Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
| Descritores: | DUPLA CONFORME FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE ADMISSIBILIDADE RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA POSSE COMPROPRIEDADE RECURSO DE REVISTA | ||
| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
| Sumário : | I-Nos termos do disposto no art.º 671º, nº3, do CPC, “(…) não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”. II-Como resulta do preceito legal, a chamada dupla conforme verifica-se quando seja confirmada a decisão da 1ª Instância sem voto de vencido e sem uma fundamentação essencialmente diferente. III-Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica constante do acórdão da Relação tenha assentado, de modo inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada. | ||
| Decisão Texto Integral: | I- RELATÓRIO
AA e mulher, BB e CC intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra: DD e mulher EE, todos melhor identificados nos autos, pedindo: -que seja declarada a propriedade dos Autores sobre a totalidade do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mira sob o número .64/19870406, melhor identificado nos artigos 2º., 3º., 17º. e 19º. da p.i., dando-se como provada a aquisição da propriedade plena sobre a totalidade do prédio pelos Autores, ora por contrato de doação, ora por sucessão mortis causa, bem como os atos de uso, fruição e disposição dos Autores sobre a totalidade do imóvel. -que seja condenado o Réu na restituição aos Autores da parcela 1/3 (um terço), descrita pela AP. ...04 de 23/06/2016 de que, indevidamente, se arroga proprietário. Subsidiariamente: Que se reconheça a posse –titulada, de boa fé, pacífica e pública – dos Autores sobre a totalidade do imóvel. E, nessa medida, porque exercida há mais de quinze, vinte, trinta ou quarenta anos, reconhecer-se a aquisição da propriedade da totalidade do imóvel por via da usucapião. E sempre sem prescindir, condenar-se o Réu na restituição aos Autores da parcela 1/3 (um terço), descrita pela AP. ...04 de 23/06/2016 de que, indevidamente, se arroga proprietário. Cumulativamente, mais requer a impugnação judicial do facto registado na AP...04 de 23/06/2016, com cancelamento do respetivo registo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 8º. do Código do Registo Predial. Ainda subsidiariamente, pede se condene o Réu no pagamento aos Autores de uma indemnização por benfeitorias executadas na parcela do imóvel em apreço; relegando-se para momento ulterior à sentença a quantificação da obrigação de indemnização, nos termos do artigo 609º., nº. 2, do Código de Processo Civil. Os Autores alegam em síntese o seguinte: Que são donos do prédio que identificam composto de dez andares suscetíveis de utilização independente e que por escritura de doação de 12/05/1980, adquiriram, em partes iguais, dos seus avós maternos, 1/3 (um terço) da propriedade do referido prédio e que apenas vieram a registar esta aquisição em 06/04/1987, o que fizeram pela a AP. ... de 06/04/1987. Os remanescentes 2/3 (dois terços) do prédio, que sempre estiveram omissos, adquiriram os Autores por sucessão hereditária de sua mãe, falecida em 02/03/2008. Sucede que , em 07/12/2018, quando os Autores tentaram registar o remanescente da parte omissa do prédio, verificaram que o Réu havia já registado 1/3 (um terço) a seu favor, razão pela qual, nessa data, os Autores procederam ao registo, a seu favor, apenas de 1/3 do prédio que se encontrava ainda omisso. Ora desde data muito anterior, há mais de 40 anos, os Autores, por si e respetivos antecessores, vêm ocupando e utilizando a totalidade do prédio, invocando a seu favor a propriedade sobre o prédio por usucapião. A AP. ...04, de 23/06/2016, referente à aquisição a favor do Réu de 1/3 (um terço) do imóvel encerra em si uma inverdade porque nem o Réu, nem os seus antecessores, goza, ou gozaram, de qualquer direito real sobre aquela parcela do imóvel. De qualquer modo, ainda que não se entenda que os Autores são donos da totalidade do imóvel, seja pela aquisição por contrato e por sucessão mortis causa, seja por via da usucapião –, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se equaciona – sempre haverá lugar a indemnização dos Autores pelas benfeitorias que realizaram. * Os Réus apresentaram contestação e deduziram pedido reconvencional. Invocam a excepção dilatória da sua ilegitimidade, porquanto defendem que a acção teria de ser intentada também contra FF, mãe do Réu. Com efeito, 1/3 do identificado prédio foi objecto de uma dação em cumprimento de uma dívida existente entre os avós e progenitores dos Autores em relação aos pais dos Réus. Assim, por essa via, os pais do Réu adquiriram a propriedade daquela fracção do imóvel que, por óbito do pai, se transmitiu quer ao Réu quer à sua mãe. Assim, com a improcedência da acção pedem a procedência do pedido reconvencional no sentido de ser reconhecida e declarada a posse completa, pacífica e pública há mais de vinte anos dos RR., por si e enquanto posse transmitida pelos antecessores sobre parte (1/3) do imóvel e em consequência declarar a aquisição originária da propriedade na respetiva proporção através da figura da usucapião. * Decorridos todos os trâmites legais, realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença pelo Tribunal de primeira instância que julgou a acção e a reconvenção totalmente improcedentes e em conformidade absolveu quer os réus quer os reconvindos dos pedidos. Inconformados com a decisão proferida, os Autores interpuseram recurso de apelação que confirmou a decisão recorrida, não reconhecendo, por conseguinte, a propriedade dos Autores sobre 1/3 do imóvel em discussão. Ainda inconformados, os Autores vêm interpor recurso de REVISTA, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 627.º, n.º 1 do artigo 629.º, n.º 1 do artigo 638.º, n.º 1 do artigo 671.º, das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 674.º, n.º 1 do artigo 675.º e n.º 1 do artigo 676.º, todos do Código de Processo Civil. Subsidiariamente, caso se entenda pela verificação de dupla conforme, o presente recurso é interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC dado estarem em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. * Formula as seguintes conclusões: “1-O Recurso de revista ora submetido à mui douta e criteriosa apreciação de Vossas Excelências vem interposto do douto Acórdão datado de 11/03/2025, referência n.º 11935535, proferida em 2.º instância pela 1.ª Secção do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra. 2. Admissibilidade do presente recurso decorre da circunstância de a fundamentação do douto Acórdão ora recorrido ser essencialmente diferente da fundamentação da douta Sentença, não se preenchendo os pressupostos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC: 2.1O Tribunal de primeira instância entendeu, deste modo, nunca se ter verificado a inversão do título da posse dos Recorridos. Entendeu ainda julgar improcedentes os pedidos dos Recorrentes, por entender que os pressupostos da usucapião, previstos no artigo 1287.º do Código Civil, não se encontrarem preenchidos. 2.2.O Mmo. Tribunal a quo entendeu ter sido exercida pelos Recorridos posse com animus de proprietários. 2.3.Entendeu ainda (com base na conjugação do n.º 2 do artigo 1252.º e do artigo 1254.º do Código Civil) que a posse, exercida com animus – cuja existência fora afastada pela primeira instância –, obsta à demonstração da posse e à consequente presunção da propriedade invocadas pelos Recorrentes. 3. Subsidiariamente, caso se entenda pela verificação de dupla conforme, o presente recurso é interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC dado estarem em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Pois que: 3.1.A apreciação e conhecimento do presente recurso permitirá dar resposta a casos em que ficou demonstrado que a propriedade da totalidade do prédio foi dos antepassados de uma das partes, contudo, a um determinado momento, parte desse prédio foi alegadamente utilizado por terceiros, sem que os mesmos tenham adquirido a propriedade do mesmo por via da usucapião, sobretudo atenta a circunstância de a mesma não se revelar possível. 3.2.O presente caso afigura-se como um caso paradigmático pois não sendo raras as vezes em que se discute a propriedade por via da aquisição originária em oposição à aquisição derivada. 3.3. Pese embora tivesse ficado demonstrado o seu avô dos Recorrentes era proprietário da totalidade do prédio urbano, que a posse foi sendo transmitida aos seus sucessores, e que os Recorridos não beneficiaram da usucapião (casos que, reitera-se, são frequentes) nem o Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, nem o Mmo. Tribunal a quo, deram uma resposta ao presente caso. Esta circunstância colide directamente com os direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente os que se encontram consagrados nos artigos 62.º e 20.º da CRP, dado que estes não se coadunam com a existência de incertezas sobre a aplicação do Direito de Propriedade. 3.4.A faltadesolução jurídicaparao presente caso revela-se desconforme com o espírito que rege os Direitos Reais e com o qual, inevitavelmente, colide. 3.5.A questão em análise reveste elevada relevância jurídica na medida em que coloca em crise a ponderação, o cuidado e o pragmatismo de que o legislador se revestiu para criar as normas relativas aos Direitos Reais e a preocupação em dar sempre resposta à questão de saber quem é efetivamente proprietário de uma determinada coisa, seja pela prova, seja por via de presunções. 3.6.A apreciação e análise do presente recurso permitirá, deste modo, uma melhor aplicação do Direito, quer no caso sub judice, quer em casos semelhantes, das normas relativas aos Direitos Reais, nomeadamente dos artigos 1251.º, 1255.º e 1263.º do Código Civil. O entendimento de tais normas afigura-se essencial para garantir estabilidade e segurança jurídica nas relações possessórias. Está em causa a aplicação e coerência interpretativa das referidas normas e do instituto da usucapião, que pode comprometer a segurança e previsibilidade do sistema, devendo evitar-se a consolidação de uma decisão contrária ao espírito do legislador, cujos fundamentos poderiam vir a ser aplicados, repescados e replicados em outros processos judiciais da mesma natureza. 4. Subsidiariamente, caso se entenda pela verificação de dupla conforme nem pela verificação da alínea a) do n.º1 do artigo 672.º do CPC, o presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, por estarem em causa interesses de particular relevância social. 4.1. Encontra-se em causa o direito fundamental da propriedade, que tem uma dimensão não apenas individual, mas também social e estruturante, enquanto pilar da organização económica e do vínculo identitário das pessoas com o seu território, herança e património familiar. Ou seja, está em causa uma questão que transcende o interesse privado das partes envolvidas e tem reflexos na coesão social, na confiança dos cidadãos no sistema jurídico e na função estabilizadora do direito civil, pelo que a sua apreciação pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça revela-se imperativa para uma aplicação justa, coerente e socialmente sensível das normas que regulam o direito de propriedade. 4.2. As partes não alegam uma posse esporádica ou oportunista sobre o prédio em discussão nos autos, mas antes uma posse continuada, ancestral e ininterrupta do referido prédio (exercida por várias gerações de forma pacífica pública e ostensiva). 4.3. O Direito tem de conseguir conceder certeza aos cidadãos, regulando as suas relações e dando-lhes resposta em tempo útil. A falta de resposta sobre a titularidade do direito de propriedade gera sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação e gera ainda uma situação onde os cidadãos não têm como prever a sua situação patrimonial. 4.4.O tratamento destas questões tem reflexo não apenas nas partes envolvidas, mas sobretudo na coesão social, na confiança dos cidadãos no sistema jurídico e na função estabilizadora do direito civil. 4.5. A decisão a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça revela-se imperativa para uma aplicação coerente, uniforme e socialmente sensível das normas que regulam o direito de propriedade. *** 5. Dos documentos remetidos pela Conservatória do Registo Predial constatou-se que os Recorridos registaram 1/3 do prédio em discussão nos autos com base na escritura de habilitação de herdeiros de GG e no comprovativo da participação do respectivo óbito às Finanças. Contudo, neste documento foi indicada, como Verba n.º 1, 1/6 do prédio urbano com o artigo ...36, freguesia de Mira. 6. Atento o disposto nos artigos 49.º e n.º 6 do artigo 42.º do CRPredial, o registo foi requerido pelos Recorridos como se de prédio não descrito se tratasse, sem que tivessem sido cumpridas as formalidades da lei. As consequências são: 6.1. O registo é nulo por ter sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado – cfr. alínea b) do artigo 16.º do Código de Registo Predial; 6.2. A omissão de tais formalidades sempre conduziria à qualificação do registo como provisório por dúvidas, por violação do princípio do trato sucessivo (n.º 2 do artigo 34.º e artigo 70.º CRP). Como a Requerente do registo não estava em condições de remover as dúvidas, por inexistência de título que permitisse a feitura das indispensáveis inscrições intermédias, o registo provisório que fosse lavrado sempre acabaria por caducar nos termos do artigo 11.º do CRP, justificando-se, deste modo, o seu cancelamento. 7. Contrariamente ao entendimento sufragado pelo Mmo. Tribunal a quo, o pedido formulado na alínea C) do petitório não se funda apenas na desconformidade entre o facto registado (aquisição de 1/3 a favor dos Recorridos) e a realidade. 8. Analisada a petição inicial constata-se que os factos registados pelos Recorridos foram impugnados na Petição Inicial com os seguintes fundamentos: 8.1. Os Recorrentes alegam que são proprietários de todo o imóvel porquanto o adquiriram quer por doação quer por transmissão mortis causa. 8.2. O registo de propriedade a favor dos Réus de 1/3 sobre o prédio objecto dos presentes autos viola o seu direito de propriedade; 8.3. Os Recorridos não são proprietários do prédio objecto dos presentes autos, nem alguma vez tiveram qualquer direito real sobre ele. 9. A desconformidade com a realidade alegada pelos Recorrentes na Petição Inicial jamais poderia, na forma como foi sustentada, coexistir com um registo que contrariasse essa mesma realidade. 10. Sendo inquestionável que a alegação dos Recorrentes – no sentido de que adquiriram a totalidade do prédio e de que os Recorridos não são, nem jamais foram proprietários, nem detêm qualquer direito real – obsta à possibilidade de qualquer registo de propriedade ter sido realizado com base em títulos válidos. 11. Entende a nossa Jurisprudência que o pedido cumulado e o pedido primitivo podem ser diferentes, mas têm de ter causas de pedir integradas no mesmo complexo de factos. No presente caso, ambos os pedidos se fundam na mesma causa de pedir e assentam nos seguintes factos: 11.1. Os Recorrentes são titulares do direito de propriedade sobre todo o prédio (adquirida tanto por doação como por sucessão mortis causa); 11.2. Os Recorridos não detêm sobre o imóvel qualquer direito (nomeadamente direito de propriedade); 11.3. Existência de um vício/irregularidade subjacente ao registo de propriedade dos Recorridos: a insuficiência do título para prova legal do facto registado e a inexistência de qualquer comprovativo da aquisição da propriedade –artigo 24.º e artigos 59.º a68.º e dos artigos 88.º a 101.º da PI. 12. Na petição inicial foram alegados factos donde resulta a existência de vícios do registo geradores da sua nulidade para efeitos do artigo 16.º do Código de Registo Predial e que fundamentam outrossim o pedido de impugnação judicial do facto registado na AP. ...04 de 23/06/2016, com cancelamento do respectivo registo – vide alínea C) do petitório . 13.O pedido ampliado de declaração de nulidade da inscrição fundada na Ap....04 de 23/06/2016 ou o seu cancelamento, porque lavrada com base em títulos insuficientes para prova legal do facto registado, funda-se na alegação donde resulta existir uma desconformidade entre a realidade e o que se encontra registado mas também na alegação segundo a qual os Recorridos registaram 1/3 do imóvel objecto dos presentes autos ilegitimamente e sem título aquisitivo/direito válido, bastante e suficiente. 14. Os documentos remetidos pela Conservatória do Registo Predial apenas tornaram evidente a já alegada invalidade da inscrição a favor dos Recorridos. 15. O pedido de declaração de nulidade da inscrição fundada na AP. ...04 de 23/06/2016 ou o seu cancelamento (apresentado no seguimento da junção dos documentos que instruíram o pedido de registo a favor dos Recorridos com fundamento no n.º 2 do artigo 265.º do CPC) constitui uma consequência e um desenvolvimento do pedido de cancelamento ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 8.º do Código do Registo Predial, formulado sob o ponto C) em sede de petição inicial. Pedidos que se fundam nos mesmos factos e estão diretamente relacionados, visando a eliminação de quaisquer efeitos jurídicos decorrentes da inscrição efetuada pela AP. ...04 de 23/06/2016. 16. Devendo a douta decisão ora recorrida ser revogada e substituída por decisão que admita, aprecie e defira a ampliação do pedido formulado pelos Recorrentes nos termos do Requerimento apresentado no dia 27/04/2023, referência citius n.º .....11. 17.O Mmo. Tribunal a quo entendeu, com fundamento no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, entendeu que a decisão acerca do pedido de cancelamento do aludido registo estaria prejudicada pela improcedência do pedido principal dos Recorrentes (de reconhecimento de propriedade sobre a totalidade do imóvel). 18. Os Recorrentes impugnaram judicialmente os factos registados pelos Recorridos, com fundamento na titularidade do direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel e com fundamento na insuficiência do título para prova legal do facto registado e a inexistência de qualquer comprovativo da aquisição da propriedade, que configura um vício ou irregularidade do registo. 19. Encontram-se nos autos elementos, informações e documentos -nomeadamente os documentos remetidos pela Conservatória do Registo Predial – suficientes para conhecer do referido pedido e julga-lo procedente: 19.1. Não ficou demonstrada a propriedade dos Recorridos: pedido reconvencional dos Recorridos de reconhecimento da aquisição originária do direito de propriedade, na proporção de um terço, através do instituto da usucapião foi julgado improcedente; 19.2. Ficou demonstrada a invalidade/insuficiência do título que serviu de base ao registo de propriedade dos Recorridos a que se reporta a AP. ...04 de 23/06/2024. 19.3.Não há uma relação direta e automática entre a improcedência do reconhecimento dos Autores, oraRecorrentes, sobreatotalidadedo imóvel e a improcedência do pedido de cancelamento do registo ao abrigo do artigo 8.º do CRPredial. 20. Nestes termos, deve a douta decisão ora recorrida ser revogada por outra que entenda que o Tribunal poderia e deveria ter conhecimento do pedido formulado na alínea c) do petitório e declare o cancelamento do registo realizado pela AP ...04 de 23/06/2016. 21. Dos factos provados pela douta Sentença nos artigos 1.º, 2.º, 7.º, 8.º, 12.º e 13.ºe dos factos não provados dos artigos 10.º, 18.º, 19.º, 98.º, 104.º, 106.º e 135.º conclui-se inequivocamente que: o avô dos Recorrentes – HH foi proprietário da totalidade do imóvel objeto dos presentes autos e que exerceu posse titulada, pública, originária e de boa-fé sobre a totalidade desse mesmo imóvel. 22. O que os próprios Recorridos afirmam e confessam nos artigos 29.º e 34.º da contestação apresentada pelos mesmos. 23. Foi o avô dos Recorrentes quem requereu junto da Câmara Municipal de Mira a licença para a sua construção e suportou todos os encargos decorrentes da construção. 24. Foi o avô dos Recorrentes quem iniciou aposse pacífica epública, com corpus e animus sobre a totalidade do prédio, o que, no pior dos cenários, que não concedemos , teve lugar, pelo menos, aquando da construção de todo o prédio e nos primeiros tempos depois da construção, o que os Recorridos confessam. 25. Os pais dos Recorrentes eram os únicos herdeiros de HH e os Recorrentes são os únicos herdeiros dos seus pais. 26. A posse do Avô dos Recorrentes, em respeito pelo artigo 1255.º e 2050.º, n.º1 do CC transferiu-se para os seus pais e, destes, para os Recorrentes, não se formando novas posses, formando antes a posse dos sucessores e a dos de cujus um todo. 27. O que sucede independentemente da existência de qualquer acto de apreensão ou utilização material da totalidade da coisa e sempre com os mesmos caracteres da posse originária. 28. Não ficou provado que GG tenha recebido parte do prédio por doação ou mediante dação em cumprimento, nem que os Recorridos, ou os seus pais, tenham sido possuidores do imóvel e praticado sobre o mesmo, actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade com animus e corpus. 29. Provou-se, na pior das hipóteses, apenas que os Recorridos foram meros detentores do prédio. 30. O que é confirmado pela douta Sentença ao afirmar que nunca se deu a inversão do título da posse relativamente à utilização dos Recorridos de parte do prédio. Mal andou o douto Tribunal a quo ao concluir que os Recorridos exerceram posse com corpus e animus, porquanto não se pode extrair da factualidade dada como assente, nomeadamente a que respeita a contratos de fornecimento de água ou luz para alguns dos “apartamentos” ou a sua ocupação esporádica com a utilização de alguns equipamentos próprios, que os Recorridos tenham agido com animus de proprietário. 32. O que nem a troca de fechaduras pode fundamentar. 33. Não se provou qualquer aquisição originária do direito real de propriedade pelos Recorridos sobre o imóvel. 34. A posse dos Recorrentes sobre a totalidade do imóvel era exercida pelos Recorrentes, independentemente dos actos praticados pelos Recorridos e seus ascendentes, porquanto estes nunca tiveram animus nem corpus (actos por mera tolerância). 35. Os Recorrentes são e sempre foram os legítimos proprietários e possuidores da totalidade do imóvel. 36. Mal andou o douto Tribunal a quo ao concluir que a suposta “posse” dos Recorridos afasta a posse dos Recorrentes. 37. Os Recorrentes beneficiam da presunção da posse prevista no artigo 1268.º do CC, pelo que os Recorridos não beneficiam dapresunção dequeo facto/direito registado existe e lhes pertence nos termos em que o registo o define, porquanto a posse dos Recorrentes (adquirida do seu avô) é anterior ao registo efetuado pelos Recorridos. Os Recorrentes têm a seu favor a presunção da titularidade do direito de propriedade sobre a totalidade do prédio decorrente da posse e o registo a favor dos Recorridos não é apto a demonstrar que os mesmos são proprietários. 39. Os Recorrentes não precisavam de provar o preenchimento dos requisitos da usucapião, sobretudo porque não ficou demonstrado existir qualquer direito real dos Recorridos. 40. Os Recorrentes não necessitavam sequer de provar a posse que o seu avô exerceu e lhes foi transmitida, porquanto bastava-lhes provar que o avô foi proprietário da totalidade do imóvel, o que provaram. 41. E a inexistência do preenchimento dos requisitos da usucapião pelos Recorridos, o que provaram. 42. Usucapião essa que nem seria legalmente admissível, porquanto não pode haver usucapião sobre parte de uma coisa, nem em compropriedade sobre uma parte em específico. 43. Não logrando os Recorridos provar a usucapião ou, no mínimo, estando demonstrada a sua impossibilidade legal, não poderia o desfecho ser outro senão a declaração da propriedade dos Recorrentes sobre a totalidade do imóvel. 44. Impunha-se ao Mmo. Tribunal a quo que declarasse o direito de propriedade dos Recorrentes sobre a totalidade do imóvel e condenasse os Recorridos na restituição da parcela de 1/3 (um terço) de que, indevidamente, se arrogam proprietários. 45.Mal andou o Tribunal a quo ao concluir pela improcedência da ação e pela absolvição dos Recorridos do pedido. 46. Devendo ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, serem os pedidos formulados pelos Recorrentes julgados totalmente procedentes. *** 47. O n.º 7.º do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais prevê que, nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se o caso concreto não justificar a sua aplicação e o Juiz dispensar (de forma fundamentada) o seu pagamento com base na complexidade da causa (que atende, entre o mais, aos articulados, à especialização jurídica que a questão a analisar requer e à complexidade e morosidade dos meios de prova) e a conduta processual das partes. 48. In casu o presente recurso não reveste especial complexidade, não carece de elevada especialização jurídica/técnica do Julgador, não sendo discutidas questões técnicas. 49. Estão em causa apenas questões de direito civil e o recurso é claro. 50. A conduta processual das partes foi correcta, não houvelugaràpráticadeactos desnecessários, custosos, desproporcionados e eivados de má-fé. 51. A aplicação automática ou mecânica da regra de que nas causas de valor superior a € 275.000,00 é devida taxa de justiça de 3UC por cada € 25.000,00 ou fracção para além daquele valor imporia às partes a necessidade de suportar esse remanescente e afigura-se desproporcionada quando considerada a contraprestação específica que nos presentes autos lhe coube. 52. À luz de um juízo de razoabilidade, o pagamento do valor remanescente da taxa de justiça é desproporcional à actividade que os impulsos das partes originaram para o Tribunal e ao valor económico da actividade deste porque não tem o mínimo reflexo natramitação processual, na complexidadeda causa e nem na conduta das partes. 53. Interpretação contrária do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais sempre implicaria a violação manifesta de princípios e normas constitucionais consagradoras de elementos estruturantes da nossa sociedade e do nosso sistema jurídico, como é o caso do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º, do princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 18.º, e do direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no n.o 1 do artigo 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa. 54. Interpretação contrária do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais sempre traduz-se na negação prática de todos eles, afastando não apenas as partes, mas também todosos queobservam e/ou recorrem ao sistema judicial para resolução dos seus problemas, atenta a desproporção manifesta dos custos dessa resolução e ainda o risco da sua não correcção ou atenuação, a final, oficiosamente ou a requerimento. Termos em que se impõe dispensar as partes do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça, atento o disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.” Os Recorridos apresentaram contra-alegações pronunciando-se pela inadmissibilidade do recurso em termos gerais face à existência de dupla conforme e, em qualquer caso, pela improcedência do mesmo. * Por despacho proferido em 05-07-2025, entendeu-se que o recurso em termos gerais não era admissível, dada a existência de dupla conforme, mas determinou a remessa dos autos à Formação, nos termos do art.º 672.º n.º 3 do CPC, com vista à verificação dos pressupostos específicos de admissibilidade da revista excepcional. Inconformados com este despacho vêm apresentar RECLAMACÃO para a CONFERÊNCIA, concluindo o seguinte: Vem a presente reclamação deduzida do douto Despacho melhor identificado em epígrafe, que remeteu os autos à Formação, por julgar verificada a existência de dupla conforme. 2. Salvo o devido respeito, que é muito, o recurso de revista é admissível nos termos gerais, porquanto não se encontra verificada uma situação de dupla conforme. 3. A decisão de segunda instância utilizou como fundamento essencial, para julgar improcedente o pedido dos Autores, a suposta verificação de posse com corpus e animus de GG. 4. Já a decisão de primeira instância julgou não verificados tais elementos. 5. Deve, assim, ser revogada a decisão de não conhecimento nos termos gerais da revista, admitindo-se o recurso de revista nesses termos gerais. Caso assim não se entenda, sempre deverá ser admitida a revista excecional, nos termos subsidiariamente pedidos no recurso de revista apresentado. Cumpre, pois, analisar e decidir sendo que a única questão a apreciar reside na verificação ou não da “dupla conforme”. II - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO Os Recorrentes começam por afirmar que o recurso de revista normal é admissível por não se verificar “in casu”, uma situação de dupla conforme, já que o Tribunal da Relação fundamentou a decisão de forma distinta daquela que foi adoptada pela sentença da 1.ª instância. Importa, pois, analisar se é admissível a revista normal pois que se o for, será nessa sede que será apreciado o recurso, ficando prejudicada a necessidade da apreciação dos pressupostos da revista excepcional. Nos termos do disposto no art.º 671º, nº3, do CPC, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”. Como resulta do preceito legal, a chamada dupla conforme verifica-se quando seja confirmada a decisão da 1ª Instância sem voto de vencido (in casu, não houve) e sem uma fundamentação essencialmente diferente, existindo esta quando, designadamente, se confirme a decisão da 1ª Instância «a partir de um quadro normativo substancialmente diverso, como sucede nos casos em que a uma determinada qualificação contratual sucede uma outra distinta que implica um diverso enquadramento jurídico»1. » A alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação induz-nos a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas que não representam efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas pela 1.ª instância, para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de l.a instância.» 2 Conforme se considerou no Acórdão destes STJ de 19-02-20153: «I – A alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual NCPC (2013) (mandando atender a uma diferença essencial nas fundamentações que suportam a mesma decisão das instâncias), obriga o intérprete e aplicador do direito a – analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios – distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diversa. II – Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1.ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme. III – Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações, normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância.»4 Ora, no cotejo entre as duas fundamentações – a constante da sentença da 1.ª instância e desenvolvida no acórdão da Relação, é patente que embora não sejam totalmente coincidentes, estão longe de se poderem considerar “essencialmente diferentes”. Antes pelo contrário, incidem, ambas, sobre a aplicação das normas previstas para o instituto jurídico da posse. A sentença da 1.ª instância decide concluindo pela falta de prova de que os Autores exerceram a posse sobre a totalidade do imóvel. Por sua vez, a Relação chegou à conclusão de que a posse dos Réus “ é incompatível com a posição dos autores de que são eles os (com)proprietários exclusivos da totalidade do prédio, caindo por terra a argumentação dos Apelantes de que beneficiam da presunção de propriedade, decorrente da posse exercida por si e antepossuidores, sobre a totalidade do prédio.” Conclui-se pela existência da dupla conforme e por conseguinte, é inadmissível o recurso de revista, nos termos do disposto no art.º 671.º n.º 3 do CPC. Porém, nos termos do art.º 672.º n.º 3 do CPC, a decisão quanto à verificação dos pressupostos específicos de admissibilidade da revista excepcional compete à Formação, alí prevista. III - DECISÃO Nestes termos, acordamos em conferência, na 7.ª secção do STJ em confirmar a decisão reclamada de julgar inadmissível o recurso, em termos gerais, verificada que está a “dupla conforme”. Custas pelos Reclamantes. Lisboa, 05-07-2025 Maria de Deus Correia (Relatora) Ferreira Lopes Fátima Gomes _________________ 1. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7 edição, Almedina, Coimbra, 2022, p. 424. 3. Revista n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt 4. No mesmo sentido, Acórdão do STJ de 07-07-2022, Processo 2672/12.4TBPDL.L1, disponível em www.dgsi.pt |