Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
180/13.5GCVCT.G2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
NOVO CÚMULO JURÍDICO
RECURSO INDEPENDENTE
TRIBUNAL COMPETENTE
DECISÃO SUMÁRIA
NULIDADE INSANÁVEL
TRÂNSITO EM JULGADO
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
PENA SUSPENSA
EXTINÇÃO DA PENA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
SANAÇÃO
PENA ÚNICA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / RECURSO PERANTE AS RELAÇÕES / RECURSOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – EXECUÇÕES / CONCURSO SUPERVENIENTE DO CONCURSO.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA D APENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 427.º, 432.º, N.ºS 1, ALÍNEA C) E 2 E 471.º, N.º 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 77.º, N.º 1 E 78.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO N.º 9/2016, DE 28-04-2016, PROCESSO N.º 330/13.1PJPRT-A.P1-A.S1, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 111, DE 9 DE JUNHO DE 2016, P. 1790 A 1808;
- DE 28-04-2010, PROCESSO N.º 260/07.6GEGMR.S1;
- DE 15-11-2012, PROCESSO N.º 114/10.9PEPRT;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 19/07.0GAMNC.G2.S1;
- DE 04-11-2015, PROCESSO N.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1;
- DE 17-12-2015, PROCESSO N.º 493/11.0GAVNF.G1.S1;
- DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 519/10.5JDLSB.S1;
- DE 26-01-2017, PROCESSO N.º 222/11.9GBABF.E1.S1;
- DE 20-04-2017, PROCESSO N.º 799/15.0JABRG.G1.S1;
- DE 31-05-2017, PROCESSO N.º 489/10.0JALRA.L1.S1;
- DE 31-05-2017, PROCESSO N.º 2192/16.8T8AVR.P1.S1;
- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 232/11.6GDCTX.E1.S1;
- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 9/12.1GDSTB.E2.S1;
- DE 25-10-2017, PROCESSO N.º 163/10.7GALNH.S1;
- DE 07-02-2018, PROCESSO N.º 339/12.2PAENT.E1.S1.
Sumário :
I - Cabe ao STJ, reunidos os demais pressupostos (tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena única de prisão superior a 5 anos), apreciar o recurso interposto do acórdão cumulatório, que fixou a pena única em 10 anos de prisão.
II - A decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação, apreciando recurso em que está em causa apreciação de pena única de 10 anos de prisão, padece de nulidade insanáve1, tendo por efeito ser declarada nula, passando o recurso a ser apreciado pelo STJ, ficando a valer a decisão de 1.a instância como decisão a apreciar.
III - O caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus, ou seja, nas circunstâncias que estiverem na base da sua formação.
IV - A alteração das circunstâncias, a modificação da situação, do condicionalismo fáctico em que assentou a decisão anterior, com o surgimento de novas condenações, determina a necessária revisão da anterior decisão, cujo caso julgado está sujeito à cláusula rebus sic stantibus, conferindo a estas decisões necessariamente provisórias/intermédias/intercalares, a qualificação de uma espécie de decisões de trato sucessivo, de definição passo a passo, até à configuração definitiva, global e final.
V - Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.
VI - Na formulação de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, há que atender ao elemento fundamental e incontornável do trânsito em julgado das condenações pelas infracções potencialmente em concurso.
VII - O momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro (apenas questionável em sede de eventual recurso extraordinário de revisão), a solene advertência ao arguido.
VIII - O trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, o limite até onde se pode formar/agrupar um conjunto de infracções em que seja possível unificar as respectivas penas.
IX - O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
X - A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.
XI - A partir desta data em função dessa condenação transitada deixam de valer discursos desculpabilizantes das condutas posteriores, pois que o arguido tendo respondido e sido condenado em pena de prisão por decisão passada em julgado, não pode invocar ignorância acerca do funcionamento da justiça penal, e porque lhe foi dirigida uma solene advertência, teria de agir em termos conformes com o direito.
XII - Esta data marca, pois, o fim de um ciclo e o início de um novo período de consideração de relação de concurso para efeito de fixação de pena única. A partir de então, havendo novos crimes cometidos desde tal data, desde que estejam em relação de concurso, terá de ser elaborado com as novas penas um outro cúmulo e assim sucessivamente.
XIII - Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma critica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá.
XIV - A partir da decisão condenatória que tiver em primeiro lugar transitado em julgado, os crimes cometidos depois da data do trânsito deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma "primeira fase", em que o agente não foi censurado, atempadamente, muitas vezes, há que reconhecê-lo, por deficiências, a vários níveis, do sistema de justiça, ganhando assim, o agente, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da oportuna acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, já após advertência de condenação transitada em julgado, abrindo-se um "ciclo novo, autónomo, subsequente", em que o figurino não será já o de acumulação de crimes, mas de sucessão.
XV - Na consideração da personalidade para a medida concreta da pena conjunta de cúmulo jurídico devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
XVI - Tendo sido interpostos recursos das decisões condenatórias integrantes do cúmulo é de factualizar o facto e o resultado final.
XVII - A pena de prisão suspensa na execução integra o cúmulo jurídico.
XVIII - A não justificação de integração no cúmulo integra nulidade por omissão de pronúncia.
XIX - Tal nulidade é suprível, nos termos do art. 379.°, n.º 2, do CPP, a partir da redacção dada pela Lei 20/2013 de 21-02, devendo ser suprida na presença dos elementos a ter em conta.
XX - Encontrando-se esgotado o prazo de suspensão, invocando o princípio da actualidade, é de relegar para a instância pronúncia sobre o estado actual da situação.
XXI - A pena suspensa declarada extinta nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP, não integra o cúmulo jurídico.
XXII - A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.
XXIII - Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o ar. 40.°, n.º 1, do CP, na versão da terceira alteração, introduzida pelo DL 48/95, de 15-03, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais presentes no concurso.
XIV - Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.
XV - À fixação da pena conjunta deve presidir o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
XVI - Ao fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, há que ter presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre o condenado na pena única, não podendo deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.
XVII -São igualmente de factualizar os tempos de cumprimento de prisão ou de prisão preventiva. Sendo essencial e indispensável, no plano da exposição/enunciação/enumeração da matéria de facto, face à nova versão do art. 78.°, n.º 1, do CP, narrar o cumprimento da pena imposta em algum(ns) dos processos englobados no cúmulo, importa, no presente, inovador, quadro legal, factualizar o que ocorre a esse nível, o que determinará a prévia recolha dos elementos imprescindíveis. A este especifico respeito, sempre haverá de narrar-se (dar­se noticia) para posterior ponderação, o que consta dos autos, pois as penas extintas pelo cumprimento actualmente integram o cúmulo.
XVIII - Em sede de requisitos primários serão igualmente de coligir os tempos de cumprimento de pena de prisão ou de detenção sofridos pelo arguido nos vários processos englobados a ter em conta, factualizando-os, em observância do disposto nos artºs. 78.º, n.º 1 e 80.º, do CP.
Decisão Texto Integral:

     No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 180/13.5GCVCT da Instância Central Criminal da Comarca de Viana do Castelo – Juiz 3 –, na sequência de acórdão de 14-07-2015, transitado em julgado em 29-09-2015, constante da certidão de fls. 343 a 362 do 2.º volume, que condenou o arguido AA na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova, pela prática, em 3-05-2013, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, e na reformulação de anterior acórdão de 17-03-2016, em que foi realizado o cúmulo jurídico, face ao conhecimento de nova condenação no processo n.º 783/12.5PAESP, pelo acórdão de 27 de Abril de 2017 do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo – Juiz 3, foi realizado cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, solteiro, nascido em ........., natural da freguesia de .........., concelho do Porto, residente antes de recluso na .........., n.º ..., C......, L......, Porto, preso no Estabelecimento Prisional do Porto, a partir de ..-..-2...., à ordem do processo comum colectivo n.º 432/12.1GAILH da Comarca de Aveiro – Instância Central - 1.ª Secção Criminal, J2, para cumprir a pena de 2 anos e 9 meses de prisão, conforme consta de fls. 13, 20, 134 e 218, e desligado deste processo e colocado à ordem do processo comum colectivo n.º 180/13.5GCVCT, em 9-02-2017, conforme fls. 104, 136, 138, 148 e 149.

       O presente sui generis e autónomo “processado” foi autuado em 27-01-2016, iniciando-se, a fls. 2 do volume enviado, com despacho do Exmo. Presidente do Colectivo da Instância Central – Secção Criminal da Comarca de Viana do Castelo - J3, datado de 27-01-2016, a designar o dia 25-02-2016, para a audiência a que alude o artigo 472.º do Código de Processo Penal, sem menção/indicação dos processos levados a concurso, com solicitação à DGRSP de realização de relatório social e requisição de certificado de registo criminal actualizado do arguido, nada, mas mesmo nada, referindo a propósito da intervenção processual, no evento aglutinador, a respeito da presença do arguido.

       Em 24-02-2016, o arguido atravessou o requerimento de fls. 25, repetido a fls. 27, em que dá conta da pendência de recurso no Supremo Tribunal de Justiça de acórdão proferido no processo n.º 783/12.5PAESP da Comarca do Porto – Instância Central – 1.ª Secção Criminal - J8, e invocando o princípio da economia processual, entendendo que seria mais adequada a realização do cúmulo jurídico, após o trânsito em julgado da decisão do recurso, requereu nesse sentido.

      Dizendo desconhecer o processo identificado no requerimento do arguido, nomeadamente, se os factos ali apreciados estariam eventualmente em situação de cúmulo jurídico com os factos dos autos, o Exmo. Presidente do Colectivo, por despacho de fls. 29, manteve a marcação da audiência. 

       Na data agendada – 25-02-2016 –, conforme acta de fls. 30/1, a Exma. Defensora do arguido requereu a presença do condenado, a que se seguiu despacho do Exmo. Presidente do Colectivo, que deu sem efeito a audiência, designando para sua realização o dia 10 de Março de 2016, “devendo o arguido ser convocado para prestar declarações, através de vídeoconferência a partir do EP onde se encontra”.

      

      Realizada a audiência de julgamento, em 10-03-2016, foram tomadas declarações ao arguido, através de videoconferência – acta de fls. 35/6.

 

     Por acórdão do Tribunal Colectivo da Instância Central Criminal da Comarca de Viana do Castelo, de 17 de Março de 2016, constante de fls. 38 a 44, depositado na mesma data, conforme declaração de depósito de fls. 46, foi deliberado cumular as penas aplicadas nos processos n.º 24/11.2PEVRL do Tribunal Judicial de Vila Real, n.º 432/12.1GAILH da Comarca de Aveiro – Instância Central – 1.ª Secção Criminal – J 2 e n.º 180/13.5GCVCT da Instância Central Criminal da Comarca de Viana do Castelo, e condenar o arguido na pena única de 4 anos de prisão.

       Inconformado com o assim deliberado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a motivação de fls. 50 a 52.

       O recurso foi admitido por despacho de fls. 56.

       O Ministério Público na Instância Central – Secção Criminal da Comarca de Viana do Castelo – respondeu conforme fls. 59 a 61.

       O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Guimarães emitiu douto parecer de fls. 69 a 74, pronunciando-se no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

       Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15 de Dezembro de 2016, constante de fls. 82 a 90, foi negado provimento ao recurso, tendo tal acórdão transitado em julgado em 11 de Janeiro de 2017, conforme consta do boletim de registo criminal n.º 3, de fls. 117 e fls. 162.

       Voltando ao presente “processado”, não declaradamente assumido como “Recurso independente e em separado”, designação utilizada em casos semelhantes, como por exemplo, nos recursos por nós abordados, nos processos n.ºs 541/09.4PDLRS-A.L1.S1, 303/08.6GABBNV-B.E1.S1, 173/08.4PFSNT-C.S1, 137/08.8SWLSB-H.L1.S1 e 747/10.3GAVNG-B.P1.S1.

 

       De forma absolutamente inopinada, e sem nada que o justificasse, vistas as coisas à luz da míngua imensa de informação/elementos do presente “processado”, com referência a “Fl. 1507 ss:”, a fls. 154 do presente “processado”, é lavrado despacho pelo Exmo. Presidente do Colectivo de Viana do Castelo, a designar para a audiência a que alude o artigo 472.º do CPP, o dia 19 de Abril, 14.00 h, com dispensa da presença do arguido, que antes expressara a vontade de estar presente, como é seu direito, com nova solicitação de realização de relatório social e de requisição de certificado de registo criminal actualizado.

       Mais uma vez, a fls. 169-170, veio o arguido requerer a autorização para a sua presença na data fixada para a audiência de efectivação de cúmulo jurídico.

       Mais uma vez, foi negada a pretensão de presença física do condenado na audiência, com o depoimento (declarações) prestado por vídeoconferência, a partir do EP onde o arguido se encontra - (fls. 173).  

       Realizada a audiência em 19-04-2017, conforme acta de fls. 207/9, foi o arguido ouvido através de videoconferência.

    Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal da Comarca de Viana do Castelo, de 27 de Abril de 2017, constante de fls. 211 a 220, depositado na mesma data, conforme declaração de depósito de fls. 222, foi deliberado condenar o arguido na pena única de 10 anos de prisão.

                                                  ****

      De novo inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a motivação de fls. 231 a 245, rematando a impugnação com as conclusões que constam de fls. 238 a 245.

       O recurso foi admitido por despacho do Exmo. Presidente do Colectivo da Comarca de Viana do Castelo, a fls. 249, porém, sem indicação expressa do tribunal ad quem, indicação que, a ser a legalmente correcta, como, incontornavelmente deveria ser, à face da clara, hialina mesmo, luz do disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, obstaria a uma série de mal entendidos, a culminar na elaboração de uma decisão sumária pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que no seu âmago traz albergada a prática de uma nulidade insanável, a demandar a sua inevitável implosão.

       Coisas escusadas, dir-se-ia.

       O Ministério Público junto da Instância Central Criminal da Comarca de Viana do Castelo, afinando pelo mesmo diapasão, apresentou resposta, dirigida aos “Exmos. Senhores Juízes Desembargadores”, conforme fls. 252 a 254.

       Por despacho do Exmo. Presidente do Colectivo de Viana do Castelo de 22-06-2017, proferido a fls. 255, em consonância com a inexplicável/indevida deriva, foi ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, o que foi cumprido a fls. 260.

       O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Guimarães emitiu então douto parecer, a fls. 263 a 265, começando por afirmar que “Nada obsta ao conhecimento do recurso interposto pelo arguido (…), sendo o regime de subida o previsto na lei”, defendendo, a final, a manutenção do decidido.

       (Os sublinhados são, obviamente, como não podiam deixar de ser, decididamente, nossos).

    Em 24-07-2017 é proferido despacho por Exmo. Desembargador de turno (em férias judiciais de Verão), a ordenar a apresentação dos autos ao Exmo. Desembargador Relator após férias pessoais do mesmo - fls. 268.

      Por decisão sumária do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de Agosto de 2017, constante de fls. 270 a 278, foi negado provimento ao recurso apresentado pelo condenado.

      

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 306 a 320, dizendo ser o “recurso interposto do douto acórdão de fls…. e ss” do Tribunal da Relação de Guimarães, rematando com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces):

A. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de fls. ... e ss. proferido nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo acima identificados, que condenou o arguido AA em:

2 anos e 9 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado consumado, no processo n ° 432/12.1GAILH, da Instância Central Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, por decisão de 02/07/2014, transitada em 28/09/2015, por factos praticados em 26/10/2012;

3 anos de prisão, pela prática de um crime furto qualificado consumado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 3 anos de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 3 anos e 9 meses de prisão pela prática de de um crime furto qualificado consumado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 4 anos de prisão pela prática de de um crime furto qualificado consumado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 3 anos de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado tentado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 9 meses de prisão pela prática de um crime furto simples tentado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado tentado, 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado tentado, 3 anos de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime furto qualificado consumado, no processo nº 783/12.5PAESP, da Instância Central Criminal do Tribunal Judicial do Porto, por decisão de 20/05/2015, transitada em 09/05/2016, por factos praticados entre 31/05/2011 e 31/01/2013. Em cúmulo jurídico na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.

2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de um crime furto qualificado consumado, no processo n.º 180/13.5GCVCT, da Instância Central Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, por decisão de 14/07/2015, transitada em 29/09/2015, por factos praticados em 03/05/2013.

B. O arguido não contesta as condenações de que foi objecto, as quais resultaram de toda a prova produzida em audiência de julgamento.

C. Contudo, o arguido não se conforma com a pena única que foi aplicada pelo Tribunal a quo.

D. Com base nos factos provados, o Tribunal a quo formulou a sua convicção e decidiu.

E. Na fixação da medida da pena é necessário, ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.

F. Atentos os factos provados, e a esses teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente – devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - cfr. artigo 71º do Código Penal.

G. Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os factores que incluem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável. Aliás, "na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas” cfr. art. 71º, n.º 3.

H. Não teve o douto Acórdão em consideração os factores sociais constantes do relatório social, o bom comportamento, no estabelecimento prisional e a estrutura familiar de apoio.

I. Veja-se o Relatório Social, onde se diz “Iniciou actividade laboral aos 11 anos como ajudante de construção civil, passando depois para o ramo industrial como operário fabril. Aos 42 anos experiencia pela primeira vez a situação de desemprego, devido a constrangimentos de ordem económica da empresa em que laborava – “M..........”". Em paralelo com a actividade labora,AA praticou durante sete anos

J. futebol amador em alguns clubes da cidade, tendo abandonado esta prática desportiva na sequência de uma intervenção cirúrgica. O condenado contraiu matrimónio aos 18 anos, esta relação terminou 3 anos depois, tendo da união nascido 2 descendentes. Aos 25 anos inicia uma relação longa da qual nasceu outro descendente. AA sempre assumiu as responsabilidades parentais, mantendo relacionamento em proximidade com os descendentes."

K. E continua, o Relatório Social, sob a epígrafe “Condições Sociais e Pessoais", "No período a que se reportam os factos constantes dos autos, objecto do presente cúmulo jurídico, AA desenvolvia o seu quotidiano de forma desorganizada e sem compromissos. Residia com a nova companheira na zona de Leça da Palmeira, subsistindo de trabalhos ocasionais e do apoio da companheira. Na sequência do seu comportamento desviante, foi detido preventivamente por três meses. Devolvido a meio livre, termina a relação que mantinha e regressa ao Porto, para a zona próxima à da residência da mãe do filho mais novo, que o apoio economicamente, Aí inicia novo relacionamento afectivo, com união de facto, que mantém até ao presente. AA passa a viver com a actual companheira (R...), em casa arrendada integrada em ilha

L. situada em zona residencial não conotada com problemáticas sociais e criminais. O condenado avalia positivamente o relacionamento afectivo que mantém, considerando que o apoio ascendente desta companheira, facilitou o afastamento do consumo de drogas, sem que para tal tenha sentido necessidade de recorrer a apoio especializado. Afirma não poder desenvolver actividade laboral regular, devido a problemas de saúde de que padece, mas que sempre que lhe era possível desenvolvida trabalhos de construção em regime de biscates.”

M. Sob a epígrafe “Impacto da situação jurídico-penal”, afirma, ainda, a técnica dos Serviços de Reinserção Social do Porto Penal 6: “AA encontra-se detido no Estabelecimento Prisional do Porto em 07/01/2016. Denota consciência do desvalor da sua conduta, explicando-a numa fase de desorientação pessoal e consumos compulsivos de drogas, reconhecendo que dos seus atos resultam consequências e danos para terceiros.” Valoriza o apoio da família, e manifesta vontade em não defraudar as expectativas que nele depositam, manifesta vontade em manter o afastamento de situações de risco e de consumo de estupefacientes. No estabelecimento prisional frequenta a escola, com vista à conclusão do 2º ciclo. Manifestou interesse pela ocupação laboral, mas não tendo obtido colocação mantém-se na escola. Mantém comportamento ajustado às regras, tendo o registo de uma infracção por posse de telemóvel, que não assume seu. AA beneficia de enquadramento residencial, social e familiar, junto da actual namorada que manifesta apoio incondicional. O condenado apresenta uma trajectória de vida, sobretudo após a altura em que ficou desempregado, marcada pelo consumo de produtos estupefacientes e associação a pares com condutas desviantes, que facilitou o contacto com o sistema de justiça penal. Em meio prisional frequenta a escola como forma de se valorizar e de ocupar o tempo de forma útil.

Adotou um comportamento conforme ao normativo do EPP, valoriza o apoio familiar que possui, factores que serão ponderados positivamente na preparação do seu regresso a meio livre e no benefício de medidas de flexibilização da pena, que já pediu mas não lhe foram concedidas.

N. Da leitura atenta do Relatório Social, resulta que o condenado AA, ganhou consciência da ilicitude dos seus actos.

O. Os factores que determinaram a necessidade da sua reclusão, estão, do ponto de vista da prevenção especial profundamente diminuídos.

P. O que, por si só implica, necessariamente, uma pena mais reduzida.

Q. O recorrente, não desconhece que, existem razões de prevenção geral que impõem a aplicação de uma pena com um “quantum” considerável.

R. No entanto, 10 (dez) anos de prisão, é manifestamente exagerado mesmo atendendo às necessidades de prevenção geral.

S. E, sobretudo, atendendo as circunstâncias pessoais em que os crimes foram cometidos...

       Termina, pedindo a revogação do acórdão (SIC) e a sua substituição por outro que se coadune com a pretensão exposta.

                                                                   ***

       O processo foi então solicitado à 1.ª instância, onde se encontrava desde 5-09-2017 - fls. 281 -, conforme despacho de fls. 321.

                                                                   ***

       O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça foi admitido por despacho de fls. 323, a subir nos próprios autos, leia-se, no presente “processado”.

                                                                   ***

       O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Guimarães apresentou a resposta de fls. 326 a 329, onde, uma vez mais, vai implícito o indevido reconhecimento da competência do Tribunal da Relação de Guimarães para proferir a decisão sumária recorrida, que indevidamente, considera como acórdão, concluindo:

1 - Examinada a fundamentação do acórdão impugnado (SIC), não cremos que possa haver dúvidas de que o tribunal teve na devida conta a personalidade do arguido, reflectida no seu percurso e passado criminal, evidenciando-se o elevadíssimo número de crimes, sendo que os factos que lhes estão subjacentes são graves estendendo-se cronologicamente bastante no tempo, cumprindo reter, quanto à personalidade do visado, que, pese embora em contexto prisional tenha adoptado um comportamento cumpridor das regras instituídas, frequentando a escola, apresenta, no entanto, uma trajectória de vida marcada pelo consumo de drogas e associada a grupos de pares desviantes, com desemprego prolongado, podendo-se concluir, “ ...por um lado, pela alta gravidade do “ilícito global” perpetrado e, por outro lado, por uma tendência criminosa que ultrapassa a mera situação de pluriocasionalidade”, apresentando-se, consequentemente, como grandes e também prementes as necessidades de prevenção especial positiva (de ressocialização), encontrando-nos, pois, face a fundamentação da decisão que explicita  de forma clara o percurso que conduziu o tribunal à decisão tomada.

2 - Os factos praticados pelo recorrente são expressivos de uma atitude de desconsideração e indiferença total pelo respeito de valores essenciais da comunidade, como seja o respeito pelos bens alheios, denotando uma deficiente interiorização desse bem jurídico, sendo que, as exigências, quer de prevenção geral (proliferação de crimes desta natureza), quer especial (atento o número de condenações que o arguido já teve por crimes de furto qualificado, continuando na senda criminosa) se revelam de cariz muito elevado, como elevado se demonstra o grau de ilicitude global, tendo, em grande parte dos crimes o visado recorrido ao estroncamento de portas, a fim de aceder ao interior das residências assaltadas, causando sérios prejuízos às vítimas, designadamente a nível moral, de tal decorrendo não se reconduzirem os factos a uma mera pluriocasionalidade, mas a uma verdadeira tendência criminosa radicada na personalidade do visado.

3 - O douto acórdão sob escrutínio não deixou de levar em conta e equacionar, nos seus devidos termos, alguma vertente positiva, adveniente do comportamento prisional do visado e respectivo acompanhamento familiar, sendo que, porém, tais razões conexas com a sua ressocialização não constituem razões bastantes para a almejada redução da pena conjunta, a qual, nos precisos termos do douto aresto em crise, se revela justa, adequada e proporcional à punição da gravidade do comportamento global e personalidade do arguido, nos parâmetros legais previstos no artº 77º do C.Penal, pelo que a pretendida redução se mostra claramente injustificada,

4 - Por não ter violado qualquer normativo legal, nenhuma censura merece a decisão sob escrutínio.

                                                                   ***

       Por despacho de 10-10-2017, a fls. 330, foi ordenada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

                                                     ***

       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, em 27 de Outubro de 2017, a fls. 336/7, do 2.º volume, emitiu o seguinte parecer:

       “O arguido AA, no processo identificado como sendo o principal, mas apenas com um volume, recorre de um acórdão proferido no Tribunal da Relação de Guimarães em 11.08.2017, para o Supremo Tribunal de Justiça porque lhe foi negado provimento ao recurso que havia interposto do acórdão da 1ª instância (Juízo Central Criminal da Comarca de Viana do Castelo) que o condenou na pena única de 10 anos de prisão no cúmulo resultante do conhecimento superveniente do concurso.

       Vendo com atenção o processado tudo leva a crer que este será a continuação dos outros volumes onde se encontrarão o último acórdão condenatório e as certidões dos restantes acórdãos, pois é iniciado com um despacho proferido em 27/1/2016 a marcar um dia de audiência e a solicitar previamente o Relatório Social e o CRC. 

       Mas o último acórdão do concurso superveniente proferido no J3-Juizo Central Criminal de Viana do Castelo em que o arguido AA foi condenado na pena única de 10 anos de prisão foi admitido a subir nos próprios autos para o Tribunal da Relação de Guimarães que o apreciou e decidiu, quando este Tribunal não tem competência para  o fazer.

      Os acórdãos proferidos nestas circunstâncias em que a pena única seja superior a 5 anos de prisão são sempre e só recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça conforme dispõe a alínea c) do nº 1 do artº 432º do CPP.

       Este acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães agora em recurso do arguido será nulo ou inexistente como já tem sido doutamente decidido nesta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça.

       De qualquer modo não podemos deixar de dizer que o recurso nem subiu em separado sem quaisquer acórdãos condenatórios incluindo o proferido no próprio processo, mas apenas num “volume continuado”.

       Mas para o Supremo Tribunal de Justiça, em nenhuma disposição legal está prevista a subida de recursos em separados de acórdãos proferidos pelo tribunal colectivo da 1ª instância (art. 432º, nº 1 al. c), pelo contrário o art. 406º, nº 1 dispõe que as decisões que ponham termo a causa, sobem nos próprios autos (neste sentido o Ac. STJ de 5/12/07, Proc. 3396/07, 3º sec.).

       A sentença constitui o paradigma do Acórdão final nos termos do artigo 432 nº 1 alínea c) do Código de Processo Penal, pronunciando-se sobre o objecto do processo tal como foi definido no libelo acusatório. Porém, a mesma não consubstancia a única hipótese de um acórdão final proferido no mesmo processo e a decisão que procede ao cúmulo jurídico, englobando não só a pena do processo como de outros processo, e numa perspectiva global, por maioria de razão se deve considerar decisão final (Ac. STJ de 6/10/2008, Proc. 2822/08, 3º sec., em que foi Relator o Exmo. Conselheiro António Henriques Gaspar).

       O acórdão recorrido terá procedido ao conhecimento superveniente de concurso de crimes, sendo por isso uma decisão final, proferida pelo Tribunal Coletivo, cujo recurso só pode subir com efeitos suspensivos – art. 408º nº 1 al. a) do CPP, nos próprios autos.

       Por outro lado se o acórdão não fosse decisão final também o Supremo Tribunal de Justiça não seria competente para o apreciar (art. 432º nº 1 al. c) do CPP (à contrário)).

       E com este tipo de organização processual será impossível, apreciar e decidir, segundo consideramos, um recurso de uma condenação a uma pena única de 10 anos de prisão.

       Assim parece-nos que poderá/deverá ser pedido, J3-Juizo Central Criminal de Viana do Castelo o processo principal, para o recurso interposto pelo arguido AA poder subir nos próprios autos, pois o acórdão recorrido consubstancia uma decisão que põe termo à causa (arts. 406º, nº 1 e 432º nº 1 al. c) CPP) e onde constam todas as decisões do concurso superveniente”.

   

                                                                                     ***

   Seguiu-se despacho manuscrito pelo ora relator, em 31-10-2017, conforme fls. 338, onde se consignou:

       “Tem inteira razão a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no parecer que antecede.

       O recurso foi admitido para subir “nos autos”, conforme despacho de fls. 323.

       Ocorre que, de há muito, estamos perante um recurso “em separado”, sendo o 1.º volume iniciado com marcação de audiência.

       Em rigor, deveria subir todo o processo.

       Deixa-se claro que o presente processado é “sui generis” e mesmo “único”, pelo menos para o relator, há mais de dez anos neste STJ.

       Não se entende como se poderá esperar que uma reapreciação por tribunal superior de uma pena conjunta se possa fazer no desconhecimento total do conteúdo das decisões condenatórias.

       Assim, face ao carácter minimalista do processado, e por razões de economia processual, solicite-se envio de certidão das decisões condenatórias ora em concurso, incluindo do Tribunal Superior, se for o caso, bem como correcta certificação das datas do trânsito em julgado.

       Notifique”.

       Na sequência, foram então remetidas e juntas certidões dos seguintes acórdãos:

     Acórdão de 14-07-2015, proferido no processo n.º 180/13.5GCCVCT da Instância Central Criminal de Viana do Castelo, Comarca de Viana do Castelo, Juiz 3, de fls. 343 a 362, transitado em julgado em 29-09-2015 – fls. 343.

   Acórdão de 2-07-2014, proferido no processo n.º 432/12.1GAILH, do então Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo, Comarca do Baixo Vouga, ora Juízo Central Criminal – J2, da Comarca de Aveiro – fls. 363 a 373 – transitado em julgado em 28 -09-2015 – fls. 363. 

       Acórdão de 20-05-2015, proferido no processo n.º 783/12.5PAESP, da Instância Central – 1.ª Secção Criminal – J 8, da Comarca do Porto – fls. 374 a 575 – transitado em julgado em 9-05-2016 – fls. 374.

       Não obstante no despacho de fls. 338 se ter referido decisões de tribunal superior, nas certidões enviadas, nada consta a propósito, o que sempre seria necessário ao esclarecimento da notória distância temporal entre a data do acórdão condenatório e a do trânsito em julgado, nos 2.º e 3.º casos, como facilmente se vê dos sublinhados.

       Daí que a Exma. Procuradora - Geral Adjunta neste Supremo Tribunal tenha vindo, a fls. 577, suscitar a questão prévia da falta de explicação sobre a demora do trânsito do acórdão de 2-07-2014 e da falta de remessa dos acórdãos dos tribunais superiores, sendo certo constar do CRC de fls. 239 que o acórdão do processo n.º 783/12.5PAESP terá subido ao Tribunal da Relação do Porto e ao STJ, promovendo então que o ora relator resolvesse da melhor maneira as ausências referidas.

 

       Face ao incumprimento do solicitado no aludido despacho de fls. 338, teve o ora relator de intervir de novo, em óbvio, tão escusado, quanto desnecessário, exercício de intervenção ex suplendis, e em despacho manuscrito, a fls. 578, escreveu:

       “Com cópia da douta promoção, atenta a distância temporal entre as datas da decisão em 1.ª instância e as do trânsito, o que se deverá a interposição de recursos, solicite-se ao tribunal recorrido, a indicação do tribunal ad quem, a(s) datas da decisão do tribunal superior, bem como a indicação de obtenção de provimento, ou não, devendo na primeira hipótese, esclarecer-se qual o sentido e dimensão do provimento (alteração da facticidade, de qualificação jurídica, de pena?)” 

       A fls. 580 mostra-se junto ofício da Comarca de Aveiro, reportando-se ao processo n.º 432/12.1GAILH, referindo ter o arguido interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que proferiu acórdão em 18-03-2015, de que junta cópia. Mais informa que em 7-05-2015 foi junto pelo arguido requerimento de recurso para o STJ, sendo que por despacho proferido em 10-09-2015, não foi o mesmo admitido, tendo os autos sido devolvidos a título definitivo à primeira instância em 7-10-2015.

       Foram juntas certidão do acórdão de 2-07-2014, de fls. 581 a 590, já nos autos, de fls. 363 a 373, e certidão do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-03-2015, de fls. 591 a 619, sendo o recurso julgado improcedente e mantida a decisão recorrida.

 

       Face a estes elementos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal em 21 de Dezembro de 2017 emitiu douto parecer de fls. 621 a 626, nestes exactos termos: 

       “O arguido AA, nascido em 09.06.1966 interpôs recurso da decisão sumária inexplicavelmente proferida em recurso pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 11.08.2017, que negou provimento ao recurso que o arguido havia interposto do acórdão da 1ª instância, que havia efectuado um cúmulo de várias condenações de sentenças transitadas em julgado e que o havia condenado por crimes de furto, na pena única de 10 anos de prisão.

       Questões prévias ao conhecimento do recurso do arguido AA.

       O arguido AA foi julgado no J3 – Juízo Central Criminal de Viana do Castelo, comarca de Viana do Castelo, em 27/4/2017 por ter havido conhecimento superveniente de concurso em três condenações transitadas em julgado por autoria de vinte e três crimes de furto em diversas modalidades, tendo sido condenado na pena única de 10 anos de prisão.

       O arguido AA recorreu deste acórdão condenatório para o Tribunal da Relação de Guimarães que, como já dissemos, conheceu o recurso em decisão sumária e não lhe deu provimento, mantendo toda a decisão condenatória mas que nos suscita muitas dúvidas sobre a legitimidade do tribunal da relação para proferir tal decisão.

       a) Se a decisão sumária tivesse sido proferida legalmente, o recurso também não poderia ter sido admitido porque nos termos do n.º 8 do art. 417.º do CPP, da decisão sumária reclama-se para a conferência só cabendo recurso deste acórdão.

       b) Segundo nos parece de acordo com o disposto no art. 432º nº 1 c) do CPP e com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nomeadamente os Acs. de 13.07.2017, proc. 232/11.6PCTX.E1.S1, 3ª Sec. e de 4.11.2015, p. 303/08.6GABNV-B.E1.S1, 3ª sec. que vamos acompanhar,  o Tribunal da Relação de Guimarães não era competente para apreciar este recurso interposto do acórdão da 1ª instância, havendo uma nulidade insanável, que poderá/deverá ser conhecida oficiosamente, podendo-se considerar ainda que será inexistente a decisão sumária que negou provimento ao recurso.

       Estando para ser apreciado um acórdão cumulatório que aplicou uma pena única superior a 5 anos de prisão, só pode caber ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento do recurso interposto pelo arguido de uma decisão do coletivo de Viana do Castelo, porque visou e só podia visar matéria de direito sobre a medida da pena única, não podendo o Tribunal da Relação de Guimarães conhecer do recurso.

       O art. 432º ao dispor na al. c) do nº 1 do CPP que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo tribunal coletivo que apliquem penas de prisão superiores a 5 anos de prisão sobre questões de direito, torna incompetente os tribunais da relação para conhecer qualquer recurso que vise matéria de direito, nomeadamente das condenações por conhecimento superveniente de concurso (art. 78º do CP) que apliquem pena superior a 5 anos e que só podem ser questionados nessa vertente.

       Esta nulidade p. na al. e) do art. 119º do CPP torna sem valor, sem validade a decisão sumária do Tribunal da Relação de Guimarães conforme dispõe o art. 122º do CPP por ter apreciado e decidido o recurso do arguido AA podendo/devendo o Supremo Tribunal apreciar o recurso interposto em primeiro lugar (art. 122º nº 3 do CPP).

                                                                  **
1. O arguido/recorrente AA nas conclusões da sua motivação de recurso por decisão da 1ª instância que agora interpõe para o Supremo Tribunal de Justiça impugna o acórdão recorrido por discordar dos cúmulos, por considerar e defender que no cúmulo superveniente deviam ter sido valorados os factores sociais do Relatório Social de que resulta que o arguido ganhou consciência da ilicitude dos seus actos o que torna profundamente diminuída a prevenção especial, sendo por isso e por falta da fundamentação exagerada a pena única fixada também devido às circunstâncias pessoais em que os crimes foram cometidos.

            O MºPº através do sr. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação, bem como a Sra. Procuradora da República da 1ª instância, em resumo, responderam defendendo a confirmação do acórdão recorrido quanto à medida da pena, por não merecer censura o acórdão recorrido.

       A - Proc. nº 180/13.53GCVCT.G2.S1, do J3 do Juízo Local Criminal de Viana do Castelo por sentença de 14.7.2015, transitado em 29.09.2015

       - 2 anos e 6 meses de prisão por um crime que não é concretizado no acórdão recorrido, mas resulta da certidão do acórdão que será um crime de furto qualificado (art. 204.º, n.º 2, al e) do CP, fls. 361), por factos ocorridos em 3.5.2013.

       Esta pena de prisão foi suspensa na sua execução, sob regime de prova, por igual período, sem ter sido revogada.

B - Proc. nº 432/12.1GAILH, do Tribunal de Aveiro, Instância Central Criminal, por sentença proferida segundo nos parece em 2.7.2014 e transitada em 28.9.2015.

       - 2 anos e 9 meses de prisão por um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 20.10.2012.

       C - Proc. nº 783/12.5PAESP, da Inst. Central Criminal, Tribunal e comarca do Porto, por sentença 31.5.2011 transitada em julgado em 31.1.2013, (SIC)

       - 3 anos de prisão por cada um de quatro crimes de furto qualificado;

       - 3 anos e 9 meses de prisão por um crime de furto qualificado;

       - 4 anos de prisão por um crime de furto qualificado;

       - 2 anos e 6 meses de prisão por cada um de onze (11) crimes de furto qualificado;

       - 1 ano e 6 meses de prisão por cada um de 3 crimes de furto qualificado tentado;

      - 9 meses de prisão por um crime de furto;

       todos ocorridos entre 31/5/2011 e 31/1/2013,(três (3) dos crimes em 2011, 9 no ano de 2012, e 9 em Janeiro de 2013), sem que conste no acórdão recorrido as disposições em que se enquadram os crimes.

       Em cúmulo foi condenado na pena única de 10 anos de prisão.

       1º – Parece-nos dever colocar uma questão para ser apreciada antes do recurso interposto pelo arguido, porque não resulta da motivação do arguido questão sobre a condenação do acórdão que dá origem a este concurso superveniente que havia sido suspensa na sua execução tenha sido incluída sem que o próprio acórdão recorrido tenha revogada tal suspensão.

       É certo que no próprio processo principal poderia ter ocorrido tal revogação nos termos do art. 56.º do CP, no entanto neste processo que o Exmo. Conselheiro Relator já considerou “sui generis” não consta tal revogação e no próprio acórdão recorrido também não refere a verificação de tal revogação.

       Não desconhecemos nem o poderíamos fazer, a jurisprudência da 3ª secção criminal do STJ, nem a do Exmo. Conselheiro Relator, mas não nos parece que abranja esta completa omissão do acórdão/recorrido.

       Foi incluído no concurso superveniente e no cúmulo resultante uma pena de prisão suspensa na sua execução sob o regime de provas (tal como consta no relatório da decisão) sem que seja declarada a revogação de tal suspensão, o que, segundo nos parece constituem uma nulidade que deverá ser oficiosamente conhecida e declarada.

       2º- questões suscitadas pelo arguido sobre a medida da pena

       A fixação da pena do concurso depende da consideração do conjunto dos factos e da personalidade do agente nos termos dos n°s 1 e 2 do art. 77º do CP, pois o critério para a pena unitária dele resultante tem de assumir-se como critério especial.

       Na formulação do cúmulo jurídico resultante do concurso de crimes já julgados e com condenações já transitadas em que o arguido AA foi condenado não há “factos novos” a conhecer, e o tribunal recorrido fez uma apreciação e descrição sucinta dos factos praticados efectivamente e em que circunstâncias sem  citação dos tipos de crime cometidos, e também não acrescentou, segundo nos parece, quanto à personalidade do arguido, se houve interligação da sua conduta e como se manifestou a personalidade na maneira de atuar (neste sentido do decidido no Ac. do STJ de 8/2/2012, p. 8534/08.2, 5ª sec.).

       2.1 - No cúmulo e na pena dele resultante dever-se-á também ter em conta a eventual conexão na sua ocorrência, em função da exigência da prevenção geral que é mais elevada que a da prevenção especial, porque a decisão tem de fazer uma apreciação global dos factos e da personalidade do agente para encontrar uma nova condenação.

       A pena única tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, podendo funcionar como “guias” na fixação da medida da pena do concurso (As Consequências Jurídicas do Crime, Figueiredo Dias, fls. 291, & 420).

       A fixação da pena única, tal como resulta da lei, não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respetivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto dos factos e a sua personalidade “como se o Conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado” (Figueiredo Dias, cit. pág. 291).

       2.2 — E tanto quanto nos parece relativamente à personalidade actual, não feita essa avaliação de acordo com os princípios defendidos na doutrina e jurisprudência e com as regras estabelecidas legalmente.

       Os julgadores da 1ª instância estabeleceram a pena única de 10 anos de prisão referenciando o limite mínimo e máximo das penas do concurso 4 anos e 25 anos, conforme estabelece o n° 2 do art. 77º por forca do n° 1 do art. 78° do CP.

       E antes de terem estabelecido a pena única também não foi referida a atual consciência do arguido, que poderá/poderia ser necessariamente relevante quando o mesmo foi ouvido diretamente em audiência só sendo avaliada e referida no Relatório Social.

       2.3 - Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.

       E relativamente à personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos), deve ser ponderado o modo como a personalidade se projeta nos factos ou e por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente (Ac. do STJ de 6/10/2010, p. 107/08.6GTBRG.S1, 3ª sec.).

       2.4. Assim sendo poder-se-á questionar se a pena única de 10 anos de prisão aplicada pelo acórdão/recorrido ao arguido, terá sido encontrada depois de ponderada a gravidade do ilícito global resultante do conjunto dos factos e se entre os factos concorrentes houve conexão (Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime).

       Parece-nos que independentemente do ilícito global e um grau de intensidade devido à dimensão e modo de actuar do arguido poder-se-á considerar haver uma situação de pluriocasionalidade, e não de uma tendência criminosa, apesar do número de crimes de furto, num período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses, já que o último furto foi cometido isoladamente em Maio de 2013.

       2.4.1 Na determinação da pena única dever-se-á atender a este tipo de crimes- furtos, conjugado com a personalidade, que deverá ser apreciada autonomamente

       3. É que a fixação da medida da pena, tal como resulta da lei, não se determina apenas com a soma das penas a que foi condenado o arguido, mas na dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, tal como ele também defende.

       No entanto a eventual interligação da sua conduta com a personalidade, não nos parece que tenha sido totalmente

       Na medida da pena de prisão determinada em concreto para cada um dos muitos crimes que o arguido havia cometido, já teria sido relevada a natureza dos crimes, parecendo-nos que no cúmulo e na pena dele resultante dever-se-á ter em conta a eventual conexão na sua ocorrência, em função da exigência da prevenção geral que é  mais elevada que a da prevenção especial, porque a decisão tem de fazer uma apreciação global dos factos e da personalidade do agente para encontrar uma nova condenação.

       Seguindo os princípios doutrinários e jurisprudenciais e aplicando a interpretação que nos parece resultar da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o concurso superveniente p. no artº 78º do CP, poderá haver lugar a uma pena única um pouco mais baixa do que aquela que lhe foi aplicada

       Assim e por tudo isto parece-nos que:

       1 - Previamente deverá ser declarada nula a decisão sumária do Tribunal da Relação de Guimarães por incompetências material e formal para apreciar o recurso do arguido AA (arts. 119º e), 122º, 132º 1 c) do CPP);

       2 - Declarar nulo por omissão o acórdão/recorrido por ter feito entrar no concurso superveniente uma condenação suspensa na sua execução sem previamente ter sido revogada tal suspensão;

       3 - E quanto ao recurso interposto pelo arguido AA do acórdão da 1ª instância parece-nos não poder ser concedido provimento, apesar de nos parecer suficientemente fundamentada, embora a pena única fixada atendendo ao mínimo e máximo aplicável possa parecer a mais ajustada ou muito eventualmente ser fixada em 9 anos de prisão, resultante do concurso superveniente”.

          

  ***

       Por despacho do Exmo. Colega de turno das férias de Natal, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, tenho o recorrente silenciado.

                                                                 ***

       Na abordagem para elaboração de projecto de acórdão, verificámos que o tribunal recorrido, uma vez mais, olimpicamente, não dera cabal resposta ao solicitado nos dois despachos anteriores, de fls. 338 e 578, continuando a absoluta indefinição, por reincidente não atempado esclarecimento da situação ocorrida no PCC n.º 783/12.5PAESP, clarificação que se revelava imprescindível, necessária à global, completa e definitiva definição da situação processual do arguido, atenta a distância temporal entre a data da decisão - 20 de Maio de 2015 - e o trânsito em julgado verificado em 9 de Maio de 2016, o que é importante, como se verá, a seu tempo, na rubrica falta de factualização de recurso.

        Daí a emissão do terceiro despacho de fls. 629, por nós proferido, a solicitar o esclarecimento em falta.

       Foi junta, de fls. 631 a 634, informação de que o acórdão da Relação do Porto tem data de 4-09-2015 e que o trânsito do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça foi certificado pelo STJ como sendo 9-05-2016.

 

       Foi então, em 14-02-2018, por nós proferido, a fls. 635, um quarto despacho, solicitando informação sobre o sentido, alcance e dimensão do decidido pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, em ordem a ser esclarecido se havia sido concedido, ou negado provimento ao recurso, e em caso de confirmação, se estaríamos perante uma dupla conforme, e se esta seria total ou in mellius.

                                                                 ***

       Na sequência desta nossa supletiva intervenção, de fls. 639 a 701, mostra-se junta certidão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-04-2016, transitado em julgado em 9-05-2016, o qual rejeitou o recurso interposto pelo arguido AA, negando provimento ao recurso de outro co-arguido.
       Nesse acórdão, a fls. 642, consta que o então acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Porto data de 4-09-2015, tendo negado provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente.

                                                     ***

       Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

                                                                 ***

       Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal

(neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

       Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.

       As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).
       E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.

      

                                                                ***

       Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.


                                                                ***

       Estamos face a uma decisão sumária do Tribunal da Relação de Guimarães, que confirmou uma deliberação final proferida por um tribunal colectivo – mais concretamente, um acórdão cumulatório, que fixou uma pena única ao ora recorrente, em medida superior a cinco anos de prisão, concretamente, 10 anos de prisão – visando o recurso exclusivamente o reexame da matéria de direito, estando em causa apenas discordância do condenado relativamente à medida da pena única, que considera excessiva, entendendo dever ser inferior à aplicada, sendo este Supremo Tribunal competente para conhecer do recurso – artigos 427.º (este é caso de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça) e 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do Código de Processo Penal, como ao diante se verá.


       Questões propostas a reapreciação

       O recorrente afirma a sua discordância relativamente à medida da pena única que lhe foi aplicada, como salienta na conclusão C, pretendendo a fixação de uma pena mais reduzida, como afirma na conclusão P, considerando na conclusão R que 10 anos de prisão é manifestamente exagerado mesmo atendendo às necessidades de prevenção geral.

       Daí que em causa está a 
 
      Questão única – Medida da pena única

       Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da decisão recorrida traçado pelo arguido, em função da posição da Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, relativamente à questão prévia da competência e da inclusão de pena suspensa, questões que sempre poderiam ser abordadas oficiosamente, já que nos situamos no terreno da matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência (artigo 434.º do Código de Processo Penal e artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26-08-2013, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 42/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24-10, e alterada e republicada, conforme o artigo 11.º, pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 244, de 22 de Dezembro, e pela segunda alteração operada pelo artigo 17.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 164, de 25 de Agosto – aprova e regula o procedimento especial de acesso a dados de telecomunicações e Internet pelos oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança e do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa – alterando os artigos 47.º, n.º 4 e 54.º, n.º 3. Entretanto, a Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23-08-2013, que procedeu à 44.ª alteração do Código Penal, versando pena de prisão executada em regime de permanência na habitação, pelo artigo 11.º deu nova redacção à alínea k) do artigo 114.º), abordar-se-á, previamente, a questão da definição da competência para cognição do recurso interposto do acórdão do Colectivo de Viana do Castelo, face ao indevido endereço pelo recorrente para o Tribunal da Relação de Guimarães, posição de resto, acolhida/sufragada pela 1.ª instância, e não só, bem como a nulidade insanável da decisão sumária, o que traz implícita a questão da recorribilidade da decisão sumária, e noutro plano, a questão da inclusão no cúmulo jurídico da pena suspensa aplicada no processo n.º 180/13.5GVCT, sem qualquer referência justificativa, como se não estivesse em causa uma pena de substituição.

       Abordar-se-á ainda a subida em separado, aliada à deficiência de instrução deste recurso e a ausência de factualização no acórdão recorrido da existência de recursos de duas decisões condenatórias em presença, bem como de cumprimentos de pena.

                                                               
       Apreciando. Fundamentação de facto.

       Nota Prévia – Rectificação

       Lida e analisada a narrativa da facticidade dada por provada de todos e cada um dos três processos englobados no cúmulo jurídico realizado pelo acórdão recorrido, verifica-se que num caso há incorrecção emergente de lapso de escrita, que facilmente se pode desde já corrigir, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código de Processo Penal, face aos documentos-base que se encontram juntos no processo e que ancoraram a referida aquisição no plano factual, como certificados de registo criminal e, sobretudo, certidões de decisões extraídas dos três processos, onde constam as condenações nos crimes em concurso, devidamente “convocadas” para a realização do cúmulo, consubstanciando as mesmas documentos narrativos e que noutra perspectiva constituem documentos autênticos, tendo força probatória plena as declarações nelas insertas, nos termos dos artigos 362.º, 363.º, n.º s 1 e 2, 369.º e 371.º do Código Civil, em conjugação com o artigo 169.º do Código de Processo Penal, que estabelece: “Consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”, tratando-se de prova vinculada/legal/tarifada, não infirmada.

       Está nessa situação a seguinte referência factual:

       I - Data da prática do primeiro facto no processo n.º 783/12.5PAESP

       Na alínea b) do Relatório consta como data do 1.º facto praticado neste processo o dia 31/05/2011, mas depois, a fls. 4 do acórdão e fls. 214 deste processado na “matéria a considerar”, reporta-se o início das condutas ao dia 11-05-2011 desta forma:
“no processo n.º 783/12.5PAESP: “no dia 11Mai2011 o arguido (…)”

       Compulsada a certidão que solicitámos relativa a tal processo, verifica-se que a fls. 379, fls. 9 do acórdão, na descrição do FP 12) NUIPC 956/11.8PBMTS – Facto 1 consta que a conduta teve lugar “Entre as 14 h e as 17 h do dia 31 de Maio de 2011”.

      Rectificando, em vez de 11 de Maio de 2011, no local indicado, passa a ler-se 31 de Maio de 2011, o que faz reduzir em vinte dias o espectro temporal da conduta delitiva global.

                                                        ***

       O acórdão do Tribunal Colectivo da Instância Central da Comarca de Viana do Castelo, ora decisão recorrida, pelas razões que mais adiante se verão, para a elaboração/fundamentação/justificação da pena conjunta fixada, assentou na seguinte matéria de facto:

Factos provados

1.

- no processo 432/12.1GAILH: no dia 26Out2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de cerca de € 7.500,00;

- no processo 783/12.5PAESP: no dia 11 [31] Mai2011 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 9.950,00. Depois, no dia 15Out2011 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 975,00. Depois, no dia 28Dez2011 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 8.505,00. Depois, no dia 9Jan2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 725,00. Depois, no dia 25Jan2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 58.322,68. Depois, no dia 14Mai2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 1.920,00. Depois, no dia 5Nov2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 38.609,00. No mesmo dia 5Nov2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 500,00. Depois, no dia 7Nov2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 19.800,49. Depois, no dia 15Nov2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 3.000,00. Depois, no dia 19Nov2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 3.882,00. Depois, no dia 11Dez2012 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 2.960,00. Depois, no dia 16Jan2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 400,00. No mesmo dia 16Jan2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta de uma residência, tentaram introduzir-se no seu interior e daí retirar bens no valor de cerca de € 1.900,00. Depois, no dia 30Jan2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 2.550,00. Depois, no dia 31Jan2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta de uma residência, tentaram introduzir-se no seu interior e daí retirar bens de valor não concretamente apurado. No mesmo dia 31Jan2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 500,00. No mesmo dia 31Jan2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta de uma residência, tentaram introduzir-se no seu interior e daí retirar bens de valor não inferior a € 160,00. No mesmo dia 31Jan2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta de uma residência, tentaram introduzir-se no seu interior e daí retirar bens de valor não inferior a e 510,00. No mesmo dia 31Jan2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 14.743,00. No mesmo dia 31Jan2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 420,00;

- no processo 180/13.5GCVCT: no dia 3Mai2013 o arguido e outros indivíduos, através de estroncamento/arrombamento da porta uma residência, por onde se introduziram no seu interior, retiraram bens no valor de € 759,00;

- no Relatório Social referente às condições pessoais e familiares do arguido lê-se: “O processo de desenvolvimento psicossocial de AA decorreu junto do grupo familiar de origem, constituído pelos pais e sete irmãos. O agregado residia em bairro social da cidade, onde se verificam problemáticas criminais e de exclusão social. Não existiu investimento no processo de escolarização, o condenado abandonou o sistema escolar após a conclusão do 1º ciclo, não prosseguindo os estudos devido a dificuldades económicas da família. Iniciou atividade laboral aos 11 anos como ajudante de construção civil, passando depois para o ramo industrial como operário fabril. Aos 42 anos experiencia pela primeira vez a situação de desemprego, devido a constrangimentos de ordem económica da empresa em que laborava – “ M..........”. Em paralelo com a atividade laboral, AA praticou durante sete anos futebol amador em alguns clubes da cidade, tendo abandonado esta prática desportiva na sequência de uma intervenção cirúrgica. O condenado contraiu matrimónio aos 18 anos, esta relação terminou 3 anos depois, tendo da união nascido 2 descendentes. Aos 25 anos inicia uma relação longa da qual nasceu outro descendente. AA sempre assumiu as responsabilidades parentais, mantendo relacionamento em proximidade com os descendentes. AA atribui ao desemprego com que se confrontou, o período de desorientação, com convívio com indivíduos em igual situação, ocasião em que experimentou o consumo de drogas de forte poder aditivo, face às quais desenvolveu toxicodependência. É no quadro desta adição que o condenado regista os primeiros contactos com o sistema de justiça penal, por crimes contra o património. No período a que se reportam os factos constantes dos autos, objeto do presente cúmulo jurídico, AA desenvolvia o seu quotidiano de forma desorganizada e sem compromissos. Residia com nova companheira na zona de Leça da Palmeira, subsistindo de trabalhos ocasionais e do apoio da companheira. Na sequência do seu comportamento desviante, foi detido preventivamente por três meses. Devolvido a meio livre, termina a relação que mantinha e regressa ao Porto, para zona próxima à da residência da mãe do filho mais novo, que o apoia economicamente. Aí inicia novo relacionamento afetivo, com união de facto, que mantém até ao presente. AA passa a viver com a atual companheira (R...), em casa arrendada integrada em ilha situada em zona residencial não conotada com problemáticas sociais ou criminais. O condenado avalia positivamente o relacionamento afetivo que mantém, considerando que o apoio e ascendente desta companheira, facilitou o afastamento do consumo de drogas, sem que para tal tenha sentido necessidade de recorrer a apoio especializado. Afirma não poder desenvolver atividade laboral regular, devido a problemas de saúde de que padece, mas que sempre que lhe era possível desenvolvia trabalhos de construção em regime de biscates. No âmbito do acompanhamento das penas não privativas de liberdade em que foi condenado, AA manteve pouca adesão face ao dever de colaboração com o sistema de justiça penal, apesar de várias convocatórias enviadas para as moradas que indicava. Em período anterior à presente reclusão encontrava-se laboralmente inativo, sobrevivendo do apoio da companheira e da mãe do filho mais novo. No meio social de residência, sendo conhecido o passado criminal do arguido, a sua presença é tolerada. AA encontra-se detido no Estabelecimento Prisional do Porto em 07.01.2016. Denota consciência do desvalor da sua conduta, explicando-a numa fase de desorientação pessoal e consumos compulsivos de drogas, reconhecendo que dos seus atos resultam consequências e danos para terceiros. Valoriza o apoio da família, e manifesta vontade em não defraudar as expectativas que nele depositam, manifesta vontade em manter o afastamento de situações de risco e do consumo de estupefacientes. No estabelecimento prisional frequenta a escola, com vista à conclusão do 2º ciclo. Manifestou interesse pela ocupação laboral, mas não tendo obtido colocação mantém se na escola. Mantém comportamento ajustado às regras, tendo registo de uma infração por posse de telemóvel, que não assume como seu”.

 
      Apreciando. Fundamentação de direito.

Começar-se-á por analisar as questões prévias da recorribilidade da decisão sumária, da inadmissibilidade de recurso para a Relação, da definição da competência para apreciação da pena única de 10 anos de prisão, da nulidade insanável da decisão sumária, da nulidade por omissão de pronúncia sobre a inclusão de pena de prisão suspensa na execução, da não justificação da desconsideração de pena suspensa incluída no anterior cúmulo, da subida em separado e conexa deficiência de instrução do presente “processado” e da falta de factualização de recursos, bem como de cumprimento de penas.

      
       Questão Prévia I – Decisão sumária. Recorribilidade

       Como vimos, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu o recurso em decisão sumária.

       Tal tipo de decisão tem cabimento, apenas, nas situações previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 6 do artigo 417.º do CPP.

       Da decisão sumária cabe reclamação para a conferência, como estabelece o n.º 8 do mesmo dispositivo.

       Na caracterização da reclamação para a conferência, elucida o acórdão de 20-04-2017, proferido no processo n.º 799/15.0JABRG.G1.S1, da 5.ª Secção:

       “A «reclamação para a conferência» a que alude o art. 417º, nº 8 CPP é apenas um pedido para que o objecto do recurso rejeitado mediante decisão sumária seja reapreciado pela conferência. A decisão sumária não é um mero despacho do relator. É a decisão que julga o recurso quando este esteja, de modo mais patente, condenado ao insucesso permitindo contudo a lei, para salvaguarda da colegialidade, que haja reclamação para a conferência. Na conferência, é somente ponderado o acerto da decisão sumária numa apreciação colegial segundo o princípio base porque se rege a matéria dos recursos (art. 419º) uma vez que a decisão sumária é uma excepção ditada apenas por razões de «economia e simplificação processual». Trata-se, portanto, apenas de chancelar – ou não – a decisão individual com a garantia do tribunal colectivo.

       A «reclamação para a conferência» não é uma nova fase recursória incidindo sobre a decisão singular pelo que o âmbito do recurso se mantém circunscrito às conclusões formuladas na motivação. São os argumentos ali utilizados e resumidos nas conclusões que fundamentalmente devem ser tema de análise pela conferência.

      O sistema processual penal está configurado pelo legislador ordinário com determinadas características e entre elas a da excepcionalidade das normas que impedem o recurso que devem, por isso, ser objecto de uma interpretação declarativa e não extensiva. Se o art. 400º dispõe sobre as «Decisões que não admitem recurso» a sua alínea c) determina que assim sucede com os «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo»”.


       O ora recorrente, face à decisão sumária, em vez de reclamar para a conferência, interpôs recurso para este Supremo Tribunal.
       Quid juris?   
       Suponhamos que o recorrente, em vez do recurso interposto, reclamava para a conferência.
       Num tal quadro dois cenários eram possíveis.
       A conferência, no pressuposto da competência da Relação para apreciação do recurso, confirmava a decisão sumária, mesmo que proferida fora do quadro possível delimitado no n.º 6 do artigo 417.º do CPP.
       Interposto recurso do acórdão confirmatório para o Supremo Tribunal de Justiça, este, atenta a nulidade insanável de que padeceria tal acórdão, declararia a nulidade e conheceria do recurso interposto do acórdão da 1.ª instância, solução adoptada ao que se sabe, em quatro casos, dois deles em acórdãos por nós relatados, um deles da Relação de Guimarães.
       Noutro quadro plausível, a conferência declararia desde logo a nulidade insanável da decisão sumária e, aplicando o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, reconhecendo a incompetência da Relação para apreciação do recurso, atento o seu objecto e a dimensão da pena aplicada, remeteria os autos para este Supremo Tribunal.
       Dum jeito ou doutro, a decisão sumária não teria condições de sobreviver e naufragar/implodir seria o seu inevitável/incontornável destino. 
 
       A intervenção do Tribunal da Relação de Guimarães no primeiro recurso através do acórdão de 15-12-2016, a fls. 82 a 90, foi, sem dúvida, correcta, atenta a medida da pena única imposta no acórdão recorrido de 17-03-2016, de 4 anos de prisão.
       Outrotanto, não ocorre agora, uma vez que a pena é a de 10 anos de prisão.
       A Relação de Guimarães, que não tinha competência para conhecer do recurso em sede de acórdão, em colectivo, em conferência, em suma, em normal registo de intervenção, decidiu reapreciar, liminarmente, em registo a solo, em despacho, em decisão sumária, manifestamente contra legem, fora do estrito quadro normativo previsto para tal tipo de intervenção abreviada, a aplicação de uma pena de dez anos de prisão, sem apontar qualquer justificação.
       (Muito embora tivesse sido proferida decisão sumária, o arguido no recurso refere-se a acórdão, o mesmo acontecendo com o Exmo. Procurador-Geral Adjunto na Relação na resposta ao recurso, a fls. 328 e 329, e com a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal em algumas das abordagens que fez).
       Face a uma decisão sumária, deveria o recorrente reclamar para a conferência e então, sendo confirmada, recorreria para este Supremo Tribunal.
      A verdade é que a decisão sumária é nula, padecendo de nulidade insanável, como de resto aconteceria com o acórdão confirmativo subsequente, caso assim tivesse acontecido.
       Assim é pelas razões que passamos a expor.    

       Questão Prévia II – Da definição da competência para cognição do recurso interposto do acórdão do Colectivo de Viana do Castelo – Nulidade insanável


       Como se viu, o recurso interposto do acórdão do Colectivo da Instância Central de Viana do Castelo da Comarca de Viana do Castelo, datado de 27 de Abril de 2017 (fls. 211 a 220), foi incorrectamente dirigido pelo recorrente ao Tribunal da Relação de Guimarães, sendo que o despacho de admissão do recurso de fls. 249 foi totalmente omisso quanto ao ponto de definição do tribunal ad quem.
      Certo é que em despacho posterior à resposta do Ministério Público, que dirigiu a peça aos Venerandos Desembargadores, a fls. 252/4, foi ordenada por despacho de fls. 255, a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, para onde foram remetidos (fls. 260), aí sendo assumida a competência da Relação pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, como consta do parecer de fls. 263/5, ao afirmar que nada obstava ao conhecimento do recurso, posição que viria a repetir na resposta ao recurso de fls. 326 a 329.

     Nesta abordagem, temos de partir do seguinte quadro:
     Está em causa um acórdão final proferido por um tribunal colectivo.
     A pena única aplicada foi a de 10 (dez) anos de prisão.
     O recorrente, como ressalta das conclusões apresentadas, visa apenas o reexame de questão de direito, questionando a medida da pena única, que pretende ver reduzida.

       O Tribunal da Relação de Guimarães não excepcionou a sua incompetência para apreciar o recurso, como deveria ter feito, em observância da regra ínsita no artigo 432.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do Código de Processo Penal, antes conheceu do recurso, lançando mão da via abreviada da decisão sumária, em caso em que não tinha cabimento.

       Vejamos.

       Nos termos do artigo 427.º do Código de Processo Penal “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação”.
      É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.

       Já em 1995 pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1995, in CJSTJ, 1995, Tomo I, págs. 218-219, foi decidido que a decisão proferida pelo Tribunal Colectivo em matéria de cúmulo jurídico é uma decisão sobre o mérito da causa e põe-lhe termo, traduzindo-se, assim, numa decisão final de que cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.º 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

      Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de acórdãos finais proferidos por tribunal colectivo e de júri.
      Com a reforma do Código de Processo Penal de 2007 o regime de recursos foi modificado em dois pontos: a propósito da recorribilidade, a nível de graus de recurso, e por outro, a definição do tribunal competente para apreciar o recurso directo de acórdão final do Tribunal Colectivo ou do Tribunal do júri, aqui face à transferência de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a Relação, quando presentes penas de prisão iguais ou inferiores a cinco anos, atenta a nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP.
       No que respeita às questões suscitadas com a transferência de competência nos casos de recurso directo e face à nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, foi entendido que o direito ao recurso rege-se pela lei vigente à data em que a decisão é proferida, aplicando-se o novo regime nos recursos directos de decisões proferidas depois de 15-09-2007.
       Estando em causa recurso de acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outras palavras, colocava-se a questão de saber se ficava na disponibilidade do recorrente interpor recurso prévio para o Tribunal da Relação.
       Relativamente a esta questão, que no domínio do regime anterior à reforma do Verão de 2007 era controversa (estabelecia então o artigo 432.º, alínea d), do CPP, que se recorria para o Supremo Tribunal de Justiça «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito»), foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2007, proferido no processo n.º 2792/06, da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007 – que, com um voto de vencido, fixou a seguinte jurisprudência:
       «Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».

 

     Abordando esta questão a nível de direito intertemporal, por o acórdão recorrido no caso então em apreciação datar de 13 de Dezembro de 2006 (o arguido fora julgado na ausência, declarado contumaz em 18-05-2009 e notificado do acórdão condenatório em 30-01-2014, quando se encontrava preso) e o recorrente ter optado por dirigir o recurso ao Tribunal da Relação de Coimbra, não obstante a dimensão da pena única – 8 anos e 6 meses de prisão – pode ver-se o acórdão de 15 de Outubro de 2014, por nós relatado no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199.

       (Esta numeração não respeita o número originário do processo, como facilmente se retira da data do acórdão recorrido, o qual foi proferido no processo comum colectivo n.º 15/03.7GJCTB, do então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco).
     
       Actualmente dúvidas não se colocam, face à alteração introduzida na redacção do artigo 432.º do Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, (Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, I Série, n.º 207, Suplemento, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, I Série, n.º 216, de 9 de Novembro de 2007), que procedeu à 15.ª alteração e republicou o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007.
       O preceito passou a estabelecer:
                                                            Artigo 432.º
                                                                   […]
1 – Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) ………………………………………………………………..………………………..
b) ………………...……………………………………………………………………….
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou do tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;
d) [Anterior alínea e)].
2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

       [Esta redacção permaneceu intocada nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26-02-2008, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, Diário da República, 1.ª série, n.º 81, de 24-04-2008), pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima, pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração - pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro - 26.ª alteração -, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio - 27.ª alteração -, pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio - Vigésima sétima (sic) alteração - que pelo artigo 15.º altera os artigos 58.º, 178.º, 186.º, 227.º, 228.º, 268.º, 335.º e 374.º e adita o artigo 347.º-A, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto e pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2018 e que pelo artigo 293.º altera o artigo 185.º].

       Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007.   

       Sobre o ponto pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, pág. 1186, nota 5, onde refere:
       “Os acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo admitiam, desde a Lei n.º 59/98, de 25.8, recurso para o TR e para o STJ, sendo o recurso interposto directamente para o STJ quando visasse exclusivamente o reexame da matéria de direito, isto é, não sendo admissível nesse caso recurso prévio para o TR. Esta opinião, que fez vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2007, fica agora consagrada pela Lei n.º 48/2007, no artigo 432.º, n.º 2”.

       Pereira Madeira, no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, a págs. 1528/9, em comentário ao artigo 432.º, afirma, na nota 4: “o n.º 2 eliminou a dúvida (…) sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso [restrito a matéria de direito e pena aplicada superior a 5 anos de prisão], directo para o Supremo”.
        No Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, igualmente, na nota 4, agora na pág. 1407, afirma: “Quando o recurso se cinja à matéria de direito e a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, embora a relação tenha competência para o seu conhecimento quando o recurso seja também de facto, o n.º 2 eliminou a dúvida de que se falou anteriormente sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso, directo para o Supremo”.

       A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.

       Assim foi decidido nos acórdãos de 04-12-2008, de 4-11-2009 (dois), de 23-02-2011, de 31-03-2011, de 15-12-2011, de 30-05-2012, de 17-04-2013, de 22-05-2013, de 5-06-2013, de 15-10-2014, de 3-06-2015, de 09-09-2015, de 28-04-2016, de 07-07-2016 (dois), de 16-11-2016, de 30-11-2016, de 7-12-2016, de 14-12-2016, de 4-01-2017, de 18-01-2017, de 15-02-2017, de 5-04-2017, de 15-11-2017 e de 22-11-2017, nos processos n.º 2507/08, n.º 97/06.0JRLSB.S1 e n.º 619/07.9PARGR.L1.S1, n.º 250/10.1PDAMA.S1, n.º 169/09.9SYLSB.S1, n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, n.º 21/10.5GATVR.E1.S1, n.º 237/11.7JASTB.L1.S1, n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, n.º 7/11.2GAADV.E1.S1, in CJSTJ 2013, tomo 2, págs. 210 a 225, n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191/9, n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, n.º 2361/09.7PAPTM.E1.S1, n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1 e n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1, n.º 747/10.3GAVNG-B. P1.S1, n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1, n.º 6547/06.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 5/14.4GHSTC.E1.S1, n.º 976/15.3PAPTM.E1.S1, n.º 25/16.4PEPRT.P1.S1, n.º 336/11.5GALSB.S1, n.º 731/15.0JABRG.S1, todos por nós relatados.

       No acórdão de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, consta: “No presente recurso cabe apreciar apenas a confecção da decisão cumulatória, a sua validade, a sua suficiente ou insuficiente fundamentação de facto e ausência de exame crítico do conjunto das condutas e ainda a dimensão da pena única aplicada, estando em causa apenas a pena de síntese aplicada em função do concurso de crimes e não as penas parcelares, cujo conhecimento não é possível em caso de cúmulo por conhecimento superveniente, como é o caso, em que as decisões que fixaram tais penas transitaram em julgado, sendo definitivas. 

     Objecto do recurso é apenas a pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência.

     O processo foi remetido directamente a este Supremo Tribunal e não como promovido fora enviado ao tribunal de 1.ª instância para que este, por sua vez, o encaminhasse para este STJ. (…)

     Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido”.

       No acórdão de 3-06-2015, processo n.º 336/14.3T2SNT.E1.S1, foi afirmado: “No caso presente objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que cabe ao STJ conhecer o recurso”.
       No acórdão de 9-07-2015, proferido no processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1 e no acórdão de 4-11-2015, por nós igualmente relatado no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, foram versados, respectivamente, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que haviam conhecido de recursos em que tinham sido fixadas penas únicas de 8 anos e 6 meses de prisão no primeiro caso e de 11 anos de prisão, no segundo, negando provimento num e noutro caso, tendo sido ambos anulados, por verificação de nulidade insanável, nos termos dos artigos 119.º, alínea e) e 122.º, n.º 1 e 2, do CPP, atenta a incompetência material do Tribunal da Relação, após o que se conheceu dos recursos.                   

       Como se referiu no acórdão de 4-11-2015, processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, e a essa dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que, estando em equação uma deliberação de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabia ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.
       Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do primeiro recurso interposto pelo arguido”.

       Como se disse no acórdão de 28-04-2016, por nós relatado no processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1: “Pese embora a clareza da lei, a verdade é que são vários os casos em que, estando em causa acórdãos finais de tribunal colectivo, aplicando pena de prisão superior a 5 anos e visando o recurso exclusivamente matéria de direito, os recursos, como no caso presente, são dirigidos ao Tribunal da Relação, com todas as conhecidas nefastas consequências”. 

       No acórdão de 7-07-2016, igualmente por nós relatado no processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1, consta: “Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007.   

       A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que se tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.

       Sendo assim, a recorrente dirigiu correctamente o recurso a este Supremo Tribunal, contribuindo a remessa para a Relação apenas para o atraso do andamento do processo e a despesas evitáveis”.
       E no acórdão de 7-07-2016, que relatámos no processo n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1: “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão – 18 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.
       Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do presente recurso”.

         No mesmo sentido se pronunciou o acórdão de 06-10-2011, proferido no processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1, da 5.ª Secção, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada.
       Do mesmo modo o acórdão de 10-09-2014, proferido no processo n.º 714/12.2JABRG.S1, igualmente da 5.ª Secção, onde se conclui “assim, quando a pena é superior a 5 anos (pena de um só crime ou pena única de um concurso de crimes, independentemente das penas parcelares) e o recurso é só de direito, este necessariamente tem que ir para o STJ, pois não pode haver recurso prévio exclusivamente de direito para a Relação”.


       Revertendo ao caso concreto

       No caso presente, objecto do recurso é um acórdão cumulatório, estando em causa a aplicação de pena conjunta superior a 5 anos de prisão – 10 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita à determinação da medida da pena única), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.

       Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do primeiro recurso interposto pelo arguido.
       Como se pode ler no acórdão de 9-07-2015, por nós relatado no processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1:

       “Ao decidir em matéria que cabe ao Supremo Tribunal, em violação do disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães incorreu na nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea e), do CPP, consistente na violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do mesmo CPP, que aqui não tem aplicação, pois refere-se a incompetência territorial, sendo tal nulidade de declarar oficiosamente.

        De acordo com o artigo 122.º, n.º 1, do CPP, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas que puderem afectar.

       Nos termos do n.º 2, a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição.

       E segundo o n.º 3 “Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”.

       No caso a solução passará por anular o acórdão ora recorrido, ficando sem efeito o recurso posterior, mantendo-se o primeiro recurso que será apreciado.

       Nestes termos, declara-se a nulidade do acórdão da Relação de Guimarães e a tramitação que imediatamente o antecede e segue, prosseguindo este acórdão com a apreciação do primeiro recurso que deveria ter sido dirigido ao STJ e aqui conhecido”. 

       Em termos idênticos se decidiu no já aludido acórdão de 4-11-2015, por nós relatado no processo n.º 303/08. 6GABNV-B.E1.S1:
      Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do primeiro recurso interposto pelo arguido.
       Ao decidir em matéria que cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, em violação do disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora incorreu na nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea e), do CPP, consistente na violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do mesmo CPP, que aqui não tem aplicação, pois refere-se a incompetência territorial, sendo tal nulidade de declarar oficiosamente.
       De acordo com o artigo 122.º, n.º 1, do CPP, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas que puderem afectar.
       Nos termos do n.º 2, a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição.
       E segundo o n.º 3 “Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”.
       No caso presente, a solução passará por anular o acórdão ora recorrido, ficando sem efeito, prejudicado, o recurso posterior, mantendo-se o primeiro recurso, que será apreciado de seguida.
       Nestes termos, declara-se a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Évora e a tramitação que imediatamente o antecede e segue, prosseguindo este acórdão com a apreciação do primeiro recurso que deveria ter sido dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça e aqui conhecido”. 
       Na sequência, na apreciação do recurso, o acórdão do Colectivo de Benavente foi anulado por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, do CPP, sendo impossível o suprimento por ausência de elementos, devendo “ser substituído por outro que supra as anomalias apontadas”.

       No acórdão de 13-07-2017, proferido no processo n.º 232/11.6GDCTX.E1.S1, da 3.ª Secção, circunscrevendo-se o recurso ao reexame da matéria de direito, “razão pela qual cabe a este Supremo Tribunal conhecê-lo, conforme preceito da alínea c) do n.º 1 do artigo 432º do Código de Processo Penal, sendo pois nulo o acórdão recorrido, ex vi alínea e) do artigo 119º daquele diploma legal, nulidade insanável que ora se declara, o que implica a invalidade daquele, bem como de todos os actos posteriores, exceptuando-se o parecer emitido nesta instância pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta (n.º 3 do artigo 122º do Código de Processo Penal), com regresso dos autos à fase de recurso da decisão de 1ª instância, recurso que, por razões de economia e de celeridade processual, passaremos a apreciar de imediato, apreciação que, obviamente, incluirá pronúncia sobre as questões colocadas pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no parecer que emitiu”.

       E assim decidiu:

       a) Anular o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, bem como todos os actos processuais posteriores, com excepção do parecer emitido pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal;

       b) Conhecer o recurso interposto do acórdão prolatado em 1ª instância, decidindo-se (…)”.

       Seguindo de perto o acórdão de 9-07-2015, por nós relatado no processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, o acórdão de 7-02-2018, proferido no processo n.º 339/12.2PAENT.E1.S1 da 3.ª Secção, declarou a nulidade do acórdão da Relação de Évora que conhecera de pena única de 13 anos de prisão, concedendo provimento parcial, fixando a pena única em 11 anos e 6 meses de prisão, e tal como naquele, a declaração de nulidade abrangeu “a tramitação que imediatamente o antecede e segue, prosseguindo este acórdão com a apreciação do primeiro recurso que deveria ter sido dirigido a esta Supremo Tribunal e aqui conhecido”, tendo de seguida conhecido do primeiro recurso e fixando a pena única em 9 anos de prisão.

       Concluindo.

 
       Pelo exposto, declara-se a nulidade da decisão sumária do Tribunal da Relação de Guimarães, incluindo o que se lhe segue, com excepção das intervenções da Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, a fls. 336/7, 577 e 621 a 626, bem como dos despachos do ora relator de fls. 338, 578, 629 e 635, bem como das junções de certidões de acórdãos proferidos nos processos em concurso, passando a conhecer-se do recurso interposto do acórdão do Colectivo de Viana do Castelo, anotando-se que as conclusões apresentadas mais recentemente são cópia das anteriores.          


      Questão Prévia III – Regime de subida – Em separado – Deficiência de instrução


        O recurso não subiu nos autos, como deveria subir, pela singela razão de que foi constituído um volume autónomo, não apenas para efeitos de subida do recurso como por vezes ocorre, como nos processos n.º 841/06.5PIPRT-J.P1.S1 (acórdão de 26-04-2012), n.º 173/08.4PFSNT-C.S1 (acórdão de 27-05-2015), n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1 (acórdão de 4-11-2015), n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1 (acórdão de 7-07-2016), n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1 (acórdão de 16-11-2016), n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1 (acórdão de 7-12-2016), n.º 6547/06.8SWLSB-H.P1.S1 (acórdão de 4-01-2017), apresentados como “Recurso independente em separado”, mas para efeitos de realização de um primeiro cúmulo jurídico, que começa com designação de dia para a audiência a que alude o artigo 472.º do Código de Processo Penal, não se justificando a necessidade do mesmo, com afirmação de que os crimes estão em concurso real e de quais os processos chamados a concurso.
                  Como explica Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina 2014, a págs. 1328/9, em comentário ao artigo 406.º, na nota 1: “A subida nos próprios autos impõe-se para as decisões com reflexos mais acentuados no andamento do processo, como é o caso das decisões que põem termo à causa, sejam de fundo ou de mera forma, ou as que com elas devam subir assim como nos casos em que, não obstante tratar-se de decisões de outro tipo, o recurso tenha efeito suspensivo do processo. A razão desta regra geral é intuitiva: subindo nos próprios autos, garante-se a integral e mais fácil instrução do recurso, ao menos no que depender do processo em que foi interposto. E, tratando-se de decisão que põe termo à causa, obviamente que a subida do processo não perturba o seu andamento. No ponto 4, a págs. 1328/9, a propósito da instrução do recurso separado, de iniciativa do recorrente, esclarece que “o juiz recorrido, tendo do processo porventura uma visão mais panorâmica e isenta, não está impedido de, por seu alvedrio, juntar ou mandar juntar as peças que julgue adequadas ao justo conhecimento da impugnação formalizada”.
      No presente processado, como vimos, foram juntas certidões das decisões condenatórias a nossa solicitação.
      Poderá aceitar-se/compreender-se este procedimento em casos especiais em que haja vários arguidos, sendo uns presos e outros não, e alguns com condenação transitada, como eventualmente será este o caso.
      A subida em separado e a incipiente/deficiente instrução deste “processado” tiveram naturais reflexos negativos, inclusive, para uma cabal apreciação em sede de recurso, determinando uma nossa intervenção supletiva, sucessiva, por falecerem elementos básicos, essenciais.
        Como se referiu nos acórdãos de 2-04-2009, proferido no processo n.º 581/09, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187, de 16-12-2010, proferido no processo n.º 11/02.1PECTB-C2.S1, de 2-02-2011, no processo n.º 994/10.8TTBLGS.S1, de 23-02-2011, no processo n.º 1145/01.5PBGMR.S2, de 11-05-2011, no processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1, de 26-10-2011, no processo n.º 312/05.7GAEPS.S2, de 29-03-2012, no processo n.º 316/07.5GBSTS.S1, de 30-04-2013, no processo n.º 207/12.8TCLSB.S2, de 22-05-2013, no processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1 e de 4-11-2015, no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, por nós relatados, a propósito de deficiência de instrução do processo para a determinação da pena conjunta:
       «Para a determinação da pena única, unitária, conjunta, conforme o preferencial enquadramento doutrinário/jurisprudencial, é essencial a indicação de dados imprescindíveis, cuja existencial conformação deverá estar presente, preferencialmente, desde logo no momento em que se decide avançar para a realização do cúmulo, ou logo que se mostre possível, mas sempre antes da deliberação de cúmulo, congregando os elementos indispensáveis, constantes de certidões completas, onde se certifiquem, com rigor, os elementos essenciais à realização do cúmulo jurídico, que permitam proceder-se, com segurança, à indicação dos processos, incluindo a espécie, e o tribunal e comarca, onde tiveram lugar as várias/sucessivas condenações, à enumeração e qualificação dos crimes cometidos, datas de comissão dos mesmos, datas das decisões condenatórias, datas do trânsito em julgado dessas decisões, a indicação das penas cominadas, suas espécies, incluindo a pena de prisão suspensa na execução e estado actual da execução da pena de substituição (ainda subsistente e ora de revogar ou não, ou já revogada ou extinta), ou penas de multa, já pagas, voluntariamente, ou em sede executiva, ou convertidas, ou não, em prisão subsidiária, e neste caso, cumpridas ou não, com vista a salvaguardar a sempre possível liquidação da pena pecuniária, ou a efectivar o desconto no caso de prisão já cumprida, e penas acessórias, se for o caso, bem como dados relativos a eventuais causas extintivas de penas aplicadas, e actualmente, por força da inovação do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, referências a penas já cumpridas e respectivo tempo de cumprimento, e mesmo a penas extintas ou prescritas, para as excluir, para além de outros elementos que, em cada caso concreto, se mostrem imprescindíveis ou necessários, ou relativamente aos quais se colha como relevante/aconselhável/pertinente/conveniente/oportuna a sua inclusão/consideração/ ponderação, como, por exemplo, a existência de recursos e seus resultados, atenta a possibilidade de alteração do decidido.
        Estes serão os “requisitos primários” a ter em consideração para a feitura de uma decisão cumulatória, preliminares presentes para uma boa decisão.
      Para além destes “requisitos primários”, impõe-se a inserção na fundamentação de facto de outros elementos, igualmente factuais, resultantes da análise da história de vida delitual presente no caso, que concita a particular atenção do julgador, tendo em conta que o objectivo é a aplicação de uma pena final, de uma sanção de síntese, que corresponda ao sancionar de um conjunto de factos cometidos num determinado trecho de vida, interligados por um elo de contemporaneidade, de que o tribunal tem conhecimento apenas mais tarde».

      Posto isto, no caso em reapreciação, vejamos as deficiências detectadas na instrução do recurso.

       O “processado” veio sem certidões das decisões convocadas a concurso, determinando intervenções da Exma. Procurador-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 336/7 e depois a fls. 577, e despachos do ora relator a fls. 338, de novo a fls. 578, ainda a fls. 629 e finalmente a fls. 635.



      Recursos – Ausência de factualização

 

       Em dois dos processos cujas penas foram englobadas no cúmulo jurídico realizado no processo principal foram interpostos recursos que não foram referidos, prescindindo o acórdão do Colectivo de Viana do Castelo de proceder à respetiva indicação.

       A apreciação recursiva teve lugar nos processos n.º 432/12.1GAILH e n.º 783/12.5PAESP, cujas penas foram englobadas no cúmulo jurídico a que o acórdão do Tribunal Colectivo de Viana do Castelo procedeu.

 

       A questão da falta de indicação de interposição de recurso coloca-se, atenta a distância temporal entre a data da decisão condenatória e o trânsito em julgado, sobretudo, quando é de alguma forma significativa.

       Nestes casos, quando tal ocorre, convirá factualizar a existência de recurso, tratando-se de um “requisito primário” esclarecedor do que efectivamente se passou no processo.

       Na ausência de factualização do recurso fica por esclarecer a razão do distanciamento entre a data da decisão e a assunção/certificação de definitividade do julgado, não dando o tribunal retrato fiel, a este nível, de tudo o que aconteceu nos processos englobados no cúmulo.

         Não tendo sido factualizados estes recursos, foram solicitados elementos como certidões de acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior.

      Concretizando.

       PCC n.º 432/12.1GAILH, do então Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo, Comarca do Baixo Vouga, ora Juízo Central Criminal – J2, da Comarca de Aveiro.

       Data da decisão: 2-07-2014;

       Data do trânsito em julgado: 28-09-2015.

       A data de trânsito em julgado mostra-se certificada a fls. 363, condizente com a constante do registo criminal, boletim n.º 5, a fls. 119 e boletim n.º 5, a fls. 164.

       Daqui decorre que o trânsito em julgado ocorreu um ano, dois meses e vinte e seis dias após a data do acórdão condenatório.

     PCC n.º 783/12.5PAESP, da Instância Central - 1.ª Secção Criminal – J 8, da Comarca do Porto.

       Data da decisão: 20-05-2015;

       Data do trânsito em julgado: 9-05-2016.

       A data de trânsito em julgado mostra-se certificada a fls. 374, condizente com a constante do registo criminal, boletim n.º 2, a fls. 116 e boletim n.º 2, a fls. 161.

       Daqui decorre que o trânsito em julgado ocorreu onze meses e vinte dias após a data do acórdão condenatório.

       Face a esta distância temporal entre as datas da decisão e do trânsito em julgado, por despachos do relator, por se mostrar necessário ao esclarecimento da distância temporal entre a data do acórdão condenatório e a do trânsito em julgado nos dois casos, foi ordenado se solicitasse a Viana do Castelo informação sobre se teria havido recurso para o Tribunal da Relação ou para o Supremo Tribunal de Justiça, e, na afirmativa, o envio de certidão do acórdão.

       O desfazamento temporal veio a clarificar-se com a junção das certidões de fls. 363 a 373 e de fls. 374 a 575 e informações subsequentes.

       Como consta do ofício de fls. 580, no processo n.º 432/12.1GAILH houve recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que lavrou acórdão em 18-03-2015, negando provimento ao recurso, junto de fls. 591 a 619, não tendo sido admitido recurso para este Supremo Tribunal.

         No processo n.º 783/12.5PAESP houve recurso para o Tribunal da Relação do Porto e para o Supremo Tribunal de Justiça.

       Como se informa a fls. 631 a 634 houve recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que lavrou acórdão em 4-09-2015, negando provimento.

       Ademais, como se referiu supra, a fls. 2, o condenado em requerimento de 25-02-2016, na véspera da audiência para o primeiro cúmulo dera já conta, a fls. 25, repetida a fls. 27, da pendência de recurso no Supremo Tribunal de Justiça.

       Como se vê da certidão junta, de fls. 639 a 701, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-04-2016, transitou em julgado em 9-05-2016, tendo rejeitado o recurso interposto pelo arguido AA, negando provimento ao recurso de outro co-arguido.

       Nesse acórdão, a fls. 642, consta que o então acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Porto data de 4-09-2015, tendo negado provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente.

       Daí terem os trânsitos em julgado ocorrido em 28-09-2015 e 9-05-2016, como certeiramente consta do boletim de registo criminal.

       Nestes processos é evidente a distância que vai da data da condenação à data do trânsito em julgado, o que desde logo deverá (ia) concitar a interrogação sobre o que se teria passado com o processo e a dúvida sobre a fidedignidade/definitividade dos contornos da condenação em causa.

      O mais plausível era que tivesse sido interposto recurso, ou eventualmente, tivessem ocorrido longas demoras na concretização da notificação pessoal da decisão ao condenado (hipótese mais provável num quadro de julgamento in absentia, completamente fora de cogitação no caso presente), cumprindo, no mínimo, indagar, e dar a conhecer, o que efectivamente se passara e que pudesse justificar tão desfasado e tardio trânsito.

      É que, sendo a demora determinada por interposição de recurso, sempre se deverá colocar a questão de saber quem o interpôs, o condenado e/ou outro co-arguido, se foi impugnada ou não matéria de facto ou apenas matéria de direito, se o mesmo foi provido ou não, se ocorreu ou não alteração de matéria de facto e subsunção jurídico-criminal, e se, a ser confirmada a decisão recorrida, foi ou não mantida na íntegra, se a dupla conforme é total ou parcial, in mellius, se ainda houve recurso dirigido ao Tribunal Constitucional, sendo sempre de colocar a dúvida sobre a subsistência da condenação, e neste caso, sobre a manutenção ou não da facticidade apurada e da qualificação jurídica eleita e sobre a efectiva espécie e dimensão da pena a englobar no cúmulo a realizar.

 

       Como referimos nos acórdãos de 17 de Outubro de 2012, processo n.º 1236/09.4PBVFX.S1, de 30 de Abril de 2013, processo n.º 207/12.8TCLSB.S1, de 30 de Novembro de 2016, processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, de 7 de Dezembro de 2016, processo n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, de 4 de Janeiro de 2017, processo n.º 6547/06.8SWLSB-H.P1.S1, de 25 de Outubro de 2017, processo n.º 163/10.7GALNH-S1 e de 15 de Novembro de 2017, processo n.º 336/11.5GALSD.S1:

       “Julgar, englobar em cúmulo jurídico uma pena, ou mesmo pelo contrário, desconsiderá-la, na ausência de conhecimento destes dados definitivos e seguros, imprescindíveis, será sempre uma aposta eventualmente arriscada, pelo que haverá que, previamente, esclarecer a situação, e não fornecendo o tribunal de origem na certidão enviada uma noção clara da situação actual, como deveria, obviamente, fazer, haverá que solicitá-la, a bem da segurança e da certeza do que se vai decidir”.

       Ademais, estes longos espaços temporais entre a condenação e o trânsito em julgado não são anódinos, se se tiver em vista que, no quadro de uma interpretação restritiva acerca do momento determinante para a definição de presença de concurso ou sucessão, todas as condutas perpetradas nesse intervalo caberiam na figura de sucessão de crimes e não de concurso.

          

       De qualquer forma, para o que aqui e agora interessa, o que há a reter é que foi negado provimento aos recursos, sendo num caso rejeitado, e confirmadas, in totum, as decisões recorridas, verificando-se dupla conforme total, a significar a validade dos dados necessários e a possibilidade de prosseguirmos.

       Face ao exposto, certificada a dupla conforme total, assegurada está a exacta conformação das penas convocadas a concurso, as quais mantêm os exactos contornos de espécie e medida, fixados na primeira instância, o que contribui para conferir justeza à moldura penal do concurso em que estas penas se venham a integrar, a partir da qual há que partir para a confecção da pena conjunta.
       Assim, reunidos estão os requisitos primários, incluindo as datas do trânsito em julgado e o desfecho dos recursos interpostos pelo condenado no processo comum colectivo n.º 432/12.1GAILH, bem como no processo comum colectivo n.º 783/12.5PAESP.

       

       Ainda a nível de factualização.

       Factualização de cumprimento de pena de prisão e de prisão preventiva

       A partir da alteração legislativa de Setembro de 2007, atento o disposto nos artigos 78.º, n.º 1 e 80.º, n.º 1, do Código Penal, são de incluir no cúmulo jurídico as penas de prisão cumpridas, as quais, como de resto, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, operando o desconto na pena única final;

       Pela alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal pela Lei n.º 59/07, passaram a ser cumuláveis as penas já cumpridas, alteração que obviamente, se mostra favorável ao arguido, como refere o acórdão de 25-03-2009, processo n.º 577/09-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 233.

       Como referimos nos acórdãos de 02-09-2009, proferido no processo n.º 181/03.1GAVNG.S1 (onde foi ponderada a integração de penas de prisão subsidiária, sendo o acórdão anulado, entre o mais, por falta de factualização de dados de facto sobre cumprimento de penas, apontando-se a necessidade de fazer constar o c umprimento, como expresso ficou na conclusão “9.ª – Serão igualmente de coligir os tempos de cumprimento de pena de prisão ou de detenção sofridos pelo arguido nos vários processos englobados”); de 20-01-2010, processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, págs. 191/198; de 24-02-2010, no processo n.º 655/02.1JAPRT.S1; de 23-11-2010, no processo n.º 93/10.2TCPRT.S1; de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1 (em causa cumprimento de pena de multa e existência de casos de cumprimento de prisão subsidiária, sendo anulado o acórdão); de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ, tomo 1, págs. 209 a 227 (aborda inclusão no cúmulo jurídico de penas de prisão cumpridas na sequência de revogação da suspensão da execução); de 29-03-2012, no processo n.º 316/07.5GBSTS.S1; de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1 e de 30-11-2016, processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1: “sendo essencial e absolutamente indispensável, no plano da exposição/enunciação/enumeração da matéria de facto, face à nova versão do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal (“a pena cumprida será descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”), narrar o cumprimento da pena imposta em algum (ns) dos processos englobados no cúmulo, importa, no presente, inovador, quadro legal, factualizar o que ocorre a esse nível, o que determinará a prévia recolha dos elementos imprescindíveis e desde logo os requisitos primários.

    Ora, no caso concreto, e a este específico respeito, sempre haverá de narrar - se (dar-se notícia) para posterior ponderação, o que consta dos autos, pois as penas extintas pelo cumprimento actualmente integram o cúmulo”.

    E como se referiu nos acórdãos de 16-12-2010, proferido no processo n.º 11/02.1PECTB-C2.S1, de 23-02-2011, no processo n.º 1145/01.5PBGMR.S2 e de 29-03-2012, no processo n.º 316/07.5GBSTS.S1, por nós relatados, impõe-se a necessidade de “recolha prévia de eventuais causas extintivas de penas aplicadas, e actualmente, por força da inovação do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, referências a penas já cumpridas e respectivo tempo de cumprimento, e mesmo a penas extintas ou prescritas, para as excluir”.
     Como aplicação concreta, pode ver-se o acórdão de 26-11-2008, por nós relatado no processo n.º 3175/08.

       Assim, ao nível dos “requisitos primários”, serão igualmente de coligir os tempos de cumprimento de pena de prisão ou de detenção sofridos pelo arguido nos vários processos englobados a ter em conta, factualizando-os, em observância do disposto nos artigos 78.º, n.º 1 e 80.º do Código Penal.

       No caso em apreciação foi referido o desconto dos tempos de prisão sofrida nos processos convocados no acórdão de 16-03-2016, a fls. 43, e de novo no acórdão de reformulação de 27-04 2017, a fls. 219.

       Foi dado por provado no ponto 10.6, a fls. 368, repetido a fls. 585 do acórdão de 2-07-2014, proferido no processo n.º 432/12.1GAILH, que o arguido esteve preso preventivamente em 2013 durante cerca de três meses, à ordem de outro processo no Estabelecimento Prisional do Porto (muito possivelmente tratar-se-á do processo n.º 24/11.2PEVRL, pois aí se faz referência a Setembro de 2013 e a decisão de condenação em pena suspensa é de 13-11-2013).

        Porém, pedida na instância informação sobre o processo n.º 24/11.2PEVRL, a fls. 150, 151, 153, na resposta de fls. 185 consta que, na sequência de despacho de 21-3-2017, de fls. 186, o arguido não sofreu qualquer tempo de prisão ou detenção à ordem dos autos “e a pena em que foi condenado já foi declarada cumprida”, mas pelo que consta de fls. 187 a 190, a pena foi declarada extinta, não pelo cumprimento, mas, como vimos, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.

       Da ficha biográfica enviada em 6-02-2017 pela DGRSS, de fls. 140, consta que a data da 1.ª prisão do arguido foi 25-05-2013, informação que não concitou demanda de esclarecimento.

       Como consta do processado, o arguido, a partir de 7-01-2016, ficou preso à ordem do processo comum colectivo n.º 432/12.1GAILH da Comarca de Aveiro – Instância Central - 1.ª Secção Criminal, J2, para cumprir a pena de 2 anos e 9 meses de prisão, conforme consta de fls. 13, 20, 134 e 218, tendo sido desligado deste processo e colocado à ordem do processo comum colectivo n.º 180/13.5GCVCT, em 9-02-2017, conforme fls. 104, 136, 138, 148 e 149.

                                                                  ****

       Os antecedentes

       Reformulação de cúmulo jurídico anterior

       Génese do presente cúmulo 

      
      O cúmulo jurídico ora em apreciação é o segundo a ser efectuado no presente autónomo “processado”, “em separado” tramitado, assumidamente “independente” do processo da última condenação, sua “alma mater”, de que herdou a congénita numeração, sendo mera reformulação do anterior acórdão cumulatório do Colectivo de Viana do Castelo, de 17 de Março de 2016, constante de fls. 38 a 44, agora com a desconsideração – e bem, até porque houve o cuidado de procurar saber da situação processual actual, conforme despacho de fls. 154 –, da pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução, cominada no processo n.º 24/11.2PEVRL, uma vez que, entretanto, foi declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, e com a inclusão das penas aplicadas no “novo”, de superveniente cognição, processo n.º 783/12.5PAESP, que integra, em termos temporais, a penúltima condenação, embora, por efeito de  interposição de recurso pelo arguido, o último, o mais tardio,  trânsito em julgado, datado de 9 de Maio de 2016.

       Vejamos como se processaram os cúmulos jurídicos realizados e o que integraram um e outro.

      1.º Cúmulo – 2016 – Realizado no Processo Comum Colectivo n.º 180/13.5GCVCT

       Acórdão do Colectivo da Instância Central Criminal de Viana do Castelo, de 17-03-2016, constante da certidão de fls. 38 a 44, confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-12-2016, de fls. 82 a 90, transitado em 11-01-2017 (fls. 113), englobando para além da pena aplicada naquele, as penas aplicadas nos processos n.º 24/11.5PATVD, do Tribunal Judicial de Vila Real e n.º 432/12.1GAILH, do então Juízo de Média Instância de Ílhavo, depois Instância Central do Tribunal judicial de Aveiro – Aplicada a pena única de 4 anos de prisão.

       2.º Cúmulo – 2017 – Realizado no mesmo Processo Comum Colectivo n.º 180/13.5GCVCT

       Acórdão do Colectivo da Instância Central Criminal de Viana do Castelo, datado de 27-04-2017, constante da certidão de fls. 211 a 220 do 1.º volume, englobando as penas dos processos abrangidos pelo anterior cúmulo (com excepção da pena de prisão suspensa aplicada no processo n.º 24/11.2PEVRL), e ainda as penas aplicadas no processo n.º 783/12.5PAESP, da Instância Central Criminal do Tribunal Judicial do Porto – Aplicada a pena única de 10 anos de prisão.
       Confirmada por decisão sumária do Tribunal da Relação de Guimarães.

                                                              ***

        Na reformulação de um anterior cúmulo jurídico realizado pelo acórdão do Tribunal Colectivo de Viana do Castelo, de 17 de Março de 2016, constante de fls. 38 a 44 deste processado, foi realizada a audiência a que alude o artigo 472.º do Código de Processo Penal, em 19 de Abril de 2017, como consta da acta de fls. 207/9 (volume 1.º), tendo-se em vista, embora de forma não explícita, a elaboração do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido ora recorrente, no processo n.º 180/13.5GCVCT, de que foi extraído este “processado”, bem como no processo comum colectivo n.º 432/12.1GAILH e no processo comum coletivo n.º 783/12.5PAESP. 

       O caso julgado da pena única está sujeito à cláusula sic stantibus
 

       No caso sub judice, deparámo-nos com um primeiro acórdão cumulatório, datado de 17 de Março de 2016, constante de fls. 38 a 44 deste processado, incluindo as então únicas três penas em concurso, aplicadas nos processos n.º 180/13.5GCVCT, n.º 24/11.2PEVRL e n.º 432/12.1GAILH, sendo então aplicada a pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
       Esta deliberação foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15-12-2016, sem merecer reparo, muito embora uma das penas dos crimes em concurso, integrante da composição da pena unitária, fosse uma pena de prisão suspensa na execução, como era a aplicada no processo n.º 24/11.2PEVRL e o acórdão cumulatório nada disse a justificar a integração desta pena, omissão a que a Relação de Guimarães concedeu inteiro beneplácito.
       Acontece que, não obstante tal manto protector, a pena incluída no cúmulo sem justificação, foi declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, em 3-04-2016, conforme despacho de 6-05-2016, fazendo fls. 187 a 190 deste processado, repetido a fls. 192 a 195, e transitado em julgado em 26-05-2016, ut fls. 191, o que foi levado ao registo criminal, conforme boletim 4, a fls. 118, boletim 1, a fls. 160 e repetido no boletim 4, a fls. 163.
       Tendo o despacho declaratório de extinção da pena suspensa transitado em julgado em 26-05-2016, antes, pois, do trânsito em julgado do acórdão cumulatório, que a englobou e do acórdão confirmatório da Relação, verificado em 11-01-2017, tal pena mantinha a espécie de pena de substituição, de pena de prisão suspensa na execução, quando foi declarada extinta.
 
       Como se viu supra, o acórdão recorrido limitou-se a proceder a uma reformulação de cúmulo anterior realizado em 17 de Março de 2016, sendo o presente o segundo cúmulo jurídico de penas impostas ao arguido, agora com exclusão da predita pena suspensa, extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, mas com a inclusão de vinte e uma penas impostas em condenação que, sendo a penúltima, seria a última a transitar em julgado.

       Com a realização do novo/subsequente/ulterior cúmulo jurídico, o anterior cúmulo, porque, decididamente, não pode subsistir, não subsiste, naturalmente implode, desintegra-se, desfaz-se, dando lugar ao novo/mais recente (pelo menos, por ora, o último conhecido), por isso mesmo, mais completo/abrangente/compreensivo, numa visão panorâmica actualizada, integrando crimes e penas que mesmo não sendo posteriores, por mor de vicissitudes várias, só mais tarde vieram a ser conhecidas.
       Ao desfazer-se o cúmulo jurídico anterior, as penas parcelares que o integraram ganharam de novo plena autonomia, valendo na sua dimensão própria/originária, o que pode conduzir, naturalmente, à presença de outros limites mínimo e máximo da moldura penal do concurso, a ter em conta na confecção da nova única pena.  

       Porque o conhecimento, por parte do sistema de justiça, de todos os crimes praticados por um arguido, mesmo que num circunscrito ciclo de vida, não é simultâneo, seja em razão da sua prática em reiteração criminosa, de continuidade, sucessiva ou interpolada (no nosso caso, durante cerca de 23 meses, entre 31-05-2011 e 3-05-2013), seja, do facto de a sua prática ter ocorrido em comarcas diversas [no presente caso, Porto (Espinho), Viana do Castelo e Aveiro (Ílhavo)], ou mesmo da heterogeneidade das condutas praticadas – em função da feridência de diversos bens jurídicos tutelados –, com maiores ou menores dificuldades de investigação, a determinar, naturalmente, tramitações mais simples e rápidas, ou mais complexas e morosas, o que não é o caso, pois todos os crimes praticados foram de furto, não pode efectuar-se o julgamento conjunto, leia-se, simultâneo, em conjunto, contemporâneo, de todos eles.
       Nestes casos de cúmulos por conhecimento superveniente haverá a necessidade de desfazer cúmulos anteriores, meramente intermédios, intercalares, provisórios, não definitivos, com os respectivos limites e contornos e dimensão ditados pela conjuntura então presente, ao momento, em função do que foi carreado para o processo num determinado momento histórico.
      A propósito extrai-se do acórdão de 4-11-2015, por nós relatado no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, que mais tarde seguimos de perto no acórdão de 25-10-2017, relatado no processo n.º 163/10.7GALNH.S1:
      “Como se pode ler em Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 429, pág. 295, citando no sentido propugnado o acórdão do STJ de 26-10-1988, Colectânea de Jurisprudência 1988, tomo 4, pág. 18 “Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, o tribunal anula-a e, em função das penas concretas constantes daquela e da que considerar cabida ao crime agora conhecido, determina uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso”.
 
       Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 247 (e pág. 288, na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), no caso de a anterior condenação transitada em julgado ter por objecto um concurso efectivo de crimes, o tribunal deve “desfazer” (rectius, anular) o anterior concurso e formar um novo concurso com as penas singulares do anterior concurso e a pena do crime novo. A pena do anterior cúmulo não tem qualquer efeito bloqueador da afixação de uma pena conjunta nova inferior à anterior pena conjunta, que só poderia resultar de lei expressa.

       Como vem sendo decidido de há muito, quaisquer penas resultantes de um cúmulo anterior que devam ser objecto de reapreciação para efectivação de um novo cúmulo readquirem a sua autonomia primitiva, para, dessa forma, virem a ser consideradas no novo – assim, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 26 de Outubro de 1988, Colectânea de Jurisprudência, XIII, tomo IV, pág. 18; de 25 de Janeiro de 1996, processo n.º 48 794, in BMJ n.º 453, pág. 333 e de 9 de Fevereiro de 2000, processo n.º 1192/99, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 494, pág. 102. 
       Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 2003, proferido no processo n.º 4639/02, da 5.ª Secção, in CJSTJ, 2003, tomo 1, pág. 177, “Com a reformulação de cúmulo de penas, readquirem a sua autonomia as diversas penas em concurso, quando se torna necessário proceder a novo cúmulo, por ter sobrevindo conhecimento de novas infracções a cumular, pelo que se torna necessário fazer novo uso da norma do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal: determinar uma nova pena única em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, citando no mesmo sentido os acórdãos de 28-06-2001, processo n.º 1642/01, do mesmo Relator, o já referido de 9-02-2000, processo n.º 1192/99, BMJ n.º 494 e de 28-11-2001, processo n.º 3143/01-3.ª Secção.
       O acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Novembro de 2006, proferido no processo n.º 3512/06 da 5.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226, abordando a inclusão de penas suspensas na execução, após citar os artigos 77.º e 78.º do Código Penal, afirma: “A lei afasta, assim, expressamente, qualquer limite emergente de caso julgado de que tenham sido objecto as penas parcelares, com vista à efectivação do cúmulo e fixação autónoma «ex novo» da pena única conjunta”, e mais à frente: “o conhecimento superveniente a que se reporta o artigo 78.º suplanta o normal regime de intangibilidade do caso julgado, se é que de caso julgado puro se pode falar nestas singulares circunstâncias, em que os julgamentos parcelares foram avante sem o inteiro domínio do facto pelos respectivos tribunais, e, assim, com uma realidade fáctica truncada e insuficiente. E o caso julgado “tout court” pressupõe a estabilidade das circunstâncias do julgamento, nomeadamente do quadro de facto que lhe subjaz”.
      O acórdão de 10 de Janeiro de 2008, proferido no processo n.º 3184/07, da 5.ª Secção, tendo por certo que os cúmulos anteriormente efectuados devem ser desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia, defende que deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas.
     Prosseguindo, afirma: “Assim, nada na lei impede que a pena única conjunta a encontrar possa ser inferior a uma outra pena idêntica anteriormente fixada para parte das penas parcelares, embora esse resultado se apresente como uma antinomia do sistema, uma vez que tendo a anterior pena única conjunta transitado em julgado e começado a ser executada, se vê assim reduzida, aquando da consideração de mais pena(s).
       Mas seguramente não sofrerá da mesma crítica a manutenção do mesmo valor da pena única anteriormente fixada, apesar da consideração de mais uma pena, se dado o tempo decorrido desde a prática do facto e o desenvolvimento da personalidade do agente se mostrar desnecessária a agravação da pena anterior, como sucede quando os factos ocorreram, faz mais de 8 anos, a conduta durou menos de um ano, o acréscimo em relação ao anterior cúmulo era de 4 meses de prisão e o arguido já beneficiava de liberdade condicional”. Uma situação especial, portanto.     
       No acórdão de 06-03-2008, proferido no processo 2428/07-5.ª Secção, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 248, pode ler-se: “Sempre que houver que reformular o cúmulo jurídico por terem sido aplicadas novas penas parcelares, o tribunal procede às respectivas operações como se o anterior cúmulo não existisse, sem atender às penas que foram então fixadas, o que significa que, quando houver que fazer novo cálculo, a nova pena não pode ser obtida pela acumulação com a pena única anterior”.
       Defende-se no acórdão que a nova pena conjunta não pode ser inferior a anterior(es) pena(s) conjunta(s) que o condenado já cumpria, pois isso significaria que o arguido iria beneficiar com uma nova condenação e remata assim: “Ao proceder a novo cúmulo, o tribunal deve levar a efeito as respectivas operações como se o anterior cúmulo não existisse, mas se a pena única anteriormente fixada tiver transitado em julgado deverá atentar nela, não devendo, em princípio, optar por pena inferior”.
       Como se extrai do acórdão do STJ, de 21 de Maio de 2008, processo n.º 911/08 - 3.ª Secção: “Fundamentalmente, a necessidade de realização de cúmulo jurídico tem subjacente o facto de à contemporaneidade de factos não ter correspondido uma contemporaneidade processual.
       As regras do concurso, estabelecidas nos arts. 77.º e 78.º do CP, têm como finalidade permitir apenas que em determinado momento se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento. Na realização desta finalidade, o momento determinante só pode ser, no critério objectivado da lei, referido à primeira condenação que ocorrer, e que seja definitiva.
       A reformulação de um cúmulo jurídico, no caso de conhecimento superveniente, e considerando a nova realidade relativa à situação do arguido, deve ter lugar em dois segmentos distintos: no primeiro, relativo à condenação em pena singular, o tribunal, em função da condenação proferida e do crime anterior, conclui sobre a pena conjunta de concurso. Se a condenação anterior tiver já sido em pena conjunta o tribunal anula esta e, em função das penas concretas anteriormente aplicadas e da que considerar adequada ao crime agora conhecido, determina uma nova pena de conjunto que abranja todas as penas inscritas no concurso e que devam ser consideradas.
       A essência da formulação da pena conjunta, nos termos do art. 78.º do Código Penal, é a ultrapassagem do trânsito em julgado por razões de justiça substancial. O tribunal que reformula o cúmulo não está sujeito a quaisquer limitações derivadas da pena anteriormente aplicada, e muito menos por critérios que tenham presidido à determinação daquela pena em termos que não colhem fundamento legal”.

       Como referimos no acórdão de 26 de Novembro de 2008, por nós relatado no processo n.º 3377/08:
       “Nesses casos, à medida que se vai tomando conhecimento posterior de factos coevos, impõe-se a realização de julgamentos parcelares, a imporem a realização de novos cúmulos, de forma a atingir-se uma panorâmica conjunta dos factos e da personalidade do agente, pois só assim se conseguirá cumprir os ditames específicos a observar na medida da pena do concurso.
       Em cada julgamento decide-se em função da realidade conhecida trazida a juízo, que pode não corresponder a toda a actividade do arguido, à dimensão real e amplitude plena de toda a actividade do arguido; em cada julgamento, decide-se sobre o facto global conhecido no momento, não sobre o facto global já então existente, composto por então ignoto componente.
       Sobrevindo o conhecimento da globalidade da conduta, da nova realidade mais ampla, completa, integral, impor-se-á a reformulação dos cúmulos entretanto feitos, necessariamente parciais, conjunturais, de forma a fazer corresponder a visão global, conjunta e integrada, final, a uma pena conjunta, de que beneficia o arguido, sendo descontado todo o tempo de prisão, mesmo que a pena tenha sido cumprida.
       Com efeito, de contrário teríamos penas autónomas que teriam de ser cumpridas sucessivamente”.
       Como consta do sumário:
       “Existindo anterior acórdão cumulatório, não há violação de caso julgado, quando, face a conhecimento superveniente de outro crime cometido pelo arguido, é renovada a instância, desfazendo-se o cúmulo anterior e elaborando-se outro de modo a actualizar a apreciação global da actividade integral do arguido.
       Com efeito, transitado em julgado o acórdão condenatório da nova pena parcelar, impõe-se a realização de novo cúmulo – nesse processo, por ser o da última condenação – englobando as penas parcelares aí aplicadas, bem como as integradas no anterior cúmulo jurídico, determinando a realização do novo acórdão a caducidade do precedente”.
      Nos acórdãos desta Secção, de 14 de Janeiro de 2009, proferidos no processo n.º 3974/08 e no processo n.º 3772/08, do mesmo Relator, afirma-se que “as regras dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal são aplicáveis, também, no caso de reformulação do cúmulo de penas”, seguindo de muito perto, neste particular, o supra citado acórdão de 30-01-2003, publicado in CJSTJ, 2003, tomo 1, pág. 177.
       No acórdão de 14 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 606/09-3.ª Secção, diz-se: “Não pode considerar-se que tenham transitado em julgado as decisões que apliquem, de modo necessariamente sic stantibus, penas únicas, enquanto não for proferida a decisão que englobe a última das condenações que integre um cúmulo de conhecimento superveniente. Por outro lado, não havendo definitividade das decisões anteriores, não podem existir expectativas legítimas do arguido. Enquanto não for proferida decisão que considere todas as penas aplicadas, não existem expectativas sobre a fixação da pena única”.
    Como se consignou no acórdão de 11 de Março de 2010, proferido no processo n.º 19.996/97.1TDLSB.S2 da 5.ª Secção: “Constitui um dado pacífico da doutrina e da jurisprudência que, quando na elaboração de um cúmulo se considerem parcelares que por sua vez já deram origem a cúmulo anterior, este tem que ser desfeito, o que nada colide com o respeito que importa ter pelo caso julgado, à luz do que dispõe o art. 78.º, n.º 1 do CP. As penas “concretamente aplicadas aos vários crimes” de que fala o n.º 2 do art. 77.º do CP, só podem ser as parcelares, e porque o art. 78.º, n.º 1, manda aplicar “as regras do artigo anterior”, é óbvio que só estas penas parcelares se podem considerar, mesmo que o conhecimento superveniente implique o conhecimento de cúmulos pretéritos, que assim se desfazem, e a que não há que atender”.
    E no acórdão de 27 de Maio de 2010, processo n.º 601/05.0SLPRT.P1.S1, da 5.ª Secção, refere-se que na operação de reformulação de um concurso, por conhecimento superveniente de outro(s) crime(s), em relação de concurso, o tribunal tem, necessariamente, de “desfazer” o concurso anterior para formar um novo concurso e determinar a pena desse concurso. Por isso, nos termos do n.º 1 do art. 78.º do CP, o concurso anterior não tem um verdadeiro efeito de caso julgado quanto aos crimes que conformam o concurso, no sentido da sua inalterabilidade, pois a reformulação do concurso pressupõe, justamente, que o(s) crime(s) de que houve conhecimento superveniente  seja(m) englobado(s) no “novo” concurso”.
       Respiga-se do acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, por nós relatado no processo n.º 994/10.8TBLGS.S1: “Nestas situações o caso julgado não é inatingível, podendo sempre ser ultrapassado em função da necessidade da “junção”, do englobamento de novas penas, nomeadamente, segundo a posição dominante neste Supremo Tribunal, fazendo integrar em cúmulo penas suspensas na sua execução.

A propósito tenha-se em atenção o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2006, de 03-01-2006, processo n.º 904/05-2.ª secção, publicado in DR - II Série, de 07-02-2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, págs. 147 e ss.), que decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constantes de anteriores condenações.

 Esclarece o aresto que no caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo.

       Acresce que como decorre da nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, podem integrar cúmulo jurídico penas já cumpridas, estas a descontar no cumprimento da pena aplicada, podendo, desfazer-se e reformular-se o cúmulo quantas vezes necessário for, retomando as penas parcelares a sua autonomia.
       O problema da força do caso julgado não se restringirá aos acórdãos de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, e assim sendo não se vê como dar tratamento diverso ao trânsito em julgado das penas únicas resultantes de cúmulos jurídicos desde logo efectuados num mesmo acórdão face a uma pluralidade de crimes julgados ao mesmo tempo, na mesma audiência.
       Nestes casos de cúmulos por conhecimento superveniente haverá a necessidade de desfazer cúmulos anteriores, meramente intermédios, provisórios, não definitivos, com contornos e dimensão ditados pela conjuntura então presente em função do que foi carreado para o processo num determinado momento histórico, aquém da conformação final, o que se deve apenas ao desconhecimento, no momento de cada decisão, de outros factos cometidos pelo mesmo arguido, em período temporal coevo ao dos factos em apreciação.
     A decisão cumulatória tem de ser necessariamente revista e actualizada, de forma a corresponder, em cada ulterior momento, à emergência de novas condenações, a novos enquadramentos e nova conformação global do ilícito total, e a novas necessidades derivadas de conhecimento de outras novas condenações relativas a outros factos coevos dos que integraram o cúmulo anterior, pela prática de factos a que o sistema de justiça deu respostas tardias, por vezes não de todo justificáveis, pelas quais não pode o condenado, obviamente, ser responsabilizado, e por via delas, muito menos, prejudicado.
O poder jurisdicional não se esgota pelo facto de em determinado momento processual, eleito pelo sistema de justiça, à margem, por força de contingências várias, de um necessário e desejável conhecimento total da actividade actual do arguido, não ser conhecida toda a realidade criminosa desenvolvida por aquele e que em princípio demandaria uma resposta sancionatória única, de síntese, final, certamente de dimensão diversa da que é definida face a uma, ao tempo - a cada cirúrgico tempo de intervenção - conhecida “realidade menor”, porque desactualizada, não reflectindo a realidade maior, mais abrangente já então existente.

       Assim se demandará se proceda de revisão em revisão, de nova solução em nova solução, exigidas pelas novas realidades, até se alcançar a solução final de síntese, conjunta, global, fazendo o pleno da cognição final, sancionadora de toda a actividade criminosa do condenado, finalmente conhecida na sua globalidade.

Os cúmulos intermédios assumem-se como finais, só podem assumir-se como tal, se encarados no contexto histórico da fase de conhecimento que o tribunal tem em cada momento da actividade delituosa do arguido, que pode não coincidir com a verdade real de anteriores condenações ainda não conhecidas ou posteriores, relativas a factos coevos aos que foram sendo julgados.

       Porque também nesta sede, não valendo de pleno a presunção de conformação com o real, a verdade registral pode não corresponder à verdade real, actual.

Tais cúmulos são realizados por superveniência do conhecimento, posterior cognição de outras novas condenações, em alguns casos por antigos crimes, desde que não interceptados por uma condenação transitada.

       A alteração das circunstâncias, a modificação da situação, do condicionalismo fáctico em que assentou a decisão anterior, com o surgimento de novas condenações, determina a necessária revisão da anterior decisão, cujo caso julgado está sujeito à cláusula rebus sic stantibus, conferindo a estas decisões necessariamente provisórias/intermédias/intercalares, a qualificação de uma espécie de decisões de trato sucessivo, de definição passo a passo, até à configuração definitiva, global e final. 

       Como refere André Lamas Leite, in “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, pág. 610, a propósito da integração na pena conjunta de pena suspensa, mas com aplicação aqui na presente situação “o caso julgado repousa em específicas condições concorrentes para a sua formação que, alterando-se, rectius, modificando-se o conhecimento que delas se tem e que não coincide com o vigente à data da sua formação, autorizam que os seus efeitos não mais se produzam.
      No caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo.
       Conclui-se assim que não há qualquer violação de caso julgado, quando face a conhecimento superveniente de outro crime cometido pelo arguido, é renovada a instância, desfazendo-se o cúmulo anterior e elaborando-se outro de modo a actualizar a apreciação global da actividade integral do arguido”.

       Segundo o acórdão de 28-11-2012, processo n.º 21/06.0GCVFX-A.S1, desta 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto: “O caso julgado cesso n.º 19/09.6JBLSB.L1.S1relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus, ou seja, nas circunstâncias que estiverem na base da sua formação. Se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, há uma modificação que altera a substância do concurso e a respectiva moldura penal, com a consequente alteração da pena conjunta. Daí que, não subsistindo as mesmas circunstâncias ou elementos que presidiram à formação da primitiva pena única, o caso julgado em que esta se traduziu tenha de ficar sem efeito, adquirindo as penas parcelares nela contidas toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura penal do concurso. (Ac. do STJ de 27 de Junho de 2001, proc. n.º 1790/01-3.ª; SASTJ, n.º 52, 48)”.

       No acórdão de 16-10-2013, processo n.º 19/09.6JBLSB.S1-3.ª Secção, ponderou-se: “Na reformulação de um cúmulo jurídico, as penas a considerar são sempre as penas parcelares, não as penas conjuntas anteriormente fixadas. É que, no sistema da pena conjunta, consagrado na nossa lei, e contrariamente ao que sucede com o sistema da pena unitária, as penas parcelares não perdem a sua autonomia, não se “dissolvem” no cúmulo. Assim, em caso de conhecimento superveniente de concurso, sendo a pena anterior uma pena conjunta, há que anulá-la, “desmembrá-la” nas respetivas penas parcelares, e são estas, individualmente consideradas, que vão “entrar” no novo cúmulo. Por este motivo também, o cúmulo jurídico realizado deverá ser reformulado, tendo sempre presente o princípio da proibição da reformatio in pejus, que afasta a possibilidade de agravação da pena já fixada”.

       Extrai-se do acórdão de 26-02-2014, proferido no processo n.º 900/05.1PRLSB.S2, desta 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto:

       «O caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus, ou seja nas circunstâncias que estiverem na base da sua formação. Se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, há uma modificação que altera a substância do concurso e a respectiva moldura penal, com a consequente alteração da pena conjunta. Daí que, não subsistindo as mesmas circunstâncias ou elementos que presidiram à formação da primitiva pena única, o caso julgado em que esta se traduziu tenha de ficar sem efeito, adquirindo as penas parcelares nela contidas toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura penal do concurso. (Ac. do STJ de 27 de Junho de 2001, proc. nº 1790/01-3.ª; SASTJ, n.º 52, 48)

       Como se elucida no sumário do Acórdão deste Supremo e desta Secção, de14-01-2009, in Proc. n.º 3772/08:

       “As regras dos arts. 77.º e 78.º do CP são aplicáveis, também, no caso de reformulação do cúmulo de penas.

       VII - Neste caso (como se refere no Ac. deste STJ de 30-01-2003, in CJSTJ, Ano XXVIII, tomo 1, pág. 177) as penas «readquirem a sua autonomia (…), por ter sobrevindo conhecimento de novas infracções a cumular, pelo que se torna necessário fazer novo uso da norma do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal: determinar uma nova pena única em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

Por outro lado, anteriormente à revisão do Código Penal operada pela lei 50/2007 de 4 de Setembro, exigia-se que a(s) pe(s)na(s) constante(s) da condenação anterior ainda se não mostrasse(m) cumprida(s), prescrita ou extinta(s).

Porém actualmente, por força da revisão da citada Lei, o artº 78º passou a dispor no seu nº 1: -“Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”

       Em suma:

       Resulta dos próprios termos do artº 78º do CP, quando faz remissão para o artigo antecedente, que o caso julgado cede alguma da sua intangibilidade nos casos de conhecimento superveniente de concurso, pois só assim se compreende que as penas parcelares aplicadas, não obstante o trânsito das sentenças respectivas, sejam objecto, no fim de contas, a uma nova apreciação global em julgamento, nomeadamente, à luz dos factos e personalidade do agente. (Ac. do STJ de 19 de Abril de 2002, in proc. nº 1218/2002- 5ª SASTJ, nº 60,80.)».

       Como se extrai dos acórdãos de 26-03-2014, proferido no processo n.º 31/09.5GAVNH.S1-3.ª Secção e de 10-12-2014, no processo n.º 18/10.5GBLMG.S1, do mesmo Relator, em que interviemos como adjunto, citando o acórdão de 27 de Junho de 2001, processo n.º 1790/01-3.ª Secção, SASTJ, n.º 52, pág. 48 “O caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus, ou seja, nas circunstâncias que estiverem na base da sua formação. Se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, há uma modificação que altera a substância do concurso e a respectiva moldura penal, com a consequente alteração da pena conjunta. Daí que, não subsistindo as mesmas circunstâncias ou elementos que presidiram à formação da primitiva pena única, o caso julgado em que esta se traduziu tenha de ficar sem efeito, adquirindo as penas parcelares nela contidas toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura penal do concurso”.

       Podem ver-se ainda os acórdãos de 7-02-2011, proferido no processo n.º 518/03.3TAPRD-A.S1-5.ª Secção, de 2-05-2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª Secção e de 10-09-2014, no processo n.º 375/08.3PBCLD.L1.S1-5.ª Secção, CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 167.

       No acórdão de 17-09-2015, proferido no processo n.º 134/10.3TAOHP.S3, da 5.ª Secção, pode ler-se: “Nas decisões de cúmulo de penas não se forma caso julgado firme, mas rebus sic stantibus, valendo a decisão nas circunstâncias que estiveram na base da sua formação. A verificar-se a existência de uma anterior condenação, a pena conjunta perde eficácia e as penas parcelares readquirem a sua autonomia para efeito de proporcionar a realização de novo cúmulo e consequente determinação de uma nova pena conjunta, podendo esta ser de duração igual, superior ou inferior à da pena anulada.

       Não se verifica uma situação de violação do trânsito em julgado, nem do princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da protecção da confiança e da segurança jurídica, quando o tribunal anula uma pena única a fim de ser efectuado novo cúmulo, em que todas as penas parcelares surgem na sua autonomia, pois o arguido sabe que, se além dos crimes por que foi condenado, vier a sê-lo numa outra pena por crime anteriormente cometido, o tribunal procederá à reformulação do cúmulo de modo a nele integrar esta nova pena e sabe ainda que se vier a praticar outros crimes depois do trânsito em julgado da anterior condenação, que relativamente a ele deve funcionar como solene advertência, as penas que lhe forem aplicadas serão cumuladas entre si numa pena única autónoma a cumprir sucessivamente relativamente à pena do cúmulo anterior”.

       Como se disse no acórdão de 4-11-2015, por nós relatado no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1 – O caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus, ou seja, nas circunstâncias que estiverem na base da sua formação.

     No acórdão de 16-06-2016, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, por nós relatado, foi afirmado: “Atenta a natureza sic stantibus do caso julgado do acórdão anterior tal cúmulo sempre teria que ser desfeito”.   

      Segundo o acórdão de 7-07-2016, proferido no processo n.º 917/09.7GBAGD.S1, da 5.ª Secção “Sendo necessário desfazer um cúmulo jurídico anteriormente formulado, por forma a englobar mais dois crimes que acresceram à responsabilidade da arguida, desdobrando as penas em 3 cúmulos distintos, o respeito pelo caso julgado formado pela anterior pena conjunta de cúmulo impede a aplicação de penas de cúmulo cujo somatório aritmético, em cumprimento sucessivo, represente um agravamento da situação da arguida face àquela que resultaria do cumprimento sucessivo da anterior pena única com as penas ora acrescentadas, impondo-se operar uma diminuição proporcional das penas aplicadas”.

       Extrai-se do acórdão de 13-07-2016, proferido no processo n.º 389/04.2GSDSTB.S2, da 3.ª Secção: “Não se forma caso julgado sobre a decisão que formula a primeira pena conjunta, readquirindo plena autonomia as respectivas penas parcelares para efeito do novo cúmulo. Na reelaboração do cúmulo não se atende à medida da pena única anterior, não se procede à “acumulação”, ainda que jurídica, das penas novas com o cúmulo anterior. O novo cúmulo não é o cúmulo entre a pena conjunta anterior e as novas penas parcelares; a nova pena única resulta do cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, individualmente consideradas”.

       No acórdão de 13-07-2016, proferido no processo n.º 101/12.2SVLSB.L1, no caso concreto, foi ponderado que atenta a natureza sic stantibus do caso julgado do acórdão que fixou a anterior pena única, intermédia, a moldura penal a ter em conta no presente cúmulo passou a ser de 4 anos e 6 meses a 8 anos e 9 meses de prisão.  

       Para o acórdão de 29-09-2016, proferido no processo n.º 745/11.0JDLSB.S1, da 5.ª Secção, a decisão sobre cúmulo jurídico é uma decisão rebus sic stantibus.
       De acordo com o acórdão de 12-10-2016, proferido no processo n.º 8054/07.2TDPRT.P2.S1, da 3.ª Secção “Sempre que houver que reformular o cúmulo jurídico por terem sido aplicadas novas penas parcelares, o tribunal procede às respectivas operações como se o anterior cúmulo não existisse, sem atender às penas que foram então fixadas, o que significa que, quando houver que fazer novo cálculo, a nova pena não pode ser obtida pela acumulação com a pena única anterior”.

       

       Mais recentemente, podem ver-se os acórdãos de 4-01-2017, por nós relatado no processo n.º 6547/06.8SWLSB-H.L1.S1: “Na realização de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente há que desfazer os cúmulos intercalares entretanto feitos”;

de 19-01-2017, processo n.º 673/13.4PLSNT.S1-5.ª Secção “Um cúmulo anterior não constitui obstáculo legal à realização de um novo cúmulo jurídico de penas que englobe as penas do concurso de crimes que integraram o cúmulo jurídico anterior e as penas pelos crimes, em concurso com esses, posteriormente conhecidos. Não há um efeito de caso julgado da anterior pena conjunta impeditivo da realização de um novo cúmulo jurídico de penas que englobe as penas singulares que integraram o cúmulo jurídico anterior. No caso da anterior condenação transitada em julgado ter por objecto um concurso de crimes, sendo, pois, uma condenação numa pena conjunta, o tribunal deve “desfazer” (rectius anular) o anterior concurso e formar um novo concurso com as penas singulares do anterior concurso e as penas pelos crimes, em concurso, que no anterior não foram englo­badas”;

de 1-02-2017, processo n.º 13847/10.0TDPRT.S1-3.ª Secção “As penas únicas aplicadas em anteriores cúmulos jurídicos de penas perdem a sua subsistência, devendo desaparecer, perante a necessidade de uma nova recomposição de penas. Na verdade, na reformulação de um cúmulo jurídico, as penas a considerar são sempre as penas parcelares, não as penas únicas anteriormente fixadas. O trânsito em julgado não obsta à formação de uma nova decisão para reformulação do cúmulo em que os factos, na sua globalidade, conjuntamente com a personalidade do agente, serão reapreciados, segundo as regras fixadas no art. 77.º, do CP. Na reformulação de um cúmulo jurídico, as penas a considerar são sempre as penas singulares aplicadas e não as penas únicas anteriormente fixadas. Não obstante o que fica dito, a pena única de 12 anos de prisão aplicada ao recorrente em anterior cúmulo jurídico não pode ser ignorada na decisão que agora reformula o cúmulo jurídico. Não significa isto que não seja possível a fixação no novo cúmulo de uma pena única inferior desde que se imponha corrigir essa pena por se revelar desproporcionada”;

de 22-02-2017, processo n.º 6/14.2GBILV.S1-3.ª Secção, onde se afirma: “Constitui jurisprudência uniforme do STJ em matéria de reformulação de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de novos crimes em concurso, o entendimento de que pressuposto básico da sua efectivação é a desintegração ou desfazimento do cúmulo anteriormente realizado, no sentido de que o novo cúmulo não é o cúmulo entre a pena única anteriormente fixada e a nova ou as novas penas singulares, antes o cúmulo de todas as penas singulares individualmente consideradas. II -Ao desaparecer a pena única anteriormente fixada perde, obviamente, o seu valor e eficácia, razão pela qual não tem qualquer efeito bloqueador na formação da nova pena única, pena esta que pode ser igual, inferior ou superior, sendo certo que sobre a primitiva pena não se forma caso julgado. É pois evidente que o acórdão impugnado, ao contrário do alegado pela recorrente, não violou o princípio de matriz constitucional non bis in idem.”;

       Para o acórdão de 31-05-2017, proferido no processo n.º 489/10.0JALRA.L1.S1, desta 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto: O caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale “rebus sic stantibus”, ou seja nas circunstâncias que estiverem na base da sua formação. Se as circunstâncias se alterarem por, a final, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, há uma modificação que altera a substância do concurso e a respectiva moldura penal, com a consequente alteração da pena conjunta. Daí que, não subsistindo as mesmas circunstâncias ou elementos que presidiram à formação da primitiva pena única, o caso julgado em que esta se traduziu tenha de ficar sem efeito, adquirindo as penas parcelares nela contidas toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura penal do concurso”.

       E ainda os acórdãos de 31-05-2017, processo n.º 2192/16.8T8AVR.P1.S1 e de 7-02-2018, proferido no processo n.º 339/12.2PAENT.E1.S1, da 3.ª Secção.

      Concluindo.

       Porque assim é, na presente reapreciação ter-se-á em consideração a retoma de autonomia de todas e cada uma das penas parcelares a englobar no cúmulo.

                                                         *****

       Do cúmulo jurídico de penas por conhecimento superveniente de outras condenações transitadas em julgado

 

       Afirmava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1990, proferido no processo n.º 40.593, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 400, pág. 331, na Colectânea de Jurisprudência, Ano XV, 1990, tomo IV, pág. 32 e sumariado em Actualidade Jurídica, Ano 2, n.º 12, pág. 4, e em Código Penal Anotado, de Henriques-Leal e Simas Santos, Rei dos Livros, 1995, pág. 614 e de novo, pág. 624, que o conhecimento superveniente pressupõe que já todos os crimes foram julgados por decisões transitadas e daí a necessidade de «nova sentença» para efectuar o cúmulo.

 

     A condenação do ora recorrente no processo comum colectivo n.º 180/13.5GCVCT, por acórdão da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Viana do Castelo – tribunal da última condenação, onde foi realizado pelo Tribunal Colectivo o cúmulo jurídico ora questionado – foi a última, decidida em acórdão de 14 de Julho de 2015, (embora não sendo a derradeira a transitar em julgado, pois que o último trânsito verificou-se em 9 de Maio de 2016 no processo n.º 783/12.5PAESP, datando o acórdão de 20 de Maio de 2015) de uma série de três condenações por si sofridas, pela prática de vinte e três crimes, cometidos entre 31 de Maio de 2011 e 3 de Maio de 2013.

       

       Em causa, aqui e agora, está a reapreciação do acórdão cumulatório de 27 de Abril de 2017, que por conhecimento superveniente de concurso de crimes, efectuou a reformulação de cúmulo jurídico ora em equação, abarcando três condenações impostas ao arguido, em outros tantos processos, pela prática de vinte e três crimes, ao longo de um período temporal situado entre 31 de Maio de 2011 e 3 de Maio de 2013.

 

                                                          ***

      

       Tribunal competente

       Define o artigo 471.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que é territorialmente competente para proceder ao cúmulo jurídico por conhecimento superveniente o tribunal da última condenação.

       Como referia o acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Novembro de 1996, proferido no processo n.º 769/96-3.ª Secção, in Sumários do Gabinete de Assessores do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 5, Novembro de 1996, pág. 65, o tribunal competente para proceder ao cúmulo é o da última condenação. A data da condenação e do trânsito, para efeitos de determinar a competência para a realização do cúmulo, são realidades distintas. É inoperante para a determinação da competência para a feitura do cúmulo jurídico, o momento em que as decisões transitem em julgado.

       Neste sentido, os acórdãos de 14-05-2009, processo n.º 6/03.8TBLSB.S1; de 14-02-2013, processo n.º 194/05.9PCLSB.S1-5.ª Secção; de 05-06-2013, processo n.º 134/10.3TAOHP.S2-5.ª Secção; de 20-03-2014, processo n.º 1031/10.8SFLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 20-03-2014, processo n.º 791/07.8TAMRG.S1-5.ª Secção; de 10-04-2014, processo n.º 540/07.0PCOER-A.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2014, tomo 2, pág. 190 (É competente para a realização do cúmulo jurídico o tribunal da última condenação sendo relevante para o efeito a data da decisão e não a do seu trânsito em julgado. Tratando-se de competência funcional e não territorial, a preterição do tribunal competente constitui nulidade insanável, de conhecimento oficioso); de 10-09-2014, processo n.º 375/08.3PBCLD.L1.S1-5.ª Secção; de 17-06-2015, processo n.º 1517/04.3GAVNG.S1-3.ª Secção; de 28-04-2016, processo n.º 27/11.7JBLSB.L1.S1-3.ª Secção (nulidade sanável); de 26-10-2016, processo n.º 625/16.5T8LRS.L1.S1-5.ª Secção; de 16-11-2016, processo n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1-3.ª Secção; de 30-11-2016, processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1-3.ª Secção; de 7-12-2016, processo n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1-3.ª Secção; de 4-01-2017, processo n.º 6547/06.8TDPRT.P2.S1-3.ª Secção; de 15-02-2017, processo n.º 1129/09.5TABRG.G1.S1-3.ª Secção; de 13-07-2017, processo n.º 9/12.1GDSTB.E2.S1, da 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto; de 18-10-2017, processo n.º 8/15.1GAOAZ.P1.S1-3.ª Secção; de 25-10-2017, processo n.º 163/10.7GALNH.S1 e de 15-11-2017, processo n.º 336/11.5GALSD.S1- 3.ª Secção.


       Como se extrai da decisão de 6 de Janeiro de 2010, proferida pelo então Presidente desta 3.ª Secção, no conflito negativo de competência suscitado no processo n.º 98/04.2GCVRM-A.S1:
       “A efectivação da operação de cúmulo jurídico traduz-se efectivamente na realização de um «novo julgamento» com todas as inerentes implicações jurídicas.
       Quando o legislador – art. 472.º, n.º 2, do CPP – impõe a tarefa desse novo julgamento, ao foro da “última condenação” tem em mente implicar nele o tribunal que, justamente por ser o último a intervir em tempo e na cadeia de condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e actualizados, nomeadamente, quanto aos factos (e nestes não pode ser esquecido o papel que tem para a determinação da medida da pena única, por exemplo, a conduta posterior – art.º 71.º, n.º 2, alínea e), do CP) – e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa e actual do trajecto de vida do arguido, circunstância que, manifestamente, arreda qualquer interpretação restritiva daquela disposição processual.
       O trânsito em julgado da condenação é um evento neutro para efeitos da aferição da competência do tribunal para a realização do cúmulo jurídico de penas, até porque, ao invés do julgamento e/ou condenação, é um acontecimento jurídico aleatório e imprevisível”.

       No presente caso a última condenação ocorreu no processo n.º 180/13.5GCVCT em 14-07-2015, sendo o último trânsito de 9-05-2016, verificado no processo n.º 783/12.5PAESP, cuja condenação ocorreu em 20-05-2015.
       A reformulação, como de resto, o anterior cúmulo, foi feita pelo tribunal competente.
  
                                                                ***


       O caso de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar, quando posteriormente à condenação no processo de que se trata - o da última condenação transitada em julgado - se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes, que tem ou têm conexão temporal com o último a ser julgado, sem que, entretanto, o sistema de justiça tenha logrado funcionar, de forma, a que, numa atempada, cirúrgica condenação, tenha lançado um alerta, um aviso, uma solene advertência, no sentido de que não valerá prosseguir na senda do crime, sob pena de com a repetição o arguido incorrer na figura da reincidência, ou da sucessão de crimes.
       Nestes casos, o concurso efectivo entre os crimes na realidade existe, só que é desconhecido do tribunal, sendo conhecido apenas posteriormente, supervenientemente, já depois de julgado qualquer um dos contemporâneos crimes cometidos.  
       A necessidade de realização de cúmulo jurídico nestas situações justifica-se, porque a uma contemporaneidade de factos praticados não correspondeu uma contemporaneidade processual, uma resposta imediata, pronta, em cima do acontecimento, do sistema de justiça, a uma pluralidade de infracções simultâneas, ou sucessivas, a curto ou a médio prazo.
       Como acentua Lobo Moutinho, in Da Unidade à Pluralidade de Crimes no Direito Penal Português, Universidade Católica Editora, 2005, págs. 1324/5, “A formação da pena conjunta simboliza a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida que os foi praticando”.
       Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2006, proferido no processo n.º 3512/06 da 5.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226, em tais casos suplanta-se o normal regime de intangibilidade do caso julgado, por ocorrerem em singulares circunstâncias em que os julgamentos parcelares foram avante sem o inteiro domínio do facto pelos respectivos tribunais e, assim, com uma realidade fáctica truncada e insuficiente.
       E como dizia o acórdão de 8 de Julho de 1998, proferido no recurso n.º 554/98, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 248 (seguindo de perto o acórdão de 25-10-1990, Colectânea de Jurisprudência XV, tomo 4, pág. 32, no qual se afirmava que o conhecimento superveniente pressupõe que já todos os crimes foram julgados por decisões transitadas), tal cúmulo tem lugar quando, após os múltiplos julgamentos, e com as decisões transitadas, se vem a verificar que deveria haver a aplicação duma pena unitária por força do concurso.
       Neste caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções são aplicáveis as regras do disposto nos artigos 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.

       Como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, processo n.º 756/96 da 3.ª Secção, SASTJ, n.º 5, Novembro de 1996, pág. 72, o normativo do artigo 79.º, n.º 1, do CP 1982 (hoje, artigo 78.º, n.º 1) não deve ser interpretado sem ter presente o que dispõe aquele artigo 78.º- 1 (hoje artigo 77.º, n.º 1).

       Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 [e inalterado pelas subsequentes quarenta e duas modificações legislativas, entretanto operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro (23.ª alteração), rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 102/2007, DR n.º 210, 1.ª série, de 31-10-2007; n.º 61/2008, de 31 de Outubro; n.º 32/2010, de 2 de Setembro; n.º 40/2010, de 3 de Setembro; n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro; n.º 56/2011, de 15 de Novembro; n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro (29.ª alteração); n.º 60/2013, de 23 de Agosto (30.ª alteração - rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 39/2013, Diário da República, 1.ª série, n.º 192, de 4-10-2013); Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto (31.ª alteração); Leis n.º 59/2014, de 26 de Agosto (32.ª alteração); n.º 69/2014, de 29 de Agosto (33.ª alteração); n.º 82/2014, de 30 de Dezembro (34.ª alteração); Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de Janeiro; Leis n.º 30/2015, de 22 de Abril, rectificada na Declaração de Rectificação n.º 22/2015, in Diário da República, 1.ª série; n.º 100, de 25 de Maio de 2015; n.º 81/2015, de 3 de Agosto; n.º 83/2015, de 5 de Agosto; n.º 103/2015, de 24 de Agosto; n.º 110/2015, de 26 de Agosto (40.ª alteração); n.º 39/2016, de 19 de Dezembro; n.º 8/2017, de 3 de Março; n.º 30/2017, de 30 de Maio (43.ª alteração); n.º 83/2017, de 18 de Agosto, alterando pelo artigo 186.º a redacção do artigo 368.º - A, sem menção de n.º de alteração, e n.º 94/2017, de 23 de Agosto (44.ª alteração)]:
       “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

       E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
       Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.
       Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

       Relativamente ao conhecimento superveniente do concurso, dispunha o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior (introduzida pela reforma de 1995):

       “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.

       Com a 23.ª alteração ao Código Penal, introduzida com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor em 15 seguinte, o artigo 78.º (intocado nas referidas vinte e duas posteriores alterações de 2008, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017) passou a ter a seguinte redacção:

       1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
      2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado. 
      3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.


       A opção do Colectivo de Viana do Castelo

        No caso em reapreciação há que analisar a opção assumida pelo Colectivo de Viana do Castelo ao reformular o cúmulo jurídico de 17-03-2016.
       Como afirmámos nos acórdãos de 2 de Setembro de 2009, 17 de Dezembro de 2009, 18 de Janeiro de 2012, 29 de Março de 2012, 30 de Abril de 2013, de 15 de Outubro de 2014, de 6 de Maio de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 4 de Novembro de 2015, de 2 de Dezembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, de 7 de Julho de 2016, de 16 e de 30 de Novembro de 2016, de 7 de Dezembro de 2016, de 4 de Janeiro de 2017, de 27 de Abril de 2017, de 18 de Outubro de 2017, de 25 de Outubro de 2017 e de 15 de Novembro de 2017, nos processos n.º 181/03.1GAVNG.S1, n.º 328/06.GTLRA.S1, 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227, n.º 316/07.5GBSTS.S1, n.º 207/12.8TCLSB.S2, n.º 735/10.0GARMR.S1, n.º 9599/14.3T2SNT.S1, n.º 232/10.3GAEPS.S1, n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, n.º 465/14.3TBLGS.S1, n.º 2317/05.2T8EVR.S1, n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1, n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1, n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 6547/06.8TDPRT.P2.S1, n.º 261/10.7JALRA.E2.S1, n.º 8/15.1GAOAZ.P1.S1, n.º 163/10.7GALNH.S1 e n.º 336/11.5GALSD.S1:
       “Perante uma repetição de conduta criminosa – no presente caso considerando as referidas três condenações, protraindo-se as condutas por um período que, de forma interpolada, vai de 31 de Maio de 2011 a 3 de Maio de 2013 – procura proceder-se à unificação das várias penas aplicadas por diversos crimes, que estão entre si numa situação de concurso, havendo previamente que distinguir entre os crimes, que são efectivamente concorrentes e outros em que pode ocorrer, já não uma relação de concurso, mas antes de reincidência ou de sucessão. 
       O acórdão recorrido efectuou a reformulação de um cúmulo jurídico anterior, por conhecimento superveniente de outra condenação transitada mais recentemente, havendo antes do mais que indagar se estamos perante uma real situação de concurso efectivo entre todas ou algumas das infracções julgadas nos processos incluídos, já que o cúmulo jurídico não pode ser realizado escolhendo-se algumas condenações – no caso presente foram três – sendo de questionar se foi correcto o procedimento, cabendo averiguar se a integração se mostra correcta. 
       Nestes casos, relativamente à questão de apurar da justeza, proporcionalidade e adequação da concreta medida da pena conjunta fixada no acórdão recorrido, passa a ser objecto do recurso, constituindo um prius, a indagação da necessidade e mesmo da legalidade de proceder a tal cúmulo jurídico nos exactos moldes em que o foi, o que pressupõe por seu turno, a análise da questão de saber se os crimes dos processos englobados se encontram ou não em relação de concurso real ou efectivo, estando no fundo em causa a legalidade do estabelecimento ou da fixação de duas penas únicas, tal como o foi.
       “Mesmo que determinadas questões não sejam directamente suscitadas ou sequer afloradas pelo condenado/recorrente, nada impede que se conheça da bondade e acerto da solução jurídica adoptada pelo Colectivo na confecção da pena única, devendo o Supremo Tribunal intervir no sentido de sindicar a aplicação do direito, sendo disso que aqui se trata, por estar em causa a punição de concurso de crimes, nos termos do artigo 78.º do Código Penal.
       Estamos perante uma pluralidade de crimes praticados pelo recorrente, sendo de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles, pois o trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, até onde se pode formar um conjunto de infracções e em que seja possível unificar as respectivas penas.
       É pressuposto essencial do regime de punição do concurso de crimes mediante a aplicação de uma pena única, que a prática dos crimes concorrentes haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.
       A regra a ter em conta é a de que estando-se perante uma pluralidade de infracções cometidas sucessivamente, estar-se-á perante um concurso real, desde que entre a prática desses crimes não ocorra condenação por algum(ns) deles, transitada em julgado”. 
 
       Por outro lado, como referimos nos acórdãos de 19 de Novembro de 2008, de 25 de Junho de 2009, de 2 de Setembro de 2009, de 17 de Dezembro de 2009, de 24 de Fevereiro de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 23 de Novembro de 2010, de 18 de Janeiro de 2012, de 29 de Março de 2012, de 12 de Julho de 2012, de 22 de Janeiro de 2013, de 19 de Junho de 2013, de 1 de Outubro de 2014, de 15 de Outubro de 2014, de 6 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 4 de Novembro de 2015, de 2 de Dezembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, de 7 de Julho de 2016, de 16 de Novembro de 2016, de 30 de Novembro de 2016, de 7 de Dezembro de 2016, de 18 de Outubro de 2017, de 25 de Outubro de 2017 e de 15 de Novembro de 2017, nos processos n.º 3553/08, n.º 2890/04.9GBABF-C.S1, n.º 181/03.1GAVNG, n.º 328/06.6GTLRA.S1, n.º 655/02.1JAPRT.S1, n.º 23/08.1GAPTM.S1, n.º 93/10.2TCPRT.S1, n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, n.º 316/07.5GBSTS.S1, n.º 76/06.7JBLSB.S1, n.º 651/04.4GAFLG.S1, n.º 515/06.7GBLLE.S1, n.º 1/11.0GCVVC.S1, n.º 735/10.0GARMR.S1, n.º 9599/14.3T2SNT.S1, n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, n.º 465/14.3TBLGS.S1, n.º 2317/05.2T8EVR.S1, n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1, n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1, n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, n.º 137/08.8SWLSB.S1, n.º 8/15.1GAOAZ.P1.S1, n.º 163/10.7GALNH.S1 e n.º 336/11.5GALSD.S1:
       “Poderá dizer-se que o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido.
       O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
       A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.
       A partir desta data, em função dessa condenação transitada deixam de valer discursos desculpabilizantes das condutas posteriores, pois que o(a) arguido(a) tendo respondido e sido condenado(a) em pena de prisão por decisão passada em julgado, não pode invocar ignorância acerca do funcionamento da justiça penal, e porque lhe foi dirigida uma solene advertência, teria de agir em termos conformes com o direito, “cortando” com as anteriores condutas. Persistindo, se se mostrarem preenchidos os demais requisitos, o/a arguido(a) poderá inclusive ser considerado(a) reincidente. 
       Esta data marca o fim de um ciclo e o início de um novo período de consideração de relação de concurso para efeito de fixação de pena única.
       A partir de então, havendo novos crimes cometidos desde tal data, desde que estejam em relação de concurso, terá de ser elaborado com as novas penas um outro cúmulo e assim sucessivamente.
       A partir desta barreira inultrapassável afastada fica a unificação, podendo os subsequentes crimes integrar outros cúmulos, formando-se outras penas conjuntas autónomas, de execução sucessiva”.
       “Nestes casos de cúmulo por conhecimento superveniente há, pois, que ter em consideração o imprescindível requisito do trânsito em julgado, elemento essencial, incontornável e imprescindível, que determina, simultaneamente, o fecho, o encerramento de um ciclo, e o ponto de partida para uma nova fase, para o encetar de um outro/novo agrupamento de infracções, interligadas/conexionadas por um elo de contemporaneidade, o início de um outro/novo ciclo de actividade delitiva, em que o prevaricador - sucumbindo, na sequência de uma intervenção/solene advertência do sistema de justiça punitivo, que se revelará, na presença da repetição, como ineficaz - não poderá invocar o estatuto de homem fiel ao direito.

       A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência”.


      A interpretação restritiva

    

       Recentemente, a partir de 2010, desenhou-se uma tendência para adopção de uma interpretação restritiva, considerando a mera condenação, e não já o trânsito em julgado, como o momento a que se deve atender para efeitos de verificação de concurso, para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão.

       A primeira expressão deste entendimento foi vertida no acórdão de 1 de Julho de 2010, no processo n.º 582/07.6GELLE.S1, da 5.ª Secção, donde se extrai: “O momento a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão não é o do trânsito em julgado da primeira condenação mas aquele em que a condenação foi proferida. O momento a partir do qual os crimes não estão numa relação de concurso, para efeitos de cúmulo de penas, fixa-se com a data da prolação da primeira condenação”.

       [O acórdão tem voto de vencido, e desempate, com declaração de voto, pelo Exmo. Presidente da Secção, a favor da Exma. Relatora].

       Da mesma forma no acórdão de 17-11-2011, proferido no processo n.º 267/10.6TCLSB.L1.S1, pela mesma Relatora, com a concordância do Exmo. Adjunto, onde se aduz:

      “Pressuposto de aplicação do regime de punição do concurso, por conhecimento superveniente, é que o arguido tenha praticado uma pluralidade de crimes, objecto de julgamentos autónomos em vários processos (pelo menos, dois), antes da primeira condenação por qualquer deles. Os crimes praticados posteriormente a essa primeira condenação já não se encontram, com o crime que dela foi objecto, numa relação de concurso mas, antes, de sucessão.

      Discute-se qual o momento temporal a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão. Para uns, o momento temporal decisivo é o da condenação que ocorreu primeiro segundo a cronologia das várias condenações, enquanto que para outros, esse momento é o do trânsito em julgado da condenação que ocorreu primeiro.

      O STJ tem vindo a sustentar que o “limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar” – cf. Acs. de 12-06-2008, Proc. n.º 1518/08 - 3.ª, de 10-09-2008, Proc. n.º 2500/08 - 3.ª, de 12-11-2009, Proc. n.º 996/04.3JAPRT.S1 - 3.ª, de 09-04-2008, Proc. n.º 3187/07 - 5.ª, de 17-04-2008, Proc. n.º 681/08 - 5.ª, de 25-09-2008, Proc. n.º 1512/08 - 5.ª, de 19-11-2008, Proc. n.º 3553/08 - 3.ª, de 26-11-2008, Proc. n.º 3175/08 - 3.ª, 14-01-2009, Proc. n.º 3856/08 - 5.ª, 14-01-2009, Proc. n.º 3975/08 - 5.ª, 25-03-2009, Proc. n.º 389/09 - 3.ª, e de 10-09-2009, Proc. n.º 181/08.5TCPRT.P1.S1 - 3.ª.

      Entende-se que só depois do trânsito em julgado da decisão condenatória é que os factos apurados e a pena aplicada ganham a certeza de questões definitivamente decididas susceptíveis de serem atendidas noutra sentença para determinar a pena conjunta no quadro da moldura abstracta formada pelas penas já aplicadas, segundo as regras do n.º 2 do art. 77.º do CP. Já o momento a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão não é o do trânsito em julgado da primeira condenação mas aquele em que a condenação foi proferida.

      Do teor literal do n.º 1 do art. 78.º do CP não se extraem argumentos que contrariem esta interpretação, antes pelo contrário. A norma reclama o trânsito em julgado da condenação para que seja admissível o conhecimento superveniente do concurso, mas não que o crime tenha sido praticado antes do trânsito em julgado dessa condenação.

      A prolação de uma condenação constitui, por si mesma, uma advertência ao arguido. A prática de um novo crime, no período que medeia entre a data da condenação e a data do seu trânsito em julgado, significa um desrespeito ou uma indiferença relativamente a essa advertência que não justifica que ao arguido seja conferido o benefício de não cumprir sucessivamente a pena pelo novo crime. Em favor desta posição releva a norma do n.º 2 do art. 471.º do CPP e a interpretação que dela tem sido feita pela jurisprudência. O tribunal competente para o conhecimento superveniente do concurso é o tribunal da última condenação (e não o tribunal da condenação que por último transitou em julgado) como literalmente resulta do preceito. (Sublinhado nosso).

       No mesmo sentido, o acórdão de 5-07-2012, processo n.º 134/10.3TAOHP.S1-5.ª, proferido pela mesma Relatora, onde se afirma:

      “A aplicação do regime de punição do concurso, por conhecimento superveniente, reclama que o arguido tenha praticado uma pluralidade de crimes, objecto de julgamentos autónomos em vários processos (pelo menos dois), antes da primeira condenação por qualquer deles.
       Devem, porém, distinguir-se dois momentos temporais: o momento em que é admissível o conhecimento superveniente do concurso de crimes e o momento a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão. Quanto ao primeiro a letra do citado art. 78.º, n.º 1, do CP, não deixa dúvida de que, para ser admissível o conhecimento superveniente do concurso, é determinante o trânsito em julgado das condenações. Já quanto ao momento a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão não é o trânsito em julgado da primeira condenação mas aquele em que a condenação foi proferida.
      De facto, quanto a este último aspecto, importa referir que a condenação constitui, por si mesma, uma advertência ao arguido. A prática de um novo crime, no período que medeia entre a data da condenação e a data do seu trânsito em julgado, significa um desrespeito ou uma indiferença relativamente a essa advertência que não justifica que ao arguido seja conferido o benefício de não cumprir sucessivamente a pena pelo novo crime”.

       Do mesmo modo, refere-se no acórdão de 14-02-2013, proferido no processo n.º 300/08.1GBSLV.S1, ainda da mesma Relatora:

       “O momento temporal decisivo a que se deve atender para saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão é o da condenação (que ocorreu primeiro, segundo a cronologia [dos trânsitos] das várias condenações) e não o do trânsito em julgado (que ocorreu primeiro, segundo a cronologia dos trânsitos das várias condenações).

       O acórdão recorrido foi declarado nulo por omissão de pronúncia, de modo que numa posterior apreciação no âmbito do mesmo processo, agora com a indicação S2 (processo n.º 300/08.1GBSLV.S2), foi proferido acórdão em 12-06-2014, onde se pode ler: “O momento temporal decisivo a que se deve atender para resolver a questão de saber se os crimes se encontram numa relação de concurso ou de sucessão é o da condenação (que ocorreu primeiro, segundo a cronologia das várias condenações) e não o do trânsito em julgado (que ocorreu primeiro, segundo a cronologia dos trânsitos das várias condenações).

       Em registo semelhante, o acórdão de 28-02-2013, agora proferido no processo n.º 7179/04.0TDPRT.S1, da mesma Relatora, com voto de vencido de outro Adjunto, mas não incidindo a discordância neste ponto particular.

       No acórdão de 27-02-2014, proferido no processo n.º 188/08.2PNLSB-A.S1-5.ª Secção, sendo Relator o Conselheiro Adjunto dos anteriores, aponta-se como caminho o “identificar a primeira condenação em relação à qual o arguido tenha cometido anteriormente crimes, operando-se então um primeiro cúmulo jurídico englobando as penas dessa condenação e as aplicadas pelos crimes que lhe são anteriores. Em relação às penas dos crimes cometidos posteriormente àquela primeira condenação procede-se de modo idêntico, podendo ser todas englobadas num segundo cúmulo, se, identificada a primeira deste segundo grupo de condenações, todos os crimes das restantes lhe forem anteriores, ou, se assim não for, ter de operar-se outro ou outros cúmulos, seguindo sempre a referida metodologia”.

       Considerando estar perante um erro na aplicação do direito, este deve ser corrigido pelo tribunal de recurso.

       Do mesmo relator do anterior, é o acórdão de 6-03-2014, proferido no processo n.º 1088/10.1GAVNF.P1.S1, onde se pode ler:

       “Como ponto de definição das penas a incluir no cúmulo jurídico deve escolher-se a data da condenação em relação à qual se verifica em primeiro lugar o pressuposto exigido pelo n.º 1 do artigo 78.º do CP: a anterioridade de vários crimes”, defendendo que caso o tribunal recorrido não tenha assim procedido, o tribunal de recurso deve modificar a decisão e aplicar correctamente o direito, sem prejuízo da proibição de reformatio in pejus, sendo apenas interposto recurso pelo arguido.

       No mesmo sentido o voto de vencido do relator sobre a questão da definição do momento determinante para afirmar a situação de concurso de crimes, considerando-se que esse momento é o da prolação da decisão condenatória e não o do trânsito em julgado da condenação, no acórdão de 12-06-2014, processo n.º 179/13.1TCPRT.S1-5.ª, publicado na CJSTJ 2014, tomo 2, pág. 217, onde fez vencimento a tese oposta, ao afirmar que “o momento determinante para afirmar a existência do concurso de crimes é o do trânsito em julgado da condenação, e não o da prolação da decisão condenatória”. (A declaração de voto consta a págs. 220/2). 

       Outras declarações de voto foram juntas aos acórdãos de 3-03-2016, proferido no processo n.º 572/12.7PRPRT.P1.S1 e de 17-03-2016, este proferido no processo n.º 7846/11.2TAVNG-B.S1.

       [Sobre interpretação restritiva, pronunciou-se Vera Lúcia Raposo em comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2002, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 4, Outubro/Dezembro de 2003, a págs. 583 a 599].

       Como de forma clara afirma o acórdão de 14 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 526/11.0PCBRG.S1, da 3.ª Secção, é de manter a jurisprudência maioritária do STJ que tem elegido a data do trânsito e não a data da condenação, como momento decisivo para a determinação do concurso.

       É inaceitável a interpretação restritiva do n.º 1 do art. 77.º do CP, seguida em sentido contrário por alguns acórdãos do STJ, que contende com a clara disposição vertida nesse artigo de eleger o trânsito em julgado, como elemento delimitador do concurso.

       É a desobediência à solene advertência para não delinquir, que o trânsito da condenação encerra, que justifica a impossibilidade de integração num concurso, e consequentemente numa pena conjunta, a pena de um crime cometido posteriormente ao trânsito.

       A precariedade da condenação não pode ter o efeito de admoestação e de censura que só a consolidação definitiva (isto é, o trânsito) determina e impõe.

       O que a interpretação restritiva pretende e determina é a atribuição de relevância punitiva autónoma à simples advertência contida na condenação.

       Mas conferir esse efeito à condenação não transitada seria introduzir na lei uma espécie de reincidência mitigada, uma reincidência de grau menor, que a lei comprovadamente não prevê nem permite.

       Do mesmo relator, no acórdão de 21-05-2014, processo n.º 1719/07.0JFLSB.S1 pode ler-se: “Para determinar o momento temporal que deve ser considerado para a determinação do concurso de penas, dir-se-á que só o trânsito, com a estabilidade definitiva da decisão condenatória, e não a mera condenação, envolve uma solene advertência ao condenado para não voltar a delinquir, que justifica a impossibilidade de integração num (mesmo) concurso, e consequentemente numa pena conjunta, da pena de um crime cometido posteriormente a esse trânsito. Consequentemente, o concurso inclui todas as penas por crimes cometidos antes da data do trânsito da primeira decisão transitada.

       E ainda do mesmo relator, o acórdão de 28-05-2014, proferido no processo n.º 959/06.4PBVIS.C2.S1, afirma que “O critério correcto para definição do momento determinante para a fixação do cúmulo é o da data do trânsito da primeira condenação que ocorrer, e não o da data da própria condenação”.

       Esta divergência, oposição de julgados, foi resolvida recentemente.
 
       O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2016, de 28 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 330/13.1PJPRT-A.P1-A.S1, da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 111, de 9 de Junho de 2016, págs. 1790 a 1808, fixou jurisprudência a este respeito nestes termos:

      “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”.

       O acórdão uniformizador teve dois votos de vencido, justamente, os defensores da interpretação restritiva nos acórdãos acabados de citar.

       Invocando expressamente o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 9/2016, podem ver-se, entre muitos outros, os acórdãos de 16-06-2016, processo n.º 304/11.7PAMGR-C.C1.S1-5.ª Secção, de 30-06-2016, processo n.º 484/13.7PBLRS.S1-5.ª Secção, de 16-02-2017, processo n.º 2118/13.0PBBRG.G1.S1-5.ª Secção, de 17-05-2017, processo n.º 407/07.2JACBR-C.S1, da 3.ª Secção, de 7-02-2018, no processo n.º 339/12.2PAENT.E1.S1, da 3.ª Secção.

       Em conclusão, e como é dominantemente entendido, poderá dizer-se que o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro (apenas questionável em sede de eventual recurso extraordinário de revisão), a solene advertência ao arguido.

       A ter em conta a advertência adveniente da mera condenação há que ter em vista que pode muito bem acontecer que em recurso a condenação imploda e então desaparece a referência de qualquer condenação e pena a integrar no concurso. 

       O trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, o limite até onde se pode formar/agrupar um conjunto de infracções, em que seja possível unificar as respectivas penas.

       O trânsito em julgado de uma condenação em pena de prisão, consubstanciando a advertência solene de que há que tomar novo rumo, obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem outras infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, o qual funcionará assim como dique, barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.

       A consideração numa pena única de penas aplicadas pela prática de crimes cometidos após o trânsito em julgado de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência.

       Como referimos nos acórdãos de 27-02-2008, processo n.º 4825/07, de 19-11-2008, processo n.º 3553/08, de 25-06-2009, processo n.º 2890/04.9GBABF-C.S1, de 02-09-2009, processo n.º 181/03.1GAVNG, de 17-12-2009, processo n.º 328/06.6GTLRA.S1, de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 30-04-2013, processo n.º 207/12.8TCLSB.S2, de 30-11-2016, processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, de 7-12-2016, processo n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, de 25-10-2017, processo n.º 163/10. 7GALNH.S1 e de 15-11-2017, processo n.º 336/11.5GALSD.S1:

       “Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma crítica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá”. 
       Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.
       A partir da decisão condenatória que tiver em primeiro lugar transitado em julgado, os crimes cometidos depois da data do trânsito deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma “primeira fase”, em que o agente não foi censurado, atempadamente, muitas vezes, há que reconhecê-lo, por deficiências, a vários níveis, do sistema de justiça, ganhando assim, o agente, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da oportuna acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, já após advertência de condenação transitada em julgado, abrindo-se um “ciclo novo, autónomo, subsequente”, em que o figurino não será já o de acumulação de crimes, mas de sucessão”.

       Revertendo ao caso concreto.


      No caso ora em reapreciação, os vinte e três crimes (21+1+1), julgados nos três processos convocados a concurso, estão em concurso real, pois que foram todos cometidos sem que entre eles se “intrometesse” ou tenha intercedido condenação transitada em julgado por qualquer deles.

       Na verdade, dos crimes integrantes do concurso, o mais remoto foi praticado em 31 de Maio de 2011 e os outros entre 15-10-2011 e 3-05-2013, sendo este o mais recente, sendo que o primeiro trânsito em julgado verificou-se em 28 de Setembro de 2015 no processo comum colectivo n.º 432/12.1GAILH.
       Todos os 23 crimes julgados nos três processos em causa, ora convocados, foram cometidos sem que o arguido fosse condenado por qualquer deles por sentença passada em julgado, pois os respectivos trânsitos ocorreram em 28-09-2015 (o primeiro), em 29-09-2015, o segundo, verificado no processo n.º 180/13.5GCVCT e em 9-05-2016 (o último), no processo n.º 783/12.5PAESP; ou seja, os vinte e três crimes julgados nos três processos foram praticados antes que sobre algum deles incidisse decisão condenatória transitada.
       Por outras palavras. A primeira condenação (imposta no processo n.º 432/12.1GAILH por acórdão de 2-07-2014) a transitar em julgado – em 28-09-2015 – teve lugar após a comissão do último crime em concurso, julgado no referido processo n.º 180/13.5GCVCT, o qual foi praticado em 3 de Maio de 2013. 
      Sendo que o primeiro crime datava de 31-05-2011, todos os vinte e três crimes em concurso foram cometidos antes do primeiro trânsito em julgado, ou, o que é o mesmo, nenhum foi cometido depois do primeiro trânsito.
     Assim sendo, mostra-se correcta a opção do Colectivo de Viana do Castelo na reformulação do cúmulo, vertida a fls. 211 a 220, estando todos os crimes em concurso real, efectivo, e afastada está, claramente, a existência de cúmulo por arrastamento.
   

                                                            *****

       Passando à questão colocada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal no parecer emitido a propósito de pena suspensa e que sempre seria de colocar oficiosamente, já em causa está nulidade por omissão de pronúncia.


      Questão I – Inclusão no cúmulo jurídico de pena suspensa     


       No parecer referido insurge-se a Exma. Procuradora-geral Adjunta contra a integração no cúmulo jurídico realizado da pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período, imposta no processo n.º 180/13.5GGCVCT, pela prática de furto qualificado, por factos de 3-05-2013, julgado em acórdão de 14-07-2015 e transitado em julgado em 22-09-2015, omitindo pronúncia sobre a sua revogação e justificação de integração.
      
       Como é sabido, não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, quando, entre outros, estão em concurso crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas efectivas de prisão e penas de prisão suspensas na sua execução, colocando-se o problema de saber se a integração de tais penas no cúmulo jurídico pressupõe ou não a anterior revogação da suspensão. 
       No que toca à questão da integração da pena de prisão suspensa na execução em cúmulo por conhecimento superveniente, seguir-se-á o que o ora relator incluiu nos acórdãos de 3 de Outubro de 2007, no processo n.º 2576/07, publicado in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 25 de Setembro de 2008, no processo n.º 2891/08; de 26 de Novembro de 2008, no processo n.º 3175/08 e no processo n.º 3377/08 (sendo neste em breve referência); de 23 de Novembro de 2010, no processo n.º 93/10.2TCPRT.S1; de 16 de Dezembro de 2010, no processo n.º 11/02.1PECTB.C2.S1; de 2 de Fevereiro de 2011, no processo n.º 994/10.8TBLGS.S1; de 23 de Fevereiro de 2011, no processo n.º 1145/01.5PBGMR.S2; de 11 de Maio de 2011, no processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1; de 26 de Outubro de 2011, processo n.º 312/05.7GAEPS.S2; de 29 de Março de 2012, no processo n.º 316/07.5GBSTS.S1; de 17 de Outubro de 2012, processo n.º 39/10.8PFBRG.S1 e n.º 1236/09.4PB VFX.S1; de 22 de Maio de 2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1; de 1 de Outubro de 2014, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1; de 15 de Outubro de 2014, processo n.º 735/10.0GARMR.S1; de 27 de Maio de 2015, processo n.º 232/10.3GAEPS.S1; de 3 de Junho de 2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1; de 9 de Setembro de 2015, processo n.º 284/11.9GBPSR.E1.S1, de 25 de Novembro de 2015, processo n.º 1581/13.4PBBRG.S1, de 13 de Julho de 2016, processo n.º 101/12.2SVLSB.S1, de 16 de Novembro de 2016, processo n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1, de 4 de Janeiro de 2017, processo n.º 6547/06.8WLSB-H.L1.S1, onde é feita referência a doutrina e jurisprudência sobre o tema, de 25-10-2017, processo n.º 163/10.7GALNH.S1, com ligeira alusão, onde se refere “No que toca à questão da integração da pena de prisão suspensa na execução em cúmulo por conhecimento superveniente, podem ver-se os acórdãos de 16-06-2016, processo n.º 670/09.4JACBR-B.S1-3.ª; de 14-07-2016, processo n.º 24696/15.0T8PRT.S1-5.ª; de 7-09-2016, processo n.º 298/10.6PDBRR.S1-3.ª; de 28-09-2016, processo n.º 1511/02.9PBAVR.S1-3.ª; de 26-10-2016, processo n.º 625/16.5T8LRS.L1.S1-5.ª; de 4-01-2017, processo n.º 519/10.5JDLSB.S1-3.ª; de 25-01-2017, processo n.º 148/13.1PAOVR.P1.S1-3.ª; de 18-10-2017, processo n.º 8/15.1GAOAZ.P1.S1 (breve referência, a fls. 53/5) e de 15 de Novembro de 2017, processo n.º 336/11.5GALSD.S1, de págs. 59 a 70 e versando sobre penas suspensas com prazo esgotado, de págs. 72 a 82.

           

       Para uma corrente, defende-se que não é possível a anulação desta pena com o fim de a incluir no cúmulo a efectuar, face à nova redacção do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, atendendo a que a pena suspensa é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, antes tendo a sua execução regulamentação autónoma - cfr. sustentado parecer formulado pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal, no processo decidido em 6 de Outubro de 2005 e no qual veio a ser elaborado o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2006, infra referido, podendo ver-se, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-06-2004, processo n.º 1391/04-3.ª, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 217 (no caso de concurso de crimes, a aplicação de uma pena única supõe que estejam em causa penas da mesma natureza; daí que como tal não pode ser considerada a pena suspensa, pois constitui uma pena de substituição, de diferente natureza e com regras distintas de execução da pena de prisão); e de 06-10-2004, processo n.º 2012/04; de 20-04-2005, proferido no processo n.º 4742/04; da Relação do Porto, de 12-02-1986, in CJ 1986, tomo 1, pág. 204; e na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-07-2003, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2005, n.º 1, págs. 117 a 153.

 

       A posição predominante é no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.  

       De acordo com esta posição a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles.

       Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 409, 419 e 430, a págs. 285, 290 e 295, defende que quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, «torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída» e que «de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político - criminalmente ser substituída por pena não detentiva» e que não pode recusar-se, em caso de  conhecimento superveniente do concurso, «a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de  vista das exigências  de prevenção, nomeadamente da prevenção especial».

       Paulo Dá Mesquita em O Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, págs. 95/98, concorda com a orientação dominante na jurisprudência dos tribunais superiores em atenção à natureza das penas cuja execução foi suspensa, defendendo não existir obstáculo ao cúmulo de uma pena de prisão, cuja execução foi suspensa, com uma outra qualquer pena de prisão.

       Neste sentido, igualmente se pronunciou Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, 2010, Universidade Católica Editora, pág. 287, dizendo não se colocar qualquer questão de violação do “caso julgado” em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na sua execução.

       E conclui “Ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena conjunta a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações”. [Do mesmo modo na 3.ª edição actualizada de Novembro de 2015, pág. 381].

 

       No mesmo sentido se pronuncia André Lamas Leite, inA suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, págs. 608 a 610, referindo que o caso julgado em tais circunstâncias não se encontra recoberto por um carácter de absoluta intangibilidade, mas sim por uma cláusula rebus sic stantibus.

      

       Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo, como se pode ver dos acórdãos de 05-12-1973, processo n.º 34.040, in BMJ n.º 232, pág. 43; de 5-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 345; de 02-07-1986, BMJ n.º 359, pág. 339; de 02-10-1986, BMJ n.º 360, pág. 340; de 19-11-1986, BMJ n.º 361, pág. 278; de 07-02-1990, in Colectânea de Jurisprudência (CJ) 1990, tomo 1, pág. 30 e BMJ n.º 394, pág. 237; de 13-02-1991, BMJ n.º 404, págs. 178/183; de 03-07-1991, in Colectânea de Jurisprudência (CJ) 1991, tomo 4, pág. 7; de 23-09-1992, BMJ n.º 419, pág. 439; de 07-01-1993, recurso n.º 43.359, in CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 162 (A pena unitária a aplicar posteriormente pode eliminar a suspensão que tinha sido concedida a uma das penas parcelares … “e nem a providência suspensiva as fará excluir do cúmulo jurídico); de 24-02-1993, BMJ n.º 424, pág. 410; de 06-01-1994, processo n.º 45.886; de 17-01-1994, BMJ n.º 433, pág. 257; de 06-07-1994, BMJ n.º 439, pág. 407; de 11-01-1995, recurso n.º 41.350, in CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 176; de 24-01-1996, recurso n.º 48.815, CJSTJ 1996, tomo 1, pág. 182 (unificando duas penas impostas em processos diferentes, suspensas na sua execução, fixando pena única suspensa na execução); de 14-11-1996, processo n.º 603/96-3.ª, BMJ n.º 461, pág. 186 e Sumários SASTJ, n.º 5, Novembro de 1996, pág. 73 (A remoção da suspensão da execução da pena não viola o caso julgado. Podem cumular-se penas suspensas na sua execução com outras que o não estejam, independentemente, da pena única aplicada ser ou não suspensa na sua execução. Este cúmulo jurídico não viola o princípio de que «ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime» previsto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP. Os artigos 79.º do CP de 82 e 78.º do CP de 95 não são inconstitucionais, na interpretação de ser possível cumular penas suspensas na sua execução com outras que o não estejam, ainda que a pena final “única” não seja suspensa); de 19-11-1996, BMJ n.º 461, pág. 278; de 20-11-1996, processo n.º 48.724-3.ª, SASTJ, n.º 5, Novembro de 1996, pág. 81 (Transitada em julgado uma condenação, para a formulação da pena unitária interessará apenas a sua duração, e não qualquer outra especialidade do seu regime em concreto, como a circunstância de estar eventualmente com a sua execução suspensa. Deste modo, a suspensão de execução de uma pena parcelar não tem que ser mantida ao elaborar-se o cúmulo que a englobe. Este sobrepõe-se aos casos julgados já formados, dos quais apenas terá que respeitar a duração das penas, mas tendo então o julgador a liberdade de, dentro dos critérios legais, decretar a suspensão de toda a pena unitária ou de optar pelo seu efectivo cumprimento); de 05-02-1997, recurso n.º 1143, CJSTJ1997, tomo 1, pág. 209; de 09-02-1997, processo n.º 907/96-3.ª, Sumários do STJ, SASTJ, n.º 8, Fevereiro de 1997, pág. 81 (A não manutenção num cúmulo jurídico da suspensão da execução das penas parcelares que entraram na formação desse mesmo cúmulo, não envolve violação de lei ou de caso julgado); de 12-03-1997, in CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 245 e BMJ n.º 465, pág. 319; de 07-05-1997, BMJ n.º 467, pág. 256; de 04-06-1997, BMJ n.º 468, pág. 79; de 11-06-1997, processo n.º 65/97; de 04-06-1998, processo n.º 333/98-3.ª; de 17-03-1999, BMJ n.º 485, pág. 121; de 24-03-1999, in CJSTJ1999, tomo 1, pág. 255; de 07-12-1999, BMJ n.º 492, pág. 183; de 13-02-2003, processo n.º 4097/02-5.ª; de 03-07-2003, processo n.º 2153/03-5.ª in RPCC citada; de 30-10-2003, processo n.º 3296/03-5.ª, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 222 (a circunstância de as penas, a cumular com outras, terem sido suspensas na sua execução, não impede que, no cúmulo a realizar, essa suspensão não seja eventualmente mantida, mas agora face à pena única fixada); de 04-03-2004, processo n.º 3293/03-5.ª; de 22-04-2004, processo n.º 1390/04-5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, processo n.º 4106/04-5.ª; de 21-04-2005, processo n.º 1303/05; de 27-04-2005, processo n.º 897/05; de 05-05-2005, processo n.º 661/05; de 20-10-2005, processo n.º 2033/05 – 5.ª; de 08-06-2006, processo n.º 1558/06 – 5.ª; de 21-06-2006, processo n.º 1914/06 – 3.ª; de 28-06-2006, processos n.º 774/06-3.ª (com um voto de vencido) e n.º 1610/06-3.ª (igualmente com um voto de vencido); de 21-09-2006, processo n.º 2927/06 – 5.ª; de 09-11-2006, processo n.º 3512/06-5.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226, onde se ponderou “Em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, a pena unitária deve englobar todas as penas de prisão parcelares a que o arguido foi condenado, incluindo aquelas cuja execução foi suspensa na sua execução, nada obstando a que, no julgamento conjunto, se conclua pela necessidade de aplicação de uma pena única de prisão”; de 29-11-2006, processo n.º 3106/06 – 3.ª; de 21-12-2006, processo 4357/06 – 5.ª; de 10-01-2007, processo n.º 4082/06 – 3.ª; de 07-02-2007, processo n.º 4592/05 – 3.ª; de 31-01-2008, processo n.º 4081/07 – 5.ª; de 27-03-2008, processo n.º 411/08 – 5.ª, onde se refere “Como vem sendo jurisprudência firme do STJ, a pena suspensa pode ser englobada num concurso de infracções com outras penas, suspensas ou efectivas, decidindo o tribunal do cúmulo, após apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do agente, se a pena conjunta deve ou não ser suspensa. Pois só faz sentido colocar a questão da suspensão em relação à pena conjunta. Por isso, não será pelo facto de terem sido suspensas originariamente e de ainda não terem sido revogadas tais suspensões que essas penas serão excluídas do cúmulo”; de 29-05-2008, processo n.º 4462/07 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 2247/05 – 3.ª; de 04-09-2008, processo n.º 2391/08 – 5.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2818/08 – 5.ª; de 04-12-2008, processo n.º 3628/08 – 5.ª; de 14-01-2009, processo n.º 3975/08 – 5.ª (É legal a eliminação da suspensão da execução de pena anterior em que o arguido tinha sido condenado por ter sido cumulada posteriormente com outra ou outras, não existindo no caso, violação de caso julgado, por a suspensão o não formar de forma perfeita, já que a suspensão pode vir a ser alterada, quer no respectivo condicionalismo, quer na sua própria existência se ocorrerem os motivos legais referidos nos arts. 50.º e 51.º ou 78.º e 79.º do CP); de 27-01-2009, processo n.º 3631/08-5.ª; de 14-05-2009, processo n.º 6/03.8TPLSB.S1, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 232; de 18-06-2009, processo n.º 482/09 – 5.ª; e no acórdão de 07-07-2009, proferido no processo n.º 254/03.0JACBR.S1 – 3.ª, com relator vencido quanto a esta específica questão, “por continuar a entender que penas de prisão suspensas na sua execução não podem integrar a formação de cúmulo jurídico sem que a suspensão da sua execução tenha sido revogada, de acordo com o procedimento previsto nos arts. 56.º do CP e 495.º do CPP”, afirma-se que “a corrente largamente maioritária no Supremo Tribunal de Justiça é a de que o cúmulo jurídico deve incluir todas as penas de prisão, independentemente de terem sido, ou não, declaradas suspensas”; de 27-05-2010, processo n.º 601/05.0SLPRT.P1.S1-5.ª (Como tem sido maioritariamente entendido pelo STJ (…) não se coloca qualquer questão de violação de “caso julgado” em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na execução); de 29-09-2010, processo n.º 312/09.8TCLSB.S2-3.ª; de 2-12-2010, processo n.º 1533/05.8GBBCL.S1-5.ª; de 16-03-2011, processo n.º 188/07.0PBBRR.S1-5.ª; de 18-05-2011, processo n.º 667/04.0TAABF.S1-3.ª; de 16-11-2011, processo n.º 150/08.5JBLWSB.L1.S1-3.ª; de 11-01-2012, processo n.º 5745/08.4PIPRT.S1-3.ª; de 08-02-2012, processo n.º 8534/08.2TAVNG.S1-5.ª; de 15-11-2012, processo n.º 114/10.9PEPRT: “O n.º 3 do art.º 77.º do CP impede o cúmulo jurídico de penas de diferente natureza, mas reporta-se unicamente a penas de prisão e penas de multa. Estas são cumuláveis apenas materialmente. Quanto às penas de substituição, nomeadamente a suspensão da pena de prisão, há que distinguir duas situações: quando o conhecimento do concurso de crimes é simultâneo e quando esse conhecimento é superveniente.

       Sendo simultâneo, não existem dúvidas de que o tribunal deve começar por determinar as penas parcelares, decidindo, a final, perante a pena conjunta fixada, pela suspensão, ou não, desta pena.

       O problema coloca-se quando o conhecimento do concurso de penas (de prisão) é superveniente, sendo uma, ou mais, das penas parcelares suspensas, e a outra, ou outras, efectivas. Aqui existem divergências doutrinais e jurisprudenciais, embora seja largamente dominante a orientação no sentido da admissibilidade de cumulação de penas efectivas com penas suspensas de prisão.

       Nesta perspectiva, podem, pois, no conhecimento superveniente de concurso, ser revogadas as penas suspensas que entram nesse concurso. Como pode igualmente, caso se verifique o condicionalismo legal, formal e material, ser suspensa a pena única de um concurso entre penas suspensas e penas efectivas de prisão.

       Em qualquer caso, as penas suspensas só entrarão no cúmulo se ainda não tiverem decorrido os respectivos prazos, ou se tiver sido revogada a suspensão. Consequentemente, serão excluídas as penas extintas, bem como as penas suspensas cujo prazo findou, enquanto não houver decisão sobre a extinção da pena”; de 21 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 153/09.2PHSNT.S1-3.ª Secção, onde se pode ler: “A acumulação entre penas de prisão efetivas e suspensas não viola o caso julgado. Na verdade, a substituição não transita em julgado. A substituição não fica definitivamente garantida, antes está sujeita à condição resolutiva do decurso do prazo sem se registar a prática pelo condenado de novos crimes (e eventualmente, pelo cumprimento de deveres e condições, por parte deste). O caso julgado abrange, afinal, somente a medida concreta da pena de prisão (principal), mas não a forma da sua execução. (…). A exclusão das penas suspensas do concurso invalidaria a visão conjunta que a lei considera determinante para a imposição de uma pena única. Só a avaliação global dos factos e da personalidade do agente, nela incluindo todas as condenações, sejam as penas efetivas ou suspensas, permitirá ao tribunal pronunciar-se sobre a medida da pena conjunta, podendo então decidir-se eventualmente pela suspensão dessa pena, caso se verifiquem os condicionalismos legais. Em resumo, no concurso de conhecimento superveniente, é admissível, e obrigatória, a acumulação de penas efetivas com penas suspensas de prisão. Esta, é, aliás, a posição largamente maioritária na doutrina e na jurisprudência”; de 14 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 300/08.1GBSLV.S1-5.ª “O STJ tem entendido maioritariamente que não se coloca qualquer questão de violação de caso julgado em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na execução”; de 21 de Março de 2013, proferido no processo n.º 153/10.0PBVCT.S1-3.ª - “Se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda, e cada uma, das suas actuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de injustificada desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação à existência do concurso, não se vislumbra porque é que se deve interpretar o art. 78.º do Código Penal numa fórmula que suporta tais patologias, Assim, entende-se que as penas objecto de suspensão devem ser incluídas no cúmulo a efectuar”; de 18 de Abril de 2013, processo n.º 70/10.3SFPRT-C.S1-5.ª - “A não serem as penas suspensas incluídas no cúmulo, criar-se-ia uma situação de desigualdade com aquelas outras situações em que toda a actividade criminosa do agente é simultaneamente apreciada no mesmo processo, com fixação da pena única e posterior ponderação acerca da eventual aplicação da pena de substituição. Sob pena de uma patente violação do princípio da igualdade, o tratamento do concurso de crimes deve, pois, ser exactamente o mesmo, independentemente de o seu conhecimento ser imediato ou superveniente”; de 8 de Maio de 2013, processo n.º 515/09.5PHOER.S1-3.ª – “o princípio da pena conjunta, com imposição de uma pena única a cumprir, não se compadece com avaliações parcelares dos factos e da personalidade do agente. A exclusão das penas suspensas do concurso invalidaria a visão conjunta que a lei considera determinante para a imposição de uma pena única”; de 4 de Julho de 2013, processo n.º 16/11.PEMTS.P1.S1-5.ª, com um voto de vencido “Não se verifica impedimento a que uma pena de prisão, que havia ficado suspensa na respectiva execução, integre o concurso de penas, desde que os crimes estejam ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, visto a pena de substituição ficar resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, só se formando caso julgado quanto à medida da pena e não quanto à sua execução”; de 12-09-2013, processo n.º 14/06.8GBCBR.S1-3.ª; de 25-09-2013, processo n.º 1751/05.9JAPRT.S1-3.ª; de 8-01-2014, processo n.º 1219/08.1TASTA.P1.S1-5.ª; de 6-02-2014, processo n.º 339/09.0GDSTS-A.S1-3.ª (as penas objecto de suspensão devem ser incluídas no cúmulo jurídico de conhecimento superveniente); de 27-02-2014, processo n.º 188/08.2PWLSB-A.S1-5.ª; de 26-03-2014, processo n.º 134/08.3GBSRT.C2.S1-5.ª; de 7-05-2014, processo n.º 2604/09.2PHMTS-A.S1-3.ª; de 14-05-2014, processo n.º 341/08.9PCGDM.S1-3.ª; de 21-05-2014, processo n.º 548/08.9TAPTG.S1-3.ª, com relator vencido; de 12-06-2014, processo n.º 300/08.1GBSLV.S2-5.ª e n.º 304/10.4PASJM.S1-5.ª; de 1-10-2014, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1-3.ª; de 15-10-2014, processo n.º 735/10.0GARMR.S1-3.ª; de 11-02-2015, processo n.º 547/10.0GAOLH.S1-5.ª (com voto de vencido); de 4-03-2015, processo n.º 1179/09.1TAVFX.S1-3.ª; de 12-03-2015, processo n.º 285/07.1JABRG-F.S1 - 5.ª Secção; de 15-04-2015, processo n.º 304/10.4PASJM.S2-5.ª; de 22-04-2015, processo n.º 58/12.1PCLRS.L2.S1-3.ª; de 21-05-2015, processo n.º 1167/12.0JAPRT-A.S1-5.ª; de 27-05-2015, processo n.º 431/10.8GAPRD-AV.S1-3.ª; de 09-07-2015, processo n.º 39/08.8GBPTG.S1-3.ª; de 04-11-2015, processo n.º 1259/14.1T8VFR.S1-3.ª; de 05-11-2015, processo n.º 49/14.6TCLSB.L1.S1-5.ª; de 26-11-2015, processo n.º 268/09.7TAGMR-A.G1.S1-5.ª; de 10-12-20155, processo n.º 331/09.4GFPNF.P2.S1-5.ª; de 16-12-2015, processo n.º 98/12.9PBMTA.-B.L1.S1-3.ª e n.º 1128/12.0GCVIS.C2.S1-3.ª; de 17-12-2015, processo n.º 493/11.0GAVNF.G1.S1-5.ª.

       Como se extrai do acórdão de 06-02-2014, processo n.º 339/09.0GDSTS-A.S1 - 3.ª “Essa argumentação (relativa a impossibilidade revogação) falece de razoabilidade prática, o que, desde logo, é evidente pela circunstância de o juiz que decreta a suspensão da pena parcelar, ignorando a existência de concurso, elaborar um juízo de prognose sobre a evolução da personalidade do arguido com base numa delinquência ocasional que não se verifica. O pressuposto da suspensão não existe, uma vez que existem outros crimes praticados, mas não conhecidos em concreto, e o julgador é induzido em erro pela convicção contrária.

Na verdade, sob pena de uma gritante ofensa do princípio da igualdade, o tratamento do concurso deve ser exactamente o mesmo, independentemente da forma do seu conhecimento, superveniente ou não, e assim, sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, toma-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição.

Se a lógica da apreciação global do percurso criminoso do arguido implica a valoração de toda, e cada uma, das suas actuações atomisticamente consideradas; se a atribuição de um efeito excludente à pena suspensa gera uma situação de injustificada desigualdade; se a suspensão prévia da pena no concurso superveniente traz consigo um errado conhecimento por parte do julgador em relação à existência do concurso, não se vislumbra porque é que se deve interpretar o art. 78.º do CP numa fórmula que suporta tais patologias”.

       Segundo o acórdão de 12-03-2015, processo n.º 285/07.1JABRG-F.S1 - 5.ª Secção “A posição dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência do STJ, admite a realização de cúmulo jurídico de penas de prisão efetiva com penas de prisão suspensas na sua execução.

      Em abono da posição minoritária que nega tal eventualidade, pode-se sublinhar a autonomia e a natureza própria da pena de substituição, cuja escolha obedeceu a razões específicas e que fez da pena suspensa uma pena parcelar, como qualquer outra, que importaria manter.

       Todavia, se existem razões que podem levar à revogação da pena suspensa com o renascimento da pena substituída, também a realização de um cúmulo jurídico, com a necessária apreciação da ilicitude global dos factos e da personalidade do agente, pode levar a que se abandone a pena de substituição e se passe a considerar a pena substituída”.

       Como se extrai do acórdão de 17-09-2015, processo n.º 134/10.3TAOHP.S3 – 5.ª Secção: Maioritariamente, tem a jurisprudência do STJ entendido que a substituição de uma pena de prisão pela pena de suspensão de execução da prisão não constitui impedimento a que a pena de prisão substituída seja cumulada com outras penas de prisão, verificados que estejam os adequados pressupostos.

       E de acordo com o acórdão de 17-09-2015, processo n.º 78/15.2T8VCD.S1 - 5.ª Secção: Para inclusão numa decisão de cúmulo jurídico de penas, no âmbito de concurso superveniente de crimes, de uma pena de prisão suspensa na sua execução - cujo prazo de suspensão ainda não se mostra decorrido - não se torna necessária qualquer operação de revogação da pena cuja execução foi suspensa mediante a constatação prévia sobre a ocorrência das condições previstas nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 56.º do CP, inexistindo a nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

       Citando o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 341/2013, consta do sumário do acórdão de 15-10-2015, processo n.º 3442/08.0TAMTS.S1 – 5.ª Secção: “O entendimento maioritário da jurisprudência do STJ vai no sentido de se realizar o cúmulo jurídico de penas de prisão suspensas na sua execução se não decorreu ainda o período de suspensão da execução da pena. Pelo que, seguindo o referido entendimento, no caso concreto, as penas suspensas em que o recorrente foi condenado devem ser englobadas na operação de cúmulo jurídico de penas, uma vez que, quando o acórdão recorrido foi prolatado, em nenhum dos casos se mostra que o período de suspensão já tivesse decorrido, não se podendo concluir pela existência de uma qualquer nulidade derivada de tal englobamento.

       A jurisprudência maioritária do STJ vai no sentido de que não há necessidade de fundamentar a revogação da suspensão da execução da pena para englobar as penas suspensas no cúmulo jurídico de penas, inexistindo qualquer nulidade do acórdão recorrido por falta de tal fundamentação”.

       No que toca à questão da integração da pena de prisão suspensa na execução em cúmulo por conhecimento superveniente, podem ver-se, por mais recentes, os acórdãos de 16-06-2016, processo n.º 670/09.4JACBR-B.S1-3.ª; de 14-07-2016, processo n.º 24696/15.0T8PRT.S1-5.ª; de 7-09-2016, processo n.º 298/10.6PDBRR.S1-3.ª; de 28-09-2016, processo n.º 1511/02.9PBAVR.S1-3.ª; de 26-10-2016, processo n.º 625/16.5T8LRS.L1.S1-5.ª; de 4-01-2017, processo n.º 519/10.5JDLSB.S1-3.ª; de 25-01-2017, processo n.º 148/13.1PAOVR.P1.S1-3.ª; de 20-04-2017, processo n.º 176/10.9IDRG.S1-5.ª; de 17-05-2017, processo n.º 407/07.2JACBR-C.S1, da 3.ª Secção; de 17-05-2017, processo n.º 1262/11.3GAVNG-G.P1.S1, da 3.ª Secção; de 18-05-2017, processo n.º 17.699/16.9T8PRT.S1-5.ª Secção; de 31-05-2017, processo n.º 331/09.4TASLV.E2.S1 e n.º 489/10.0JALRA.L1.S1, desta 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto e de 13-07-2017, proferido no processo n.º 9/12.1GDSTB.E2.S1, em que igualmente interviemos como adjunto.

      Ainda do Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão de 6 de Outubro de 2005, proferido no processo n.º 2107/05 da 5.ª Secção, sobre o qual incidiu a apreciação do Tribunal Constitucional, que no Acórdão n.º 3/2006, de 3 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 904/05-2.ª Secção, publicado no Diário da República - II Série, de 07-02-2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, págs. 147 e ss.), decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constantes de anteriores condenações.

      Esclarece que se trata da “solução que, na perspectiva do legislador corresponde ao critério da culpa e às preocupações de prevenção em que se funda o sistema punitivo, cuja lógica obedece a dois vectores:

1. No caso de conhecimento superveniente do concurso, tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido contemporâneo;

2. Mas a decisão sobre a suspensão da pena deve atender à situação do condenado no momento da última decisão e sempre reportada à pena única.

      E a respeito do caso julgado, salienta-se que na lógica do sistema, tanto não viola o caso julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de prisão efectiva”.

      Nesta perspectiva já se pronunciara o acórdão deste Supremo Tribunal de 10-10-2001, proferido no processo n.º 1806/01-3.ª Secção, in CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 189, onde se decidiu: “Apesar de ter transitado em julgado o despacho que revogou a suspensão da execução de uma pena, é admissível suspender-se a execução da pena única resultante da reformulação de cúmulo jurídico em que aquela se integra”.

       Mais recentemente, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a questão no Acórdão n.º 341/2013, de 17 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 15/13, da 2.ª Secção, considerando não se afigurar existirem razões para que o Tribunal se afastasse da jurisprudência firmada no Acórdão n.º 3/2006, cuja orientação era de reiterar e ponderando que a suspensão da pena de prisão tem um carácter de provisoriedade, podendo tal pena, no caso de conhecimento superveniente do concurso – em que só por razões aleatórias ou fortuitas o tribunal não tomou conhecimento, em simultâneo, de todas as penas em concurso –, perder autonomia e ser englobada na pena única, sem que se mostre violado o caso julgado, tendo decidido:

       “Não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretados no sentido de ser possível, num concurso de crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efectiva.”
 

       O caso especial das penas suspensas com prazo esgotado.

       Tem sido ponderado que nestes casos há que distinguir consoante o termo final do prazo de suspensão se apresente como longínquo, próximo, ou mesmo esgotado, havendo que ter em conta as especificidades de cada caso.
       Como referimos nos acórdãos de 27 de Maio, de 3 de Junho e de 9 de Setembro de 2015, de 13 de Julho de 2016, de 25 de Outubro de 2017 e de 15 de Novembro, por nós relatados nos processos n.º 232/10.3GAEPS.S1, n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, n.º 284/11.GBPSR.E1.S1, n.º 101/12.2SVLSB.S1, n.º 163/10.7GALNH.S1 e n.º 336/11.5GALSD.S1:

       “Sem prescindir da tese de que as penas de prisão suspensas na sua execução são de englobar, em conjunção com as penas efectivas de prisão, o cúmulo jurídico a realizar, desde que o caso concreto o justifique, por serem e se manterem, à data da cumulação, indubitavelmente, qua tale, como subsistentes penas de substituição, a verdade é que a jurisprudência deste STJ tem evoluído no sentido de um certo aggiornamiento, ou seja, colocar-se a par, tomar conhecimento da concreta situação actual existente, pelo menos, à data da convocação dos preliminares da definição da relação concursal a ter em consideração.

       Esta posição parte do pressuposto de que as penas suspensas na execução são de englobar no cúmulo, mas que no caso concreto, face ao decretado prazo de suspensão e ao tempo decorrido e sobretudo nos casos em que pode inclusive ter ocorrido alteração da situação, impõe-se, num registo de cautela, uma indagação prévia no sentido de saber se a pena de substituição subsiste como tal, se foi modificada na sua estrutura e extensão/prorrogação do período de suspensão, nos termos do artigo 55.º, alínea d), do Código Penal, ou, se inclusive, foi declarada a sua extinção por decurso do prazo, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, caso em que não englobará o cúmulo, ou se, diversamente foi revogada, nos termos do artigo 56.º, caso em que indiscutivelmente, terá de ser englobada.  

       Por outras palavras, quando os contornos do concreto caso o recomendar, atenta a proximidade do termo final do prazo de suspensão, ou por se mostrar esgotado, importará saber se foi já ou ainda não declarada extinta ou revogada.

       Como consabido é, a declaração de extinção da pena suspensa, muitas vezes é proferida contra a realidade dos factos, no desconhecimento de situações outras, que a serem conhecidas, determinariam outra solução, tudo tendo a ver com a normal tramitação ou não do processo e a efectiva conformação da verdade registral, que a cada momento impera e dita regras de observância, não necessariamente coincidentes com a verdade real, sendo também consabida a distância que muitas vezes vai entre a verdade real posterior e a pretérita verdade constante do documento registral certificador.

       A partir desta muitas vezes presente dissonância a nível de documentação/certificação entre verdade real e verdade registral, como óbvio é, muitos factores de perturbação podem ser introduzidos no sistema, com efeitos algo perversos, por vezes.

       Trata-se no fundo da necessidade de perspectivar, como noutros domínios, a presença de várias soluções plausíveis da questão de direito, como ocorre no plano do processo civil, mas neste também e a partir daqui, impõe-se a tomada de cuidados especiais no sentido de aquilatar da real situação dos crimes em concurso, se em relação efectivamente concursal, porque subsistente a pena de substituição, ou não, porque, a final, a pena de substituição foi declarada extinta, ou pelo contrário, se a suspensão foi revogada nos termos do artigo 56.º do Código Penal.

       Neste sentido tem-se pronunciado a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.

       Segundo o acórdão de 8 de Outubro de 2008, processo n.º 2490/08-3.ª “Aquando do conhecimento superveniente do concurso de penas, impende sobre o tribunal averiguar se elas estão ou não prescritas ou extintas. Tendo a decisão recorrida incluído na pena conjunta penas de prisão suspensas na sua execução, sem que previamente averiguasse se as mesmas foram declaradas extintas – caso em que não poderiam ter sido englobadas no cúmulo jurídico – ou se foi revogada a suspensão, cujos prazos já decorreram, omitiu pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, o que determina a sua nulidade”.

        No acórdão de 7 de Julho de 2009, processo n.º 254/03.0JACBR.S1-3.ª, com voto de vencido do relator, quanto à questão da integração na formação de cúmulo jurídico de penas de prisão suspensas na sua execução, defende-se que “o tribunal que, ao englobar em cúmulo jurídico uma pena suspensa, sem averiguar se a mesma está extinta ou foi revogada deixa de se pronunciar sobre questão que era obrigado a conhecer, o que integra nulidade por omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 2.º, n.º 4, do CP, e 379.º, n.º 1, al. c) do CPP”. 

       No acórdão de 12 de Novembro de 2009, processo n.º 309/04.4PDVNG.S1-3.ª, ponderara-se igualmente a existência de nulidade por o cúmulo ter englobado pena suspensa na sua execução e nenhuma consideração ter merecido no cúmulo efectuado essa peculiar vicissitude, em termos da sua revogação.

       O acórdão de 29 de Abril de 2010, processo n.º 16/06.3GANZR.C1.S1-5.ª, pronunciou-se no sentido de que o tribunal recorrido ao englobar no cúmulo as penas parcelares de alguns processos, todas elas suspensas na sua execução e com o prazo de suspensão esgotado, sem apurar previamente qual a decisão sobre a respectiva execução, prorrogação ou extinção, incorre numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

       No acórdão de 23 de Novembro de 2010, processo n.º 93/10.2TCPRT-3.ª, face a penas suspensas foi referido haver que indagar o que se passou em tais processos, incorrendo o acórdão recorrido em nulidade, por não ter cuidado, como devia deste aspecto. Aí se disse: “Com efeito, sabido que a condenação nesse processo transitada em julgado em 16-06-2005, foi suspensa na sua execução por 4 anos, cujo termo final se terá verificado em 16-06-2009, importará clarificar o que aconteceu a tal condenação, isto é, se a mesma subsiste, por ausência de atempada consideração judicial, ou se foi declarada extinta, o que não é anódino, nem tão pouco, indiferente, tendo em vista a sua integração, ou exclusão, do cúmulo. (…)

       Sabido que a decisão condenatória data de 17-05-2007 e que suspendeu a execução da pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, por dois anos, e que a mesma transitou em julgado em 5-11-2007, e atendendo à data do cúmulo realizado nestes autos, importará esclarecer o que se passou a partir de 5-11-2009 (termo final do período de suspensão). Conclui-se assim que o acórdão recorrido padece de nulidade neste segmento, face às apontadas omissões de pronúncia, devendo ser eliminada do cúmulo a pena já declarada extinta, indagando-se do que se passa com os outros dois processos”. 

      No mesmo sentido, o acórdão de 16 de Dezembro de 2010, igualmente por nós relatado no processo n.º 11/02.1PECTB.C2.S1, seguindo de perto o acórdão de 8-10-2008 supra referido.

      O acórdão de 11 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 8/07.5TBSNT.S1-5.ª, entre outras omissões, refere o destino das penas de prisão suspensas dos processos C e D, pois que tendo-se esgotado há muito os prazos de suspensão dessas penas, ignora-se se elas foram declaradas extintas ou se foram cumpridas como penas de prisão. Só neste último caso, essas penas poderão entrar no concurso, na medida em que o art. 78.º, n.º 1, do Código Penal, deverá ser interpretado como compreendendo no concurso apenas as penas cumpridas, mas já não as extintas ou as prescritas, caso em que terão de ser excluídas do concurso.

      Para o acórdão de 8 de Fevereiro de 2012, processo n.º 8534/08.2TAVNG.S1-5.ª, impunha-se ao tribunal a quo averiguar se as penas cuja execução ficou suspensa já tinham sido declaradas extintas por decurso do prazo, ou se, pelo contrário, tinham sido revogadas, ou ainda se tinham sofrido prorrogação de prazo. Tendo omitido pronúncia sobre essa questão, em relação à qual devia ter-se pronunciado, o tribunal a quo incorreu na nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. 

      Segundo o acórdão de 29 de Março de 2012, processo n.º 117/08.3PEFUN-C.S1-5.ª – É certo que se, na altura em que o tribunal recorrido proferiu o acórdão, ainda não tivesse decorrido o prazo fixado para a suspensão, então a pena anteriormente declarada suspensa ainda não se mostraria cumprida, e portanto, nada obstaria a que fosse integrada no concurso de infracções.

Mas, findo aquele prazo e declarada extinta a pena suspensa, nos termos do art. 57.º do Código Penal, já a mesma não deve integrar o concurso.

O tribunal recorrido ao englobar no cúmulo penas parcelares do processo X, onde a pena única foi suspensa na sua execução e já com o prazo de suspensão esgotado, sem aguardar decisão nesse processo sobre a respectiva execução, prorrogação ou extinção, incorreu numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

       Igualmente o acórdão de 17 de Outubro de 2012, processo n.º 39/10.8PFBRG.S1-3.ª, convocando a necessidade de indagação da situação processual actual “Aquando da realização do novo acórdão, estando então já decorrido o prazo de suspensão, importará previamente indagar da situação processual do arguido, procurando saber se a suspensão foi eventualmente revogada, ou declarada extinta a pena, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal”.

       Para o acórdão de 28 de Novembro de 2012, processo n.º 21/06.0GCVFX-AQ.S1-3.ª, foi considerada a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia relativa à questão de saber se a pena suspensa foi declarada extinta sem haver lugar ao cumprimento da pena de prisão ou se esta foi cumprida, pois neste caso entrará no cúmulo.

       No acórdão de 11 de Dezembro de 2012, processo n.º 193/05.0GALNH.L2.S1-3.ª – declarada a nulidade por não indagação de extinção, prorrogação do prazo de suspensão ou execução.

       O acórdão de 14 de Março de 2013, processo n.º 287/12.6TCLSB.L1.S1-3.ª, defende que “há que decidir, previamente, se a pena de substituição, por ser de diferente natureza e ter regras distintas de execução, guarda essa diferente natureza, ou se, em sentido diverso, tem de ser executada como pena de prisão. Como o acórdão recorrido fez incluir na pena única do concurso penas de substituição, sem ter averiguado se a suspensão foi revogada ou se as penas suspensas foram extintas, deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado, o que integra a nulidade a que se refere o art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP”.

       No acórdão de 22 de Maio de 2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª, foi considerado caso de nulidade por omissão de pronúncia sobre a consideração de integração ou não de pena de prisão suspensa.

       Pode ler-se no acórdão de 22 de Maio de 2013, processo n.º 900/05.1PRLSB.S1-5.ª: Antes de proceder à realização do cúmulo, o tribunal deve, sob pena de nulidade, solicitar aos tribunais das condenações que informem se as penas suspensas foram declaradas extintas por decurso do tempo ou se alguma das suspensões foi revogada, com a consequência de o arguido dever cumprir a pena de prisão.

       Para o acórdão de 5 de Junho de 2013, processo n.º 134/10.3TAOHP.S2-5.ª – Estando esgotado o prazo de suspensão no momento da prolação do acórdão, incorreu a decisão em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por o tribunal nada ter previamente averiguado sobre a respectiva execução, prorrogação ou extinção da pena suspensa.

       E ainda os acórdãos de:

de 12 de Setembro de 2013, processo n.º 14/06.8GBCBR.S1-3.ª – Devem ser abrangidas as penas em concurso e suspensas na sua execução desde que as mesmas subsistam como realidades autónomas, o que importa verificar previamente como condição do cúmulo jurídico.

de 18 de Setembro de 2013, processo n.º 1864/08.5PTLSB.S1-5.ª – Quando se verificar que algumas das penas integrantes do concurso de crimes foram suspensas e já decorreu o período de suspensão, deve averiguar-se se já foram ou deviam ter sido julgadas extintas, pedindo-se as informações necessárias aos processos respectivos, sob pena, caso nada se diga, de nulidade da decisão de cúmulo, por falta de fundamentação.

de 26 de Setembro de 2013, processo n.º 418/08.0PAMAI-K.P1.S1.5.ª – Se o acórdão recorrido foi proferido depois do fim do prazo da suspensão da pena, aplicada em cúmulo no processo A, então importava apurar se essa pena suspensa fora revogada ou declarada extinta. Na afirmativa, ter-se-iam que excluir de qualquer cúmulo as penas aplicadas pelos crimes do processo A.

Não o tendo feito, considera-se que o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, por não conter informação positiva ou negativa sobre a revogação ou declaração de extinção da pena de suspensão de execução da pena de prisão em questão, tudo nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi do art. 425.º, n.º 4, do mesmo CPP”.

de 5 de Novembro de 2013, processo n.º 37/09.4JAPRT.S1-5.ª – Se o tribunal recorrido englobar no cúmulo pena parcelar, suspensa na sua execução e já com prazo de suspensão esgotado, sem apurar previamente qual a decisão sobre a respectiva execução, prorrogação ou extinção, incorre numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

de 10 de Abril de 2014, processo n.º  683/08.3GAFLG-B.S1 - 5.ª – Se no momento da operação de um cúmulo jurídico se verificar que algumas das penas integrantes do concurso de crimes foram suspensas na sua execução e já decorreu o respectivo período de suspensão, deve colher-se junto dos respectivos processos informação sobre se essas penas já foram ou deviam ter sido julgadas extintas.

Se à data da realização do cúmulo, já estava esgotado o respectivo período de suspensão fixado na decisão condenatória, as penas em causa só poderiam ser englobadas nessa operação se tivesse havido revogação da suspensão ou prorrogação do respectivo período. Contudo, o tribunal recorrido incluiu estas penas no cúmulo sem nada dizer sobre essa matéria, ou seja, sem justificar essa inclusão, o que redunda em falta de fundamentação e, logo, na nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao n.º 2 do art. 374.º, a qual torna inválida a decisão recorrida, nos termos do art. 122.º, n.º 1, todos do CPP.

de 1 de Outubro de 2014, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1, por nós relatado – No caso presente, face a esta pena suspensa e atendendo a que a decisão condenatória transitou em 31 de Janeiro de 2012 e tendo em conta o prazo de suspensão, cumprirá previamente à formulação do novo cúmulo averiguar do “estado actual da situação processual” do condenado.

de 15 de Outubro de 2014, processo n.º 735/10.0OARMR.S1, por nós relatado, donde se extrai o que segue: “Tendo em conta a data do trânsito em julgado, verificado em 12 de Março de 2012, o prazo de suspensão já se mostrava exaurido no dia da audiência com vista ao cúmulo.

A necessidade de prévia averiguação como condição do cúmulo jurídico é apontada no acórdão de 12-09-2013, processo n.º 14/06.8GBCBR.S1-3.ª.

No caso presente, face a esta pena suspensa e atendendo a que a decisão condenatória transitou em 12 de Março de 2012 e tendo em conta o prazo de suspensão, impunha-se que se indagasse do estado actual da condenação, e não o fazendo, o acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre tal questão, o que se traduz na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

Na formulação do novo cúmulo cumprirá averiguar previamente sobre o “estado actual da situação processual” do condenado.

Atendendo a que o termo do período de suspensão da execução foi atingido no dia 12 de Março de 2014, cumprirá averiguar o que se passou entretanto: se a suspensão foi revogada, se foi prorrogado o prazo de suspensão, ou se foi declarada extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, caso em que não deverá integrar o cúmulo.” (Subl inhado do texto).

de 20  de Novembro de 2014, processo n.º 5813/13.0TCLRS.S1-5.ª Secção –
Na data em que foi operado o cúmulo estava há muito esgotado o período de suspensão. Sendo assim, se no momento da operação de um cúmulo jurídico se verificar que alguma das penas integrantes do concurso de crimes foi suspensa na sua execução e já decorreu o respectivo período de suspensão, deve colher-se junto do respectivo processo informação sobre se essa pena já foi ou devia ter sido julgada extinta.
Estando, à data da realização do cúmulo, esgotado o respectivo período de suspensão, a pena do referido processo só poderia ser englobada nessa operação se tivesse havido revogação da suspensão ou prorrogação do respectivo período. Contudo, o tribunal recorrido incluiu esta pena no cúmulo sem nada dizer sobre essa matéria, ou seja, sem justificar essa inclusão, o que redunda em falta de fundamentação e, logo, na nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao n.º 2 do art. 374.º, a qual torna inválida a decisão recorrida, nos termos do art. 122.º, n.º 1, todos do CPP.

       No acórdão de 9 de Julho de 2015, processo n.º 284/11.9GBPSR.E1.S1, por nós relatado, ponderou-se:

      “No caso presente a questão não se coloca.

       Como já se referiu, nos casos das três penas suspensas aplicadas nos dois processos englobados no cúmulo jurídico realizado o termo final do período de suspensão da execução das penas de prisão aí impostas apresentava-se como longínquo à data da elaboração do acórdão recorrido, já que se verificaria em 2 de Março de 2017 no caso do processo comum singular n.º 61/12.0GBABT, onde foi condenado o recorrente N D e em 11 de Junho de 2017 no processo comum singular n.º 318/12.0TAABT, onde foram condenados os dois recorrentes.

       Conclui-se assim que é de proceder à integração de pena suspensa em cúmulo jurídico efectuado por conhecimento superveniente”.

 

       No acórdão de 13 de Julho de 2016, processo n.º 101/12.2SVLSB.S1, assumindo a necessidade de adopção de um registo de cautela, ponderámos:

       “No caso concreto, atendendo a que o Ministério Público não interpôs recurso, a integração da pena suspensa no cúmulo seria violadora do princípio da proibição da reformatio in pejus, porque sempre alargaria o arco penal, fazendo subir o limite máximo, violando as expectativas do condenado, que não viu o Estado agir e a sua integração agora constituiria uma decisão surpresa.

       Ademais, estando exaurido neste momento o prazo da suspensão não faria sentido a integração”.

      Diversa era a situação versada no acórdão de 4 de Janeiro de 2017, proferido no processo n.º 6547/06.8SWLSB-H.L1.S1, onde foi ponderado: “No presente caso o acórdão que decretou a suspensão da execução da pena de prisão de um ano transitou em julgado em 4 de Dezembro de 2015, completando-se o período de suspensão em 4 de Dezembro de 2016, pelo que à data do acórdão cumulatório, em 11 de Maio de 2016, apenas haviam decorrido cinco meses, estando distante aquele termo final.

       Caso houvesse atempado conhecimento da actividade global do arguido, não só dos factos mais recentes, por sinal julgados em primeiro lugar, como dos mais antigos, julgados depois, não estariam reunidas as condições para aplicação de pena de substituição.

        É de manter a posição de que as penas de prisão suspensas na sua execução são de englobar, em conjunção com as penas efectivas de prisão, o cúmulo jurídico a realizar, desde que o caso concreto o justifique, por serem e se manterem, à data da cumulação, indubitavelmente, qua tale, como subsistentes penas de substituição.
       Conclui-se pelo acerto da posição assumida pelo acórdão recorrido, improcedendo a pretensão do recorrente”.

       Extrai-se do acórdão de 04-01-2017, proferido no processo n.º 519/10.5JDLSB.S1, da 3.ª Secção:

       “Deve ser integrada no cúmulo jurídico a pena de prisão suspensa cujo prazo de suspensão ainda se encontra a correr.

       Não se verifica a nulidade por omissão de pronúncia a que se refere o art. 379.º, n.º 1, al. c), do CP, decorrente do tribunal incluir no cúmulo jurídico uma pena de prisão suspensa na sua execução, sem averiguar se a mesma foi declarada extinta, revogada ou prorrogada, se na data em que foi proferido o acórdão de cúmulo ainda não tinha decorrido o prazo da suspensão da execução da pena aplicada naquele processo, não podendo assim existir, em tal data, decisão transitada quanto à sua extinção ou à sua revogação.

No acórdão de 26-01-2017, proferido no processo n.º 222/11.9GBABF.E1.S1, da 5.ª Secção, pode ler-se:

       Verifica-se uma nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), primeiro segmento, do CPP, se o acórdão cumulatório proferido em primeira instância, engloba no cúmulo jurídico realizado uma pena de prisão suspensa na sua execução, sem dispor de informação conclusiva quanto à revogação dessa suspensão ou quanto à eventual extinção da pena ou prorrogação da suspensão.

       Podem ver-se ainda os acórdãos de 16-06-2016, processo n.º 670/09.4JACBR-B.S1-3.ª (a integração é possível, desde que os respectivos prazos estejam em curso); de 14-07-2016, processo n.º 24696/15.0T8PRT.S1-5.ª e de 8-09-2016, processo n.º 650/12.2PAMGR.S1-5.ª (a pena é de excluir até que se decida sobre a sua extinção ou não, sem prejuízo de tornar a ser cumulada com as restantes, caso não venha a ser ulteriormente declarada extinta nos termos do artigo 57.º do Código Penal).

De acordo com o acórdão de 18-05-2017, processo n.º 17699/16.9T8PRT.S1 – 5.ª Secção “A pena do concurso superveniente deve englobar todas as penas correspondentes aos crimes em concurso, ainda que suspensas na sua execução, desde que os respectivos prazos estejam ainda em curso, só após a determinação da pena única se devendo decidir se a mesma deve ou não ser suspensa, verificados que sejam os requisitos, formal e material, do n.º 1 do art. 50.º do CP”.

Segundo o acórdão de 31-05-2017, processo n.º 489/10.0JALRA.L1.S1 – 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto: Apenas no caso de o tribunal recorrido englobar no cúmulo pena parcelar com o prazo de suspensão ou de substituição já esgotado, sem que nesse processo tenha havido (que se saiba) decisão sobre a respetiva execução, prorrogação ou extinção, incorre numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

No acórdão de 31-05-2017, no processo n.º 331/09.4TASLV.E2.S1 – 3.ª Secção, em que igualmente interviemos como adjunto, após repetir o parágrafo anterior, adita: “Resultando evidente que, no caso concreto, na data da realização do cúmulo ainda se encontrava a decorrer o prazo da suspensão de execução da pena de prisão, pode a referida pena cuja execução ficou suspensa entrar na formação do cúmulo, inexistindo qualquer nulidade por omissão de pronúncia com inclusão da mesma”.

       Concluindo, dir-se-á que neste Supremo Tribunal, actualmente, parece não haver voz discordante quanto à questão da inclusão da pena suspensa, havendo, porém, que ter alguma atenção quando, à data da decisão, o prazo de suspensão se mostrar esgotado. Cautela que tem vindo a ser proclamada, por várias vezes.

   
       Revertendo ao caso concreto.

       O acórdão recorrido assumiu a posição de integração da pena suspensa no cúmulo jurídico, sem nada dizer, não justificando a opção.

       Como vimos, a pena em questão, de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na execução por igual período, aplicada no processo n.º 180/13.5GCVCT, foi incluída no cúmulo realizado, certo sendo que à data da elaboração do cúmulo jurídico, que teve lugar em 27-04-2017, o prazo de suspensão não estava esgotado, pois o termo final do prazo de 2 anos e 6 meses ocorrerá em 29-03-2018.

     O acórdão recorrido optou pela solução de englobar a pena aplicada no processo de que foi extraído o presente processado, mas omitindo em absoluto pronúncia sobre a possibilidade de integração ou não de pena de prisão suspensa aí aplicada. Omitiu pronúncia sobre a justificação da integração de pena suspensa na execução, bem como sobre a sua revogação, tomando-a como pena de prisão efectiva.

       Actualmente não há impedimento a que o Tribunal Superior face a uma nulidade a conheça e a possa suprir, desde que no domínio dos elementos indispensáveis.  

       Assim é, como injunge o n.º 2 do artigo 379.º do CPP, na redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, entrada em vigor em 23 de Março seguinte.

         Estabelece o preceito:

        “As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”.

       No acórdão de 4-01-2017, por nós relatado no processo n.º 433/14.5JAAVR.P1.S1, em causa estando crime de homicídio e pedido de indemnização cível, foram declaradas três nulidades do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, tendo-se procedido ao suprimento relativamente a questão de insuficiência de inquérito, abordagem ao instituto de atenuação especial da pena e, finalmente, no que toca a montante relativo a indemnização por danos não patrimoniais.

       Quanto à atenuação especial foi considerado:

       “Certo que as conclusões do anterior eram 67, mas há que na síntese respeitar o que efectivamente é submetido, com ou sem razão, à reapreciação do tribunal superior. A possibilidade de atenuação especial da pena nem sequer marcou presença no lote das questões a tratar.

       Temos assim que o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia relativamente a este específico ponto, pelo que verificada está a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar, incluída que estava no lote das questões integrativas do objecto do recurso, do quadro de vinculação temática trazida a reapreciação.

       Certo que a nulidade deve ser conhecida, devendo o tribunal supri-la, como injunge o n.º 2 do mesmo preceito, na redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, entrada em vigor em 23 de Março seguinte.

       Concluindo: o acórdão recorrido omitiu por completo referência à questão da atenuação especial, muito claramente colocada na motivação e sintetizada pela recorrente na conclusão 39.ª.

      Tal como se referiu a propósito da outra questão que ficou sem resposta (Questão II – Insuficiência de inquérito), a omissão de pronúncia é contornável, podendo ser conhecida nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do CPP”.

       De seguida passou-se à apreciação das questões.

       Relativamente ao terceiro ponto foi considerado:

       “Suprindo a falta de intervenção, dir-se-á que este ponto foi abordado no acórdão da Comarca de forma completa, fundamentada e criteriosa, reportando-se os FP 21 a 36 aos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante BB, decorrentes da perda da mãe e o FP 38 aos danos não patrimoniais sofridos pelo assistente CC, neste aspecto decorrentes da perda da esposa, companheira de vida há 37 anos.

     Os valores de compensação encontrados, inserindo-se no espectro normalmente tido em conta em casos similares, não merecem censura.  

      Improcedem, pois, as conclusões 40.ª a 43.ª”.

       No acórdão de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1, estava em causa nulidade por omissão de pronúncia relativa a medida da pena única, tendo sido considerado:

       “Ao não fundamentar, de forma mínima que fosse, a medida da pena única aplicada, o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia determinativa de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

       Esta nulidade é de conhecimento oficioso, devendo o tribunal de recurso supri-la, se possível, como decorre do n.º 2 do mesmo preceito, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.

       Estando presentes os factos provados e elementos sobre a personalidade do arguido, pode avançar-se para a substanciação do critério especial determinativo da medida da pena conjunta.

       Prosseguindo, pois.

       Suprindo. (…)”.

    

No acórdão de 21-06-2017, processo n.º 403/12.8JAAVR.G2.S1, estando em causa alegada nulidade por falta de fundamentação da medida da pena única, foi ponderado:

“Ademais, tendo em conta a posição expressa pelo recorrente na conclusão 5.ª, sempre se dirá que no caso de se verificar nulidade, sendo a mesma suprível, o vício é suprido no tribunal de recurso, atenta a nova redacção do n.º 2 do artigo 379.º do CPP, com a entrada em vigor em 23-03-2013 da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, como ocorreu no acórdão de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1-3.ª, onde se considerou:

       “Ao não fundamentar, de forma mínima que fosse, a medida da pena única aplicada, o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia determinativa de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

       Esta nulidade é de conhecimento oficioso, devendo o tribunal de recurso supri-la, se possível, como decorre do n.º 2 do mesmo preceito, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro”.

       No caso estando presentes os factos provados e elementos sobre a personalidade do arguido, pôde avançar-se para a substanciação do critério especial determinativo da medida da pena conjunta, procedendo-se ao suprimento.

       Concluindo: não se verifica a invocada omissão de pronúncia, julgando-se improcedente a pretensão sintetizada nas conclusões 1.ª, 2.ª, 4.ª, 5.ª e 17.ª”.

 

     

       Consta do sumário do acórdão de 22-03-2017, proferido no processo n.º 873/12.4PAVNF.G1.S1, da 3.ª Secção:
       “Tal como alega o recorrente, nem no acórdão do tribunal de 1.ª instância, nem no acórdão recorrido é feita qualquer avaliação da personalidade do arguido, sendo, por isso, um e outro, omissos quanto a um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a ficar a saber-se se o conjunto dos factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, isto é, uma pluriocasionalidade não radicada na personalidade do arguido.
      O acórdão recorrido não fundamenta suficientemente de direito, a determinação da pena conjunta, não assegurando, por isso, a controlabilidade e a racionalidade da medida da pena única de 15 anos de prisão imposta ao recorrente, o que equivale a dizer que o mesmo padece, nesta parte, de deficiente fundamentação, consubstanciadora da nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do art. 379.º, com referência ao art. 374.º, n.º 2, ambos CPP, que não obstante ser de declarar, impõe-se suprir nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 2, do CPP, perante a existência da factualidade relevante para a determinação da pena única a fixar”. (Realce nosso).

       Como se referiu supra, no caso do acórdão de 4-11-2015, por nós relatado no processo n.º 303/08. 6GABNV-B.E1.S1, não foi possível o suprimento por ausência absoluta de elementos imprescindíveis para a confecção da pena única.
       No acórdão de 21-06-2017, processo n.º 1821/13.0TACBR.S1-3.ª, foi entendido suprir a eventual nulidade cometida no acórdão recorrido – inclusão de penas suspensas -, não tendo havido pronúncia sobre a extinção ou revogação dessas penas.
       Suprindo a omissão de justificação sobre a inclusão de pena suspensa, situação que no primeiro cúmulo ocorreu com a pena aplicada no processo n.º 24/11.2PEVRL,dir-se-á que a inclusão se justificava, não se colocando inclusive a questão de prazo esgotado.

       Uma outra omissão de justificação ocorreu com a desconsideração da pena suspensa aplicada no processo n.º 24/11.2PEVRL, que integrou o primeiro cúmulo.

 
       Pena suspensa extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal

 Da não integração no cúmulo jurídico da pena suspensa declarada extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal

      De entre as penas potencialmente em concurso figurava a aplicada no processo n.º 24/11.2PEVRL - pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, aplicada por acórdão do Colectivo de Vila Real, de 13-11-2013 e transitada em julgado em 3-04-2014, relativa a factos de 4 de Julho de 2011 - a qual não foi integrada, e bem, por ter sido declarada extinta a pena suspensa aplicada.

      O acórdão recorrido limita-se a enunciar a pena e sua extinção no final do relatório, a fls. 212, não justificando a não integração.

      Suprindo a omissão. 

A questão que se coloca é a de saber se deve ou não integrar o cúmulo jurídico a pena de prisão suspensa na sua execução, mas já declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.

  A questão da integração ou não de pena nestas condições, extinta dessa forma, não é anódina, pois que a não consideração da pena de prisão suspensa na execução, que venha a ser declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, para efeitos de integração no cúmulo, de acordo com o disposto no novo texto do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, tem sido assumida na jurisprudência deste Supremo Tribunal, expressa nos acórdãos de 10-09-2008, processo n.º 2500/08-3.ª; de 08-10-2008, processo n.º 2490/08-3.ª; de 15-04-2010, processo n.º 852/03.2PASNT.L1.S1-3.ª; de 29-04-2010, processo n.º 16/06.3GANZR.C1.S1-5.ª, e no domínio da anterior versão, veja-se o acórdão de 19-03-1999, BMJ n.º 485, pág. 121.

Nos termos do citado artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal e de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, será de desconsiderar, na feitura do cúmulo, tal pena no caso de ter sido declarada extinta nos citados termos.

       Já no acórdão de 19-03-1999, in BMJ n.º 485, pág. 121, se entendia que na operação do cúmulo jurídico não deve ser considerada a pena declarada extinta pelo decurso do prazo de suspensão, verificando-se a insuficiência da matéria de facto para a decisão, se esta não contiver elementos sobre a existência do decurso desse prazo.

       Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 10-09-2008, processo n.º 2500/08-3.ª Secção, a Lei n.º 59/2007, de 04-09, apenas alterou o regime do concurso superveniente de infracções no caso de uma pena que se encontre numa relação de concurso se mostrar devidamente cumprida, sendo tal pena doravante descontada no cumprimento da aplicável ao concurso de crimes nos termos da nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do CP.

       E segundo o acórdão de 08-10-2008, processo n.º 2490/08-3.ª, a modificação legislativa operada no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, em 2007, foi no sentido de incluir no cúmulo jurídico as penas já cumpridas, descontando-se na pena única o respectivo cumprimento, mas não as penas prescritas ou extintas.

       Estas últimas não entram no concurso, pois de outra forma, interviriam como um injusto factor de dilatação da pena única, sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram “apagadas”.

       Como referido no acórdão de 17-12-2009, no processo n.º 328/06.6GTLRA.S1, por nós relatado, «não é de operar a inclusão da pena suspensa declarada extinta, por tal “cumprimento” não corresponder a cumprimento de pena de prisão, por não estar em causa privação de liberdade e o desconto só operar em relação a medidas ou penas privativas de liberdade.

       A defender-se a integração de tal pena estar-se-ia a aumentar o limite máximo da moldura aplicável, pois integraria o somatório das penas parcelares concretamente aplicadas, como no caso presente, (…), ou mesmo noutras hipóteses, elevaria o limite mínimo nos casos em que tal pena correspondesse à mais elevada das parcelares em presença, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, sem que daí adviesse qualquer vantagem para o condenado por nada haver para descontar, o que redundaria num retrocesso relativamente ao regime anterior».

       E como referimos no acórdão de 20 de Janeiro de 2010, no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, publicado na CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, «A mostrar-se extinta a pena será de colocar a questão de saber se a mesma integra ou não o cúmulo, atenta a nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal.

 No que respeita a este processo, a pena aplicada foi declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, no termo final do período da suspensão da execução da pena.

 Face a tal extinção é de colocar a questão de saber se o cumprimento de uma pena de substituição como é a prisão suspensa na sua execução, que pode corresponder ao mero decurso do tempo, sem o arguido praticar outro ilícito criminal, deverá ser descontada, sendo a resposta negativa.

       Não é de operar a inclusão no cúmulo jurídico de pena suspensa entretanto declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, por não corresponder a cumprimento de pena de prisão, donde não estar em causa a privação de liberdade e o desconto só operar em relação a medidas ou penas privativas da liberdade.

 Sendo uma pena extinta não pode integrar o cúmulo».

       De acordo com o acórdão de 15-04-2010, processo n.º 852/03.2PASNT.L1.S1-3.ª, devem ser excluídas da pena conjunta as penas prescritas ou extintas que entraram no concurso, justificando que “se elas entrassem no cúmulo, interviriam como factor de dilatação da pena única, sem qualquer compensação para o condenado, por não haver qualquer desconto a realizar”.  

       Ainda no sentido de afastamento de desconto na pena única, de pena extinta nos termos do artigo 57.º do Código Penal, pronunciou-se o acórdão de 29-04-2010, proferido no processo n.º 16/06.3GANZR.C1.S1-5.ª, considerando que “não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final”.

       Defendendo o entendimento de que não são de englobar, mas antes de desconsiderar na elaboração do cúmulo, as penas suspensas posteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, no termo final do período de suspensão da execução da pena, podem ver-se, para além dos já referidos de 17-12-2009 (processo n.º 328/06.6GTLRA.S1) e de 20-01-2010, processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, publicado na CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, os acórdãos por nós relatados, de 23 de Novembro de 2010, no processo n.º 93/10.2TCPRT.S1; de 16 de Dezembro de 2010, processo n.º 11/02.1PECTB.C2.S1; de 02 de Fevereiro de 2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1; de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 1145/01.5PBGMR.S2; de 11 de Maio de 2011, processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1; de 26 de Outubro de 2011, processo n.º 312/05.7GAEPS.S2; de 18-01-2012, no processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227; de 02-05-2012, no processo n.º 841/06.5PIPRT-J.P1.S1; de 12-07-2012, processo n.º 76/06.7JBLSB.S1; de 17-10-2012, processo n.º 1236/09.4PBVFX.S1; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1; de 30-04-2013, processo n.º 207/12.8TCLSB.S2; de 1-10-2014, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1; de 15-10-2014, processo n.º 735/10.0GARMR.S1; de 27-05-2015, processos n.º 173/08.4PFSNT-C.S1 e n.º 232/10.3GAEPS.S1; de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.S1, de 16-06-2016, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1 (breve referência) e de 30-11-2016, no processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1.

       No mesmo sentido, entre outros, os acórdãos 11-05-2011, processo n.º 8/07.5TBSNT.S1-5.ª; de 25-01-2012, processo n.º 521/07.4TAPFR.S1-3.ª; de 08-02-2012, processo n.º 8534/08.2TAVNG.S1-5.ª; de 29-03-2012, processo n.º 117/08.3PEFUN-C.S1-5.ª; de 10-05-2012, processo n.º 60/11.9TCLSB.S1-5.ª; de 17-05-2012, processo n.º 471/06.1GALSD.P1.S1-5.ª; de 30-05-2012, processo n.º 15/06.5JASTB-A.S1-3.ª; de 21-06-2012, processo n.º 778/06.8GAMAI.S1; de 5-07-2012, processo n.º 134/10.3IPM.S1-5.ª; de 17-10-12, processo n.º  182/03.0TAMCN.P2.S1-3.ª; de 25-10-2012, processo n.º 242/10.0GHCTB.S1-5.ª; de 28-11-2012, processo n.º 21/06.0GCVFX-AQ.S1-3.ª; de 5-12-2012, processo n.º 1213/09.VPOER.S1-3.ª; de 14-02-2013, processos n.º 300/08.1GBSLV.S1-5.ª e n.º 241/99.1PBVNO-A.S1, da mesma relatora, defendendo que tal englobamento agravaria injustificadamente a pena única final, redundando no cumprimento de duas penas pelo mesmo facto (o cumprimento da pena de substituição e, depois dele, o cumprimento da pena substituída, na medida em que relevaria para a determinação da pena única conjunta); e n.º 194/05.9PLLSB.S1-5.ª (não são consideradas no concurso superveniente as penas de prisão suspensas na sua execução e, posteriormente, extintas nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP, isto é, sem cumprimento da pena principal); de 22-05-2013, processo n.º 900/05.1PRLSB.S1-5.ª (O segmento do art. 78.º do CP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04-09, em que se refere que “a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única aplicada”, justifica o entendimento de que é de desconsiderar, na feitura do cúmulo jurídico, a pena suspensa que tenha sido declarada extinta); de 12-06-2013, processo n.º 2234/10.0PBBRG.S1-5.ª; de 12-09-2013, processo n.º 14/06.8GBCBR.S1-3.ª; de 05-11-2013, processo n.º 37/09.4JAPRT.S1-5.ª; de 12-06-2014, processo n.º 300/08.1GBSLV.S2-5.ª, defendendo que tal englobamento traduzir-se-ia num agravamento injustificado da situação processual do condenado e afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que declarou extinta a pena; de 9-09-2015, processo n.º 342/10.7JALRA-A.C1.S1-5.ª; de 30-09-2015, processo n.º 425/070PBBRR:L2.S1-3.ª; de 15-10-2015, processo n.º 3442/08.0TAMTS.S1-5.ª (com conhecimento da extinção da pena no decurso da audiência que decorreu no STJ, não sendo integrada no cúmulo, assim se cumprindo o disposto no artigo 625.º do CPC, ex vi do artigo 4.º do CPP); de 26-11-2015, processo n.º 268/09.7TAGMR-A.G1.S1-5.ª (Se a pena de execução suspensa é extinta pelo decurso do prazo sem revogação, essa pena não deve integrar o cúmulo e, por conseguinte, também não deve ser descontada na pena única pois não houve cumprimento da pena de prisão substituída); de 4-02-1016, processo n.º 1081/06.9TAAGH-B.S1-5.ª; de 25-02-2016, processo n.º 13/13.2PJOER.S2-5.ª; de 28-09-2016, processo n.º 1511/02.9PBAVR.1.P1.S1-3.ª; de 20-04-2017, processo n.º 176/10.9IDRG.S1-5.ª; de 31-05-2017, do mesmo Relator em que interviemos como Adjunto, no processo n.º 331/09.4TASLV.E2.S1 e no processo n.º 489/10.0JALRA.L1.S1, da 3.ª Secção e de 13-07-2017, processo n.º 9/12.1GDSTB.E2.S1, em que igualmente interviemos como adjunto.

       Como refere André Lamas Leite, inA suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, pág. 610, citando acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2001, da 5.ª Secção, se a pena suspensa inicialmente aplicada for declarada extinta pelo cumprimento (artigo 57.º, n.º 1), não será tida em conta para efeitos de reincidência.

       Daqui decorre que a pena de substituição extinta por tal modo deve ser colocada no mesmo plano de desconsideração, quer se esteja face a cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, ou fora desse quadro, para efeitos de não consideração da agravativa de reincidência.  

 

       Revertendo ao caso concreto.

 

No despacho de fls. 154 que designou dia para a reformulação foi ordenada, e bem, solicitação ao processo n.º 24/11.2PEVRL de cópia certificada, com menção de trânsito em julgado, do despacho que declarou extinta a pena de prisão, suspensa na sua execução, aplicada ao arguido nesses autos.

O acórdão recorrido, como já referido, reportou esta condenação e declaração de extinção no final do relatório, a fls. 212, e por aí se quedou.

       O acórdão recorrido, pese embora esta menção, não justificou a não consideração da pena em causa.

O acórdão recorrido excluiu do cúmulo efectuado, de forma correcta, a pena aplicada ao condenado no referido processo, embora sem nada reportar a propósito da opção.

Como se referiu no acórdão de 3-06-2015, processo n.º 336/09.5GGSTB.S1, “A extinção opera pelo cumprimento da pena de substituição como tal, para a qual basta o decurso do prazo da suspensão sem que sejam cometidos outros ilícitos e só o cumprimento da prisão efectiva, o cumprimento da pena principal, é tido em conta na pena final.

O condenado que no período da suspensão da execução da pena não comete crimes nesse lapso de tempo, cumpre a simples obrigação, como qualquer comum cidadão, de não cometer crimes, não tem direito a descontos (de que teria?), porque apenas se comportou como um cidadão normal, fiel ao direito.  

       Em tais casos a pena é declarada extinta sem haver lugar a cumprimento da pena de prisão e para efeitos de desconto na pena única final só conta o cumprimento de pena de prisão efectiva”.

       Concluindo.

 

       Mostra-se correcta a não consideração no cúmulo efectuado (rectius, na reformulação do cúmulo anterior) da pena aplicada no processo n.º 24/11.2PEVRL.  


                                                                  ****

      Questão Única – Medida da pena única


      O recorrente nas conclusões A a R pugna por redução da medida da pena única aplicada, que considera manifestamente exagerada, mesmo atendendo às necessidades de prevenção geral, não indicando a pena que considera equilibrada, apenas dizendo na conclusão P pretender a fixação de uma pena mais reduzida.
       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser ajustada a pena aplicada, admitindo muito eventualmente a fixação em 9 anos de prisão.

      Neste caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções são aplicáveis as regras do disposto nos artigos 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas.

       Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes modificações legislativas supra referidas), que:

       “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
       E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
      
        Relativamente ao conhecimento superveniente do concurso, dispunha o artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior (introduzida pela reforma de 1995):
       “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.
       Com a 23.ª alteração ao Código Penal, introduzida com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor em 15 seguinte, o artigo 78.º (intocado nas referidas posteriores alterações de 2008, 2010, 2011, 2013, 2014, 2015 e 2017) passou a ter a seguinte redacção:
       1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
      2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado. 
      3 – (…).

      Resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, que no caso presente, a moldura penal do concurso se situa entre 4 anos de prisão – pena aplicada no processo n.º 783/12.5PAESP pelo crime de furto qualificado, cometido no dia 5-11-2012, em Vila Nova de Gaia, narrado no Facto 24 do acórdão proferido nesse processo – e 25 anos de prisão, o qual constitui o limite máximo, absolutamente incontornável, definitivamente inultrapassável, não sendo de considerar para este efeito o somatório material das penas parcelares (57 anos e 9 meses).

      Prosseguindo.

 

A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004 e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.

A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.

Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.

                                                         *****

No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

 

      Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo n.º 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, por nós relatado, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª.

Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.

                                                         *****

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, proferido no processo n.º 4431/03; de 20-01-2005, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª e da mesma data no processo n.º 3991/07-3.ª, este in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta Secção e do mesmo relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 512/13.3PGLRS.L1.S1-3.ª.

Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

                                                      ***

Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, de 24 de Fevereiro de 2010, de 9 de Junho de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 2 de Fevereiro de 2011, de 18 de Janeiro de 2012, de 5 de Julho de 2012, de 12 de Setembro de 2012 (dois), de 22 de Maio de 2013, de 1 de Outubro de 2014 (dois), de 15 de Outubro de 2014, de 17 de Dezembro de 2014, de 29 de Abril de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 25 de Maio de 2016, de 16 de Junho de 2016, de 23 de Junho de 2016, de 7 de Julho de 2016 (dois), de 13 de Julho de 2016, de 26 de Outubro de 2016, de 9 de Novembro de 2016, de 16 de Novembro de 2016, de 30 de Novembro de 2016, de 7 de Dezembro de 2016, de 4 de Janeiro de 2017, de 25 de Outubro de 2017 e de 15 de Novembro de 2017, proferidos no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, processo n.º 246/11.6SAGRD, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1 e processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, processo n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1, processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2, processos n.º 23/14. 2GBLSB.L2.S1 e n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1, processo n.º 101/12.2SVLSB.S1, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1, processo n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1, processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, processo n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, processo n.º 6547/06.8SWLSB-H.P1.S1, processo n.º 163/10.7GALNH.S1, processo n.º 336/11.5GALSD.S1:

“Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.

Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.

                                                        *****

Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.                                                  

Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, proferido no processo n.º 3126/06-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.

Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.

Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.

Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-2009, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª).

A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal.

É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.

Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1, de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1, de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2 e de 27-05-2015, processo n.º 173/08.48FSNT-C.S1: “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso.

Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.

Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes”.

Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.

Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª (CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227); de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª.

Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”.

Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.

Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos).

Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª.

       Na síntese do acórdão de 1-07-2015, processo n.º 315/11.2JELSB.E1.S1-3.ª Secção “O princípio da proporcionalidade em matéria de punição significa que a pena deverá ser fixada na justa medida, ou seja, não se poderá situar nem aquém, nem além do que importa para obtenção do resultado devido”.

       Como refere o acórdão de 13-07-2017, processo n.º 232/11.6GDCTX.E1.S1, da 3.ª Secção: “Por outro lado, ter-se-á de ter presente que toda e qualquer pena de prisão só é legalmente admissível quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, quando se revele consentânea com a culpa do agente e não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido, visto que só assim se conformará com o princípio constitucional da proporcionalidade ou da proibição de excesso, princípio expressamente consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República, o qual se desdobra em três subprincípios: princípio da adequação ou da idoneidade, princípio da exigibilidade ou da necessidade/indispensabilidade e princípio da proporcionalidade em sentido restrito. [Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (4ª edição), I, 392].

 

       Analisando.

       Como se viu, a moldura penal do concurso é no presente caso de 4 (quatro) anos a 25 (vinte cinco) anos de prisão.

      A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade dos ora recorrentes, em todas as suas facetas.                           

Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global de cada arguido.

Como se extrai dos acórdãos de 9-01-2008, processo n.º 3177/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181, de 25 -09-2008, processo n.º 2288/08 (a proporcionalidade da pena única, em função do ponto de vista preventivo geral e especial, é avaliada em função do bem jurídico protegido e violado; as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção), de 22-01-2013, processo n.º 650/04.6GISNT.L1.S1, de 26-06-2013, processo n.º 267/06.0GAFZZ.S1 (e de novo acórdão de 10-09-2014 proferido no mesmo processo) e de 1-10-2014, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1, todos da 3.ª Secção, um dos critérios fundamentais em sede do sentido de culpa em relação ao conjunto dos factos, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, assumindo significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.

E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, na pena única não pode deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.

No mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª e de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª Secção.

No mesmo sentido ainda, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado supra (Consequências…, § 421, págs. 291/2).

E mais recentemente, os acórdãos de 08-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1, de 29-01-2014, processo n.º 629/12.4JACBR.C1.S1 e de 26-03-2014, processo n.º 316/09.0PGOER.S1, todos da 3.ª Secção.
       Ao fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, há que ter presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre o condenado - acórdãos deste Supremo Tribunal de 05-03-2008, proferido no processo n.º 114/08, de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1, de 23-02-2011, processo n.º 429/03.2PALGS.S1, de 14-03-2012, processo n.º 1031/10.8SFLSB.L1.S1, de 22-05-2013, processo n.º 392/10.3PCCBR.C2.S1, de 26-10-2016, processo n.º 778/14.4GAPFR, de 16-03-2017, processo n.º 402/13.2PBBGC.S1 e de 13-07-2017, processo n.º 232/11.6PCTX.E1.S1, 3.ª Secção.

Concretizando.


Vejamos se no caso em reapreciação, como pretende o recorrente, é de reduzir a pena única aplicada na sequência da confluência dos vinte e três crimes ora em concurso.

      Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais ora postos em causa, concretamente, no crime de furto.

       Para José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II (Artigos 202.º a 307.º), Coimbra Editora, 1999, o bem jurídico protegido no tipo legal ora em causa, é a propriedade, salientando que o bem jurídico propriedade se deve ver como a especial relação de facto sobre a coisa – poder de facto sobre a coisa –, tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa, como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica, sendo a coisa, móvel, alheia e com valor patrimonial - §§ 18, 21, 24, 26 e 29, págs. 29, 30, 32, 33 e 34, adiantando no § 56, pág. 44, que o valor patrimonial da coisa constitui um elemento implícito do tipo legal de crime de furto.

       Mais à frente, a propósito do furto qualificado, afirma no § 8, pág. 58, que aqui o bem jurídico protegido se apresenta, não como na formulação linear da protecção de uma específica realidade patrimonial, como acontece no chamado furto simples, mas antes na defesa de um bem jurídico formalmente poliédrico ou multifacetado”.

       (Realces do texto).

       Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II (Artigos 202.º a 307.º), Coimbra Editora, 1999, afirma em anotação ao artigo 205.º, no § 2, pág. 94, distinguindo-se do abuso de confiança em que o bem jurídico protegido é exclusivamente a propriedade, no furto protege-se a propriedade, mas protege-se também e simultaneamente a incolumidade da posse ou detenção de uma coisa móvel, o que oferece, em definitivo, um carácter complexo ao objecto da tutela.

       Para Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, nota 2, pág. 793, O bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade, incluindo a posse e a detenção legítimas. O conceito penal de “propriedade” inclui o poder de disposição sobre a coisa,  com fruição das utilidades da mesma. 

       Para Victor Sá Pereira, Código Penal, Livros Horizonte, 1988, em anotação ao artigo 296.º do Código Penal de 1982, pág. 331, afirma. “O furto não é mais um delito de simples subtracção (de coisa alheia ou do valor de coisa alheia). É um crime de apropriação, que atinge o património mediante ofensa da propriedade”.

       A coisa subtraída e apropriada tem de ser alheia. Não importa, todavia, que esteja determinado ou seja determinável o seu dono ou detentor; mas há-de tratar-se de coisa inserida na propriedade de alguém. Não há furto, com efeito, de res nullius, de res dereclicta e de res commune omnium”.

       Para José António Barreiros, Crimes contra o património, Universidade Lusíada, 1996, pág.20, versando o Código Penal na versão de 1995, “O furto é um crime uniofensivo, pois agride apenas um bem jurídico, no caso a propriedade, a qual é um valor protegido pela Constituição e pelas Convenções protectoras dos direitos do Homem (…). As coisas não são o bem jurídico tutelado pela criminalização do furto, antes o mero objecto da acção no que a estes crimes respeita.

       No furto o bem jurídico atingido - e que a lei quer proteger – é a propriedade, embora haja furto mesmo que não se saiba quem é o proprietário da coisa e até estando a coisa furtada entregue a um mero detentor”.

Vejamos como foi abordada a questão da determinação da medida da pena única e se foi ou não observado no acórdão recorrido o critério especial, supra referido.

       O acórdão recorrido, a fls. 218/9, sobre a determinação da medida da pena única, discorreu da seguinte forma:

       “Em suma, o número de crimes é elevadíssimo, os factos que lhes estão subjacentes são graves e cronologicamente estenda[e]m-se bem bastante no tempo. Quanto à personalidade do arguido, cumpre reter que apresenta uma trajectória de vida marcada pelo consumo de drogas e associada a grupos de pares desviantes, com desemprego prolongado; em contexto prisional, tem adoptado um comportamento cumpridor das regras instituídas e frequenta a escola.
       Assim sendo, podemos concluir, por um lado, pela alta gravidade do “ilícito global” perpetrado e, por outro lado, por uma tendência criminosa que ultrapassa a mera situação de pluriocasionalidade. Por conseguinte, as exigências de prevenção geral positiva são grandes e as necessidades de prevenção especial positiva (de ressocialização) também são prementes.
       Tudo ponderado, tem-se como eficaz, justa, adequada e proporcional a condenação do arguido na pena única de 10 anos de prisão”.

      Analisando.

       O acórdão recorrido fixou a pena única sem apontar as conexões e ligações entre os crimes cometidos e a relação com o condenado, seu autor.

A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade dos recorrentes, em todas as suas facetas.

Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

Importa ter em conta a natureza e diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.
       Da caracterização do crime de furto deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade do património alheio.
       O valor patrimonial da coisa móvel alheia (elemento implícito do tipo legal de crime de furto, segundo Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, §§ 26 e 56, a págs. 33 e 44), como o da coisa roubada, ou apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar, obviamente, de ter alguma influência na determinação da medida da pena, e dir-se-á em caso de pena única a mesma consideração será de fazer reportada a ponderação final.

Sob esta perspectiva, em termos puramente objectivos, são de considerar os valores dos bens apropriados pelo arguido ora recorrente e demais co-arguidos no conjunto das várias actuações, tendo em vista descortinar na densificação da ilicitude, o grau de lesividade dos patrimónios atingidos, a medida do prejuízo patrimonial global causado pelos ilícitos.

       Sendo a propriedade de coisa móvel alheia o bem jurídico protegido com a incriminação do furto, estando em causa valores patrimoniais de quantitativo variado, a intensidade da agressão ao património do (s) visado (s) variará de acordo com o montante das quantias e o valor objectivo dos bens de que o proprietário é desapossado, sendo diverso o grau de lesividade do bem propriedade consoante esse valor, e daí o legislador distinguir entre o valor diminuto, o elevado e o consideravelmente elevado - artigo 202.º, alíneas a), b) e c) e artigo 204.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alínea a) e n.º 4, do Código Penal, sendo que a agravação em todos os casos provém do estroncamento/arrombamento de fechaduras.

       Significa isto que elemento preponderante, essencial, ou noutra perspectiva, elemento implícito do tipo legal, a ter em conta, é o valor pecuniário do objecto do crime de furto.

       O valor do bem subtraído, sendo circunstância que faz parte do tipo de crime de furto, integrando-o, entra directamente na previsão do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, ou seja, deve ser analisada ao nível da culpa do agente e das exigências de prevenção, mas também da alínea a) do n.º 2, do mesmo preceito, no que toca ao grau de ilicitude do facto.

    Como se reconhece no acórdão de 10-02-2010, proferido no processo n.º 1353/07.5PTLSB.S1-3.ª, citando Faria e Costa “Direito Penal Especial”, págs. 71 e 72, «o valor dos bens é um elemento de qualificação de todos os crimes contra o património. Coisas sem qualquer valor venal não são merecedoras, qua tale, de protecção penal através dos crimes contra o património. Nem mesmo aquelas cujo valor não atinge o «limiar mínimo de relevância para o mundo do direito penal».

       Como se pode ler no acórdão de 23-06-2010, proferido no processo n.º 246/09.6GBLLE.S1-3.ª “A determinação do valor da coisa objecto de crime é essencial como pressuposto necessário de integração diferencial, com reflexos fundamentais na qualificação ou não qualificação do crime e na moldura penal aplicável (…) a indeterminação dos valores, bem como a ausência de qualquer indicação sobre os bens que o recorrente pretendia retirar ao ofendido, na projecção material do in dubio, enquanto princípio relevante da prova sobre elementos de factos relevantes em processo penal, impõe que essa indeterminação tem de ser valorada a favor do recorrente”. 

       Como se defendeu nos acórdãos de 5-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1 e de 12-09-2012, processo n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1, por nós relatados, estas considerações valerão para a apreciação em sede da pena conjunta, de modo a perceber-se o impacto das condutas do arguido ao nível económico.

       O artigo 202.º do Código Penal, disposição preliminar do Título II do Livro II Parte Especial do Código Penal, sob a epígrafe “Dos crimes contra o património”, contém as definições legais que importam aos crimes contra a propriedade e contra o património em geral.

No que ora importa, o preceito introduzido com a terceira alteração ao Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, em vigor desde 1 de Outubro de 1995, e que optou por uma definição quantificada de conceitos enquanto fundamentos de qualificação ou privilégio, obviamente, considerada a vertente patrimonial, escalona as seguintes espécies de valor a ter em consideração no enquadramento de tais crimes:

a) Valor elevado – aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

b) Valor consideravelmente elevado – aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

c) Valor diminuto – aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.


Passando à conformação da imagem global da conduta do recorrente na vertente de agressão patrimonial, temos que a mesma abrange a apropriação de:

Processo n.º 432/12.1GAILH – Objectos em ouro e prata, como fios e anéis – cerca de 7.500,00 €.

Processo n.º 180/13.5GCVCT – Objectos, brincos e um computador, nos valores de 759,00 €, 60,00 € e 699,00 €, no total de 1.518,00 €.

Processo n.º 783/12.5PAESP – Aqui um furto simples, 16 furtos qualificados consumados e 4 furtos tentados (3 qualificados e 1 simples) – Variadíssimos objectos em ouro e em prata e outros artigos, como relógios, computadores, jogos Playstion, casacos, fatos de homem Miguel Vieira e Hugo Boss, perfumes, MP4, óculos de sol, máquinas fotográficas e de filmar e algum dinheiro.
Valor dos furtos consumados -131.475, 17 €
Alguns dos bens foram recuperados nos estabelecimentos que os haviam comprado aos arguidos, como resulta do Facto 42 do acórdão do processo em causa.
 Em dois casos – Facto 8 (58.322,68 €) e Facto 24 (38.609,00 €) – os valores integram o conceito de valor consideravelmente elevado, conforme o artigo 202.º, alínea b), do Código Penal - valor superior a 20.400,00 €.
Em quatro casos – Facto 25 (19.800,49 €), Facto 47 (14,743,00 €), Facto 1 (9.950,00 €) e Facto 3 (8.505,00 €) – os bens apropriados integram o conceito de valor elevado, conforme o artigo 202.º, alínea a), do Código Penal - valor superior a 5.100,00 €.

Conclui-se assim que em termos da lesão patrimonial, atentos os valores apropriados, assumiu a conduta do ora recorrente uma dimensão económica com relevo, salientando-se que apenas alguns bens foram recuperados.

Anota-se que nos três processos convocados a qualificação dos furtos foi feita sempre em função apenas da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal – penetração em casa de habitação com arrombamento – e não da alínea a), do mesmo n.º 2, pelo que não se verifica indevida dupla valoração.

 

Como antecedentes criminais o recorrente tem a referida condenação no processo n.º 24/11.2PEVRL, a qual foi suspensa, integrou o primeiro cúmulo e já foi declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.

       Procurando estabelecer a ligação e conexão entre os crimes cometidos, no que toca ao conjunto dos crimes praticados entre 31-05-2011 e 3-05-2013, está presente no modo de actuação do arguido, sempre acompanhado, penetrando em habitações através de arrombamento com extracção do canhão da fechadura das portas de entrada das habitações, e concretamente, no âmbito do processo n.º 783/12.5PAESP, actuou sempre acompanhado de pelo menos dois co-arguidos, deslocando-se em viaturas até Matosinhos, Vila Nova de Gaia (três vezes), Porto (duas), Ovar, Oliveira de Azeméis, Espinho, Maia, Gafanha da Nazaré (duas), Ílhavo (por duas vezes, sendo uma tentativa), Marco de Canaveses (por 5 vezes, quedando-se três por tentativa), tudo tendo como objectivo último apropriações de bens, artigos pessoais e valores, procedendo a venda de artigos em ouro em estabelecimentos da especialidade. 

       A conduta delitiva decorreu a espaços, de forma interpolada, intermitente, com tréguas: entre o primeiro e o segundo crime decorreram mais de quatro meses (31 de Maio a 15 de Outubro de 2011); o terceiro crime sobreveio mais de dois meses após, em 28 de Dezembro de 2011; entre 26 de Janeiro e 14 de Maio de 2012 (mais de três meses) e entre 15 de Maio e 5 de Novembro de 2012 (mais de cinco meses) e de 31 de Janeiro de 2013 a 3 de Maio de 2013, o arguido não actuou. No âmbito do processo n.º 783/12.5PAESP, a última conduta data de 31-01-2013, dia em que foram cometidos nove furtos, sendo que alguns dos co-arguidos continuaram em acção até 15 de Fevereiro seguinte.

      A conexão entre todas as condutas é evidente, procurando o arguido e demais arguidos obtenção de dinheiro para aquisição de droga, estando desempregado.

       No caso presente é elevado o grau de ilicitude dos factos e intenso o dolo.

       Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.

       Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

       E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

      Há que atender às condições pessoais do arguido, dadas por provadas e constantes do relatório social, supra enunciadas. O arguido iniciou consumo de cocaína depois dos 41 anos de idade, tendo sido submetido a tratamento no Estabelecimento Prisional do Porto em Setembro de 2013, quando preso preventivamente, tendo dificuldades de saúde com necessidade de acompanhamento médico continuado, esperando atribuição de pensão de invalidez.

       Releva a proximidade estabelecida com os descendentes, valorizando o apoio familiar.

       O recorrente nasceu em 6-01-1966, o que significa que à data da prática dos factos tinha entre 45 (31 de Maio de 2011) e 47 anos de idade (factos de 3 Maio de 2013), contando actualmente 52 anos de idade.

      Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo.

      Em causa a prática de uma série de 23 crimes de furto (um simples, dezanove qualificados e três tentados), cometidos ao longo de quase dois anos, de forma interpolada, sendo nove cometidos no dia 31-01-2013.

       Concatenados todos estes elementos, há que indagar se a facticidade dada por provada no seu conjunto permite formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, evidenciando-se alguma tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global, seja produto de tendência criminosa, ou antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a um conjunto de factos praticados em determinado período temporal, restando a expressão de uma mera ocasionalidade procurada pelo arguido.

       A facticidade provada não permite, no presente caso, formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que respondeu, e muito embora não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do arguido, certo é que a pluriocasionalidade foi procurada.

       O acórdão recorrido atribuiu ao arguido tendência criminosa, a fls. 219, como o fizera o mesmo Colectivo já aquando do primeiro cúmulo, a fls. 41, quando estavam em causa apenas três crimes de furto qualificado, sendo dois consumados e o outro tentado e punidos dois deles com pena de prisão suspensa na execução, cometidos em 4-07-2011, em 26-10-2012 e em 3-05-2013.

       Num tal quadro não se pode falar em tendência criminosa, para mais quando o primeiro contacto do arguido com o sistema de justiça ocorreu no processo n.º 24/11.2PEVRL, por factos de 4-07-2011, quando contava 45 anos de idade.

      A pena de dois anos de prisão aplicada por furto qualificado tentado foi suspensa por decisão de 13-11-2013, transitada em 3-04-2014, vindo a ser declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.

       Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido.

       Ponderando o modo de execução, a intensidade do dolo, directo, as necessidades de prevenção geral e especial, a idade do arguido, o período temporal da prática dos crimes em causa, afigura-se-nos ser adequada a pena única de 9 anos de prisão, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do recorrente.

      

       Concluindo.

1 – Cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos (tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena única de prisão superior a 5 anos), apreciar o recurso interposto do acórdão cumulatório, que fixou a pena única em dez anos de prisão.
2 – A decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, apreciando recurso em que está em causa apreciação de pena única de 10 anos de prisão, padece de nulidade insanável, tendo por efeito ser declarada nula, passando o recurso a ser apreciado pelo Supremo Tribunal, ficando a valer a decisão de 1.ª instância como decisão a apreciar.         
3 – O caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus, ou seja, nas circunstâncias que estiverem na base da sua formação.

 4 – A alteração das circunstâncias, a modificação da situação, do condicionalismo fáctico em que assentou a decisão anterior, com o surgimento de novas condenações, determina a necessária revisão da anterior decisão, cujo caso julgado está sujeito à cláusula rebus sic stantibus, conferindo a estas decisões necessariamente provisórias/intermédias/intercalares, a qualificação de uma espécie de decisões de trato sucessivo, de definição passo a passo, até à configuração definitiva, global e final. 

5 – Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.

6 – Na formulação de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, há que atender ao elemento fundamental e incontornável do trânsito em julgado das condenações pelas infracções potencialmente em concurso;

7 – O momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro (apenas questionável em sede de eventual recurso extraordinário de revisão), a solene advertência ao arguido.

8 – O trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, o limite até onde se pode formar/agrupar um conjunto de infracções em que seja possível unificar as respectivas penas.
9 – O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
10 – A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.

11 – A partir desta data em função dessa condenação transitada deixam de valer discursos desculpabilizantes das condutas posteriores, pois que o (a) arguido (a) tendo respondido e sido condenado (a) em pena de prisão por decisão passada em julgado, não pode invocar ignorância acerca do funcionamento da justiça penal, e porque lhe foi dirigida uma solene advertência, teria de agir em termos conformes com o direito.

12 – Esta data marca, pois, o fim de um ciclo e o início de um novo período de consideração de relação de concurso para efeito de fixação de pena única. A partir de então, havendo novos crimes cometidos desde tal data, desde que estejam em relação de concurso, terá de ser elaborado com as novas penas um outro cúmulo e assim sucessivamente.

 13 – Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma crítica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá. 
14 – A partir da decisão condenatória que tiver em primeiro lugar transitado em julgado, os crimes cometidos depois da data do trânsito deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma “primeira fase”, em que o agente não foi censurado, atempadamente, muitas vezes, há que reconhecê-lo, por deficiências, a vários níveis, do sistema de justiça, ganhando assim, o agente, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da oportuna acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, já após advertência de condenação transitada em julgado, abrindo-se um “ciclo novo, autónomo, subsequente”, em que o figurino não será já o de acumulação de crimes, mas de sucessão.

15 – Na consideração da personalidade para a medida concreta da pena conjunta de cúmulo jurídico devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.

16 – Tendo sido interpostos recursos das decisões condenatórias integrantes do cúmulo é de factualizar o facto e o resultado final.

17 – A pena de prisão suspensa na execução integra o cúmulo jurídico.

18 – A não justificação de integração no cúmulo integra nulidade por omissão de pronúncia.

19 – Tal nulidade é suprível, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, do CPP, a partir da redacção dada pela Lei n.º 20/2013 de 21 de Fevereiro, devendo ser suprida na presença dos elementos a ter em conta. 

20 – Encontrando-se esgotado o prazo de suspensão, invocando o princípio da actualidade, é de relegar para a instância pronúncia sobre o estado actual da situação.

21 – A pena suspensa declarada extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, não integra o cúmulo jurídico.

22 – A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

23 – Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais presentes no concurso.

24 – Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, em todas as suas facetas.                             

25 – À fixação da pena conjunta deve presidir o respeito pelos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

26 – Ao fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, há que ter presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre o condenado na pena única, não podendo deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.

27 – São igualmente de factualizar os tempos de cumprimento de prisão ou de prisão preventiva. Sendo essencial e indispensável, no plano da exposição/enunciação/enumeração da matéria de facto, face à nova versão do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal (“a pena cumprida será descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”), narrar o cumprimento da pena imposta em algum (ns) dos processos englobados no cúmulo, importa, no presente, inovador, quadro legal, factualizar o que ocorre a esse nível, o que determinará a prévia recolha dos elementos imprescindíveis. A este específico respeito, sempre haverá de narrar - se (dar-se notícia) para posterior ponderação, o que consta dos autos, pois as penas extintas pelo cumprimento actualmente integram o cúmulo.

28 – Em sede de requisitos primários serão igualmente de coligir os tempos de cumprimento de pena de prisão ou de detenção sofridos pelo arguido nos vários processos englobados a ter em conta, factualizando-os, em observância do disposto nos artigos 78.º, n.º 1 e 80.º do Código Penal.

  
        Decisão

      Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recurso interposto pelo arguido AA, em:

       I – Declarar nula, por incompetência material e funcional, a decisão sumária de 11-08-2017, proferida no Tribunal da Relação de Guimarães, bem como o que se lhe segue, com excepção das intervenções da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, de fls. 336/7, 577 e fls. 621 a 626 e dos despachos de fls. 338, 578, 629 e 635;

       II – Conhecendo do acórdão do Colectivo de Viana do Castelo, supridas nulidades verificadas, julgar parcialmente procedente o recurso, fixando-se a pena única em 9 (nove) anos de prisão.
       Sem custas, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26-02-2008, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, Diário da República, 1.ª série, n.º 81, de 24-04-2008, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).

       Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do CPP.

Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 7 de Março de 2018  

Raul Borges (Relator)

Gabriel Catarino