Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
936/08.0JAPRT.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: INDÍCIOS
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
CAUSALIDADE ADEQUADA
PRESUNÇÕES
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
PRINCÍPIO DA ORALIDADE
ARMA
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
REENVIO DO PROCESSO
ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 04/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :

I - A avaliação dos indícios pelo juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos que se alinham num sentido oposto ao dos indícios culpabilizantes, pois que a sua comparação é que torna possível a decisão sobre a existência, e gravidade, das provas.
II - Os factos que visam o enfraquecimento da responsabilidade do arguido, sustentada na prova indiciária, são de duas ordens – uns impedem absolutamente, ou pelo menos dificilmente permitem que se atribua ao acusado o crime (estes factos recebem muitas vezes o nome de indícios da inocência ou contra presunções); os outros debilitam os indícios probatórios, e consubstanciam a possibilidade de afirmação, a favor do acusado, de uma explicação inteiramente favorável sobre os factos que pareciam correlativos do delito, e davam importância a uma convicção de responsabilidade criminal. Denominam-se de contra indícios e emergem em função da necessidade de contrapor aos indícios culpabilizantes outros factos indício que aniquilem a sua força à face das regras de experiência.
III - Tal como perante os indícios, também para o funcionamento dos contra indícios é imperioso o recurso às regras da experiência e a afirmação de um processo lógico e linear que, sem qualquer dúvida, permita estabelecer uma relação de causa e efeito perante o facto contra indiciante infirmando a conclusão que se tinha extraído do facto indício. Dito por outras palavras, o funcionamento do contra indício, ou do indício de teor negativo, tem como pressuposto básico a afirmação de uma regra de experiência que permita, perante um determinado facto, a afirmação de que está debilitada a conclusão que se extraiu dos indícios de teor positivo.
IV - Como vimos afirmando em anteriores decisões, a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza mas, como uma possibilidade mais ou menos ampla.
V - A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos. Consequentemente, origina um juízo de probabilidade e não de certeza.
VI - As inferências lógicas aptas a propiciar a prova indiciária podem, também, consistir em conhecimentos técnicos que fazem parte da cultura media ou leis científicas aceites como válidas sem restrição.
VII - Em matérias que impliquem especiais competências técnicas cientificas ou artísticas, e que se fundamentam naquelas leis, é evidente que a margem de probabilidade será cada vez mais reduzida e proporcionalmente inversa à certeza da afirmação científica.
VIII - Como refere Dellepiane, só quando a premissa maior é uma lei, que não admite excepções, a inferência que consubstancia a prova indiciária revestirá a natureza de uma dedução rigorosa. A inferência só é certa, por excepção, quando se apoia numa lei geral e constante, ou seja, quando deixa de ser uma inferência analógica para passar a ser uma dedução rigorosa.
IX - Noutras circunstâncias estaremos sempre perante uma probabilidade, ou seja, como afirma Lopez Moreno, La Prueba de Indícios, pág. 15, a teoria dos indícios reduz-se à teoria das probabilidades e a prova indiciária resulta do concurso de vários factos que demonstram a existência de um terceiro que é precisamente aquele que se pretende averiguar. A concorrência de vários indícios numa mesma direcção, partindo de pontos diferentes, aumenta as probabilidades de cada um deles com uma nova probabilidade que resulta da união de todas as outras constituindo uma verdadeira resultante.
X - O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa.
XI - Do exposto resulta que o princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno, mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.
XII - Só este convencimento, alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária, quando é este tipo de prova que está em causa, pode alicerçar a convicção do julgador.
XIII - Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer.
XIV - Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime, nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral, mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.
XV - A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para além do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerentes aos princípios da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indício e a presunção que dele se extrai.
XVI - Em relação à prova indiciária, o funcionamento e creditação desta, está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável nomeadamente em sede de sentença. Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste às objecções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno, é preciso o indício quando não é susceptível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado.
XVII - Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão do facto indiciante.
XVIII - Porém, ultrapassando a questão da necessidade de vários indícios ou da suficiência de um indício, o certo é que, quando existe pluralidade, coloca-se a questão do objecto em função dos quais se deve avaliar os requisitos enunciados. Nunca é demais sublinhar que é a compreensão global dos indícios existentes, estabelecendo correlações e lógica intrínsecas que permite e avaliza a passagem da multiplicidade de probabilidades, mais ou menos adquiridas, para um estado de certeza sobre o facto probando.
XIX - Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupões três momentos distintos: a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
XX - Assim, em primeiro lugar é necessário que os indícios sejam verificados, precisados e avaliados. Em seguida, tem lugar a sua combinação ou síntese. Esta operação intelectual efectiva-se com a colocação respectiva de cada facto ou circunstância acessória, e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos, e dá lugar é reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exactidão e valor dos indícios assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios.
XXI - Ao ocupar-se da prova por concurso de indícios e estabelecer que condições devem estes reunir para fazer prova plena, os autores exigem, uniformemente, a concordância de todos os indícios, pois que sendo estes factos acessórios de um facto principal, ou partes circunstâncias de um único facto, de um drama humano devem necessariamente ligar-se na convergência das três unidades: o tempo, o lugar e acção por forma, a que cada indício esteja obrigado a combinar-se com os outros ou seja a tomar o seu lugar correspondente no tempo e espaço e todos a coordenar-se entre si segundo a sua natureza e carácter ou segundo relações de causa a efeito.
XXII - Em última análise está presente no nosso espírito a improbabilidade de aquela série de índicos poder apontar noutro sentido que não o atingido.
XXIII - O terceiro momento radica no exame da relação entre facto indiciante e facto probando ou seja o funcionamento da presunção. A máxima da experiência constitui a origem de toda a presunção – em combinação com o facto presumido que é o ponto de partida inverso e é o fundamento da mesma por aplicação do princípio da normalidade
XXIV - Arrancando a decisão recorrida do postulado de que existe uma “ presunção natural de que o arguido destinava armas, componentes e munições à venda ou, por qualquer outro título, à cedência a terceiro, (...) com base na constatação óbvia de que, em condições normais e de acordo com as regras da experiência de vida e das coisas, ninguém dispõe de um semelhante arsenal de armas e munições, em condições de funcionamento, sem ter uma finalidade exterior ou sequencial que lhe dê um mínimo sentido, como seja a circulação através de alguma forma de comércio ou cedência de alguma ou algumas dessas armas e respectivas munições. Na verdade, enquanto produto dessas regras da experiência do homem médio, tal presunção natural permite inferir que esse destino é a consequência normal, típica e credível da detenção em semelhante quantidade e diversidade de armas e munições. O funcionamento dessa presunção é possível porquanto entre o facto adquirido e os factos conhecidos são estabelecidas relações graves, precisas e concordantes, em termos de aquele primeiro facto (desconhecido) se afirmar, com uma probabilidade próxima da certeza, como uma consequência natural dos factos demonstrados”, entendemos que os contra indícios produzidos não contêm uma força que, à face das regras da experiência, manifestamente não comportam, pelo que, a decisão recorrida enferma do vício do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, nomeadamente de erro notório na apreciação da prova ao considerar relevantes face às regras da experiência os contra indícios relativos ao crime de tráfico de armas.
XXV - Consequentemente, é de determinar o reenvio do processo para o tribunal competente definido no art. 426.º - A do CPP para julgamento parcial relativo aos pontos provados e não provados, concernentes a essa matéria.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

O Ministério Público veio interpor recurso da decisão proferida nos presentes autos limitando-o à revisão da matéria de direito, nos termos do art.º 432.º, n.º1, al. c), do C.P.P., e no que tange à absolvição do arguido AA pela prática do crime de tráfico de armas, de que vinha acusado, e sua condenação na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um único crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de
23/02 (na sua redacção original).
Para uma correcta compreensão da matéria dos autos importa referir que:
1. O Ministério Público deduziu acusação para julgamento em processo comum e com intervenção de Tribunal Colectivo contra o arguido pela prática ele um crime de homicídio qualificado tentado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22°. nº 1 e 2, alínea b) 23 nº 1 e 2: 73 nº1 alíneas a) e b); 131° e 132°, nº 1 e 2. alíneas d). e). h), i) e j), todos do Código Penal: de um crime de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, agravado pelo resultado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 272. nº1 alínea b), e 285°, com referência ao artigo 144°, alínea a). todos do Código Penal: de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86°. nº 1. alíneas a). c) e d). e 90", nºs 1 e 2, ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na sua redacção original) e de um crime de tráfico de armas p. e p. pelos artigos 87º nº 1. e 90°, nº 1 e 2, com referência ao al1igo 86°, 11° 1, alíneas a), c) c d), todos da Lei na 5/2006, de 23 de Fevereiro (na sua redacção original);
- 2. Na sequência do julgamento. o tribunal decidiu na parte criminal:
a) absolver o arguido AA dos crimes de homicídio qualificado, na forma tentada: de incêndio explosões e outras condutas especialmente perigosas, agravado pelo resultado. e de tráfico de armas, de que vem acusado
b) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de armas proibidas. p. e p. pelos artigos 86°, nº1. alíneas a), c) e d), e 90°, nº1 e 2. da Lei n° 5/2006. de 23-02 (na sua redacção original), na pena principal de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 6 (seis) anos:
Interposto recurso pelo Ministério Público para este Supremo Tribunal de Justiça foi o mesmo limitado á apreciação da matéria de direito e á parte do acórdão recorrido que condenou o arguido AA pela prática de um crime de detenção de armas p.p. pelos artigos 86 nº1 alínea a) C9 e d) e 90 nº1 e 2 da lei 5/2006 de 23/2.
Decidiu este Supremo Tribunal de Justiça que existia o vicio do artigo 410 nº2 alínea c) do CPP e, consequentemente, determinou o reenvio para o tribunal competente definido no artigo 426 A do CPP para novo julgamento relativamente aos pontos 19 a 26 e 37 e 38 da matéria de facto provada e pontos p) e q) dos factos não provados.
Procedeu-se a novo julgamento no qual se consideram provados os factos que adiante se descrevem.
As razões de discordância do Ministério Publico encontram-se sintetizadas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:
2.º Em nosso entender, e em face da factualidade provada, o arguido deveria ter sido condenado pela autoria do referido crime de tráfico de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º1, da citada Lei das Armas, em concurso real com outro crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), da mesma Lei.
3.º Se é verdade que não se provou que o arguido AA destinava as armas, munições, e seus componentes, que foram apreendidos nos autos, à venda a terceiras pessoas, também é certo que se provou que o mesmo arguido, no dia 10 de Janeiro de 2009, pôs o arguido CC, seu filho, ao corrente da existência das armas, munições e demais objectos, referidos no ponto 25) dos “Factos provados”, bem como do local onde estavam escondidos, e ordenou-lhe que os retirasse da residência e que os ocultasse noutro local, que com ele não pudesse ser relacionado,
4.º Incumbência que o BB aceitou e, para execução da mesma, foi pedir auxílio ao arguido CC, transmitindo-lhe a existência daquelas armas, munições e demais objectos na sua casa e a ordem dada pelo seu pai – Factos provados 28) e 29).
5.º Por sua vez, o arguido CC aceitou ajudar o arguido BB a esconder aqueles objectos e logo combinaram, para tal efeito, encontrar-se no dia seguinte, pelas 07 horas da manhã, junto à casa da mãe do primeiro, local onde o mesmo disse existir uma adega onde poderiam ocultar aquele material.
6.º E no dia 11 de Janeiro de 2009, à hora marcada, o arguido BB, fazendo uso do veículo automóvel da sua namorada, levou até junto da casa da mãe do arguido CC, DD, situada no Lugar do Crasto, em Salréu, Estarreja, aquelas armas e munições e demais objectos referidos, e depois levou-os até junto da adega anexa à casa da DD, ali entregando tais objectos ao arguido CC, que os recebeu.
7.º De seguida, o arguido CC levou aqueles objectos para o interior da adega, escondendo a espingarda automática "SIG STGW 57 (SIG 510)", o segundo carregador da mesma, a espingarda de assalto "Kalashnikov", a pistola­ metralhadora "Sterling" e a espingarda "F. Pedretti", no interior de um lagar, e colocando as munições e demais objectos dentro de um caixote de madeira, tapando tudo com materiais ali existentes, após o que ambos abandonaram o local, deixando ali escondidos e guardados aqueles objectos – pontos 30 a 34 dos “Factos Provados”.
8.º Acresce que o arguido AA não tinha qualquer licença ou autorização que o legitimasse a deter, usar ou transaccionar aqueles objectos, nem as armas em questão estavam registadas em seu nome, bem sabendo que a detenção daquelas armas, munições e componentes, o seu uso ou cedência a qualquer título não lhe eram permitidos, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis – Facto 39) – e os arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respectivas condutas - Facto 44).
9.º Assim sendo - e salvo o devido respeito pela interpretação seguida pelo Tribunal “a quo” – houve efectivamente “cedência” e transmissão da detenção das armas, munições e demais objectos referidos no ponto 25) dos “Factos provados” do arguido AA para o filho CC, e depois, deste para o co-arguido CC - que os recebeu e escondeu tais armas e demais objectos no interior do lagar e dentro de um caixote de madeira, no interior da adega pertencente à DD, ficando aquelas armas e objectos na posse do CC.
10.º - Por outro lado, nenhum dos arguidos tinha qualquer licença ou autorização que os legitimasse a deter, usar, ou transaccionar aquelas armas e objectos, e todos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respectivas condutas.
11.º E foi precisamente por deterem em situação ilegal as referidas armas, munições e demais objectos – que o arguido AA lhes cedeu da forma descrita – conhecendo a situação em que se encontravam, que os arguidos BB e CC foram condenados como co-autores materiais de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 ( na redacção original), em penas de prisão com execução suspensa, nos termos que constam do Acórdão primitivo, proferido em 06/04/2010, e nessa parte transitado em julgado.
12.º O art.º 87.º, n.º 1, da citada Lei n.º 5/2006 – que tipifica o denominado crime de “tráfico de armas” - não pressupõe necessariamente a venda das armas ou munições em situação ilegal, a terceiras pessoas, mas tem um campo de aplicação muito mais amplo, abrangendo, designadamente, os actos intencionais de “ceder a qualquer título”, ou de “distribuir, por qualquer meio”, ou de “mediar uma transacção” , relativos a quaisquer equipamentos, meios militares e material de guerra, armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, munições, substâncias ou produtos referidos no art.º 86.º da mesma Lei das Armas.
13.º Assim sendo, e porque resultou directamente provado que o arguido AA cedeu a detenção das armas, munições e demais objectos, referidos no ponto 25) dos “Factos provados” ao filho CC, e este, por sua vez, entregou-os ao co-arguido CC - que os recebeu e escondeu tais armas e demais objectos no interior do lagar e dentro de um caixote de madeira, no interior da adega pertencente à DD – todos sabendo que se tratava de armas e munições em situação ilegal – em nosso entender, o arguido AA praticou o crime de tráfico de armas, p. e p. pelo citado art.º 87.º, n.º1, na modalidade de “cedência a qualquer título” das ditas armas e munições.
14.º O Tribunal “ a quo”, ao dar como provado que “O arguido AA detinha e guardava aquelas armas, munições e seus componentes, que destinava, pelo menos, ao seu uso próprio” – Facto 37) – não exclui a hipótese de o arguido lhes dar outro, ou outros destinos, para além do seu “uso próprio” – como se depreende da expressão usada, “pelo menos”; e aqui pode incluir-se a cedência das armas e munições supra referidas ao arguido BB e a posterior entrega delas ao co-arguido CC para guarda - pelo que não se vislumbra contradição entre os Factos provados e não provados.
15.º Embora o arguido AA pudesse usar - ainda que clandestinamente - algumas das armas que lhe foram apreendidas, designadamente, na caça (ilegal) ao javali - não é razoável que usasse (ou sequer tivesse necessidade de usar) tão variada gama de armas e munições como aquelas que lhe foram apreendidas nos autos - e, designadamente:
- a espingarda caçadeira da marca “ Zabala Hermanos”, de origem espanhola, com o n.º de série rasurado e ilegível, com a coronha e os canos serrados, tendo os canos 310 mm de comprimento, e o total de 530mm;
-a espingarda de assalto de marca Kalashnikov, fabricada na antiga Jugoslávia pela “Zastava Kragujevac”, com sistema e pontaria próprio para usar a arma como lança granadas;
- as munições de salva e as munições de calibre .22Short (pelo menos duas caixas destas, com 50 cada, que lhe foram apreendidas na “Petisqueira Pôr-do-Sol” – sendo certo que o arguido AA nem sequer tinha qualquer arma desse calibre).
16.º Não obstante, o facto de usar essas armas e munições – ou parte delas – enquanto as tivesse em seu poder, também não obsta a que o arguido AA as transmitisse ou cedesse a terceiros – como veio a suceder com as armas, munições e outros objectos referidos no ponto 25) dos Factos provados.
17.º Por isso, partindo dos factos provados, conjugados com as regras da experiência comum, tendo em conta a grande quantidade e qualidade das armas, munições e outros objectos apreendidos ao arguido AA, e lançando mão das presunções naturais decorrentes da normalidade da vida em sociedade, será de concluir que o arguido, para além de poder usar as armas e munições enquanto as tinha em seu poder, também as destinava à cedência ou entrega a terceiras pessoas.
18.º Tal facto, também não é incompatível com a al. p) dos “factos não provados” – pois o que ali se diz é que não se provou que o arguido AA“destinava as referidas armas, munições e seus componentes a serem por si vendidas a terceiras pessoas”.
19.º Por isso, tal alínea não exclui a hipótese de cometimento do crime de tráfico de armas, nas outras modalidades previstas no citado art.º 87.º, n.º1, da Lei das Armas, por banda do arguido AA – designadamente a cedência ou entrega delas a terceiros sem contrapartida monetária.
20.º Sem prescindir, e para a hipótese de se concluir que o arguido AA não praticou crime de tráfico de armas, também entendemos que o mesmo adoptou duas resoluções criminosas quanto à detenção das armas proibidas, munições e seus componentes, que lhe foram apreendidas, violando, assim, por duas vezes, a mesma norma legal que prevê e pune a conduta (art.º 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na sua redacção original).
21.º De facto, e quanto ao “arsenal” apreendido ao arguido AA, este vinha acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na sua redacção original), em concurso real com outro crime de tráfico de armas, p. e p. pelo art.º 87.º,n.º 1, da citada Lei,
22.º E provaram-se todos os pressupostos daquele crime - pois resultou provado, além dom mais, que no dia 8 de Janeiro de 2009, o arguido AA tinha no seu automóvel, marca BMW, com a matrícula ...-...-TF, estacionado junto do seu estabelecimento denominado “Petisqueira Pôr do Sol”, em Pinheiro da Bemposta, Oliveira de Azeméis, além de outros, uma espingarda de assalto, da marca "KALASHNIKOV", modelo "AK-47", de calibre 7,62X39mm (também designado de 7,62 Russo), com o n° de série 1951 HK0801, de funcionamento automático, também com capacidade para disparo em regime semi-automático (mediante selector), dotada de cano estriado com cerca de 415 mm de comprimento, sem a respectiva coronha, e medindo 640 mm de comprimento total (arma longa), dotada de carregador amovível - a qual se encontrava sobre o banco traseiro do veículo, coberta por um blusão, usado pelo arguido; e estava municiada com uma munição introduzida na respectiva câmara de explosão e com o carregador totalmente cheio ( com 30 munições daquele calibre).
23.º Tais armas não se encontravam registadas, nem o arguido possuía qualquer licença ou autorização para as deter ou usar, mas quis detê-las naquelas circunstâncias, apesar de saber que eram proibidas e que não tinha licença para as deter ou usar - e até utilizou tal espingarda para efectuar disparos para o ar, por ocasião da passagem de ano – Factos provados 21) e 38).
24.º Verificam-se, assim, todos os pressupostos de crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na sua redacção original), que a acusação imputava ao arguido AA– quanto às referidas armas e carregador com munições que o mesmo trazia no interior do automóvel BMW de matrícula ...-...-TF, e que lhe foram apreendidas no dia 8 de Janeiro de 2009.
25.º Para além daquelas armas e munições, o arguido AAtambém detinha no interior da “Petisqueira Pôr do Sol”, na sua oficina de serralharia, e em vários locais da sua residência, em Salréu, Estarreja, as várias armas, munições e demais objectos descritos nos pontos 20), 22), 23) dos “Factos provados” – entre os quais uma espingarda automática de marca HK (FMP), modelo “G-3”, também com capacidade para disparo em regime semi-automático (mediante selector), de calibre 7,62x51mm, dotada de carregador amovível, devidamente municiada, com bala introduzida na câmara e com carregador introduzido, contendo este 20 munições daquele calibre – que foram apreendidos no dia 8 de Janeiro de 2009, por Inspectores da Directoria do Porto da Polícia Judiciária, na sequência de Buscas devidamente autorizadas.
26.º Além disso, o arguido AAtambém detinha na sua residência, escondidos no interior de uma parede falsa situada por baixo da parapeito de uma das janelas da cozinha, as várias armas, munições, e demais objectos descritos no ponto 25) dos “Factos provados” os quais não foram encontrados pelos Inspectores da Polícia Judiciária na Busca que ali realizaram em 8 de Janeiro de 2009.
27.º Ora, para além de usar a espingarda "KALASHNIKOV", modelo "AK-47", que lhe foi apreendida no interior do automóvel BMW, o arguido AA detinha ilicitamente estas armas, munições e seus componentes em seu poder, sabendo que estavam indocumentadas e que não tinha qualquer licença ou autorização para as poder usar ou deter - mas mesmo assim tomou a resolução de as guardar, a maior parte delas escondidas na sua residência, em Salréu, designadamente, num roupeiro existente junto às escadas de acesso ao piso superior, por detrás de uma parede lateral falsa, e no interior de uma parede falsa situada por baixo do parapeito de um das janelas da cozinha,
28.º Tomando, assim, em relação a estas armas e munições uma resolução criminosa diversa da primeiramente referida – referente à detenção e uso ilícito da espingarda "KALASHNIKOV" que usou para fazer disparos na passagem de ano e transportava no seu automóvel BMW, de matrícula ...-...- TF.
29.º Assim sendo, também quanto à detenção deste lote de armas, munições e demais objectos apreendidos ao arguido AAresultaram provados todos os pressupostos do crime de detenção de armas proibidas ( p. e p. pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02), pelo que, em nosso entender, e salvo o devido respeito pela tese do Acórdão recorrido, o arguido AA também deveria ter sido autonomamente condenado pela prática do mesmo – uma vez que o não foi pelo crime de tráfico dessas armas.
30.º Com efeito, a tal não obstaria o facto de, quanto a essas armas, munições e objectos, o arguido ter sido acusado pelo crime de “tráfico de armas”, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º 1, da citada Lei, pois este representa “um mais” em relação ao crime de detenção de armas proibidas, cujos elementos também resultaram provados – sendo legítima a convolação para este último crime, por se tratar de alteração não substancial dos factos descritos na acusação, prevista no art.º 358.º do C.P.P.
31.º Acresce que nem sequer seria necessária a comunicação de tal alteração (não substancial) ao arguido, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 daquele art.º 358.º, pois, os factos constitutivos do crime de detenção de armas proibidas (em vez do crime de tráfico dessas armas) foram admitidos pelo arguido AA na audiência de julgamento – onde foi respeitado o contraditório também quanto a esses factos,
32.º Pelo que se aplica a excepção prevista no n.º2 do referido art.º 358.º - como tem entendido a jurisprudência, segundo o qual: “ A expressão «factos alegados pela defesa» abrange os factos relatados pelo arguido na audiência” – Cf.r Ac. da Relação do Porto de 12/07/2006, no processo n.º 0546558 - citado em anotação ao art.º 358.º do C.P.P. – Comentários e Notas Práticas, dos Magistrados do MP do DJ do Porto.
33.º Mas ainda que assim não seja entendido, sempre se deverá concluir que o arguido AA, no dia 8 de Janeiro de 2009, adoptou nova resolução criminosa pelo menos em relação à detenção das armas, munições e seus componentes que ocultou no esconderijo existente no interior da parede falsa situada por baixo do parapeito de um das janelas da cozinha da sua residência, em Salréu, quando aquela residência foi buscada pelos Inspectores da Polícia Judiciária.
34.º Com efeito, o arguido AA esteve presente nessa diligência e deliberadamente ocultou aos referidos Inspectores a existência daquelas armas e munições – concretamente, as armas munições e outros objectos descritos no ponto 25) dos Factos provados – que ali permaneceram, com conhecimento e aquiescência do arguido, até ao dia 11 de Janeiro de 2009; isto é, por mais 3 dias depois da apreensão das restantes – data em que dali foram retiradas pelo arguido CC.
35.º Assim, o arguido AA decidiu e quis continuar a ocultar e deter ilicitamente estas armas, munições e outros objectos, apesar de saber que não tinha licença ou autorização para o efeito, e que a respectiva detenção era proibida – até porque já tinha sido alertado disso pelos Inspectores da Polícia Judiciária aquando da apreensão das outras armas e munições.
36.º Acresce que no dia 10 de Janeiro de 2009, o arguido AA pôs o seu filho BB ao corrente da existência destas armas, munições e demais objectos, bem como do local onde as tinha escondidas, e ordenou-lhe que as retirasse da residência e que as ocultasse noutro local, que com ele não pudesse ser relacionado.
37.º O BBaceitou tal incumbência, contactou o co-arguido CC, e procederam em conformidade com o já narrado supra, nas Conclusões 4.ª a 7.ª .
38.º Daqui se conclui que o arguido AAtomou a resolução de retirar, transportar e ocultar as referidas armas, munições e tubo com pólvora noutro local, apesar de saber que os mesmos se encontravam em situação ilegal.
39.º Assim, também quanto à detenção deste lote de armas, munições e demais objectos apreendidos ao arguido AA, já depois das anteriores apreensões, resultam provados todos os pressupostos – elementos objectivos e subjectivo – do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02.
40.º Ao condenar o arguido AApela prática de um só crime de detenção de detenção de arma proibida, o douto Acórdão recorrido fez errada qualificação jurídica dos factos provados, e violou, por erro de interpretação, o disposto nos art.ºs 87.º, n.º1, da Lei n.º 5/2006, 30.º, n.º1, do C. Penal, e 358.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P.
41.º Quanto à medida das penas: Tendo em conta a moldura penal aplicável aos crimes de tráfico de armas (2 a 10 anos de prisão) e de detenção de arma proibida (2 a 8 anos de prisão), e tendo em conta a culpa do arguido AA e as exigências de prevenção de futuros crimes, bem como todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele – como manda o art.º 71.º do Código Penal – e atendendo ainda que o arguido já tem três condenações criminais - uma delas em 2007/10/01, pelo crime de uso ilegítimo de armas, ocorrido em 2005/01/07; - agiu com dolo directo e é muito intenso o grau de ilicitude dos factos que praticou - atenta a grande quantidade e diversidade de armas que detinha, várias delas da “classe A”, e mesmo classificadas como armas de guerra, além de outras das “classes C e D” , todas operacionais e várias carregadas com as respectivas munições, prontas a ser usadas, se necessário – sendo também de ponderar a forma como as detinha escondidas – parte delas num roupeiro, por detrás de uma parede falsa; e outras no interior de uma parede falsa situada por baixo do parapeito de uma das janelas da cozinha – o que levou a que estas últimas não fossem encontradas pelos Inspectores da Polícia Judiciária aquando da Busca realizada no dia 8 de Janeiro de 2009 – e tendo ainda em conta as fortíssimas necessidades de prevenção, de ordem geral e especial que se fazem sentir nos crimes relacionados com armas, atenta a sua elevada frequência e o alarme social que provocam,
42.º Entendemos ser de aplicar ao arguido AA, a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela autoria material do crime de detenção de arma proibida que praticou ( p. e . p. pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na versão original) – relacionado com a detenção e uso ilegal das armas que tinha no seu automóvel BMW, de matricula ...-...-TF, no dia 8 de Janeiro de 2009;
43.º E a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º1, da citada Lei - ou a pena de 6 (seis) anos de prisão, se tal crime vier a ser convolado para segundo crime de detenção de arma proibida, nos termos anteriormente referidos.
44.º Operando o cúmulo jurídico nos termos do art.º 77.º do C. Penal, e tendo em conta a moldura abstracta de 6 anos e 6 meses a 11 anos de prisão (na primeira hipótese), e a personalidade do arguido AA e os factos graves que praticou, entendemos que lhe deverá ser aplicada, como justa e adequada, a pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;
45.º E, na segunda hipótese, a pena única de 9 (nove) anos de prisão (situada entre a moldura penal abstracta de 6 anos a 10 anos e 6 meses de prisão, aplicável ao concurso).
46.º Caso assim não seja entendido e se mantenha a condenação do arguido AA pela prática de um único crime de detenção de arma proibida - hipótese de raciocínio que também se admite – sempre a pena principal de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão que lhe foi aplicada pelo Tribunal “a quo” deverá ser agravada para os 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão – correspondente, aliás, à pena que foi encontrada pelo Tribunal Colectivo no Acórdão que foi proferido em 06/04/2010.
47.º Em qualquer das três referidas hipóteses, deverá ser mantida a condenação do arguido AAna pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas, pelo período de 6 (seis) anos), nos termos do art.º 90.º, n.ºs 1 e 2 da citada Lei n.º 5/2006.
Conclui pedindo que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, o arguido AA condenado:
A) como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na versão original), em concurso real com um crime de tráfico de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º1, da mesma Lei, na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;
B) Subsidiariamente, como autor material, e em concurso real, de dois crimes de detenção de arma proibida, pp. e pp. pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na versão original), e 30.º, n.º1, do C. Penal, na pena única de 9 (nove) anos de prisão;
C) Caso assim não seja entendido, sempre a pena principal de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão que lhe foi aplicada pelo Tribunal “a quo” pela prática do crime de detenção de arma proibida, deverá ser agravada para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
D) Em qualquer das três hipóteses referidas, deverá ser mantida a condenação do arguido AA na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas, pelo período de 6 (seis) anos), nos termos do art.º 90.º, n.ºs 1 e 2 da citada Lei n.º 5/2005.
Igualmente o arguido interpôs recurso da decisão recorrida propondo que a sua dimensão não seja superior a cinco anos e suspensa na execução.
Refere que
Por um lado as expectativas da comunidade apontam para a necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão, por outro lado não se pode afirmar categoricamente que, se a mesma for suspensa, tais expectativas se encontram irremediavelmente postas em causa.
Há que atribuir prevalência às exigências de prevenção especial por serem sobretudo elas que justificam que se aplique uma pena de prisão efectiva quando seja absolutamente indispensável.
E, devendo ser decretada a suspensão da execução da pena quando, face à personalidade do agente, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição -artigo 50°, n° 1 do C. Penal, dever-se-ia ter optado pela suspensão da execução da pena de prisão.
Mais afirma que o arguido, face à personalidade que possui, já interiorizou o desvalor da sua conduta, que o manteve ininterruptamente preso desde 09/01/2009, há mais de 2 anos.
O arguido tem necessidade de trabalhar para prover ao sustento do seu filho mais novo e da sua mãe, era ele a única fonte de rendimento do agregado familiar e, ao não provar-se a incapacidade de regeneração do arguido em liberdade, dever-se-ia suspender a pena por um período de tempo longo, realizando assim de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Pelo que o douto Acórdão recorrido, ao condenar o arguido AA numa pena de sete anos e meio de prisão efectiva, aplicou uma pena de prisão excessiva, violando o disposto nos artigos, 50°, 70° e 71°, todos do Código Penal.
Foram produzidas as respostas constantes dos autos.
O ExºMº Sr.Procurador Geral Adjunto emitiu parecer concluindo que:
1.ºO arguido-recorrente põe em causa a determinação das circunstâncias atenuantes, bem como a determinação da pena. Entendemos que foram valoradas todas as circunstâncias.
2.ºEntendemos que a pena determinada de acordo com o que dispõe o art. 40 e 71 do CPenal quanto ao arguido/recorrente deve ser fixada em valor não inferior a sete anos de prisão.
3.ºPelo exposto, em nosso parecer, o recurso do MP deve merecer parcial provimento, não o tendo o recurso do arguido.
4.ºEntendemos, neste quadro factual, atento o parecer dado, que não se questiona a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido/recorrente, nem o Tribunal “a quo” o fez.
5.ºAcompanhamos, no demais a resposta do MP da 1.ª instância.
Os autos tiveram os vistos legais
*
Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade que surge na sequência do reenvio parcial, circunscrita ao arguido AA e aos crimes de tráfico de armas e de detenção de arma proibida que lhe são imputados, resultaram provados os seguintes factos
C
19) No âmbito dos presentes autos, no dia 08 de Janeiro de 2009, após autorização da competente autoridade judiciária, foram realizadas buscas na residência do arguido AA, situada na Rua ..., no estabelecimento denominado “Petisqueira Pôr-do-Sol”, por ele explorado, situado em Pinheiro da Bemposta, Oliveira de Azeméis, e na oficina de serralharia propriedade do mesmo, situada na Rua ..., em Salreu, Estarreja, bem como nos veículos automóveis por ele utilizados.
20) Nessa data, pelas 09 horas e 30 minutos, tinha o arguido AAguardados, no interior da “Petisqueira Pôr-do-Sol”, os seguintes objectos:
a) 3 (três) sacos plásticos, contendo um total de 72 (setenta e duas) munições de calibre 7,62x39mm (também denominado de 7,62 Russo), sendo 42 (quarenta e duas) delas com balas do tipo “Full Metal Jacket” (FMJ) e as restantes 30 (trinta) com balas do tipo tracejante;
b) 1 (um) saco plástico, contendo 31 (trinta e uma) munições de calibre 7,62x51mm (também denominado de 308 Winchester), todas com balas do tipo FMJ;
c) 1 (um) saco, contendo 36 (trinta e seis) munições de calibre 7,62x51mm (também denominado de 308 Winchester), modelo de salva;
d) 3 (três) munições de salva, de calibre 7,62x51mm (também denominado de 308 Winchester);
e) 1 (um) cinturão tipo “cartucheira”, contendo catorze (14) cartuchos de caça de calibre 12 Gauge (munições) de diversos tipos e marcas;
f) 1 (uma) caixa, contendo 25 (vinte e cinco) munições de calibre.32 Harrington & Richardson Magnum (equivalente a 8x27R mm no sistema métrico); e
g) 2 (duas) caixas fechadas contendo cada uma delas 50 (cinquenta) munições de percussão anelar de calibre 22 Short.
21) Na mesma ocasião, no interior do veículo automóvel de marca “BMW”, com a matrícula 65-69-TF, usado pelo arguido AAe que se encontrava estacionado junto ao referido estabelecimento, tinha aquele guardados os seguintes objectos:
a) 1 (uma) espingarda de assalto, da marca “KALASHNIKOV”, modelo “AK-47”, de calibre 7,62X39mm (também designado de 7,62 Russo), com o n.º de série 1951HK0801, de funcionamento automático, também com capacidade para disparo em regime semi-automático (mediante selector), dotada de cano estriado com cerca de 415 mm de comprimento, sem a respectiva coronha, e medindo 640 mm de comprimento total (arma longa), dotada de carregador amovível - a qual se encontrava sobre o banco traseiro do veículo, coberta por um blusão, usado pelo buscado, e estava municiada com uma munição introduzida na respectiva câmara de explosão e com o carregador totalmente cheio (com 30 munições daquele calibre);
b) 1 (um) segundo carregador para a mesma arma, igualmente municiado até ao limite da sua capacidade, com 30 munições do mesmo calibre - o qual se encontrava no bolso do lado direito daquele mesmo blusão;
c) 1 (um) bastão de madeira, medindo cerca de 758 mm de comprimento, com um diâmetro variável entre 23 mm e 43 mm - o qual se encontrava na parte lateral do banco do condutor;
d) 1 (uma) faca, da marca “Huayl”, com sistema de abertura automática por meio de mola, designada, em linguagem corrente, de “faca de ponta e mola”, tendo cerca de 203 mm de comprimento total, quando aberta, e possuindo lâmina do tipo corto-perfurante de um só gume, com o comprimento de 88 mm; e e) 1 (uma) munição de percussão anelar, de calibre .22 Long Rifle.
22) Naquele mesmo dia 08 de Janeiro de 2009, tinha o arguido AAguardados na sua oficina de serralharia, os seguintes objectos:
a) 25 (vinte e cinco) cartuchos de caça de calibre 12, com chumbo n.º 5;
b) 1 (um) cartucho de caça, tipo bala, de calibre 12; e c) 159 (cento e cinquenta e nove) escorvas fulminantes (componentes de recarga
próprios para o carregamento de cartuchos de caça).
23) Nessa mesma data, tinha o arguido AA guardados em vários locais da sua referida residência, em Salreu, os seguintes objectos:
- No quarto de dormir do arguido:
a) 1 (uma) faca de mato, da marca “ALCE”, com o comprimento total de 338 mm, dotada de uma lâmina de um só gume, com costa serrilhadas, do tipo corto perfurante, com o comprimento de 220 mm (correspondente à extensão perfurante) e uma superfície cortante (gume), que se estende ao longo de cerca de 220 mm, acompanhada da respectiva bainha, em tecido tipo lona, estando esta inserida num cinturão tipo M/74 - que se encontravam na cama e debaixo da travesseira;
b) 1 (uma) faca de mato, de construção artesanal, com o comprimento total de 363 mm, dotada de lâmina de um só gume, com costas serrilhadas e do tipo corto-perfurante, com o comprimento de 220 mm (correspondente à extensão perfurante) e igual superfície cortante (gume), acompanhada da respectiva bainha, em couro - as quais se encontravam num roupeiro e numa gaveta;
c) 1 (um) cano próprio para arma de fogo (pistola) de calibre 7,65x17mm (calibre .32 Auto), com alma estriada, com um comprimento total de 101 mm - o qual se encontrava na mesa-de-cabeceira; e
d) 1 (um) estojo com escovilhão de limpeza próprio para armas de fogo de alma lisa;
- Num roupeiro existente junto às escadas de acesso ao piso superior, por detrás de uma parede lateral falsa:
e) 1 (uma) espingarda automática de marca HK (FMP), modelo “G-3”, com o número de série 250668, também com capacidade para disparo em regime semiautomático (mediante selector), de calibre 7,62x51mm (também designado de .308 Winchester), dotada de cano estriado com cerca de 450 mm de comprimento, medindo 1025 mm de comprimento total (arma longa), e dotada de carregador amovível - estando devidamente municiada, com bala introduzida na câmara e com carregador introduzido, contendo este 20 (vinte) munições daquele calibre;
f) 1 (uma) espingarda caçadeira da marca “Pietro Beretta”, modelo “A300”, com número de série rasurado e ilegível, de calibre 12/76 (12 Gauge), semiautomática, de percussão central, com um só cano, de alma lisa, medindo 705 mm de comprimento, e com um comprimento total de 1250 mm (arma longa), possuindo sistema de municionamento por depósito tubular com capacidade para três cartuchos - a qual se encontrava municiada com uma munição introduzida na respectiva câmara e três outras no seu depósito sob o cano;
g) 1 (um) revólver da marca “Smith & Wesson”, modelo não identificado, com o n.º de série C67203, de calibre .38 Smith & Wesson Special (equivalente no sistema métrico a 9x29R mm), com tambor dotado de seis (6) câmaras, com cano estriado medindo cerca de 5 cm de comprimento, com dimensões de cerca de 195x120x35 mm (arma curta), dotado de disparo por sistema de percussão central directa por meio de cão externo e por acção mista (simples ou dupla), classificada como arma de tiro a tiro - o qual se encontrava totalmente municiado, com 6 (seis) munições do mesmo calibre introduzidas nas câmaras do seu tambor;
h) 1 (uma) espingarda caçadeira, da marca “Zabala Hermanos” e modelo não identificado, de origem espanhola, de calibre 12 Gauge, de dois canos paralelos de alma lisa, com o número de série rasurado e ilegível, com modo de funcionamento tiro a tiro, apresentando os canos e a coronha serrados, tendo os canos 310 mm de comprimento e a arma o comprimento total de 530 mm;
i) 2 (dois) carregadores, próprios para pistolas da marca “Walther”, modelo “P-38”, de calibre 9x19mm;
j) 1 (um) carregador próprio para Espingarda Automática G-3, municiado com 20 (vinte) munições de calibre 7,62x51mm (também denominado de .308 Winchester), e 76 (setenta e seis) munições do mesmo calibre, que se encontravam nos bolsos de um blusão;
k) 1 (um) cinturão tipo “cartucheira”, contendo quarenta (40) munições de
diversos tipos e marcas de calibre .38 Smith & Wesson Special (equivalente no sistema métrico a 9x29R mm);
l) 163 (cento e sessenta e três) cartuchos de caça (munições), de várias marcas e tipos, todos de calibre 12 (12 Gauge);
m) 120 (cento e vinte) munições de calibre 7,62X51mm (também denominado de .308 Winchester), com projéctil do tipo FMJ;
n) 1 (uma) munição de calibre .44 Remington Magnum;
o) 2 (duas) munições de calibre .38 Smith & Wesson Special (equivalente no sistema métrico a 9x29R mm);
p) 50 (cinquenta) munições de calibre 9x19mm (também designado de 9mm Parabellum), com bala do tipo FMJ;
q) 99 (noventa e nove) munições de calibre .32 Smith & Wesson Special;
r) 1 (um) estojo com escovilhão de limpeza, próprio para armas de alma lisa; e
s) 2 (dois) escovilhões, próprios para limpeza de armas curtas.
- Na sala, no interior de um móvel:
t) 1 (um) dispositivo de iluminação eléctrica, tipo lanterna, próprio para acoplar em espingardas ou carabinas, composto por um projector de luz;
u) 1 (uma) bateria portátil e
v) 1 (um) cabo de ligação com interruptor para colocar no fuste da arma.
24) Todas estas armas, componentes de armas, munições e demais objectos foram naquela data apreendidos ao arguido AApelos elementos da Polícia Judiciária que executaram as sobreditas buscas.
25) Porém, além de tais objectos, possuía ainda o arguido AA na sua residência, escondidos no interior de uma parede falsa situada por baixo do parapeito de uma das janelas da cozinha, os seguintes objectos:
a) 1 (uma) espingarda automática, da marca “SIG”, modelo “STGW 57 (SIG 510)”, com o número de série A499788, com regime de disparo automático, mas com capacidade para disparo também em regime semiautomático (mediante selector), de calibre 7,5x55mm Swiss (também designado de 7,5x55 GP-11), dotada de cano estriado com cerca de 583 mm de comprimento e de carregador amovível com capacidade para 24 munições, medindo 1105 mm de comprimento total (arma longa);
b) 1 (um) segundo carregador próprio para a espingarda automática da marca “SIG”, modelo “STGW 57 (SIG 510)”, acima referida;
c) 1 (uma) espingarda de assalto de marca “Kalashnicov”, fabricada na antiga Jugoslávia pela “Zastava-Kragujevac”, modelo “M.70 B1”, de 1983, com o número de série 195573, tratando-se de uma arma de fogo automática, com capacidade para disparo também em regime semiautomático (mediante selector), de calibre 7,62x39mm (também designado de 7,62 Russo), dotada de cano estriado com cerca de 415 mm de comprimento e de carregador amovível, com capacidade para 30 munições, possuindo coronha fixa e medindo cerca de 912 mm de comprimento total (arma longa) - a qual apresenta um sistema de pontaria próprio para usar a arma como lança granadas;
d) 1 (uma) pistola-metralhadora, marca “Sterling”, modelo “MK-III”, com o
número de série KR4028, tratando-se de uma arma de fogo automática, também com capacidade para disparo em regime semiautomático (mediante selector), de calibre 9x19mm (também designado de 9mm Parabellum), dotada de cano estriado com cerca de 196 mm de comprimento, possuindo coronha rebatível e medindo cerca de 686 mm de comprimento total (arma longa) - estando dotada de carregador amovível (que se encontrava separado e não corresponde ao original);
e) 1 (uma) espingarda de canos de alma lisa, da marca “F. Pedretti”, de modelo não identificado, com o número de série 225489 – tratando-se de uma arma de tiro a tiro, de percussão central, de calibre 12 Gauge, com dois canos, de alma lisa, sobrepostos, com 700 mm de comprimento, tendo o comprimento total de 1103 mm (arma longa), com coronha e fuste de madeira, e possuindo sistema de municionamento manual, com abertura dos canos por meio de báscula;
f) 1 (um) “sabre-baioneta”, próprio para a espingarda automática “G-3” e clones
desta, com um comprimento total de 309 mm, ao qual corresponde uma lâmina do tipo corto-perfurante, com uma extensão perfurante de 169 mm – estando dotada de cabo em plástico de cor verde, com os normais sistemas de encaixe e fixação para a sua colocação na espingarda automática “G-3”, e da respectiva bainha e sistema de fixação ao cinturão;
g) 1 (um) “sabre-baioneta”, com o número de série 490656, próprio para “Kalashnicov AK-47” ou clones desta, com um comprimento total de 270 mm, ao qual corresponde uma lâmina do tipo corto-perfurante com uma extensão perfurante de 146 mm – estando dotada de cabo em baquelite e aço, com os normais sistemas de encaixe e fixação para a sua colocação nas espingardas de assalto do tipo “Kalashnicov”, e da respectiva bainha, tendo esta o número de série 168897;
h) 1 (uma) mira (alça) telescópica, da marca “BSA”, modelo “Catseye 3-10x44 IR” – tratando-se de um dispositivo de pontaria próprio para acoplar em arma longas, dispondo de um retículo iluminado para permitir tiro em condições de baixa luminosidade, e tendo uma potência de aumento até 10 vezes, sendo compatível com o uso na espingarda automática da marca “SIG”, modelo “STGW 57 (SIG 510)”, acima referida;
i) 73 (setenta e três) munições de calibre 7,5x55mm Swiss (também designado de 7,5x55 GP-11), todas com balas do tipo FMJ (Full Metal Jacket) – compatíveis com o uso na espingarda automática “SIG STGW 57 (SIG 510)” acima referida;
j) 71 (setenta e uma) munições de calibre 7,62x39mm (também denominado de 7,62 Russo), todas com balas do tipo FMJ – compatíveis com o uso na espingarda de assalto de marca “Kalashnikov” acima referida;
k) 140 (cento e quarenta) munições de calibre 7,62x39mm (também denominado de 7,62 Russo), todas com balas do tipo SP (Soft Point), todas da marca “Sellier & Bellot” – compatíveis com o uso na espingarda de assalto de marca “Kalashnikov” acima referida;
l) 131 (cento e trinta e uma) munições de calibre 7,62x39mm (também denominado de 7,62 Russo), todas com balas do tipo tracejante – compatíveis com o uso na espingarda de assalto de marca “Kalashnikov” acima referida;
m) 650 (seiscentas e cinquenta) munições de calibre 9x19mm (também
designado de 9mm Parabellum), tratando-se de munições do tipo FMJ –
compatíveis com o uso na pistola-metralhadora “Sterling MK-III” acima referida;
n) 41 (quarenta e um) cartuchos de caça (munições), de várias marcas e tipos, mas todos de calibre 12 (12 Gauge);
o) 432 (quatrocentas e trinta e duas) munições de calibre 7,62x51mm (também denominado de .308 Winchester), todas com balas do tipo FMJ;
p) 168 (cento e sessenta e oito) munições de calibre .38 Smith & Wesson Special (equivalente no sistema métrico a 9x29R mm), de vários tipos e de diversos fabricantes;
q) 4 (quatro) munições de calibre .32 Smith & Wesson Long;
r) 50 (cinquenta) munições, de calibre .32 Harrington & Richardson Magnum (equivalente a 8x27R mm no sistema métrico), com balas do tipo SJHP (Semi-Jacketed Hollow Point);
s) 6 (seis) munições, de calibre .22 Long Rifle;
t) 48 (quarenta e oito) munições, de calibre .22 Magnum (também denominado de 5,6mm Winchester Magnum Rimfire), do tipo “Maxi-Mag + V”, da marca “CCI”;
u) 1 (uma) munição, de calibre 7,92x57 Mauser (também denominado de 8x57 Mauser), do tipo FMJ;
v) 1 (uma) munição, de calibre 5,56x45mm (também denominado de 223
Remington), do tipo FMJ;
w) 1 (uma) munição, de calibre .444 Marlin (também denominado de 10,7x56R Marlin), do tipo SJHP;
x) 1 (uma) munição, de calibre .416 Rigby Magnum Nitro-Express (equivalente no sistema métrico a 10,4x73mm), com bala do tipo SP;
y) 1 (uma) munição, de calibre .460 Weatherby Magnum (equivalente no sistema métrico a 11,6x74mm), com bala do tipo monolítica; e
z) uma porção de pólvora cloratada, com cerca de 200 gramas, que se encontrava acondicionada dentro de um tudo de vedante de marca “Pecol”.
26) Dado o modo como o arguido AAhavia ocultado tais objectos, não foram os mesmos encontrados aquando da referida busca realizada na sua residência, pelo que não foram então apreendidos, ali permanecendo quando aquele foi sujeito à medida de prisão preventiva, no dia 09 de Janeiro de 2009.
27) No dia seguinte, o arguido CC, que é filho do arguido AA, visitou o mesmo no Estabelecimento Prisional.
28) Nessa ocasião, o arguido AA pôs o arguido BB ao corrente da existência daquelas armas, munições e demais objectos, bem como do local onde estavam escondidos, ordenando-lhe que os retirasse da residência e que os ocultasse noutro local, que com ele não pudesse ser relacionado.
29) O arguido BB aceitou tal incumbência e, para execução da mesma, foi pedir auxílio ao arguido CC, amigo daquele e do arguido AA, transmitindo-lhe a existência daquelas armas, munições e demais objectos na sua casa e a ordem dada pelo seu pai.
30) O arguido CC aceitou ajudar o arguido BB a esconder aqueles objectos e logo combinaram, para tal efeito, encontrar-se no dia seguinte, pelas 07 horas da manhã, junto à casa da mãe do primeiro, local onde o mesmo disse existir uma adega onde poderiam ocultar aquele material.
31) Assim, no dia 11 de Janeiro de 2009, à hora marcada, o arguido BB, fazendo uso do veículo automóvel da sua namorada, levou até junto da casa da mãe do arguido CC, DD, situada no Lugar do Crasto, em Salreu, Estarreja, aquelas armas, munições e demais objectos referidos.
32) Depois, o arguido BB levou até junto da adega anexa à casa da DD aqueles objectos, ali os entregando ao arguido CC, que os recebeu.
33) Por seu turno, o arguido CC levou aqueles objectos para o interior da adega, escondendo a espingarda automática “SIG STGW 57 (SIG 510)”, o segundo carregador da mesma, a espingarda de assalto “Kalashnikov”, a pistola metralhadora “Sterling” e a espingarda “F. Pedretti”, no interior de um lagar, e colocando as munições e demais objectos dentro de um caixote de madeira, tapando tudo com materiais ali existentes.
34) De seguida, os arguidos BB e CC abandonaram o local, deixando ali escondidos e guardados aqueles objectos.
35) Pouco depois, a DD, vendo que a porta da sua adega não estava bem fechada e desconfiando de que alguém ali tivesse entrado sem a sua autorização, foi verificar o interior e descobriu aqueles objectos no local.
36) Assim, nessa mesma data, aquela chamou a Guarda Nacional Republicana ao local, tendo os agentes policiais, perante aquele achado, solicitado a comparência na Polícia Judiciária Militar, que apreendeu aquelas armas, munições e demais objectos.
37) O arguido AA detinha e guardava aquelas armas, munições e seus componentes, que destinava, pelo menos, ao seu próprio uso.
38) E trazia consigo a espingarda de assalto, da marca “KALASHNIKOV”, modelo “AK-47”, com o n.º de série 1951HK0801, na sua viatura, com o intuito de a transportar para a sua residência, onde habitualmente a guardava, depois de a ter utilizado na passagem de ano, para efectuar disparos para o ar no exterior do seu estabelecimento “Petisqueira Pôr-do-Sol”.
39) O mesmo não tinha qualquer licença ou autorização que o legitimasse a deter, usar ou transaccionar aqueles objectos, nem as armas em questão estavam registadas em seu nome, bem sabendo que a detenção daquelas armas, munições e componentes, o seu uso ou cedência a qualquer título não lhe eram permitidos, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis.

44) Os arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respectivas condutas.

98) O arguido AAexplorava, na altura, um estabelecimento comercial (“Petisqueira Pôr-do-Sol”), que havia adquirido por trespasse cerca de três anos antes. Tinha aí duas empregadas e obtinha o rendimento de cerca de 1.500,00€ mensais.
99) Encontra-se divorciado há cerca de oito anos, tendo três filhos, dois deles na altura a seu cargo, o BB (ora também arguido) e o J...F..., este com 14 anos de idade, estando a filha, I...O..., de 23 anos de idade, já autónoma.
100) É o único filho, de um casal de média condição social e económica.
101) Vivia, na altura, com esses dois filhos e a sua mãe (tendo o pai já
falecido), na casa desta, mantendo-se agora aí o BB e vivendo o J...F... com a irmã I....
102) Concluiu o 6º ano de escolaridade, por volta dos 13/14 anos de idade, tendo logo iniciado a actividade laboral de serralheiro civil, inicialmente na serralharia do próprio pai, revelando-se, desde jovem, como um indivíduo trabalhador.
103) No Estabelecimento Prisional mantém um comportamento isento de reparos em termos institucionais, trabalhando há alguns meses na lavandaria e beneficiando de visitas regulares dos familiares.
104) Em termos de personalidade, o arguido AA é caracterizado como um indivíduo algo autoritário, impulsivo e conflituoso, manifestando, por vezes, sentimentos de raiva relativamente às pessoas e ao quotidiano em geral, que reflectem alguma negatividade no sentido da autoridade, sendo que dispõe de capacidade adaptativa para pensar lógica e coerentemente.

J
114) O arguido AA foi condenado pelos crimes e nas penas seguintes:
- em 14-03-2007, por um crime de desobediência, ocorrido em Novembro
de 2004, na pena de 35 dias de multa, à taxa diária de 08,00€, e - em 01-10-2007, por um crime de uso ilegítimo de armas, ocorrido em 07-01-2005, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 04,00€.
115) Para além dessas condenações, o arguido sofreu ainda uma outra, por sentença de 03-12-2009, transitada em julgado em 03-05-2010, na pena única de 19 meses de prisão, pela prática, em 26-09-2008, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, um crime de ameaça agravada e dois crimes de injúria agravada.

B) - MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Igualmente com relevo para o objecto do processo agora em apreciação, não resultaram provados os seguintes factos:

p) O arguido AAdestinava as referidas armas, munições e seus componentes a serem por si vendidas a terceiras pessoas.
q) O arguido AAtrazia consigo a espingarda da marca “KALASHNIKOV”, referida em 38) supra, desde após os factos do dia 27 de Dezembro de 2008, descritos no primeiro acórdão (e agora fora do objecto do reenvio), com o intuito de a usar contra quem viesse pedir-lhe justificações por tais factos ou confrontá-lo com os mesmos, nomeadamente contra agentes de força policial.

*

Refere a decisão recorrida enquadrando juridicamente a matéria de facto considerada provada:
-No caso em apreço, ainda que tenha resultado provado que as referidas armas, seus componentes e munições eram pertença do arguido AA, que as detinha na sua residência, no estabelecimento comercial que explorava, na serralharia e no seu veículo automóvel, não resultou provado que o mesmo tenha efectuado vendas ou destinasse tais armamentos e munições à venda ou cedência a terceiros, nem mesmo que tivesse essa intenção.
Com efeito, apesar da considerável quantidade e diversidade de armas e munições detidas pelo arguido, apenas se provou que o mesmo as destinava, pelo menos, ao seu próprio uso, e já não a transmitir a sua detenção, posse ou propriedade.
Assim, por falta de verificação deste elemento típico, cumpre absolver o arguido AA do crime de tráfico de armas que lhe é imputado.
Refira-se ainda o seguinte: em nossa opinião, em face dessa absolvição não se deverá proceder à convolação dos factos para um outro crime de detenção de arma proibida, distinto daquele pelo qual o arguido também vinha acusado e será condenado, tal como defendeu o Ministério Público no recurso interposto do primeiro acórdão e cujo conhecimento acabou por ficar prejudicado pela decisão de reenvio parcial do processo para novo julgamento.
Isso porque se nos afigura que o arguido detinha todo um conjunto de armas e munições, guardadas e ocultadas em vários locais, mas sob uma mesma resolução criminosa, destinando-as, todas elas, pelo menos, a serem por si usadas. A matéria de facto provada não permite distinguir e autonomizar, para este efeito, as armas que o mesmo alegadamente destinava à venda ou cedência a terceiros (o que não se provou), das armas que destinava ao seu uso.


I
O presente recurso é limitado ao segmento da decisão relativo á absolvição do crime e tráfico de armas, ou seja, autonomizou-se a apreciação da responsabilidade criminal relativamente aos restantes crimes com fundamento no artigo 403 do Código de Processo Penal.
Tal premissa tem como consequência o facto de ser agora vedado apreciar qualquer outra matéria que não a que se inscreve no complexo factual que tem por núcleo a imputação daquele crime de tráfico. Como é evidente ficará sempre salvaguardado o dever de retirar da procedência do recurso as consequências legalmente impostas a toda a decisão recorrida, ou seja, só dentro destes apertados limites pode ser reapreciada globalmente a decisão recorrida nomeadamente em relação aos crimes de homicídio qualificado tentado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22°. nº 1 e 2, alínea b) 23 nº 1 e 2: 73 nº1 alíneas a) e b); 131° e 132°, nº 1 e 2. alíneas d). e). h), i) e j), todos do Código Penal: de um crime de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, agravado pelo resultado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 272. nº1 alinea b), e 285°, com referência ao artigo 144°, alínea a). todos do Código Penal

Importa que se afirme em primeiro lugar a perplexidade que é suscitada pela forma como foram transplantadas para as circunstâncias do caso concreto as judiciosas considerações jurídicas que se tecem, em abstracto, sobre o valor da prova indiciária.
Com o respeito que merece opinião contrária dir-se-á que a forma como, por vezes, se equaciona a questão da prova indiciária, e o seu funcionamento, tornam a mesma um meio de prova de quase impossível efectivação quando é certa a sua relevância em termos de funcionalidade da justiça penal
Refere-se na decisão recorrida em termos de motivação:
É indiscutível, conforme, aliás, o Supremo Tribunal de Justiça pôs em evidência no douto acórdão proferido nos presentes autos a ordenar aquele reenvio, que a detenção e guarda na esfera de disponibilidade do arguido AA de um elevado número de armas, especialmente algumas delas de guerra, em estado de funcionamento, e particularmente a detenção de carregadores e correspondentes munições em enorme quantidade, traduzem-se em factos conhecidos que, pela sua clareza, gravidade, precisão e concordância, permitem, de acordo com as regras da experiência comum, fazer funcionar a presunção natural de que o arguido destinava tais armas, componentes e munições à venda ou, por qualquer outro título, à cedência a terceiros. Isto com base na constatação óbvia de que, em condições normais e de acordo com as regras da experiência de vida e das coisas, ninguém dispõe de um semelhante arsenal de armas e munições, em condições de funcionamento, sem ter uma finalidade exterior ou sequencial que lhe dê um mínimo sentido, como seja a circulação através de alguma forma de comércio ou cedência de alguma ou algumas dessas armas e respectivas munições. Na verdade, enquanto produto dessas regras da experiência do homem médio, tal presunção natural permite inferir que esse destino é a consequência normal, típica e credível da detenção em semelhante quantidade e diversidade de armas e munições. O funcionamento dessa presunção é possível porquanto entre o facto adquirido e os factos conhecidos são estabelecidas relações graves, precisas e concordantes, em termos de aquele primeiro facto (desconhecido) se afirmar, com uma probabilidade próxima da certeza, como uma consequência natural dos factos demonstrados.
Note-se que o estabelecimento da presunção natural implica que segundo a normalidade das coisas, dos comportamentos e da apreciação externa comum e referencial sobre a causalidade e a sequência, o facto ou factos conhecidos não se compreendem, não têm relevante significado autónomo nem apresentam qualquer sentido, razão ou explicação, se não for pelas consequências normais e típicas que a experiência das coisas e da vida lhes associa.
Todavia, como igualmente salientou o Supremo Tribunal de Justiça, o funcionamento de tal presunção poderá ser afastado ou enfraquecido por uma eventual explicação que o arguido, disposto a prestar declarações, apresente para aquela detenção, sob pena de, na ausência de qualquer explicação razoável, nomeadamente até por um eventual silêncio da sua parte, permanecer intocado o juízo probatório decorrente da presunção natural, permitindo assim deduzir um facto desconhecido (destino das armas e munições à venda ou cedência a terceiros) de uma série de factos conhecidos e efectivamente demonstrados (quantidade, diversidade e estado do armamento detido pelo arguido).
Foi precisamente esse o ponto essencial sobre que incidiu o novo julgamento, no qual o arguido, dispondo-se a prestar declarações, apresentou uma justificação que nos pareceu minimamente plausível para a detenção das armas e munições, desde logo porque suportada por determinados elementos objectivos, confirmados nomeadamente pelos referidos agentes da Polícia Judiciária que procederam às buscas e apreensões

Em concreto significa o exposto que o tribunal considerou, num primeiro momento, que os indícios existentes apontavam de forma clara, e iniludível, no sentido de que as armas que o arguido detinha em seu poder se destinavam a ser vendidas ou cedidas a outrem.
Porém, ultrapassado aquele momento, o foco da actividade do tribunal dirigiu-se para a análise dos contra-indícios produzidos, e invocados pelo arguido, que, no entender do mesmo tribunal, poderiam colocar em causa aquilo que parecia ser uma conclusão prévia ou uma presunção inatacável. Para tanto elencou os seguintes contra indícios que se irão apreciar:
a)- Em primeiro lugar, e no que respeita à respectiva proveniência, o arguido afirmou ter encontrado as armas e munições há cerca de três anos e meio, quando fez obras na oficina de ferreiro do seu falecido pai, que era caçador e que gostava de armas, onde as mesmas se encontravam dentro de um caixote de madeira enterrado no solo.
Relativamente a tal explicação quanto à forma de aquisição das armas é o próprio Tribunal que afirma que a mesma não é particularmente credível, sendo certo que nenhum dos seus pontos foi suficientemente infirmado. Assim, pode-se concluir que, em relação a este ponto, o tribunal não só não atribuiu credibilidade á explicação atribuída como fez nascer a sua aceitação do facto de não ter sido infirmada, ou seja, em abstracto, o tribunal perfilha o entendimento de que o facto apontado como contra indicio se deve ter como provado caso não seja produzido sobre o mesmo nenhuma prova.
Tal lógica de apreciação de prova indiciária, e nomeadamente do funcionamento dos contra-indicios, é incorrecta pois que o contra-indicio destina-se a infirmar a força da presunção produzida e, caso não tenha capacidade para tanto, pela sua pouca credibilidade, mantem-se a presunção que se pretendia ilidir
O argumento não é valido.
b)-O segundo argumento consiste na actividade de caçador de javali, e adequação da Kalashnikov, mais conhecida por AK-47, para a caça, bem como para as celebradas comemorações de fim de ano.
Por maior que seja a benevolência com que se analise a actividade do arguido face ao comportamento do cidadão normal, e investindo o mesmo na conduta típica de caçador ou de folião de fim de ano, é, quanto a nós, evidente que é totalmente fora de qualquer regra de experiência, ou máxima da vida, a posse de armas de guerra com tais finalidades.
As mesmas regras dizem que a posse de tal tipo de armas está ligado ao terrorismo e á criminalidade grave, violenta e organizada, incluindo o seu tráfico para actividades criminosa e não ao propósito meramente lúdico nomeadamente a caça de javali. Por mais amplos que sejam os limites da imaginação não se vislumbra o arguido com a sua metralhadora empunhada, percorrendo os campos do Vouga, disparando rajadas de balas para abater javalis.
Na verdade, um propósito meramente recreativo dificilmente se compatibiliza com uma arma que dispara, com um com cadência de 600 tiros/minuto, um cartucho de 7,62 mm e que, sem discrepância, é usada com fins bélicos e/ou criminosos.
.
Mais argumenta a decisão recorrida com a circunstância de uma das armas AK-47 se encontrar em cima do banco traseiro do veículo do arguido tapada por um blusão, ou seja, na lógica da mesma decisão, e por tal disposição, em condições compatíveis com o declarado pelo arguido quanto ao respectivo destino. Por maior que seja a permissividade na análise da conduta do arguido não se vislumbra a relação entre uma coisa e outra e, bem pelo contrário, a detenção de uma arma em condições de utilização imediata (no banco do veículo) apenas potencia a perigosidade e letalidade que lhe está inscrita na matriz.
E, se dúvidas existissem sobre tal circunstância a mesma é reforçada pela circunstância de as armas, à excepção da caçadeira de canos serrados, estarem todas completamente municiadas, ou seja, com um projéctil na câmara e o carregador cheio, e, ainda, de, duas ou três delas terem junto a si um casaco, colete ou blusão, contendo um segundo carregador, completamente carregado com munições para a respectiva arma.
Conjugando aquelas circunstâncias a decisão recorrida, afoitamente, conclui que estas circunstâncias não são muito compatíveis com um eventual destino das armas à venda ou cedência a terceiros. Todavia, não se vislumbra minimamente qual o fundamento para esta afirmação e, em nosso entender, as mesmas regras da experiência que levaram o tribunal a conjugar a prova indiciária e a afirmar, em principio, o propósito de tráfico, levam-nos a afirmar que os factos apresentados como contra indicio não têm o mínimo de fundamento.
Aliás, em determinados parâmetros nem sequer é perceptível a lógica argumentativa da decisão recorrida quando afirma que o facto de as armas de fogo que estavam escondidas na parede lateral falsa do roupeiro se encontrarem dispostas num acessório em madeira, compartimentado de forma adequada para guardar armas da cano longo, ou, ainda, de as armas se encontrarem muito bem conservadas, limpas e oleadas, é compatível com o tipo de detenção invocada pelo arguido. Acrescentaremos nós que é compatível como a detenção como é compatível com a finalidade de tráfico, não se percebendo a razão pela qual se menospreza esta possibilidade, valorizando a outra.
Igualmente susceptível de levantar perplexidade é a circunstância de, placidamente, a existência de munições, na ordem dos dois milhares, e da sua variedade e o número de armas se conjugar com a celebrada satisfação do gosto por armas do arguido.

II
O exposto que se inscreve a resposta da decisão recorrida ao proclamado erro notório exige uma outra apreciação crítica. Na verdade, a avaliação dos indícios pelo Juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos que se alinham num sentido oposto ao dos indícios culpabilizantes pois que a sua comparação é que torna possível a decisão sobre a existência, e gravidade, das provas.
Os factos que visam o enfraquecimento da responsabilidade do arguido, sustentada na prova indiciária, são de duas ordens- uns impedem absolutamente, ou pelo menos dificilmente permitem que se atribua ao acusado o crime (estes factos recebem muitas vezes o nome de indícios da inocência ou contra presunções); os outros debilitam os indícios probatórios, e consubstanciam a possibilidade de afirmação, a favor do acusado, de uma explicação inteiramente favorável sobre os factos que pareciam correlativos do delito, e davam importância a uma convicção de responsabilidade criminal. Denominam-se de contra indícios e emergem em função da necessidade de contrapor aos indícios culpabilizantes outros factos indicio que aniquilem a sua força á face das regras de experiência.
Tal como perante os indícios, também para o funcionamento dos contra indícios é imperioso o recurso ás regras da experiência e a afirmação de um processo lógico e linear que, sem qualquer dúvida, permita estabelecer uma relação de causa e efeito perante o facto-contra indiciante infirmando a conclusão que se tinha extraído do facto indicio. Dito por outras palavras o funcionamento do contra indicio, ou do indicio de teor negativo, tem como pressuposto básico a afirmação de uma regra de experiência que permita, perante um determinado facto, a afirmação de que está debilitada a conclusão que se extraiu dos indícios de teor positivo.
Como afirmamos em anteriores decisões deste Supremo Tribunal de Justiça a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza mas, como afirma Tonini (1) , como uma possibilidade mais ou menos ampla.
A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos consequentemente origina um juízo de probabilidade e não de certeza.
As inferências lógicas aptas a propiciar a prova indiciária podem, também, consistir em conhecimentos técnicos que fazem parte da cultura media ou leis científicas aceites como válidas sem restrição. Em matérias que impliquem especiais competências técnicas cientificas ou artísticas, e que se fundamentam naquelas leis, é evidente que a margem de probabilidade será cada vez mais reduzida e proporcionalmente inversa á certeza da afirmação científica. (2)
Como refere Dellepiane só quando a premissa maior é uma lei, que não admite excepções, a inferência que consubstancia a prova indiciária revestirá a natureza de uma dedução rigorosa. A inferência só é certa, por excepção, quando se apoia numa lei geral e constante, ou seja, quando deixa de ser uma inferência analógica para passar a ser uma dedução rigorosa . (3)
Noutras circunstâncias estaremos sempre perante uma probabilidade, ou seja, como afirma Lopez Moreno (4) a teoria dos indícios reduz-se á teoria das probabilidades e a prova indiciária resulta do concurso de vários factos que demonstram a existência de um terceiro que é precisamente aquele que se pretende averiguar. Note-se que a concorrência de vários indícios numa mesma direcção, partindo de pontos diferentes, aumenta as probabilidades de cada um deles com uma nova probabilidade que resulta da união de todas as outras constituindo uma verdadeira resultante
No mesmo sentido se pronuncia Clement Duran quando refere que o princípio da normalidade se torna o fundamento de toda a presunção abstracta. Tal normalidade deriva da circunstância de a dinâmica das forças da natureza e, entre elas, das actividades humanas existir uma tendência constante para a repetição dos mesmos fenómenos. O referido principio está intimamente ligado com a causalidade: as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e tem justificação na existência de leis mais ou menos imutáveis que regulam de maneira uniforme o desenvolvimento do universo.
O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa.
Do exposto resulta que o princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.
Só este convencimento, alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária-quando é este tipo de prova que está em causa-, pode alicerçar a convicção do julgador.
Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.
A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para alem do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerente aos principio da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indicio e a presunção que dele se extrai.
Retomando ao caso concreto, a decisão recorrida arranca do postulado de que existe uma presunção natural de que o arguido destinava tais armas, componentes e munições à venda ou, por qualquer outro título, à cedência a terceiros. Isto com base na constatação óbvia de que, em condições normais e de acordo com as regras da experiência de vida e das coisas, ninguém dispõe de um semelhante arsenal de armas e munições, em condições de funcionamento, sem ter uma finalidade exterior ou sequencial que lhe dê um mínimo sentido, como seja a circulação através de alguma forma de comércio ou cedência de alguma ou algumas dessas armas e respectivas munições. Na verdade, enquanto produto dessas regras da experiência do homem médio, tal presunção natural permite inferir que esse destino é a consequência normal, típica e credível da detenção em semelhante quantidade e diversidade de armas e munições. O funcionamento dessa presunção é possível porquanto entre o facto adquirido e os factos conhecidos são estabelecidas relações graves, precisas e concordantes, em termos de aquele primeiro facto (desconhecido) se afirmar, com uma probabilidade próxima da certeza, como uma consequência natural dos factos demonstrados.
A partir daqui, da afirmação convicta de uma presunção a força desta só poderia ser abalada ou debilitada pelo peso de contra indícios que á luz das regras da normalidade pudessem formata uma convicção de sinal contrário. E o certo é que a decisão recorrida, depois de afirmar a existência de indícios a fazer presumir o tráfico de armas, afirma que os argumentos expendidos em sentido contrário, e que nascem das declarações do arguido, constituem uma justificação que nos pareceu minimamente plausível para a detenção das armas e munições, desde logo porque suportada por determinados elementos objectivos
Só que em nosso entender os contra indícios produzidos não contêm qualquer pontencialidade para colocar em causa a conclusão previamente extraída. Na verdade, e como se referiu, não são factos atirados a esmo que podem constituir uma base sólida para infirma a força da prova indiciária, mas somente aqueles contra indicio cuja força se imponha em função de regras de experiência.
Significa o exposto que a decisão recorrida atribuiu aos contra indícios uma força que estes, efectivamente, não têm. E atribui essa força ao arrepio de regras de experiência normal de vida.
Não se trata de uma questão de aplicação do principio in dubio pro reo (5)
* pois que não estamos perante uma dúvida relativa a um facto relevante, mas sim dum facto que se tem por adquirido á luz dos princípios e de contra indícios aos quais se atribuiu uma força que, á face das regras da experiência, estes manifestamente não comportam

III
Aliás, importa que se refira que a matéria constante nos presentes autos constitui um paradigma do que deve constituir o funcionamento da prova indiciária em processo penal. E sendo certo que a limitação do recurso impede que se analise a decisão recorrida no que concerne ao crime de homicídio, o que aliás já sucedia no recurso anteriormente interposto para este Tribunal, tal não impede que em abstracto se considere a contraposição da forma como foi equacionado o funcionamento da prova indiciária nas duas hipóteses consideradas nomeadamente na concessão de força probatória aos indícios do crime face ás mesmas regras de experiência.
Na verdade, sublinhemos mais uma vez aquilo que se referiu noutras decisões deste Tribunal em relação á prova indiciária. O funcionamento, e creditação desta, está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável nomeadamente em sede de sentença.
Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste ás objecções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno é preciso o indicio quando não é susceptível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado ou, como refere Tonini corre-se o risco de construir um castelo de argumentação lógica que não está sustentado em bases sólidas
Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão facto indiciante. Porém, uma perplexidade assalta o analista estas áridas matéria na enumeração dos requisitos deste tipo de prova, pelo menos em face da lógica. É que ultrapassando a questão da necessidade de vários indícios ou da suficiência de um indício, o certo é que, quando existe aquela pluralidade, coloca-se a questão do objecto em função dos quais se deve avaliar os requisitos enunciados. Nunca é demais sublinhar que é a compreensão global dos indícios existentes, estabelecendo correlações e lógica intrínsecas que permite e avaliza a passagem da multiplicidade de probabilidades, mais ou menos adquiridas, para um estado de certeza sobre o facto probando. (6) (7)
Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupões três momentos distintos.:- a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
Assim,
Em primeiro lugar é necessário que os indícios sejam verificados, precisados e avaliados. Em seguida tem lugar a sua combinação ou síntese. Esta operação intelectual efectiva-se com a colocação respectiva de cada facto ou circunstância acessória, e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos, e dá lugar é reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exactidão e valor dos indícios assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios. (8)
Ao ocupar-se da prova por concurso de indícios e estabelecer que condições devem estes reunir para fazer prova plena os autores exigem, uniformemente, como se irá explanar a concordância de todos os indícios (9) pois que sendo estes factos acessórios de um facto principal, ou partes circunstancias de um único facto, de um drama humano devem necessariamente ligar-se na convergência das três unidades: o tempo, o lugar e acção por forma a que cada indicio está obrigado a combinar-se com os outros ou seja a tomar o seu lugar correspondente no tempo e espaço e todos a coordenar-se entre si segundo a sua natureza e carácter ou segundo relações de causa a efeito.
Em ultima análise está presente no nosso espírito a improbabilidade de aquela série de índicos poder apontar noutro sentido que não o atingido
O terceiro momento reside no exame da relação entre facto indiciante e facto probando ou seja o funcionamento da presunção. Como refere Duran a essência da prova indiciária reside na conexão entre o indício base e o facto presumido, fundamentada no princípio da normalidade conectado a uma máxima da experiência é a essência de toda a presunção. A máxima da experiência constitui a origem de toda a presunção - em combinação com o facto presumido que é o ponto de partida inverso e é o fundamento da mesma por aplicação do princípio da normalidade (10)

Em face de tais elemento temos por adquirido a conclusão de se que tais requisitos se podem equacionar nos presentes autos em dois momentos distintos, ou seja, em relação ao crime de homicídio, cujo conhecimento está fora do objecto do presente recurso, e em relação ao crime de tráfico de armas.
Perante a matéria dos autos tal como entendemos não que não tem qualquer razoabilidade a consideração de que os contra indícios apresentados têm força suficiente para abalar a presunção feita pelo tribunal de que as armas se destinavam ao tráfico, também é certo que a consideração de que os indícios existentes em relação á pluralidade de infracções imputadas imputada são graves, precisos e concordantes (11)

Considerando por esta forma entende-se que a decisão recorrida enferma do vicio do artigo 410 nº 2 alínea c) do Código de Processo Penal nomeadamente de erro notório na apreciação da prova ao considerar relevantes face ás regras da experiência os contra indícios relativos ao crime de tráfico de armas.
Consequentemente, determina-se o reenvio do processo para o tribunal competente definido no artigo 426 A do CPP para novo julgamento relativo aos pontos 19 a 26 e 37 e 38 dos factos provados e pontos p) e q) dos factos não provados.
Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Abril de 2011

Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
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(1) La Prova Penale pag 16 e seg
(2) Independentemente da questão da natureza da inferência que constitui a prova indiciária; dedução indução abdução ou inferência analógica o certo é que a aplicação de um conhecimento científico está sujeito ás características de ser genérico experimentável e controlável.
(3) A inferência indiciária de ordem analógica raras vezes é passível de chegar a um resultado certo pois que dificilmente se encontram duas hipóteses exactamente iguais
(4) La prueba de indícios pag 145
(5) Na verdade, o princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 32º, nº 2, da Constituição), vale só, evidentemente, em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto.
Relativamente, porém, ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, bem como às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta, Em todos estes casos, a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido
Conforme refere Figueiredo Dias a sindicância do respeito pelo principio em causa configura uma questão de direito pois que se trata de um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão de direito que cabe, como tal, na cognição do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações ainda que estas conheçam apenas de direito. Nem contra isto está o facto de dever ser considerado como princípio de prova:- mesmo que assente na lógica e na experiência (e por isso mesmo), conforma ele um daqueles princípios que devem ter a sua revisibilidade assegurada, mesmo perante o entendimento mais estrito e ultrapassado do que seja uma "questão de direito" para efeito do recurso de revista.
Pronunciando-se sobre questão em apreço refere o este Supremo Tribunal tem assumido, genericamente, o entendimento de que tal principio se encontra, intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (artº 127º, do C.P.Penal) do qual constitui faceta e este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal ou tarifada ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum.
De tal pressuposto emerge a conclusão de que o aludido princípio "in dubio pro reo” se situa em sede estranha ao domínio cognitivo do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista (ainda que alargada) por a sua eventual violação não envolver questão de direito (antes sendo um princípio de prova que rege em geral ou seja quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário), o que conduz a esta outra asserção de que o Supremo Tribunal de Justiça tão só está dotado do poder de censurar o não uso do falado princípio se, da decisão recorrida, resultar que o tribunal "a quo' chegou a um estado de dúvida patentemente insuperável e que perante ele, e mesmo assim, optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido. Este Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
Não se verificando a hipótese referida resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (Ac. de 23/01/2003, proc. n. 4627/02-5).
Como se viu, a primeira instância não ficou em estado de dúvida quanto à ocorrência de qualquer facto, afastando decididamente a invocação do arguido em relação a uma detenção para consumo pessoal. E não tendo ficado em estado de dúvida, não cabe a invocação do princípio in dubio pro reo.

(6) Conf Tonini Prova Penale pag 12 e seg.

(7) Tal debate, crucial na jurisprudência italiana, tem tido três respostas diferentes: uma mais garantista; uma avaliação mais elástica e teleológica e uma tese intermédia. Para os primeiros os requisitos da gravidade; precisão e concordância devem verificar-se em relação a cada indicio. Para a tese intermédia a avaliação da prova indiciária deve considerar os mesmos indícios em parte isoladamente e em parte na sua complexidade total. Mais precisamente o juízo de avaliação da prova indiciária deve acontecer em dois momentos bem distintos.No primeiro momento ocorre a avaliação de cada um dos indícios em termos de gravidade e precisão com o que se pretende, ante do mais, que cada indicio deve ser certo sobre a sua base de partida e, assim, deve estar rigorosamente provada a existência de uma circunstância indiciante; para além disso as regras de experiência comum; lógica ou científicas devem trazer á circunstância indiciante um número restrito e bem preciso de consequências devendo-se excluir da categoria de indicio todas as inferências excessivamente vagas. Só depois de se ter correctamente individualizado os indícios é possível- e necessário- passar á sua avliação em termos de concordância por forma a restringir o campo das múltiplas possibilidades a uma única certeza.
A terceira tese coloca sobre um plano distinto os pressupostos e consequências. Segundo esta interpretação a prova indiciária deve emergir de uma avaliação global e unitária dos indício: eles devem ser graves, precisos e concordantes, mas sempre numa perspectiva global, e não considerados isoladamente. É esta, no dizer de Tonini, a convergência na multiplicidade e o que importa é somente o resultado final de uma operação de co-avaliação dos indícios. Na verdade, o indício que, isoladamente, parece ser de pouca gravidade pode assumir uma importância decisiva no seu cotejo e articulação com os restantes indícios
(8) Uma questão importante que se suscita a propósito da concordância de indícios é da suficiência de um único indicio para fundamentar o facto probando.Estamos em crer que nada impede que um único indicio possa fundamentar tal conclusão desde que a prova indiciária conjugada com os restantes elementos pernita inferir sobre a certeza da conclusão.
(9) Deve afirmar-se que concordância e convergência são conceitos distintos. Como afirma Dellapiene.
A primeira refere-se aos indícios ou factos indiciadores a segunda ás deduções ou inferências judiciárias

(10) Vg a venda de objecto a preço muito abaixo do preço de custo ou a posse dos papelinhos de droga.

(11) Recordem-se, entre outros, os seguintes indícios: Historial das relações entre Manuel Soares e o arguido pautadas pelo conflito; a utilização de uma substância incomum-pólvora cloratada- que o arguido detinha em seu poder e escondida; os especiais conhecimentos técnicos para preparar a explosão e que o arguido detinha; o facto de este negar ser detentor da referida substância; quantidade e qualidade das armas apreendidas