Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
709/03.7 TTBRG.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
MATÉRIA DE FACTO
TITULARES DAS PENSÕES
INCONSTITUCIONALIDADE
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Em sede de recurso, a junção de documentos com base no disposto no art. 706.º, n.º 1 (parte final) do CPC, só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância, por esta se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam.
II - Resultando dos autos que os documentos oferecidos pelos AA. com a alegação da sua apelação se reportam a factos anteriores à própria petição inicial e nesta alegados e que esses documentos podiam ter sido juntos até ao encerramento da discussão em 1ª instância e não resultando a necessidade da sua junção de meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em aplicação ou interpretação por este de regra de direito com que os AA. não pudessem justificadamente contar, falece fundamento para a pretendida junção com a alegação da apelação.
III - Não obstante o relatório do IDICT sobre o acidente revestir a natureza de documento autêntico (art. 363.º, nº 2 CC), o mesmo não tem força probatória plena sobre os factos relativos às circunstâncias concretas em que se verificou o acidente pois não se destina a firmar uma versão definitiva e inatacável acerca do modo e circunstâncias como aquele acidente ocorreu pelo que, quanto a esses factos, o relatório é livremente apreciado pelo julgador de facto, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre tais factos (art. 729º, nº 2 e 722.º, n.º 2 do CPC).
IV - O art. 20.º, n.º 1, alínea d) da LAT ao fazer depender a atribuição da pensão por morte aos ascendentes do sinistrado da contribuição regular deste para o sustento daqueles, não viola o princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP, relativamente àquele que beneficia da pensão por morte por estar casado com o sinistrado no regime de separação de bens ou porque com ele vivia em união de facto, nos termos da alínea a) do mesmo preceito legal.
V - Não são iguais ou equiparáveis as situações dos ascendentes do sinistrado e as dos cônjuges – ainda que casado no regime de separação de bens – do sinistrado ou daquele que com este vivia em união de facto, uma vez que é tipicamente imanente das situações de casamento e de união de facto, a contribuição económica e recíproca entre as partes, que, no casamento, assume mesmo a natureza de obrigação recíproca de assistência, abrangendo o dever de alimentos, sendo que, nas uniões de facto há que reconhecer que essas contribuições económicas, ainda que, como meras situações de facto, são típicas da própria caracterização da figura; tais situações não são essencialmente típicas da relação familiar entre ascendentes e descendentes ou entre irmãos, em que a lei contempla a mera eventualidade de, face a circunstâncias concretas de necessidade de sustento de uns e de possibilidade económica dos outros, haver lugar à obrigação de alimentos.
VI - A diferença entre as referidas situações justifica, e explica, em termos razoáveis e proporcionados, a diferença de tratamento normativo.
VII - Não estando provados factos que demonstrem que o sinistrado vinha a contribuir com regularidade para o sustento dos AA. (seus pais e irmã), e que estes careciam ou necessitavam dessa contribuição – sendo certo que a estes competia alegar e provar tais factos, como beneficiários da reclamada reparação –, improcede o pedido de condenação das RR. no pagamento das pensões anuais e vitalícias e despesas de transporte.
VIII - Subsumindo-se o acidente de trabalho à previsão do n.º 1 do art. 18.º LAT, há direito a indemnização por danos morais contra a empregadora, a efectuar nos termos gerais do direito civil, o que traduz uma modalidade especial de reparação, já que esse direito não vem elencado entre as prestações normais previstas nos art. 10.º a 17.º e 19.º a 24.º da LAT.
IX - Não estando provados factos que permitam concluir que a entidade empregadora ou o seu representante tivessem violado deveres de cuidado, atenção ou diligência, que seriam seguidos por um empregador normal, colocado na posição da R. e que, assim, tivessem contribuído para a produção do acidente ou que aqueles tenham violado qualquer regra legal de segurança no trabalho, causal do acidente, não há lugar à reclamada indemnização por danos morais.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I - Os autores AA, BB e CC, instauraram a presente acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, no que aqui interessa, contra as rés DD, S.A., e Companhia de Seguros T..., SA (1) , pedindo a condenação:
Da 1ª R. a pagar:
- A cada um dos AA. AA e BB, pais do sinistrado
- a pensão anual e vitalícia de € 9 957,08, com início em 24.05.2003 e juros vencidos desde esta data e vincendos até integral pagamento;
- a quantia de € 40.000,00, a título de indemnização por danos morais (e perda do direito da vida), com juros desde a citação até ao pagamento;
A ambos, a quantia de € 108,00, a título de despesas de transportes
- À A. CC, irmã do sinistrado
- a pensão anual e temporária de € 9.957,08, com início em 24.05.2003 e juros vencidos desde esta data e vincendos até integral pagamento; e
- a quantia de € 25.000,00, a título de indemnização por danos morais, com juros desde a citação.
E, subsidiariamente, quanto a ambas as RR., a condenação:
- na pensão anual e vitalícia de € 1.493,56 para os AA. pais;
- na pensão anual e temporária de € 1.493,56 para a A. irmã;
- € 180,00 de despesas de transporte.
Alegam, para tanto, em síntese, que o sinistrado EE sofreu um acidente de trabalho ao serviço da 1ª R., que consistiu em ter sido esmagado pela máquina "cilindro misto" que manobrava, lesões essas que lhe determinaram, directa e necessariamente, a morte, sendo que o acidente ocorreu por violação de regras de segurança na execução do trabalhos por parte da referida R..

As RR. contestaram.
A R. seguradora sustentando que a responsabilidade apenas estava para si transferida por parte do salário alegado e que, a provar-se a culpa da entidade patronal, a sua responsabilidade é meramente subsidiária.
A R. patronal impugnando, no essencial, o articulado pelos AA., e alegando, em resumo, que o acidente foi exclusivamente imputável ao sinistrado que, de forma negligente, efectuou a manobra e que foram respeitadas todas as normas de segurança, não tendo sido dada qualquer instrução no sentido de o sinistrado utilizar o caminho em que o acidente ocorreu.

Os AA. responderam nos termos constantes de fls. 596 e seguintes, concluindo como na p.i..

No despacho saneador, decidiu-se pela incompetência material do Tribunal do Trabalho relativamente aos pedidos formulados contra as RR. e intervenientes demandadas, referidas na nota de rodapé n.º 1, prosseguindo a acção apenas contra as mencionadas RR. DD, SA (que incorporou a R. T4T) e Companhia de Seguros T..., SA..
Condensada, instruída e discutida a causa, com gravação da prova, foi proferida sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu do pedido as RR. DD, SA (doravante, por facilidade, DST,SA) e T....

Inconformados, apelaram os AA., pedindo a revogação da sentença, com a condenação das RR. nos termos peticionados.

Por seu douto acórdão, a Relação do Porto julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida, tendo ordenado ainda, que, após trânsito do acórdão, baixando os autos à 1ª instância, se diligenciasse pelo cumprimento do disposto no art.º 20º, n.º 6 da LAT.


II – Novamente inconformados, os AA. interpuseram a presente revista em que formularam as seguintes conclusões:
1ª - Os recorrentes, para alteração da matéria de facto relativa à contribuição do sinistrado para o seu sustento, juntaram com as suas alegações de recurso para o Dmo Tribunal da Relação, os documentos de fls. 1084 a 1115 (extractos das contas individual do EE e solidária) em que, quer quando o sinistrado era menor de idade (conta individual), quer quando já maior (solidária), a mãe, ora recorrente, sempre figurava como co-titular.
2ª- Os recorrentes justificaram a sua junção com a interpretação que o Mmo Juiz do Tribunal de 1ª instância fez do teor dos documentos bancários juntos com a p.i., mais concretamente com as ilações dele retiradas e que vieram a determinar, de forma directa, a resposta dada aos quesitos 23°, 24° e 27° da Base Instrutória, junção essa que o Tribunal recorrido julgou inadmissível por entender não ser subsumível na previsão constante dos artigos 524° e 706° do Cód. de Proc. Civil.
3ª- Tais documentos foram juntos em sede de alegações de recurso para demonstrar, como efectivamente demonstram, que mesmo após a maioridade do sinistrado, a sua mãe continuava a figurar como titular da conta solidária e a movimentá-la livremente.
4ª- O Tribunal de 1ª instância, perante documentos idênticos juntos com a p.i., formou a convicção de que os mesmos traduzem a movimentação da conta, em exclusivo, pelo falecido, o que condicionou a resposta que mereceram os quesitos 23°, 24° e 27° da Base Instrutória, ao contrário do Tribunal recorrido que entende que os documentos juntos com as alegações (extractos bancários) nada revelam acerca da identidade da pessoa que fez os movimentos dele constantes.
5ª- Os documentos nos quais o Tribunal de 1ª instância alicerçou sua convicção para responder aos quesitos 23°, 24° e 25° da Base Instrutória foram juntos com a p.i. sob os n.°s 5, 6, 7, 8 e 9 para prova do real montante da retribuição auferida pelo falecido – e apenas para isso – pelo que se tratava de um simples extracto que não identificava a totalidade dos titulares da conta - vide artigos 61 a 67 da p.i..
6ª- Tais documentos, sem que nada o fizesse prever, foram utilizados, por si sós, pelo Tribunal de 1ª instância para fins distintos, nomeadamente para aquilatar do grau de contribuição do sinistrado para as despesas dos recorrentes, com total desprezo pela demais prova produzida.
7ª- Ao procederem, em cumprimento do estatuído no art.° 523 do Cód. de Proc. Civil, à junção na p.i. de um documento para prova de um determinado facto (montante da retribuição), os ora recorrentes juntaram aquela que entendem ser uma prova suficiente e bastante para esse facto, não lhes sendo minimamente previsível ou antecipável que esse mesmo documento seria utilizado para provar ou infirmar um outro facto mais amplo (contribuição regular do sinistrado para os recorrentes), para o qual não tem valor probatório suficiente (ou seja, não pode, por si só, esclarecer tal facto no sentido de o validar ou infirmar), e para o qual foram indicados outros elementos probatórios.
8ª- O Tribunal de 1ª instância, salvo o devido e merecido respeito, não podia servir-se dos documentos bancários juntos sob os n.° 5 a 9 da p.i. para prova do montante da retribuição como ponto de partida da avaliação dos depoimentos testemunhais produzidos em audiência de discussão e julgamento sobre a contribuição do EE para os recorrentes.
9ª- A junção de documentos com as alegações de recurso tornou-se necessária perante as ilações – inesperadas – retiradas pelo Tribunal de 1ª instância dos documentos juntos com a p.i., pois permitiam verificar que as testemunhas depuseram com credibilidade e isenção, e porque é que a irmã do sinistrado afirmava que a mãe, ora recorrente, tinha os cartões da conta bancária de que o sinistrado era co-titular.
10ª- Sendo certo que a contribuição regular do EE para os recorrentes ocorria com os levantamentos que permitia fossem efectuados da conta na qual era depositada a sua retribuição.
11ª- Por isso, devem os documentos juntos com as alegações de recurso para o Tribunal da Relação ser admitidos, e uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça não conhece da matéria de facto, salvo em raras e contadas excepções, deve ordenar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que esta, considerando os mesmos, os avalie no conjunto da demais prova produzida, e proceda à alteração das respostas que mereceram os quesitos 23°, 24° e 27º da Base Instrutória.
12ª -Para a fixação da matéria de facto constante dos quesitos atinentes à culpa da entidade patronal, no sentido em que o foi, o Mmo Tribunal a quo (e o Tribunal da Relação que confirmou a decisão de primeira instância) procederam a uma errada apreciação e valoração dos elementos probatórios constantes dos autos, com especial destaque para o relatório do então IDICT, agora ACT, cuja força probatória não foi respeitada no confronto com a demais prova.
13ª- Do relatório do IDICT, elaborado em campo e perante as exactas condições físicas e espaciais em que se desenrolaram os acontecimentos de que se cuidam neste processo, resulta de forma clara e insofismável a culpa da entidade patronal, aqui recorrida, na produção do acidente.
14ª- Tal relatório, elaborado por técnicos especialistas e de grande experiência, alicerçado numa investigação levada a cabo na imediata sequência do trágico acidente, quando as condicionantes físicas não haviam ainda sido perturbadas e a memória das testemunhas não começara ainda a ser moldada pelo decurso do tempo – e que é por isso, o elemento probatório de maior valor e precisão quanto às exactas causas e condições que originaram e em que se desenrolaram os factos – não foi devidamente valorado.
15ª- Nenhum elemento probatório constante dos autos tinha valor probatório bastante e suficiente para infirmar as conclusões daquele relatório, cuja força probatória não foi, por isso, respeitada.
16ª- Pelo que o teor do relatório do IDICT e a força probatória que lhe deve ser reconhecida impõe que sejam alteradas por este Dmo Tribunal (art.° 729 n.°2 e 722 n.° 2 do Cód. de Proc. Civil), ou por ele ordenada a alteração ao Tribunal a quo, as respostas dadas os quesitos 5º, 6º, 11°, 13°, 16°, 17° da Base Instrutória referentes à culpa da entidade patronal do falecido EE na produção do sinistro que o vitimou.
17ª- Em todo o caso, da matéria dada como provada – particularmente aquela que resultou das respostas dadas aos quesitos 4, 6 a 9, 10, 11, 13 e 19 –, resulta claramente a culpa da entidade patronal.
18ª- Da matéria fixada resulta que o trajecto que devia ser utilizado para aceder à frente norte da empreitada se encontrava obstruído com terra até uma altura de cerca de um metro (resposta ao quesito 13) e que tal sucedia apenas porque a escavação efectuada dias antes havia alterado a morfologia do terreno (resposta ao quesito 4).
19ª- Por via de tal facto, o falecido EE passou a dispor apenas de dois trajectos absolutamente desadequados e desaconselhados, sem que fosse ordenada a suspensão dos trabalhos em virtude do aterro do trajecto previsto.
20ª- Tais circunstâncias impunham que o EE recorresse a um trajecto de cerca de 500 metros que utilizava a via pública (resposta ao quesito 19) – onde a motoniveladora não pode circular por imposição legal; ou um trajecto que consistia num antigo caminho municipal com 3,70 metros de largura (resposta aos quesitos 6 a 9), e que deixava apenas cerca de 60 cm – o comprimento de um antebraço humano – de cada lado das rodas traseiras (rodas direccionais) atenta a largura do cilindro (resposta ao quesito 10).
21ª- É público e notório, e como tal não carece de alegação e prova, que uma motoniveladora com as características daquela que o falecido EE conduzia é de manobrabilidade extremamente difícil e não deve ser utilizada em planos inclinados ou curvas, sobretudo por causa do peso do cilindro que torna a distribuição do peso da máquina desigual ao longo do eixo bilateral.
22ª- O falecido EE foi obrigado – por culpa da entidade patronal que não cuidou de assegurar as necessárias condições de segurança no local de trabalho, mormente a existência de um trajecto adequado ao tipo de maquinaria pesada que a empreitada exigia – a circular por um caminho que não foi sequer objecto de intervenção para garantir a resistência ao peso da motoniveladora.
23ª- A entidade patronal permitiu que o trajecto mais adequado fosse aterrado (resposta aos quesitos 4º e 13), não cuidando da sua desobstrução – o que lhe competia – e forçando o malogrado EE a conduzir uma máquina com as características da motoniveladora por um trajecto que não só não era o adequado, como apresentava riscos acrescidos em virtude da insuficiente largura, e por se estender num plano inclinado e com curvas, tudo isso sendo directamente causal do acidente que, não fora a incúria da entidade patronal, aqui recorrida, teria sido facilmente evitado.
24ª- Como contrapartida do dever de obediência e respeito que incumbe ao trabalhador, existe o dever de assegurar as condições de segurança e higiene no trabalho, que incumbe à entidade patronal, o qual foi descurado.
25ª- A matéria dada como provada permite concluir pela culpa da recorrida/entidade patronal do EE na produção do sinistro.
26ª- A actividade de condução de um cilindro é necessariamente uma actividade perigosa, pelas características e dimensão da máquina, e especial formação que exige para o efeito.
27ª- Não era aos recorrentes que incumbia a prova da inobservância das regras de segurança – pese embora a tenham realizado – mas à entidade patronal a prova da sua observância, nos termos do art.° 493.° do Cód. Civil.
28ª- Tal disposição estabelece uma inversão – do ónus de prova, ou seja, uma presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa, pelo que era à recorrida a quem incumbia a prova de que não actuou com culpa.
29ª- O pedido de indemnização por danos morais terá manifestamente que proceder atenta a matéria de facto que se encontra provada, concretamente sob as alíneas A) e B) da especificação e por via das respostas dadas aos quesitos 1°, 28°, 29°, 30°, 31°, 32° e 33° da Base Instrutória.
30ª- Com efeito, mostram-se preenchidos os requisitos constantes dos art°s 483° e ss e 493 do Cód. Civil de que depende a procedência dos pedidos de indemnização formulados a título de danos morais, procedência que se impõe com a consequente condenação no pagamento aos recorrentes dos montantes reclamados a tal título na p.i..
31ª- O art.° 20 n.° 1 d) da LAT quando faz depender a atribuição da pensão por morte aos ascendentes do sinistrado da sua contribuição regular para o seu sustento é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade previsto no art.° 13° da Constituição da República, relativamente àquele que beneficia da pensão por morte por estar casado com o sinistrado no regime da separação de bens ou com ele viver em união de facto.
32ª- É compreensível que tal requisito não seja imposto quanto ao cônjuge casado no regime da comunhão geral ou no regime da comunhão de adquiridos por o rendimento do trabalho ser, por via do regime de casamento, bem comum do casal, e por isso, presumivelmente, afecto ao sustento de ambos.
33ª- Todavia, tal requisito da contribuição regular não é imposto ao cônjuge casado com o sinistrado no regime da separação de bens ou em união de facto, para lhe ser atribuída a pensão por morte, quando o rendimento do trabalho não é considerado bem comum do casal.
34ª- Na verdade, em tais situações, contempladas na alínea a) do n.° 1 do art.° 20 da LAT, o legislador presume que contribuição regular e necessária do sinistrado para a economia doméstica, para o agregado familiar de que faz parte ocorre sem necessidade da demonstração efectiva de tal ocorrência, e com tanto se basta para atribuir àqueles o direito à pensão por morte.
35ª- Ora, em situação análoga à descrita encontram-se os ascendentes; todavia, aqui o legislador e a despeito de, como nos diz a experiência da vida, os descendentes contribuírem para as despesas domésticas e, consequentemente, para a satisfação das necessidades do seu agregado familiar, faz depender a concessão da prova da regularidade – e da necessidade, por entendimento jurisprudencial – da contribuição para que lhes seja atribuída a pensão por morte do seu filho.
36ª- Assim, no modesto entendimento dos recorrentes, situações análogas são merecedoras de tratamento desigual, em violação manifesta do princípio da igualdade consagrado constitucionalmente.
37ª- Daí que a norma constante do art.° 20 n.° 1 al. d) da LAT, no segmento relativo aos requisitos da regularidade e necessidade (que a jurisprudência nele considera implícito), tenha que ser havido como inconstitucional, e por isso deve o Tribunal abster-se da sua aplicação.
38ª- Consequentemente, sempre a pensão anual deve ser atribuída aos ascendentes, ora recorrentes, por se ter que considerar inconstitucional quanto a eles a exigência de alegação e prova da regularidade da contribuição da vítima e necessidade que possuíam da mesma.
39ª- Deste modo, a douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos art.°s 524° e 706° do Cód. de Proc. Civil, 18°, 21°, n.° 1, al. d), 37°, n.° 2 da LAT, 342, 344, n.° 1, 483° e 493° do Cód. Civil e 13° da Constituição da República.
Terminou pedindo que sejam admitidos os documentos juntos com a alegação da apelação, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação, para que os mesmos sejam avaliados no conjunto da demais prova produzida, e alteradas as respostas dadas aos quesitos 23°, 24° e 27° da Base Instrutória;
E que se assim se não entender, deve ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por um outro que julgue a acção provada e procedente, condenando-se as recorridas a pagar aos recorrentes os montantes reclamados na p.i..

Só a R. DD, SA contra-alegou, tendo, por despacho de fls. 1404, sido ordenado o desentranhamento da contra-alegação, por intempestiva.

No seu douto parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.


III – A sentença julgou a acção improcedente e absolveu as RR. dos pedidos.
O acórdão recorrido, após não ter admitido a junção dos documentos oferecidos pelos AA., na alegação da apelação, negou provimento a esta e confirmou a sentença.

Os AA. impugnam o acórdão recorrido, defendendo, em síntese:
- é de admitir a junção dos referidos documentos e de ordenar a baixa dos autos à Relação, para ser reapreciada a prova, com a alteração das respostas aos n.ºs 5, 6, 11, 13, 16 e 17 da Base Instrutória;
Caso assim se não entenda,
- é inconstitucional a al. d) do n.º 1 do art.º 20º da LAT;
- é de concluir pela culpa da R. empregadora na produção do acidente;
- há lugar à condenação das RR. nos termos peticionados, incluindo nas indemnizações por danos não patrimoniais.

São, pois, essas as questões que, levadas às conclusões da revista, constituem objecto da mesma (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC, na redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24.08, a aplicável (2).

O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
1 - Os AA. AA e BB são pais de EE, nascido a 23/11/82 e falecido, no estado de solteiro, às 11,14 horas do dia 23/5/03 – al. A) da especificação.
2 - A A. CC, nascida a 16/3/1987, é estudante e irmã do falecido EE. - al. B).
3 - A 3/2/03, o EE foi admitido ao serviço da R. T4T (agora DD) para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer a sua actividade profissional, a qual era ultimamente a de condutor/manobrador – al. C).
4 - Auferia, pelo menos, a remuneração mensal de € 429,00 por mês – al. D).
5 - Enquanto esteve ao serviço da R. entidade patronal o EE fez regularmente duas horas de trabalho extraordinário – resposta ao quesito 2º.
6 - Tendo recebido desta R., de salário e trabalho extraordinário, os seguintes montantes:
- €574,96 relativo ao mês de Fevereiro;
- €713,76 relativo ao mês de Março;
- €706,25 relativo ao mês de Abril;
- €849,89 relativo ao mês de Maio - resposta ao quesito 3º.
7 - No dia 23/5/03, pelas 10,24 horas, o EE encontrava-se a desempenhar a sua actividade para a sua entidade patronal numa empreitada que decorria no Lugar de Ossada, freguesia de Priscos, Braga, conduzindo uma motoniveladora (vulgo cilindro misto), quando esta caiu – al. E).
8 - Na queda, o cilindro rodou sobre si mesmo, tendo estabilizado junto à parede escavada do lado norte da escavação, em posição invertida, com a cabine esmagada – al. F).
9 - Em consequência, o EE sofreu graves lesões cráneo-encefálicas e toráxicas, vindo a falecer, já no hospital S. Marcos, para onde foi conduzido pelo INEM – al. G).
10 - As obras em causa consistiam numa escavação destinada à construção de uma passagem inferior rodoviária, designada por P6, sob a futura linha de caminho de ferro – al. H).
11 - Aquela escavação tinha cerca de 15 metros de comprimento, 5 metros de profundidade pelo lado norte e 7 metros pelo lado sul – al. I).
12 - No referido dia 23, decorriam trabalhos de movimentação e nivelamento de terras a montante da referida escavação (lado norte) e trabalhos de compactação de solos a jusante da mesma (lado sul) – trabalhos de terraplanagem, nomeadamente escavação e aterros do troço ferroviário. - al. J).
13 - O EE, com a referida motoniveladora, procedia à compactação das terras resultantes da movimentação e nivelamento do solo – al. L).
14 - A escavação realizada poucos dias antes havia alterado a morfologia do terreno, impedindo a circulação de equipamentos ao longo do trajecto da via - resposta ao quesito 4º.
15 - Existia um trajecto para aceder à frente de trabalho norte, trajecto esse que ladeava a escavação referida em 10) e 11), o qual foi utilizado pelo EE conduzindo o cilindro - resposta ao quesito 5º.
16 - Esse trajecto consistia em circular num antigo caminho municipal paralelo à mesma escavação, caminho este que tinha cerca de 3,70 m de largura desde o bordo superior da escavação até ao muro do lado contrário, o qual efectuava uma curva para subir uma rampa e que era constituído por um terreno desnivelado - resposta aos quesitos 6º a 9°.
17 - O cilindro tinha a largura de 2,140. - resposta ao quesito 10°.
18 - O que poderia originar uma aproximação das rodas traseiras do cilindro ao bordo superior do talude norte - resposta ao quesito 11°.
19 - Tinha existido um outro trajecto que permitia a circulação do equipamento de trabalho para a frente norte, o qual naquela data se encontrava obstruído com terra com cerca de um metro de altura – resposta ao quesito 13°.
20 - Havia a possibilidade de aceder à frente norte efectuando um trajecto que utilizava a via publica e se traduzia num percurso de cerca de 500 metros - resposta ao quesito 19°.
21 - A R."T4T" havia transferido para a R. seguradora, através de contrato de seguro, ramo de acidentes de trabalho, a responsabilidade resultante de acidente de trabalho ocorrido com o A., tendo em conta a retribuição de € 427,80 x 14 + 91,30 x 11 - al M) da especificação
22 - A R. “T4T"/DD pagou as despesas de funeral do EE - al. N) da especificação.
23 - Os AA. gastaram € 108,00 em deslocações a este tribunal – al. O) da especificação.
24 - EE faleceu sem deixar descendentes e sem ter feito qualquer disposição de última vontade - resposta ao quesito 1º.
25 - A A. BB é doméstica, não exercendo qualquer actividade remunerada - resposta ao quesito 25°.
26 - O EE era um jovem alegre, dotado de enorme vitalidade e no auge das suas faculdades físicas e mentais - resposta ao quesito 28°.
27 - Sofreu com plena consciência que se debatia entre a vida e a morte, lutando desesperadamente pela vida - resposta ao quesito 29°.
28 - Com a morte do seu filho, os AA. sofreram um choque indescritível e um desgosto profundo que para sempre os acompanhará - resposta ao quesito 30°.
29 - Perderam por completo a sua alegria de viver, mergulhando numa permanente situação de angústia e desespero - resposta ao quesito 31°.
30 - A A. CC, que não tem mais irmãos, sentia pelo EE uma especial afeição, partilhando com ele todas as suas alegrias, aborrecimentos e problemas - resposta ao quesito 32°
31 - Sendo retribuída pelo EE, que sentia profundo orgulho e afeição por ela - resposta ao quesito 33.


IV – Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Atenta a data do acidente (23.05.2003), ao caso dos autos é aplicável – como foi entendido nas instâncias, com a concordância das partes – o regime jurídico dos acidentes de trabalho aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13.09, doravante designada por LAT, e pelo respectivo Regulamento, constante do DL n.º 143/99, de 30.04 (RLAT), conforme art.ºs 41º, n.º 1, a) da LAT e 71º, n.º 1 do RLAT.

Na revista, os AA. suscitam a questão da admissibilidade da junção dos documentos de fls. 1084 a 1115.
Impugnam aí a decisão de fls. 1306 e verso, constante do acórdão recorrido que, em sede de questão prévia, não admitiu a junção desses documentos, oferecidos com a alegação da apelação dos AA..
Voltam a invocar, no sentido da defendida admissibilidade da junção, o disposto no art.º 706º, n.º 1 do CPC, na parte em que consente a junção que apenas se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Alinham, a esse propósito, os argumentos constantes das mencionadas conclusões 1ª a 11ª, que, no essencial, haviam já mencionado na apelação, ao requererem a junção dos documentos.
Dizem, em síntese, que a requerida junção se mostrou necessária para infirmar uma errada convicção tirada pelo julgador de facto na 1ª instância, a respeito dos documentos de fls. 287 a 291, por eles AA. juntos com a petição inicial, o que terá levado a desvalorizar depoimentos testemunhais produzidos em julgamento e a dar como “não provados” os quesitos n.ºs 23, 24 e 27 da Base Instrutória, quando se impunha que tivessem sido dados como “provados”.
Quesitos esses que eram do seguinte teor:
“23°. O EE entregava todo o dinheiro que recebia aos seus pais, para auxiliar nas despesas domésticas do agregado familiar dos pais e irmã e sua sobrevivência?
24º. Nomeadamente para auxiliar nas despesas de estudo, alimentação e transporte da sua irmã?
27°. O EE deixara de estudar pela necessidade de contribuir para o sustento do referido agregado familiar?”.
E aludem, a propósito, à fundamentação dessas respostas negativas pelo julgador de facto na 1ª instância, em que se pode ler, a fls. 983 e 984:
“Nenhuma prova segura foi produzida quanto à matéria que se deu como não provada, sendo de realçar que, no que se refere ao contributo do sinistrado para a economia doméstica dos AA., os depoimentos que apontavam nesse sentido não logravam explicar e, por essa razão, contraditar, o conteúdo dos documentos de fls. 287 a 291, juntos pelos próprios AA.; trata-se de documentos bancários que demonstram que o sinistrado depositava na sua conta a totalidade do que auferia, efectuando depois pequenos levantamentos espaçados no tempo – o que aponta no sentido de serem quantias que eram despendidas com as suas despesas pessoais; acresce que esses documentos demonstram ainda que conseguia efectuar poupança relativamente elevada atento o salário que auferia, surgindo ainda referência a uma conta poupança-habitação no montante de €1.384,83; ficava, desta forma, afastada a possibilidade de uma convicção no sentido de ocorrer contributo que era alegado pelos AA.”.

Dispõe o n.º 1 do art.º 706º do CPC:
“As partes podem juntar documentos às alegações” – da apelação – “, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 524º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Está em causa, como vimos, a previsão da 2ª parte do preceito.
Em anotação de Antunes Varela à mesma, pode ler-se, na RLJ, ano 115, n.ºs 3696, a págs. 95 e 96:
“A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos de impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. E o documento torna-se necessário por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
(…)
A decisão da 1ª instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil”.
E nessa linha se tem orientado a jurisprudência deste Supremo (3) , defendendo-se no referido ac. de 28.2.2002, mencionado na nota 3, que a junção de documentos, com base em tal previsão, só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância, por esta se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam.
Ora, no caso dos autos, os factos constantes dos mencionados n.ºs 23, 24 e 27 da Base Instrutória foram alegados pelos AA., nos art.ºs 70º, 71º, 74º e 76º da petição inicial, apresentada em 27.05.2005 (ver fls. 275).
E os documentos oferecidos pelos AA., na sua alegação da apelação, são os seguintes:
- Declaração de fls. 1084 do Banco Comercial Português, SA, datada de 30.10.2008, de que a conta de depósito aí identificada era, à data do seu encerramento, em 2008/04/01, da titularidade de EE e BB;
- Impresso preenchido de abertura dessa conta, referida como individual, donde constam como titulares os referidos EE e BB, e datado, tanto quanto se percebe, de 06.07.2000 (fls. 1085);
- Impresso também preenchido referente a essa conta, agora assinalada como solidária, com os mencionados titulares, e datado, tanto quanto se percebe, de 1.10.2002 (fls. 1086);
- 2 impressos com “Condições Gerais de Depósito” (fls. 1087 e 1088);
- Extractos Combinados em nome do referido EE, com datas de 31.05, 28.06, 31.07, 30.08, 30.09, 31.10, 29.11 e 31.12 de 2002, e de 31.01, 30.04, 30.05 e 30.06 de 2003, referentes, além do mais, à dita conta bancária e a uma conta poupança-habitação (fls. 1089 a 1115).
Por seu turno, os acima referidos documentos de fls. 287 a 291, juntos pelos AA., na p.i., mencionados no seu art.º 67º como sendo para prova da retribuição mensal líquida auferida pelo sinistrado EE (e respectivos subsídios de férias e de Natal), consistem em:
- Histórico de movimentos da referida conta, datado de 02.06.2003 (fls. 287, 289 e 291);
- Talões de depósito, de 14.04.2003 e 14.05.2003, nessa conta (fls. 288 e 290).

Resulta, assim, que os documentos oferecidos pelos AA. com a alegação da sua apelação se reportam a factos anteriores à própria petição inicial e nesta alegados – tendo ditado a formulação dos n.ºs 23, 24 e 27 da BI, que, como vimos, se reportavam à contribuição do sinistrado EE para as despesas dos AA – e que esses documentos podiam ter sido juntos até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
Na versão veiculada pelos AA., ao oferecer a sua junção, eles podiam ter interesse sobre esses pontos da BI, na perspectiva de poderem complementar os depoimentos das testemunhas ouvidas sobre os mesmos e permitindo a formação de uma convicção mais fundamentada a seu respeito, designadamente por revelarem que a A. BB era titular solidária da conta e atestarem os movimentos nesta efectuados, incluindo os levantamentos realizados.
Ora, reportando-se os documentos em causa a factos alegados na p.i., podendo os mesmos ter sido juntos até ao encerramento da discussão em 1ª instância e não resultando a necessidade da sua junção em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em aplicação ou interpretação por este de regra de direito com que os AA. não pudessem justificadamente contar, falece fundamento para a pretendida junção com a alegação da apelação, ao abrigo do art.º 706º, n.º 1 do CPC..
E, assim, é de confirmar a decisão do acórdão recorrido de não admitir a junção dos documentos de fls. 1084 a 1115, e não colhe a pretensão dos AA./recorrentes de baixa dos autos à Relação para reapreciação das respostas aos n.ºs 23, 24 e 27 da BI.



Os AA. haviam, sem sucesso, impugnado, na apelação, as respostas aos quesitos 5º, 6º, 11º, 13º, 16º e 17º.
Nas conclusões 12ª a 16ª, os AA., invocando agora a força probatória própria do relatório do IDICT sobre o acidente de trabalho em apreço, junto a fls. 65 e seguintes, voltam a impugnar tais respostas.
Os quesitos em causa são do seguinte teor:
“5º - Por essa razão, para que o cilindro conduzido pelo EE pudesse atingir a frente de trabalho norte, foi delineado um trajecto que ladeava a escavação referida em H) e I)?
6º - Obrigando aquele equipamento a circular num antigo caminho municipal paralelo à mesma escavação?
11º - O que obrigava a uma aproximação das rodas traseiras do cilindro ao bordo superior do talude norte?
13° - O caminho alternativo existente para circulação do equipamento de trabalho, particularmente para subir essa rampa, encontrava-se obstruído com terra com cerca de 1 m de altura?
16° - O EE não tinha qualquer habilitação ou experiência na condução daquele tipo de máquinas?
17° - Não lhe tendo sido proporcionada pela sua entidade patronal qualquer formação específica nessa matéria?”.

E tais quesitos obtiveram as seguintes respostas:
O 5º - “Existia um trajecto para aceder à frente de trabalho norte, trajecto esse que ladeava a escavação referida em 10) e 11), o qual foi utilizado pelo EE conduzindo o cilindro”.
Os 6º a 9º - “Esse trajecto consistia em circular num antigo caminho municipal paralelo à mesma escavação, caminho este que tinha cerca de 3,70 m de largura desde o bordo superior da escavação até ao muro do lado contrário, o qual efectuava uma curva para subir uma rampa e que era constituído por um terreno desnivelado”.
O 11º - “O que poderia originar uma aproximação das rodas traseiras do cilindro ao bordo superior do talude norte”.
O 13º - “Tinha existido um outro trajecto que permitia a circulação do equipamento de trabalho para a frente norte, o qual naquela data se encontrava obstruído com terra com cerca de um metro de altura”.
Os 16º e 17º - “Não provados”.

Como se sabe os poderes do STJ em matéria de facto são excepcionais e limitados, vindo definidos nos art.ºs 729º, n.ºs 2 e 3 e no art.º 722º, n.º 2 do CPC.
Dispõe-se aí, na parte que aqui interessa:
Art.º 729º: “1. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722º”.
Art.º 722º: “2. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Ora, no caso, os factos objecto dos quesitos em causa estão sujeitos ao princípio geral da liberdade de prova, estabelecido no n.º 1 do art.º 655º do CPC, segundo o qual “o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
E embora o relatório do IDICT sobre o acidente revista a natureza de documento autêntico, nos termos do art.º 363º, n.º 2 do Cód. Civil, porque exarado, com as formalidades legais, pela autoridade pública competente e nos limites da sua competência, o certo é que, ao contrário do defendido pelos AA., o mesmo não tem força probatória plena sobre os factos não provados que constavam dos quesitos e que estão em causa na impugnação dos AA..
Com efeito, como, aliás, é próprio da sua natureza, o relatório em causa não se destina a firmar uma versão definitiva e inatacável do modo e circunstâncias como se deu o acidente, nem, aliás, os dados nele referidos, a esse respeito, se fundam, obviamente, nas percepções colhidas, no momento em que o acidente se deu, por quem elaborou o relatório, o que vale também para os factos que eram objecto dos quesitos 16º e 17º, sobre se o sinistrado EE não tinha qualquer habilitação ou experiência na condução da máquina em causa e sobre se a entidade patronal não lhe proporcionou qualquer formação específica nessa matéria.
O que vale por dizer que, nos termos do art.º 371º, n.º 1 do Cód. Civil, o relatório do IDICT não tem força probatória plena sobre os factos objecto dos quesitos em apreço, não ditando, pois, por si só, que hajam de ser dados como provados.
Quanto a esses factos o relatório é livremente apreciado pelo julgador de facto.
Significa isto que, de acordo com os referidos art.ºs 729º, n.º 2 e 722º, n.º 2 do CPC, não pode este Supremo censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre esses factos e que é de manter as respostas em causa.
Improcede, pois, a revista, neste ponto.


Os AA. defendem, subsidiariamente, que mesmo sem a alteração da matéria de facto nos termos que propugnavam, está demonstrada a responsabilidade infortunística e por danos não patrimoniais que reclamam, pelo que a acção deverá proceder, como peticionado.
Passamos, por isso, a abordar a imputada responsabilidade infortunística das RR., havendo, por razões de precedência lógica, que começar por apreciar a questão da alegada inconstitucionalidade da norma da al. d) do n.º 1 do art.º 20º da LAT, retomada pelos AA. nas conclusões 31ª a 38ª da revista, em que repetem, ipsis verbis, o que, a propósito, já haviam alegado nas conclusões 42ª a 50ª e 53ª da apelação.
O acórdão recorrido desatendeu a arguição da inconstitucionalidade, com base na seguinte fundamentação:
Defendem outrossim os apelantes a este propósito que o art. 20° n.° 1 d) da LAT quando faz depender a atribuição da pensão por morte aos ascendentes do sinistrado da sua contribuição regular para o seu sustento é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade previsto no art. 13° da Constituição da República, relativamente àquele que beneficia da pensão por morte por estar casado com o sinistrado no regime da separação de bens ou com ele viver em união de facto.
Ressalvando sempre o devido respeito, em nossa convicção a razão não lhe assiste.
Efectivamente, não estamos in casu perante situações análogas desigualmente tratadas, em violação do princípio da igualdade constitucionalmente previsto.
Trata-se de facto de situações diferentes e que qua tale exigem soluções diferentes.
Quer o casamento quer a união de facto estabelecem uma sociedade conjugal, princípio da conjugalidade, que visa a constituição de economia doméstica comum, assente na ideia de partilha com o escopo essencial de procriação ou de assistência e/ou auxilio mútuos tendente à realização pessoal e familiar futura dos seus membros e à manutenção da respectiva estabilidade temporal; já a relação filho/sinistrado com os ascendentes se visou numa primeira fase a criação e educação daquele teve sempre como escopo primordial a sua autonomia e independência do núcleo familiar originário, no âmbito da sua realização como indivíduo, primeiro e depois a integrar eventualmente noutra estrutura sócio-familiar e economicamente
diferente e daquela naturalmente "emancipado".
Assim, enquanto a primeira situação, e segundo critérios de normalidade, em relação ao cônjuge [e descendentes] tem na base princípios decorrentes de contribuição efectiva; esta última, quanto aos ascendentes e outros familiares assenta em suposta realidade contributiva, que sendo excepcional se exige seja demonstrada, vimo-lo supra, nos seus requisitos de regularidade e também de necessidade.
É, pois, o confronto assumido entre estas – segundo as regras da experiência comum –, diferentes realidades fácticas, que o legislador plasmou no plano jurídico o diferente tratamento que o art. 20º/1, nas suas alíneas a) e b) cauciona.
Logo, tratando-se também em sede jurídico-ínfortunístico-laboral de realidades sócio-familiares diferentes, diverso tem de ser o respectivo tratamento, pelo que é manifesto que nenhuma inconstitucionalidade por violação do principio da igualdade previsto no art. 13° da CRP, se vislumbra no art. 20º/1-d) da LAT» (Fim de transcrição).

Conhecendo, diremos que concordamos com a decisão do acórdão recorrido e, em termos gerais, com a respectiva fundamentação.
Com efeito, também entendemos que as situações fácticas apontadas pelos AA. e subsumidas às previsões da alíneas a) do n.º 1 do art.º 20º da LAT, por um lado, e da alínea d) (4) , por outro, não são iguais ou sequer análogas.
No que é essencial e para efeitos de atribuição do direito às prestações infortunísticas por morte do sinistrado, não são, efectivamente, iguais ou equiparáveis as situações dos ascendentes do sinistrado e as do cônjuge – ainda que casado no regime de separação de bens – do sinistrado ou daquele que com este vivia em união de facto.
A atribuição dessas prestações radica numa presumida ou demonstrada perda de rendimentos por parte dos respectivos beneficiários por virtude da morte do sinistrado, redundando, por isso, dalgum modo, num justificado sucedâneo dessa perda.
Ora, acontece que é tipicamente imanente ou estruturante das situações de casamento (seja qual for o regime de bens vigente, incluindo, portanto, o de separação) e de união de facto, a contribuição económica recíproca entre as partes, que, no casamento assume mesmo a natureza de obrigação recíproca de assistência, abrangendo o dever de alimentos (conforme art.ºs 2015º e 1675º do Código Civil), sendo que, nas uniões de facto – ainda que se possa entender, aspecto que não interessa aprofundar aqui, que não há essas obrigações jurídicas –, há que reconhecer que essas contribuições económicas, ainda que como meras situações de facto, são típicas da própria caracterização da figura (o próprio art.º 2020º, n.º 1 do Código Civil, ao abordar a figura da união de facto para os efeitos aí previstos – obtenção pelo membro sobrevivo de alimentos da herança do companheiro falecido – refere-a como vivência em condições análogas às dos cônjuges).
Ora, tais situações, como resulta da fundamentação do acórdão recorrido, não são essencialmente características ou típicas da relação familiar entre ascendentes e descendentes (mesmo entre pais e filhos) ou entre irmãos, em que a lei contempla a mera eventualidade de, face a circunstâncias concretas de necessidade de sustento de uns e de possibilidade económica dos outros, haver lugar à obrigação de alimentos (ver art.ºs 2003º, 2004º e 2009º do Cód. Civil) (5) .
Estas últimas obrigações de alimentos correspondem, pois, a situações que, embora possam ser estatisticamente frequentes, reclamam a verificação dos apontados requisitos constitutivos e não nascem da mera existência das apontadas relações de parentesco.
Isso marca, pois, uma diferença essencial, no plano que nos ocupa, entre, por um lado, a qualidade de ascendente ou de irmão do sinistrado e, por outro, a de cônjuge deste ou de pessoa que com ele vivia em união de facto, diferença que, face aos quadros e critérios normativos do legislador ordinário em sede de atribuição do direito às prestações infortunísticas, justifica, perfeitamente, a exigência de prova de que aqueles (ascendente ou irmão do sinistrado) vinham beneficiando, regularmente, por necessidade, de alimentos prestados pelo sinistrado e a não exigência desses requisitos no que respeita aos últimos.
Sem que, por isso, se possa dizer que há uma violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13º da Constituição.
A diferença das situações justifica e explica, em termos razoáveis e proporcionados, a diferença de tratamento normativo.
Não se verifica, pois, a invocada inconstitucionalidade da norma constante da al. d) do n.º 1 do art.º 20º da LAT, improcedendo a revista, também nesta parte.

Ora, tendo-se mantido, como se manteve, a matéria de facto dada como assente nas instâncias e não colhendo a invocada inconstitucionalidade, é de confirmar a decisão das instâncias de improcedência do pedido dos AA. (pais e irmã do sinistrado) de condenação das RR. no pagamento das prestações infortunísticas peticionadas (pensões anuais vitalícias e temporárias e despesas de transporte), e isto quer se concluísse ou não que o acidente integra a previsão do n.º 1 do art.º 18º da LAT, ou seja que foi devido a culpa “lato sensu” ou a violação de regras de segurança por parte da R. empregadora.
É que, como as instâncias entenderam, não resultaram provados factos que preencham os apontados requisitos constitutivos do direito à reparação a favor dos AA., previstos na al. d) do n.º 1 do art.º 20º da LAT, na interpretação jurisprudencial consensual: que o sinistrado viesse a contribuir com regularidade para o sustento dos AA. e que estes carecessem ou necessitassem dessa contribuição.
Sendo que, como também é pacificamente entendido na jurisprudência deste Supremo, o respectivo ónus de alegação e prova, cabia aos AA., como beneficiários da reclamada reparação (art.º 342º, n.º 1 do Cód. Civil).
Na verdade, os AA. não lograram fazer a respectiva prova, dado que apenas vem provado, nesse domínio, que a A. BB, mãe do sinistrado EE, é doméstica, não exercendo qualquer actividade remunerada (facto n.º 25), o que é manifestamente insuficiente, mesmo quanto a ela, para preencher os referidos requisitos.
Improcede, pois, a revista, no que respeita às prestações infortunísticas reclamadas pelos AA..



Resta apreciar o reclamado direito dos AA. a indemnização por danos não patrimoniais emergentes do acidente.
As instâncias negaram esse direito, por terem entendido, em síntese, que não resultou demonstrado que o acidente tenha ficado a dever-se a culpa ou a violação de regras de segurança no trabalho pela R. empregadora e que a indemnização em causa, por danos morais, pressupõe a verificação de alguma dessas circunstâncias.
O acórdão recorrido fundamentou, assim, na parte que aqui releva, essa sua decisão:
« (…) averiguemos da alegada falta de observância das regras de segurança por parte da entidade patronal.
Dispõe, com efeito, o art. 37º/2 da L 100/97, de 13-09 (vulgo LAT), que, verificando-se alguma das situações referidas no art. 18, n°. 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas.
Por outro lado, são situações previstas no art. 18/1, da LAT, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
Parece-nos, todavia, que os AA. não lograram provar qualquer uma destas circunstâncias.
Efectivamente, como se consigna a propósito na sentença recorrida «(...) não bastava demonstrar a violação das regras de segurança; era necessário ainda que tivesse existido um nexo de causalidade entre essa infracção e o ocorrer do sinistro.
Ora, em primeiro lugar, não se apurou que o caminho utilizado pelo sinistrado tivesse sido delineado pela sua entidade patronal ou outro responsável pela obra que decorria; não se provou também que o sinistrado só pudesse utilizar aquele trajecto ou que tenha sido essa a indicação da R.
Mas mais ainda, não se conseguiu apurar que o sinistro tivesse decorrido necessariamente das condições em que aquele caminho se encontrava, conjugadas com as dimensões do veículo.
Ou dito de forma mais clara: não se apurou a razão pela qual o cilindro conduzido pelo trabalhador veio a cair“(6) , com as conhecidas consequências trágicas. O que, desde logo, nunca permitiria formular qualquer tipo de juízo sobre a conduta da sua entidade patronal, nos termos referidos naquele normativo legal.
(…)
5 - Da indemnização por danos morais
(…)
Com o devido respeito também esta pretensão dos apelantes não deve ser sufragada.
Desde logo, porque não se verifica o pressuposto em que assentava a pretensão dos apelantes, ou seja: o deferimento da alteração da matéria de facto e o consequente comportamento culposo da entidade patronal subsumível ao art. 18º/2 da LAT.
Na verdade, como diz Carlos Alegre*, nestes casos “no domínio da responsabilidade subjectiva por facto ilícito, o artigo 18° (n° 2) prevê a única situação em que a entidade patronal, ou o seu representante, podem ser responsabilizados por danos morais, emergentes do acidente”.
Ora, é consabido que os danos de natureza não patrimonial, mesmo em sede de infortúnio laboral, têm por fundamento legal o instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos art. 483° e ss do CCivil.
Só que, como vimos, não se logrou provar a existência de qualquer comportamento ilícito e culposo da entidade patronal que tenha determinado a ocorrência do evento letal.
E nessa conformidade, terá também assim de improceder este pedido indemnizatório dos AA/apelantes » (Fim de transcrição).

Também aqui concordamos com a decisão tomada pelo acórdão recorrido e, em termos gerais, com a sua fundamentação.
Dispõe o art.º 18º da LAT, sob a epígrafe “casos especiais de reparação”, na parte que aqui interessa:
“1. Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte, serão iguais à retribuição;
b) (…)
2. O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade civil por danos morais nem a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou o seu representante, tenha incorrido”.
Com base nesses preceitos, a jurisprudência e a doutrina têm entendido – como faz o citado Carlos Alegre (7) – que, subsumindo-se o acidente de trabalho à previsão do n.º 1 do art.º 18º, há direito a indemnização por danos morais contra a R. empregadora, a efectuar nos termos gerais do direito civil, o que traduz, efectivamente, uma modalidade especial de reparação, já que esse direito não vem elencado entre as prestações normais previstas nos art.ºs 10º a 17º e 19º a 24º da LAT, depois regulamentadas no DL n.º 143/99, de 30.04 (RLAT).
Há, pois, um regime próprio de causas de indemnização por danos morais contra o empregador ou seu representante por acidente de trabalho, regime que consta do mencionado art.º 18º, n.ºs 1 e 2 da LAT e que exclui o regime geral de causas de tal indemnização constante do Código Civil (regime este que, a par de situações de responsabilidade por facto ilícito com culpa efectiva, abrange também situações de culpa presumida e mesmo sem culpa, como acontece com a responsabilidade pelo risco – vejam-se, designadamente, os art.ºs 483º, n.ºs 1 e 2, 496º e 499º do Cód. Civil).
E, assim sendo, ao contrário do que é defendido pelos AA., nas conclusões 26ª a 28ª, não é convocável a norma do n.º 2 do art.º 493º do Cód. Civil - Dispõe esse n.º 2: “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”. como fonte da obrigação da empregadora de indemnização por danos morais resultantes de acidente de trabalho, ainda que perspectivada essa norma no plano de uma alegada inversão do ónus de prova da culpa da empregadora ou da violação, pela mesma, de regras de segurança no trabalho.

Posto isto, há que indagar se o acidente de trabalho em causa se ficou a dever a culpa ou a violação de regras de segurança no trabalho, por parte da R. empregadora, a DD, SA, como se torna, desde logo, necessário para que colha a pretensão dos AA..
Ora, com interesse vem provado o seguinte:
3. O sinistrado EE foi admitido ao serviço R. T4T, agora incorporada na referida DST, SA, em 3.2.2003, exercendo, ultimamente, a actividade de condutor/manobrador;
7. No dia 23/5/03, pelas 10,24 horas, o EE encontrava-se a desempenhar a sua actividade para a sua entidade patronal numa empreitada que decorria no Lugar de Ossada, freguesia de Priscos, Braga, conduzindo uma motoniveladora (vulgo cilindro misto), quando esta caiu.
8. Na queda, o cilindro rodou sobre si mesmo, tendo estabilizado junto à parede escavada do lado norte da escavação, em posição invertida, com a cabine esmagada.
10. As obras em causa consistiam numa escavação destinada à construção de uma passagem inferior rodoviária, designada por P6, sob a futura linha de caminho de ferro.
11. Aquela escavação tinha cerca de 15 metros de comprimento, 5 metros de profundidade pelo lado norte e 7 metros pelo lado sul.
12. No referido dia 23, decorriam trabalhos de movimentação e nivelamento de terras a montante da referida escavação (lado norte) e trabalhos de compactação de solos a jusante da mesma (lado sul) – trabalhos de terraplanagem, nomeadamente escavação e aterros do troço ferroviário.
13. O EE, com a referida motoniveladora, procedia à compactação das terras resultantes da movimentação e nivelamento do solo.
14. A escavação realizada poucos dias antes havia alterado a morfologia do terreno, impedindo a circulação de equipamentos ao longo do trajecto da via.
15. Existia um trajecto para aceder à frente de trabalho norte, trajecto esse que ladeava a escavação referida em 10) e 11), o qual foi utilizado pelo EE conduzindo o cilindro.
16. Esse trajecto consistia em circular num antigo caminho municipal paralelo à mesma escavação, caminho este que dista cerca de 3,70 m de largura desde o bordo superior da escavação até ao muro do lado contrário, o qual efectuava uma curva para subir uma rampa e que era constituído por um terreno desnivelado.
17. O cilindro tinha a largura de 2,140 m.
18. O que poderia originar uma aproximação das rodas traseiras do cilindro no bordo superior do talude norte.
19. Tinha existido um outro trajecto que permitia a circulação do equipamento de trabalho para a frente norte, o qual naquela data se encontrava obstruído com terra com cerca de um metro de altura.
20. Havia a possibilidade de aceder à frente norte efectuando um trajecto que utilizava a via publica e se traduzia num percurso de cerca de 500 metros.

Ora, como entenderam as instâncias, tal factualidade é manifestamente insuficiente para revelar qualquer actuação culposa por parte da R. DST, SA, não permitindo concluir que a R. ou algum seu representante, por acção ou omissão, tivesse violado deveres de cuidado, atenção ou diligência, que seriam seguidos por um empregador normal, colocado na posição dela R. e que, assim, tivessem contribuído para a produção do acidente.
Como também não revela a violação, pela R. ou seu representante, de qualquer regra legal de segurança no trabalho, causal ou não, diga-se, do acidente – aliás, os AA., quer no corpo da alegação da revista, quer nas suas conclusões, não concretizaram que norma ou normas legais de segurança terão sido violadas.
Designadamente, e como se sublinhou nas decisões das instâncias, não se apurou, minimamente, a razão pela qual o cilindro caiu, não havendo dados de facto apurados no sentido de que fosse de imputar à R. DST, SA, a responsabilidade pelo estado do caminho seguido pelo sinistrado (sabe-se apenas que o caminho tinha cerca de 3,70 m de largura desde o bordo superior da escavação até ao muro do lado contrário, o qual efectuava uma curva para subir uma rampa e que era constituído por um terreno desnivelado).
Como, aliás, também não se apurou que esse caminho tivesse sido delineado pela R. DST, SA, ou seu representante, que o sinistrado só pudesse utilizar aquele trajecto ou que tivesse recebido indicação da mesma ou seu representante para o utilizar, ou que o sinistro tivesse decorrido das condições do caminho, conjugadas com as dimensões do veículo (motoniveladora, vulgo cilindro misto).
Assim sendo, nada consente concluir, como os AA. fazem na conclusão 22ª, que a dita R. não cuidou de assegurar as necessárias condições de segurança do local, que o caminho não fosse adequado à circulação do veículo, nomeadamente que não tivesse sido objecto de intervenção para garantir a resistência ao peso do mesmo.
Os factos apurados não suportam, minimamente, essas conclusões.

Por todo o exposto, repete-se, podemos concluir que não vem demonstrado que tenha havido actuação culposa da dita R ou que tenha havido violação, pela mesma, de regras legais de segurança no trabalho, o que afasta também a verificação do necessário nexo causal entre essa eventual violação e a produção do acidente, sendo que, como vimos, cabia aos AA. a respectiva prova.
O que dita que a decisão seja, também neste ponto, em desfavor dos AA. (art.º 516º do CPC).
Por isso, como as instâncias entenderam, não há razão para responsabilizar as RR., a título de indemnização por danos morais.
Aliás, concordando com a posição de Carlos Alegre, ob. e local citados, não podia a R. seguradora ser, no caso, por ela responsável.
Como escreve o dito autor, “este tipo de responsabilidade não é, em princípio, transferido para as entidades seguradoras, como o não é a responsabilidade além das prestações normais que não tenham carácter compensatório. É o caso que, expressamente, prevê o n.º 2 do artigo 37.º desta Lei, ao estatuir que a instituição seguradora será, apenas, subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na lei”.
Sendo que, no caso dos autos, não se mostra que a R. empregadora tenha transferido para a R. seguradora a eventual responsabilidade por danos morais emergentes do acidente de trabalho..
Também aqui improcede, pois, o recurso.

Refira-se a terminar que é de acatar a decisão proferida pelo acórdão recorrido, ora confirmado – não posta em causa na presente revista – no sentido de que, após baixa dos autos à 1ª instância, há que diligenciar aí pelo cumprimento do disposto no art.º 20º, n.º 6 da LAT.


V – Assim, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas a cargo dos AA., sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.
Após trânsito do presente acórdão e baixa dos autos à 1ª instância, deverá aí ser diligenciado o cumprimento do disposto no art.º 20º, n.º 6 da LAT, como ordenado no acórdão recorrido.

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Fevereirto de 2010

Mário Pereiral (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
_____________________

(1) Os demais réus e intervenientes demandados (S... Engenharia, SA, N...-Sociedade de Estudos e Construções, SA, Rede Rodoviária Nacional, Refer, EP, Companhia de Seguros A... Portugal, SA, I...B...-Companhia de Seguros, SA, e G...-Companhia de Seguros, SPA, foram absolvidos da instância, por incompetência material do Tribunal do Trabalho, por decisão transitada, proferida no âmbito do despacho saneador (ver fls. 821 a 827).

(2) Salvo indicação em contrário, é essa a redacção dos art.ºs do CPC que venham a ser mencionados

(3) Vejam-se, por exemplo, os acórdãos de 3.3.1989, BMJ, 385º-545, de 12.1.1994, BMJ 433º-467, de 28.2.2002, na Rev. n.º 296/02-6ª, Sumários, 2/2002, de 14.5.2002, na Rev. n.º 420/02-1ª, Sumários, 5/2002, e de 30.09.2004, disponível em www.dgsi.pt, doc. n.º SJ200409300028947.

(4) Dispõe o art.º 20º, n.º 1 da LAT, na parte que aqui interessa:
“1. Se do acidente resultar a morte, as pensões anuais serão as seguintes:
a) Ao cônjuge ou a pessoa em união de facto: 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade da reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
b) Ao ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data do acidente e com direito a alimentos: a pensão estabelecida na alínea anterior e nos mesmos termos, até ao limite do montante dos alimentos fixados judicialmente;
c) (…)
d) Aos ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis à data do acidente até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento: a cada, 10% da retribuição do sinistrado, não podendo o total das pensões execeder 30% desta”.

(5) É no plano acima mencionado que se deve colocar a questão em apreço e não no da natureza comum ou própria dos rendimentos do trabalho auferidos pelo sinistrado, em que os recorrentes a situam, no que respeita aos casados no regime de separação de bens, aspecto que é irrelevante para os efeitos ora em causa.

(6) Concretamente - acrescentamos nós -, desmaio da vitima, indisposição por insolação ou outra causa eventualmente ligada ao condutor ou por qualquer outro motivo ligado ao funcionamento ou à mecânica da máquina manobrada” – é nota de rodapé transcrita do acórdão recorrido.

(7) Em “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª ed., pág. 105. Diga-se que igual era a posição do referido autor, face a normas praticamente idênticas, no ponto em apreço, constantes dos n.ºs 1, 2 e 3 da Base XVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 (“Acidentes de Trabalho”, ed. de 1995, pág. 87)