bebidas alcoólicas em excesso ou por ter ciúmes.

Não se provou também que o disparo que vitimou BB tenha sido acidental, nem que tenha ocorrido quando o arguido “desmuniciava” a arma”.

 1. 3. O erro notório na apreciação da prova [al. c)], como tem sido repetido à saciedade, na jurisprudência deste S.T.J., tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma. Por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida o que, diga-se desde já, é configurado pelo caso dos autos.

O recorrente apresenta uma versão dos factos segundo a qual estaria a desnmuniciar a arma junto da mesinha de cabeceira do quarto, a pistola disparou sem ele querer, e foi atingir a vítima na testa, quando esta estava a 3 metros de distância. Não só esta narrativa é frontalmente contrariada pelo relatório de autópsia (que torna irrelevante ter-se apurado ou não a existência de sangue da vítima na arma), como a prova produzida sustenta cabalmente a factualidade tal como foi dada por provada. Como se disse na decisão de 1ª instância acima transcrita, acerca do disparo,

“o relatório de autópsia conclui, de forma inequívoca, que o mesmo foi efectuado com "o cano da arma encostado à região frontal mediana", conclusão extraída em face das lesões verificadas, características de disparo à "queima-roupa" (como o é uma "ferida perfuro-contundente", "estrelada", com a "orla de tatuagem"). Finalmente, também do exame pericial de fls. 256 e ss. resulta que o disparo foi efectuado a "curta distância", ou seja, a menos de um metro. Com efeito, a t-shirt do arguido apresentava, além das manchas de sangue provenientes de contacto por transferência, salpicos de sangue resultantes da sua projecção em direcção ao autor do disparo e que naturalmente não o atingiriam se no momento estivesse junto à mesinha de cabeceira, como referiu estar.

Além do relatório de autópsia e dos demais elementos e informações médicas juntas aos autos - boletins de informação clínica do Hospital S. Francisco Xavier, S.A. (e particular a fls. 210-215) e aditamento ao relatório de autópsia de fls. 449 a 451 - tiveram-se ainda em conta os esclarecimentos prestados pela Sra. Prof. Dra. I...P...R..., perita em medicina legal, que, por referência aos sinais objectivos e inequívocos que encontrou, afastou a possibilidade do disparo ter sido efectuado de outro modo que não à "queima-roupa". A mesma explicou também o motivo pelo qual a morte da vítima não foi imediata. A este propósito afirmou que o período agónico, aquele que antecedeu o inevitável falecimento de BB, foi de horas, por na sua trajectória errática, o projéctil não ter directamente atingido o tronco cerebral.

Que o arguido quis matar BB resulta de tudo o referido, em particular da circunstância do disparo ter sido efectuado, como foi, com o cano da pistola encostado à cabeça da vítima.”

O que o recorrente disse ou fez após o disparo, chegando mesmo a admitir em telefonema para o 112 que a própria vítima mexera na arma e que esta se disparara, ou o facto de a vítima ser transportada para o hospital em coma onde veio a falecer, não prejudica em nada a factualidade provada. Não é de excluir que para além do “desnorte” do arguido este pudesse ficar desesperado com a sua acção. O facto de a vítima não ter tido morte imediata por o disparo não ter atingido o tronco cerebral, também não ilude o nexo de causalidade entre a acção – disparo de pistola 7.65 encostada à testa – e a morte sobrevinda, como sua consequência directa e necessária.

A factualidade dada por provada surge como versão não só possível como altamente verosímil do efectivamente ocorrido, e tanto basta para que se afaste, no caso, qualquer erro na apreciação da prova, ao abrigo da al. c) do nº 2 do art. 410º do C P P.

Por todo o exposto, entende-se estar definitivamente adquirida a matéria de facto fixada no acórdão da 1ª instância e confirmada pela Relação.

c) Qualificação do crime e medida da pena

1. Fixada a matéria de facto tal como resulta da decisão de 1ª instância e que acima transcrevemos, perde qualquer sustentabilidade a pretensão do recorrente em ver a sua responsabilidade analisada em termos negligentes, como parece deduzir-se das conclusões 7), ou 24) a 27). Aliás, ao pretender ver o seu comportamento qualificado como crime do art. 146º do C P (conclusão 64) – “Ofensa à integridade física privilegiada” – o recorrente está a assumir que só quis ferir a companheira, mas ao mesmo tempo que actuou com dolo. Não se percebe qual a posição que defende.

2. 1. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 131°, 132°, n.° 1 e 2, alínea b) do Código Penal. Foi dado por provado que ele vivia como marido e mulher com a vítima. Quanto ao modo de execução do crime, de assente temos que o arguido era Agente da P S P tendo uma arma 7.65 atribuída, estava cerca da 1 da manhã no quarto de dormir de ambos, discutiu com a vítima, e encostou o cano da arma à testa dela, disparando.

Importa ver se se poderá considerar o seu comportamento especialmente censurável, para efeitos de tipificação do crime do artº 132º do C P, relevando nesse caso a actuação assumida depois do cometimento do crime, apenas para efeitos de graduação da pena.

 
2. 2.  Importa recordar a chamada técnica dos exemplos-padrão utilizada pelo legislador no artº 132º do C.P., e o facto de estarem em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu nº 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente [1]
É possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade. E, por outro lado, apesar da descrição dos factos considerados provados poder apontar para o preenchimento de uma ou mais alíneas do nº 2 do artº 132º, não é só por isso que o crime de homicídio, cometido, deverá ter-se logo por qualificado. Interessa sim que ocorra uma “imagem global do facto agravada”  [2] 
 Como resulta da recensão feita no acórdão proferido no Pº 1224/08 desta 5ª Secção (Rel. Cons. Simas Santos), a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se pronunciado, uniformemente, neste sentido [cf. Acórdãos de 13.2.97 (Pº 986/96), de 21.5.97 (Pº 188/97), de 10.12.97 (Pº 1207/97), de 18.2.98 (Pº 1086/97), de 3.6.98 (Pº 301/98), de 8.7.98 (Pº 646/98), v g.][3].

O modo do cometimento do crime, pela motivação que a ele presidiu, a forma ou intensidade como foi executado, ou ainda atentas as qualidades pessoais do agente ou da vítima, tornam-no mais grave. E mais grave porque a conduta daquele agente foi mais reprovável, tendo em conta a distância que separa o crime cometido daqueles outros, em relação aos quais se possa dizer que encontra eco “a convicção geral do que são motivos atendíveis ou a que é mais difícil resistir” (a expressão é de Curado Neves in “Indícios de culpa ou tipos de ilícitos?” – “Direito Penal, Parte Especial: Lições, Estudos e Casos”, autores vários, pag. 255).

Por outras palavras, a especial censurabilidade ou perversidade do agente não será mais do que a revelação de um desrespeito acrescido, ou de um desprezo extremo, do autor, pelo bem jurídico protegido. Traduz também um modo próprio do agente estar em sociedade, e, por tal via, inclusivamente, uma perigosidade merecedora de particular atenção.

De lembrar que se não provou que o crime tenha sido cometido por ciúmes (ou por excesso de bebida). Daí que a falta de elementos que expliquem o móbil do crime se não pode prejudicar o agente, também o não deve beneficiar. O quadro que nos é oferecido é assim o de uma importante superioridade do arguido sobre a vítima e da colocação desta numa situação de absoluta incapacidade para resistir, ou de defesa. Encostar o cano da arma à testa da vítima revela uma intensidade dolosa brutal. Vítima que ainda por cima estava ligada por laços afectivos ao recorrente, com partilha de vida há três ou quatro anos.

Face ao que vem referido nada temos a objectar à qualificação do comportamento do arguido.

2. 3.  A moldura penal do crime pelo qual o arguido foi condenado é de 12 a 25 anos de prisão.

A pena que lhe foi aplicada foi de 18 anos de prisão, a qual, adiante-se desde já, consideramos excessiva. Por isso se justificarão as considerações seguintes.
A escolha e medida da pena constituem tarefas cuja sindicabilidade se tem que assegurar, cabendo ao S T J fazê-lo, no âmbito dos seus poderes de cognição da matéria de direito, mesmo oficiosamente. No caso concreto, porém, a pretensão do recorrente em ver modificada a matéria de facto para efeito de condenação por um crime muito menos grave, implica obviamente que ele pretende, a final, uma pena substancialmente menor.     
Acolhendo a lição da doutrina, tem-se enveredado na jurisprudência deste Supremo Tribunal por uma orientação em que se legitima a fiscalização, dos passos dados no estabelecimento do limite da culpa que o arguido deve suportar ou das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso, e, por outro lado, se legitima o controle da relevância que se deu ou não se deu, a circunstâncias de facto, com valor atenuativo ou agravativo.
Para além disto, a determinação do quantum certo de pena deverá ser apanágio do juiz recorrido, designadamente se esse juiz beneficiou de um julgamento em audiência com as vantagens da oralidade e imediação.  
Importa então recordar os critérios a que deve obedecer a determinação da pena concreta.

2. 4.  Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no artº 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Continuamos a entender que a retribuição da culpa é afastada dos fins das penas, que assim se reduzem a propósitos preventivos. A pena deve ser pois sempre “utilitária”, e, para além das convicções pessoais de cada um, tal se imporá à luz do que dispõe o art.º 18º da Constituição, segundo o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” [4].
 .  
Ao exprimir as finalidades exclusivamente preventivas da pena, o nº1 do art.º 40º serve-se das expressões “protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade”, o que levanta algumas dificuldades. Por um lado, a reintegração social, como forma de prevenção especial positiva, é ela mesma uma forma de protecção de bens jurídicos, que não deveria, pois, cumular-se com esta última finalidade. Mas, sobretudo, a protecção de bens jurídicos é no fundo o objectivo de toda a política criminal, repressiva e também preventiva, pelo que não representa nada que se possa considerar específico das penas. Tanto protege os bens jurídicos uma pena aplicada num tribunal como um polícia de giro ou uma câmara de vigilância.
Somos então levados a englobar na expressão “protecção de bens jurídicos” todas as finalidades que, sendo preventivas, se não confundam com a prevenção especial positiva, ou seja, com a reinserção social do delinquente.
Desde logo, portanto, as outras modalidades de prevenção especial: negativa, enquanto intimidação do próprio agente do crime, e neutralizadora, como afastamento do delinquente da sociedade por certo período, para que, pelo menos durante esse tempo, não cometa mais crimes.
Depois, haverá evidentemente que prosseguir as finalidades geral-preventivas. Não está excluído do preceito um efeito de prevenção geral negativa, como intimidação de todos os potenciais delinquentes, mas, de acordo com a doutrina mais autorizada, importa assinalar, como fim essencial da pena, a prevenção geral positiva ou de integração [5] 
Procuremos fazer, sinteticamente, algumas precisões quanto ao conteúdo da prevenção geral que se quer prosseguir com a pena.
 No que já foi o dizer de Günther Jakobs, e numa fórmula que vem sendo repetida, prevenção geral enquanto processo de “estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, para além de “modelo de orientação para os contactos sociais”, ou “réplica perante a infracção da norma, executada à custa do seu infractor” .[6]
Aqui se desenham já as vertentes que podem assinalar-se à própria prevenção geral positiva: um efeito de confiança, um efeito pedagógico e um efeito de pacificação social [7].
Quanto à prevenção especial, sabe-se como pode ela operar através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa [8] Modificação que se não pode impor, obviamente, mas que se pode e deve proporcionar. Vemos no desiderato legal da “reintegração do agente na sociedade” a vertente positiva da prevenção especial, sem se olvidar a utilidade dos efeitos negativos do afastamento, em casos muito contados, e da intimidação a nível individual.
Por isso é que a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de finalidades garantísticas, e só do interesse do arguido.
Quando, pois, o artº 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele artº 40º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias [9], que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:
A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos com atenção às expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” [10].
Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A prevenção geral negativa ou intimidatória surgirá como consequência de todo este procedimento, e já aflorava ao nível da própria tipificação na lei penal do comportamento.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir.
O nº 2 do artº 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

2. 5.  O recorrente tinha 42 anos quando cometeu o crime e a vítima tinha 38. Era Agente da P S P há 19 anos. Não apresenta passado criminal. Não valorando nesta sede as circunstâncias que já serviram para fundar a qualificação do crime de homicídio, verificamos que de relevante subsiste com valor atenuativo o comportamento do recorrente depois do cometimento do crime ao chamar por socorros, concretamente através do 112, e com valor agravativo o facto de o arguido, sendo agente da autoridade encarregado de proteger a sociedade ter um dever acrescido de não cometer crimes.
Os contornos do cometimento deste crime criaram na comunidade expectativas de punição importantes, e surgem com cada vez mais frequência casos de utilização indevida, por parte de agentes da autoridade, das armas que lhe estão distribuídas. As necessidades de prevenção geral são apreciáveis. Quanto às necessidades de prevenção especial, com os dados disponíveis, afigura-se-nos serem menores.
Entende-se que a pena a aplicar se deve situar claramente na metade inferior da moldura penal. A pena justa é, no caso, de 16 (dezasseis) anos de prisão.

d) Responsabilidade civil

1.  Foi formulado pedido cível pelo Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., respeitante à indemnização de € 6.456,11 acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde a notificação até integral pagamento. A infeliz vítima fora admitida no Hospital S. Francisco Xavier (HSFX) pelas 02H37, do dia 8/10/2009, em situação clínica de coma "score 3", e deu entrada na Unidade de Cuidados Intensivos cerca das 04H30, com ferida extensa na calote e região frontal, hemorragia abundante "que saia pela cavidade oral" e "exteriorização de massa encefálica". No Hospital foi efectuada cirurgia de "encerramento das feridas por neurocirurgia, e viria, não obstante, a falecer às 07H05 desse dia.

Com o fundamento de fls. 785 a 1ª instância condenou o arguido demandado no pedido (fls. 787). Como se vê de fls. 833 dos autos, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, o demandado reporta-se às outras indemnizações – danos morais dos filhos da vítima e indemnização pela perda do direito à vida – sem a mínima referência à condenação de pagar aquela quantia ao Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. Porém, na conclusão 32 (fls. 842), já se incluem “as despesas do HSFX”, e na conclusão 40 o recorrente diz que “tem de ser absolvido da condenação em matéria civil, e esta nunca poderia ser fixada neste montante, sem conceder” (fls. 842).

Face à falta completa de motivação e ao modo como as conclusões foram ali formuladas, aceita-se que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha considerado que o recorrente não pôs em causa, no seu recurso em matéria cível, a dívida hospitalar (a fonte da obrigação seria sempre a acção do arguido fosse qual fosse a qualificação jurídica do crime por ele cometido) e por isso a ele se não referiu, sem deixar de, no dispositivo, manter em tudo o acórdão recorrido. Tal significa que, nesta parte, a decisão condenatória da primeira instância transitou em julgado.

É que, muito embora o arguido tenha copiado, na motivação e conclusões do recurso interposto para o S T J, o que dissera antes no recurso para a Relação, sempre a condenação do arguido a pagar ao H S F X,  € 6.456,11 acrescidos de juros, se mostra irrecorrível para o S T J, face à alçada da Relação ser de € 30 000 (por força da redacção dada ao art. 24º da Lei 3/99 de 3 de Janeiro, pelo art.5º do D L 303/2007 de 24 de Agosto).  

Vejamos agora as restantes indemnizações arbitradas.

2.  Conforme transcrição que atrás se fez, a decisão da 1ª instância condenou o recorrente a pagar,

a título de danos não patrimoniais, a cada um dos três filhos da vítima BB, CC, DD e EE, a indemnização de € 25 000,00, e fixou ainda fixou em € 60.000,00 o valor da indemnização por si devida, relativa à perda do direito à vida da mesma BB. A Relação  confirmou esta condenação.

Trata-se de uma condenação, “em reparação”, feita com a cobertura declarada do art. 82°-A do C P  P, que passamos a transcrever:

"1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigo 72° e 73°, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2. No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3. A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização".

2. 1.  Conforme se vê de fls. 735, os filhos da vítima, EE, DD e CC, os dois primeiros, porque menores, representados pelo avô FF que tal como a filha CC passou procuração a HH (fls. 738 e 740), vieram, “enquanto titulares do direito a alimentos, sendo filhos de BB requerer que seja arbitrada uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, conforme art. 82º-A do Código de Processo Penal”.

Alegam, para além do mais, que a vítima assegurava o sustento dos filhos, entregues no Brasil aos cuidados dos avós, enviando-lhes mensalmente uma média de € 350, e que “Apesar da legitimidade para se constituírem assistentes ou partes cíveis, nenhum dos requerentes foi formalmente informado dessa possibilidade, obstando assim à sua intervenção”.

 Terminam pedindo a condenação do arguido “ao pagamento das quantias que os filhos iriam receber da mãe, caso fosse viva” e ainda “ao pagamento de uma compensação pela morte da pessoa que mais amparava e protegia os requerentes”.

Foram juntos os seguintes documentos: declaração do mandatário HH, explicando a junção dos documentos, e fazendo uma referência à Segurança Social com um alcance que nos escapa, procuração passada a este por FF, certidão de “Termo de Compromisso de Guarda Provisória” dos menores DD e EE, assumido pelo avô FF, procuração passada a FF pela neta CC, e três certidões de nascimento dos filhos da vítima.

Devidamente notificado o arguido deduziu oposição, alegando, em síntese, que enquanto viveu com a vítima esta não trabalhava, que era o arguido que mandava dinheiro aos filhos dela, que além disso dependiam do avô FF, e que assim o pedido deveria ser indeferido (fls. 767).

2. 2.  O acórdão recorrido debruçou-se sobre a indemnização por danos morais arbitrada, e de que beneficiariam os filhos da vítima, para a considerar ajustada. Considerou o recurso para a Relação improcedente, como se viu, em tudo mantendo a decisão de primeira instância.

Ora, o requerimento de fls. 735 não constitui um pedido cível formulado ao abrigo do art. 71º do C P P, o qual deveria ter sido apresentado nos termos do art. 77º do mesmo Código. Pelo contrário, invoca-se o art. 82º-A do C P P, e é com base neste normativo que as instâncias decidiram da condenação “em matéria cível”. Aliás, o pedido fala em alimentos aos filhos da vítima em termos de danos futuros e em compensação pela morte da mãe, e a condenação foi por danos morais e perda do direito à vida.

Ora, o artigo em foco consagra um efeito penal da condenação a que chama “reparação”, introduzido pela Lei 59/98 de 25 de Agosto, em cuja exposição de motivos pode ler-se: “(…) Recupera-se, assim, [em parte] uma medida abandonada com a entrada em vigor do Código Penal de 1982, quando parte da doutrina nacional já então insistia em fazer da reparação um “terceiro grau” do sistema sancionatório”.

E não falta mesmo quem acabe por conduzir a reparação aos fins das penas, leia-se, por defender a reparação como sanção, no catálogo das consequências jurídico-penais do crime. Segundo Roxin, tal reparação pode ser encarada como instrumento que garante com probabilidade de sucesso a ressocialização do delinquente, uma vez que este toma real consciência da repercussão que os factos praticados tiveram na vítima e, ao assumir a sanção, interioriza mais correcta e profundamente o valor da norma penal, a sua responsabilidade pela prática dos factos, assim restabelecendo, pelo menos em parte, a ordem jurídica violada [11].

O conceito de vítima é normalmente preenchido com o de objecto material de acção, a pessoa que sofre o comportamento em que analisa o facto criminoso, ou com o de titular de bem jurídico que especialmente se quis proteger com a incriminação. E assim se costuma distinguir o conceito de vítima do de lesado ou ofendido.

A questão que porém se coloca é a de saber, se para efeitos de reparação prevista no art. 82º-A do C P P, o conceito de vítima não deverá ser encarado em termos mais abrangentes, de modo a incluir simples lesados, que porém reclamem particulares exigências de protecção em virtude do cometimento do crime. Entendemos que sim.

Desde logo, ao fazer depender a reparação de não ter sido pedida indemnização nos termos dos art.s 72º e 77º do C P P, o preceito parece abrir a porta a todos quantos à partida poderiam formular pedido cível. Depois, ao condicionar a reparação ao facto de a vítima ter ficado especialmente desprotegida em virtude do crime, não se percebe porque é que se deveriam deixar de fora todos quantos, em virtude do crime ficaram em situação de desprotecção grave, colmatável com a reparação, só porque não foram objecto material de acção, ou não eram titulares de bem jurídico que especialmente se quis proteger com a incriminação.

Repare-se que o nº 3 do artigo admite que o beneficiário da reparação venha a propor subsequentemente acção cível, e que no caso de condenação, nesta, a quantia atribuída como reparação seja descontada. Portanto tudo se conduz a uma pretensão, por parte do legislador, de atalhar a uma situação de urgência – especial falta de protecção – a qual pode muito bem ser sentida por outros que não a vítima em sentido estrito.

Concorre neste sentido a disciplina prevista no art. 2º da Lei 104/2009, de 14 de Setembro, relativa ao “Regime de Concessão de Indemnização às Vítimas de Crimes Violentos e de Violência Doméstica”, que prevê o adiantamento de indemnização, pelo Estado se, entre o mais, o facto provocou “uma perturbação considerável no nível e qualidade de vida da vítima ou, no caso de morte do requerente” (realce nosso). E o nº 2 do preceito atribui o direito ao adiantamento a outras pessoas que não a vítima em sentido estrito, designadamente titulares de direito a alimentos e pessoas que viviam em união de facto com o/a falecido/a. [12]

2. 3.  O facto de os filhos de BB poderem beneficiar de uma reparação nos termos do art. 82-A do C P P não significa que concordemos com o arbitramento que foi feito.

Recorde-se que o escopo deste normativo é atalhar a uma situação de especial desprotecção. Ora esta especial desprotecção cifra-se, aqui, no facto de, por causa do crime, os filhos terem ficado numa situação económica difícil com a morte da mãe. Nestes termos, é ir longe demais usar o preceito para arbitrar indemnizações simplesmente nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 496 do C C., as quais devem ser pedidas em sede própria. Ou seja, numa acção cível em separado, eventualmente tempestiva, à luz  do art. 72º nº 1 al. i) do C P P.

Deu-se por provado que BB tinha nacionalidade brasileira e 38 anos de idade, emigrou para Portugal à procura de melhores condições de vida para si e para os seus filhos, de tal modo que assegurava o sustento desses filhos, na medida das suas possibilidades, remetendo para o Brasil cerca de € 350,00 mensais. Porém, na altura dos factos BB não exercia actividade remunerada, sendo o arguido quem lhe disponibilizava o valor necessário para o sustento dos filhos. De qualquer modo deixaram de receber tal quantia.

A filha CC tinha 17 anos na altura do crime, o DD 13 anos e o EE 10. Vivem com o avô materno que representa, e exerce o poder paternal, sobre os dois últimos.

Por outro lado, o recorrente era Agente da P S P e auferia como rendimento mensal de cerca de € 1.200,00, €1.300,00, tem casa própria e paga de amortização de empréstimo cerca de € 330,00 mensais.

A quantia a arbitrar a título de reparação, aos filhos da vítima BB, deverá ser calculada à luz da equidade sem prejuízo de ser “tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido cível de indemnização”, nos termos do nº 3 do art. 82º-A do C P P.

Tendo em conta que a desprotecção de que fala a lei se analisa, no caso, fundamentalmente, em atenção à idade dos filhos da falecida, e ao que deixaram de receber, por um período razoável em que estariam dependentes da ajuda da mãe, mas tendo também em conta as possibilidades do recorrente.  

Tudo visto, reputamos adequadas as reparações de € 15 000 (quinze mil euros), € 20 000 (vinte mil euros) e € 25 000 (vinte e três mil euros), fixadas nos termos do art. 82-A do C P P, a pagar pelo recorrente, respectivamente a CC, DD e EE. Quantias fixadas nos termos do aludido art. 82º-A, como “terceiro grau do sistema sancionatório” e a título de princípio de reparação, acrescidas de juros de mora contados desde a data da decisão de primeira instância até à do integral pagamento.

E  -  DELIBERAÇÃO

Termos em que se delibera neste Supremo Tribunal e 5ª secção, em conferência,

1)  Não conhecer do recurso interposto, na parte que se reporta ao decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão recorrido, relativamente ao recurso da decisão interlocutória da primeira instância proferida a 24/9/2010 (fls. 764), por se tratar de decisão  irrecorrível para o S T J, tudo nos termos do art. 432º (a contrario)  420º nº 1 al. b) e 414º nº 2, todos do C P P.

 2)  Conceder parcial provimento ao recurso penal,

       a) Condenando o recorrente pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p.

       pelo artigo 131°, 132°, n.° 1 e 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos

       de prisão, e

        b) Revogando a decisão recorrida na parte em que a mesma se pronunciou sobre as   

        indemnizações em que o recorrente fora condenado na decisão da primeira instância,

        ficando o mesmo agora condenado a pagar, para além da indemnização há muito

        transitada de € 6 456,11 ao Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E.,  

           - A CC, a quantia de € 15 000 (quinze mil euros),

           - A DD a quantia de € 20 000 (vinte mil euros) e

           - A EE a quantia de € 25 000 (vinte e três mil euros),

        todas fixadas nos termos do art. 82-A do C P P, a título de princípio de reparação,

          quantias essas acrescidas de juros de mora contados desde esta data até à

          do integral pagamento.

O recorrente não pagará taxa de justiça face ao provimento parcial do recurso.

                                                                                                   

   Lisboa,  6 de Outubro de 2011

 Souto de Moura (Relator)

 Isabel Pais Martins

------------------      

[1] Assim Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, pag. 27, e para uma resenha da controvérsia, na doutrina, sobre se as circunstâncias em causa respeitam ao tipo de culpa ou ao tipo de ilícito, vide Teresa Quintela de Brito in “Direito Penal - Parte Especial: Lições, Estudos e Casos”, pag. 191 e seg.  

[2] Figueiredo Dias ob.cit. pag. 26. 

[3] Esta posição não pode perder de vista o facto, de se mostrar ultrapassada uma concepção do crime ancorada num elemento puramente objectivo, correspondente à ilicitude, e outro subjectivo, integrador da culpa, tendo a dogmática penal passado a distinguir, sempre no campo da ilicitude, entre um desvalor da acção e um desvalor do resultado. A ilicitude deixou, pois, de ser só a desaprovação pela ordem jurídica, de uma situação criada com a lesão de certo bem jurídico, e passou a incluir, nessa desaprovação, também, a forma como tal situação surgiu, por obra do agente.

 Ou seja, no desvalor da acção passou a incluir-se um juízo de desaprovação, em abstracto, resultante do modo como o crime foi cometido.

Para além da lesão ou da colocação em perigo do objecto da acção, o que integra o desvalor de resultado, a ilicitude compreende ainda, no desvalor da acção, modalidades externas do comportamento do agente, bem como circunstâncias que radicam na individualidade da sua pessoa. Daí até que se tenha passado a falar também, a este propósito, de um desvalor da acção referido ao facto, ao mesmo tempo que de um desvalor da acção referido ao autor (cf. v.g. Jescheck in “Tratado de Derecho Penal ” vol. I, pag. 323). Só a partir destes dados poderá, a nosso ver, ser abordada a construção dogmática escolhida pelo legislador para o crime do artº 132º do C P.

É que, caso as circunstâncias enunciadas no seu nº 2 fossem taxativas e de aplicação automática, estar-se-ia simplesmente perante uma qualificação do homicídio, atenta a ilicitude acrescida. Concretamente por via do desvalor da acção, e não por via de um maior desvalor do resultado, já que, sendo o bem vida um valor absoluto e eminentemente pessoal (para a ordem de valores constitucional e portanto para o direito penal, não pode haver vidas humanas mais valiosas que outras), causar a morte de uma pessoa esgota, só por si, o desvalor do resultado (e tendo em mente o disposto na al. l) do nº 2 do art. 132º do C P, o facto da vítima ocupar um cargo especial, traduzir-se-á no aumento do desvalor da acção). 

Ora, como a estruturação do preceito recorreu a exemplos padrão, no seu nº 2, meramente ilustrativos da cláusula geral de agravação que está enunciada no nº 1, ficamos afastados da concepção, segundo a qual, a qualificação ficaria a dever-se a um acréscimo de ilicitude. Como se viu, o preenchimento dos exemplos padrão nem é sempre necessário, porque pode a qualificação derivar de um circunstancialismo equivalente também merecedor de especial censurabilidade ou perversidade, nem é suficiente, porque para além do preenchimento de qualquer das alíneas do nº 2 do artº 132º em foco, sempre importará verificar, no caso, a tal especial censurabilidade ou perversidade do agente. O que tudo nos confronta com uma qualificação por via da culpa acrescida.

Já noutro registo, e como nos diz Teresa Serra, “Sozinha, a cláusula geral é passível de críticas, em sede da função de garantia da lei penal, em virtude da sua grande indeterminação. Por seu turno, a enumeração exemplificativa do nº 2, tomada isoladamente, é susceptível de reparo, ou constituir uma violação à proibição da analogia em direito penal” (in “Homicídio Qualificado – Tipo de Culpa e Medida da Pena, pag. 122”). Mas a salvaguarda da garantia ínsita no princípio da legalidade, e, por essa via, da constitucionalidade do preceito em foco, ver-se-á realizada, se “A admissão de outras circunstâncias reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade do agente [estiver] perfeitamente delimitada aos casos em que tais circunstâncias exprimam um grau de gravidade e possuam uma estrutura valorativa correspondente ao Leitbild dos exemplos-padrão enunciados no nº 2” (idem pag. 123).

Num contexto desta preocupação garantística, os exemplos-padrão, mesmo que não factualmente verificados, têm ainda assim a função de referência, na valoração negativa de circunstâncias não especificamente previstas, mas que autorizam o homicídio qualificado atípico. O não preenchimento de qualquer das alíneas do referido nº 2, e o aproveitamento de outros elementos agravativos, será legítimo, por se situar num espaço de congruência com os exemplos padrão, justificando-se à mesma a especial desaprovação da conduta.

[4] O retributivismo puro significa o acrescentar de um mal (sofrimento do condenado), a outro mal (sofrimento da vítima ou dano social), com a pretensão de compensar ou equilibrar o mal do crime, assim se julgando atingir uma situação de igualdade que significaria justiça.
Ora, uma pretensão de justiça nestes termos é uma ficção. Melhor, um puro exorcismo.
O mal do crime é, enquanto passado, inapagável, a compensação tem o seu terreno próprio na área da responsabilidade civil, e a pretensão de se atingir com o castigo uma situação de equivalência ou igualdade, obviamente que se depara com dificuldades, até ontológicas. Em primeiro lugar, porque o mal sofrido pela vítima não tem que ser, e não é, da mesma natureza que o mal imposto com a pena. E mesmo que o fosse, externamente (talião), sempre ficaria por aferir o sofrimento padecido por cada qual.
Importa reter que o sentimento de censura ou de apreço, que a sociedade costuma exprimir das mais variadas formas como reacção, respectivamente à prática do mal, ou do bem, é de ordem moral, e não tem que ser transposto para o direito penal.
A este compete assim deslocar a retribuição como ideal puro de justiça (porque o crime foi cometido) para uma satisfação dada à sociedade, com efeitos preventivos e pacificadores (para que o condenado e os potenciais delinquentes não cometam crimes e a sociedade sublime os seus sentimentos de revolta). Só que, então, estaremos já no campo da pena utilitária e a pisar os terrenos da prevenção

[5] Assim  Figueiredo Dias in ob. cit. pag. 214 e segs. v. g., ou Anabela Rodrigues in “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Rev. Port. de Ciência Criminal, Ano 12 nº 2, pag. 154 e segs. 

[6] In “Derecho Penal. Parte General, Madrid, Marcial Pons, pág. 8 e segs.

[7] O efeito de confiança efectiva-se quando os cidadãos verificam, não só que o direito é para se cumprir, como, sobretudo, que por essa via se sentem mais seguros. É um efeito de satisfação das expectativas, depositadas na seriedade da advertência ínsita na previsão normativa penal. A norma, se jurídica e portanto coerciva, dispõe sempre de instrumentos para que a sua observância se imponha. No caso do direito penal esse instrumento é, em princípio, a pena.
O efeito pedagógico retira-se da criação (ou do reforço) da auto-censura individual, por parte de todos quantos têm que refrear os seus impulsos para infringir e não infringem. Os quais experimentam, mais ou menos conscientemente, uma satisfação dupla: com o sofrimento do criminoso que tem que cumprir pena por ter cometido o crime, e com o facto de o próprio ter resistido ao crime, subtraindo-se a qualquer pena [7].
O efeito de pacificação social, já atrás aflorado, analisa-se num mecanismo de escape, para evitar que os sentimentos de repulsa ou revolta sentidos pela vítima ou outros cidadãos, se manifestem à margem do sistema.

[8] Vide, a propósito, v.g. Roxin in “Derecho Penal-Parte Especial”, Tomo I, Madrid, Civitas, 1997, pág.86).
[9] Cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pags. 227 e segs.
[10] Cfr. Idem pág. 229.
Importa ter em atenção aqui as dificuldades de que pode revestir-se a aferição dessas expectativas comunitárias.
Em primeiro lugar, há crimes que se cometem e são pouco ou nada conhecidos. A maior parte, no entanto, conhece-se. Ora esse conhecimento pode ter uma extensão muito diferente, desde o grupo restrito dos que conviviam com a vítima, até ao alarme nacional, ou mundial, relacionado com a notoriedade do agente (ou da vítima). 
Outra questão que pode colocar-se é a que resulta de algum pluralismo de valores da sociedade global que teve conhecimento do crime. Boa parte pode reprovar firmemente o facto tendo expectativas fortes de punição, e outra parte pode tender para a desculpabilização, desinteressando-se da punição daquele delinquente. Pense-se, por exemplo, na maneira díspar como se reage, na nossa sociedade, a crimes fiscais, de um modo geral à fuga ao fisco, ao tráfico de influências e à corrupção, ao aborto, à violação do segredo de justiça, aos crimes chamados “de honra” praticados no seio de certas etnias, ao pequeno tráfico de droga etc. etc.
Finalmente, vivemos numa sociedade em que a comunicação social se interessa cada vez mais pelos casos de justiça, sobretudo se respeitam a crimes que envolvem gente conhecida ou menores. Haverá pois que ter em conta a diferença entre expectativas reais da população, e o que for resultado de um tratamento dado ao caso pela comunicação social.
Tudo isto nos leva a concluir que a auscultação das expectativas da comunidade tem que ser realizada de uma forma bastante crítica. A leitura do sentimento comunitário tem que ser temperada pela adequação desse sentimento, em primeiro lugar, à ordem de valores jurídico-constitucional, e, em segundo lugar, ao padrão de um homem médio razoavelmente bem formado que o julgador construa para uso próprio.
Em muitas situações o julgador terá que precaver-se da influência de certa comunicação social no estado de espírito dos membros da comunidade (e de si próprio), e tantas vezes terá mesmo que configurar o efeito provável que o crime teria na comunidade, se aí tivesse tido conhecimento alargado, nos casos em que isso não ocorreu.
    
[11] Cf. Claus Roxin “La reaparación en el sistema de los fines de la pena” in “De los Delitos y las Víctimas”, AD-HOC, Argentina, pag. 154-156.
[12]  Para um conceito de vítima amplo podem ver-se os instrumentos internacionais referidos em “As vítimas de crimes: contributo para um debate transdisciplinar” do presente relator, in “Revista do Ministério público” 103-2005 pag. 7 e seg.s.