Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5598/22.0T8VNG.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: AÇÃO POPULAR
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
LUGAR DA PRÁTICA DO FACTO
INDEMNIZAÇÃO
REGULAMENTO (UE) 1215/2012
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
TRANSPORTE AÉREO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO DA REVISTA
ADMISSIBILIDADE
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CASO JULGADO FORMAL
PETIÇÃO INICIAL
INTERPRETAÇÃO
Data do Acordão: 10/14/2025
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - Não é admissível recurso de revista de decisões interlocutórias com fundamento em oposição de acórdãos da Relação, porquanto apenas se integram no art. 671.º, n.º 2, al. a), do CPC – casos em que o recurso é sempre admissível –, as previsões contempladas no art. 629.º, n.º 2, als. a), b) e c) do CPC.
II - A contradição de acórdãos que torna viável a admissibilidade da revista nestas situações é a observada no art. 671.º, n.º 1, al. b), do CPC, ou seja, com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

III - A decisão tabelar efetuada no saneador a respeito dos pressupostos processuais não constitui caso julgado formal, podendo o juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as exceções que, no saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada.

IV - Se o juiz referir genericamente que se verificam determinados pressupostos, dos constantes do art. 577.º, do CPCl, o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade.

V - A petição inicial, enquanto ato postulativo, configura uma declaração de vontade tendente a obter determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do CC.

VI - De acordo com a jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o conceito de “lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”, contido no art. 7.º, n.º 2 do Regulamento n.º 1215/2012, refere-se simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem desse dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares.

VII - E segundo essa mesma jurisprudência aquela expressão “lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”, não pode ser objeto de interpretação extensiva, a ponto de englobar qualquer lugar onde possam ser sentidas as consequências danosas de um facto que já causou um prejuízo efetivamente ocorrido noutro lugar, reportando-se, antes, ao lugar onde o lesado direto alega ter sofrido um dano inicial e ao lugar onde os efeitos deste dano se manifestam concretamente, havendo necessidade, em alguns casos, de recorrer às “circunstâncias concretas” do processo para, numa apreciação global, complementar o critério da competência estabelecido no art. 7.º, n.º 2, do Regulamento n.º 1215/2012, por forma a assegurar o cumprimento dos objetivos de proteção jurisdicional de ambas as partes e os respeitantes à gestão do processo que estão subjacentes a esta regra

Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

CITIZENS' VOICE - CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION e AA, intentaram ação declarativa popular de condenação, sob a forma de processo comum, contra RYNAIR DAC, pedindo a condenação desta:

“A. – A reconhecer que fazer pender a venda de um serviço aos autores populares da aquisição de outro serviço funcionalmente independente por parte destes é uma prática restritiva da concorrência e proibida por lei;

B. – A reconhecer que uma bagagem de mão não registada com dimensões até 55x40x20cm e que cumpram integralmente as regras aplicáveis em segurança, é um item essencial e previsível do preço final do serviço de transporte, enquanto offspring da atividade da ré;

C. – A reconhecer que não pode aplicar um sobre preço ao preço final do serviço de transporte aéreo quando o consumidor se faz acompanhar de uma bagagem de mão, não registada, com dimensões até 55x40x20cm e que cumpra integralmente as regras aplicáveis em segurança;

D. – A reconhecer que agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, seja quanto ao autor 2, como quanto aos autores populares;

E. – A reconhecer que violou qualquer um dos artigos do decreto-lei 57/2008, nomeadamente, os artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1,b,d), 9 (1,a) desse diploma;

F. – A reconhecer que violou os artigos da lei 24/96, nomeadamente, os artigos 3 (a) (d) (e) (f), 4, 7, (4) e 8 (1, a, c, d) (2) desse diploma;

G. – A reconhecer que violou o artigo 2 (1) da lei 67/2003;

H. – A reconhecer que violou o artigo 11 da lei 19/2012; I. deve a ré ser condenada a reconhecer que violou o artigo 102 do TFUE;

J. – A reconhecer que o comportamento supra descrito em qualquer um dos pedidos anteriores e tido com os autores populares, é ilícito;

K. – A reconhecer que com a totalidade ou parte desses comportamentos lesaram gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores;

L. – A reconhecer que em resultado do comportamento supra descrito no § 3, provocou os danos patrimoniais e não patrimoniais referidos no § 3;

e em consequência, para o caso de qualquer um dos pedidos supra proceder:

M. – A indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita ao sobre preço causado pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a determinar nos termos do artigo 609 (2) do CPC; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobre preço; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal,

N. – Subsidiariamente ao ponto anterior ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultou do sobre preço causado pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado em € 21,5 euros (vinte e um euros e cinquenta cêntimos) por segmento de voo do transporte aéreo contratado nos termos supra referidos; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobre preço; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.

O. – A indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, mas nunca inferior a 50 euros por cada passageiro, independente de o mesmo autor popular poder ter feito mais que uma viagem b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.

P. – A indemnizar integralmente os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global: a. nos termos do artigo 9 (2) da lei 23/2018 ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal.

Q. – A pagar todos os encargos que os autores intervenientes tiveram ou venham ainda a ter com o processo, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3) do CPC como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico económico complexo e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que entretanto venha obter por via de celebração de um contrato.

R. – Porque o artigo 22 (2) da Lei 83/95 estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores intervenientes requerer que declare que CITIZENS’ VOICE – CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, agindo como autora

interveniente neste processo e em representação dos restantes autores populares têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2) do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes.

S. – Requer-se ainda que Vossa Excelência decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 14 infra, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido.

T. – Requer-se também que Vossa Excelência decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido”.

Foi proferido saneador-sentença em 1ª instância que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a ação, considerando que, por aplicação do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, os tribunais irlandeses são os competentes para apreciar a presente causa.

Irresignados, os autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.

Inconformados, vieram os autores interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações que apresentaram as seguintes

CONCLUSÕES1:

1. Os autores interpõem recurso de revista, nos termos e ao abrigo do disposto artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 671 e 672 todos do CPC, por terem legitimidade para tal e estarem em tempo de o fazer (cf. artigo 638, do CPC), por não se conformarem com a sentença proferida e ora recorrida e com a mesma discordarem.

2. Nos termos do artigo 671 (3), do CPC não é admissível recurso de revista ordinária quando o acórdão da Relação confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida em 1.ª instância, configurando-se a denominada “dupla conforme”.

3. No presente caso, relativamente à primeira questão (citação postal), o Acórdão recorrido confirmou a sentença de 1.ª instância sem introduzir qualquer fundamentação nova ou essencialmente diversa, estando preenchidos os pressupostos para a “dupla conforme” quanto a esse ponto.

4. Todavia, no que respeita à segunda questão (incompetência internacional dos tribunais portugueses), a fundamentação do Acórdão recorrido diverge, de forma essencial, daquela utilizada na 1.ª instância. Enquanto na sentença a incompetência internacional assentou, em grande medida, na interpretação do Acórdão do TJUE no processo C‑464/18 (centrando-se,

designadamente, na falta de legitimidade passiva da ré), já o Acórdão recorrido entendeu reconduzir a ação a uma pretensão inibitória e daí extrair a aplicação do artigo 4 do Regulamento (UE) n 1215/2012, distanciando-se, pois, da fundamentação do Tribunal de 1.ª instância.

5. Esta diferença essencial de fundamentação, aliada à alteração do quadro jurídico em que a Relação sustentou a decisão de incompetência internacional, impede que se considere verificada a “dupla conforme” quanto à segunda questão, pelo que se mostra admissível a revista ordinária, ao abrigo do artigo 671 (3), parte final, do CPC.

6. Caso, ainda assim, se entenda existir “dupla conforme” na totalidade das questões em litígio, requer-se, com a devida cautela, a admissão da revista ordinária excecional, ao abrigo do artigo 672 (1, b, c), do CPC.

7. A relevância jurídica e social das questões suscitadas é inequívoca, desde logo porque:

a. (i) Implica a correta aplicação do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 e do Regulamento (UE) 2020/1784, instrumentos centrais no domínio da competência judiciária e da citação transfronteiriça no espaço da União Europeia;

b. (ii) Envolve matéria de direito fundamental ao acesso aos tribunais (artigo 20.º da CRP), bem como a interpretação e efetivação do princípio do primado do Direito da União Europeia (artigos 8.º, n.º 4, da CRP, 2.º do TUE e 47.º da CDFUE);

c. (iii) Aborda questões inerentes ao regime das ações populares de defesa dos direitos dos consumidores, com inevitável impacto coletivo.

8. A título exemplificativo, a divergência do Acórdão recorrido com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no processo C‑354/15 (apurando-se aqui um quadro factual em tudo idêntico ao dos presentes autos) reforça a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, a fim de uniformizar e clarificar a aplicação do Direito da União Europeia em Portugal.

9. Ademais, o Acórdão recorrido conflita com precedentes do próprio Supremo Tribunal de Justiça (v.g., Acórdão de 14.01.2025, processo 4321/23.6T8VNG.S1), o que evidencia contradição jurisprudencial suscetível de legitimar a admissão da revista excecional nos termos do artigo 672. (1, c), do CPC.

10. Tendo em conta a importância destas questões e a necessidade de estabilização jurisprudencial, afigura-se indispensável a apreciação final pelo Supremo Tribunal de Justiça, seja através da revista ordinária (se se entender que não há dupla conforme em toda a extensão do litígio) seja através da revista excecional (caso se considere existir dupla conforme, pelo

menos numa das vertentes da lide).

11. De todo o modo, subsiste um “interesse público” na resolução definitiva desta problemática pelo Supremo Tribunal de Justiça, atentos:

a. (i) O potencial impacto da solução a fixar em numerosos casos análogos de citação postal transfronteiriça;

b. (ii) A necessidade de clarificar o critério de competência internacional dos tribunais portugueses à luz do artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, e das orientações do TJUE sobre o “locus damni” e o “locus actus”.

12. Posto o exposto, requer-se: a admissão da presente revista ordinária quanto à questão da competência internacional (não verificada a “dupla conforme” nessa parte) e, subsidiariamente, e quanto à restante matéria ou se VV. Exas. considerarem existir dupla conforme em toda a extensão, requer-se a admissão da revista na sua forma excecional [cf. artigo 672 (1, b, c), do CPC], atenta a relevância jurídica e social das questões em apreço, a

controvérsia jurisprudencial existente, e a necessidade de intervenção liderante e unificadora deste Supremo Tribunal de Justiça.

13. O Venerando Tribunal a quo decidiu verificar a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais para decidir a ação e, em consequência, absolver a ré, ora recorrida, instância, oferecendo como fundamento que estamos perante uma ação inibitória de cláusulas gerais contratuais e que por isso a exceção prevista ao artigo 4 do regulamento (UE) 1215/2012 não se aplica.

14. Depois entendeu que a citação por via postal da ré em país diferente de Portugal mas Estado Membro da União Europeia, só se efetiva se a sua entrega for comprovada mediante aviso de receção assinado.

15. A causa petendi no presente processo assenta:

a. Violação das Regras Comuns de Exploração dos Serviços Aéreos: a ré, através de suas práticas comerciais, viola expressamente o artigo 22(1) do regulamento (CE) 1008/2008, ao

não incluir de forma clara e inequívoca, no preço final dos serviços de transporte aéreo, itens essenciais e previsíveis, como é o caso da trolley bag.

b. Publicidade Enganosa: a apresentação enganosa das tarifas no site da ré constitui uma forma de publicidade enganosa, induzindo os consumidores em erro quanto ao preço real dos serviços de transporte aéreo, o que é incompatível com uma concorrência leal e transparente.

c. Cobrança Abusiva por Serviços Adicionais: a exigência de pagamento de adicional pela trolley bag, especialmente sob condições variáveis e muitas vezes exorbitantes, representa uma prática abusiva que afeta a transparência e a equidade na formação dos preços.

d. Venda Associada Obrigatória e Coerciva: a ré impõe a aquisição do serviço de transporte da trolley bag conjuntamente com outros serviços, como o embarque prioritário e o lugar reservado, configurando uma venda associada obrigatória e coerciva, que é uma prática comercial desleal contrária aos artigos 8 e 9 (d) da diretiva 2005/29/CE.

16. O petitum, tal como articulado na petição inicial, requer que a presente ação seja julgada procedente e que seja declarado que, a ré, ora recorrida, incorreu nos comportamentos ilícitos retro descritos e, em virtude desses comportamentos, a ré seja condenada ao pagamento de indemnizações aos autores populares pelos prejuízos causados.

17. Os autores populares são portugueses, residentes em Portugal, que tenham sido alvo da prática ilícita da ré.

18. O que se discute nestes autos é, portanto, o comportamento ilícito da ré, que é matéria extracontratual.

19. O dano materializa-se em Portugal, local de residência dos autores.

20. A ré foi citada via postal, não foi rececionado o aviso de receção assinada, mas junto dos serviços postais existe comprativo, com data e nome de quem recebeu a citação.

21. Assim, a únicas questões em causa neste recurso é:

a. citação postal em outro Estado Membro da União Europeia;

b. competência Internacional.

22. Pelas razões sustentadas nos §§ 7 e 8 supra para onde se remete, entendem os autores populares que a citação postal em que existe prova, no serviço postal, dessa entrega, deve considerar-se efetivada, mesmo que não se receba o correspondente aviso de receção e que os tribunais portugueses são competentes para decidir este processo.

23. Mas que de forma resumida, sustentam com o seguinte:

24. A citação de pessoas coletivas com sede noutro Estado-Membro da União Europeia rege-se pelo Regulamento (UE) 2020/1784, nomeadamente pelo seu artigo 18.

25. Nos termos do artigo 18 do Regulamento (UE) 2020/1784, admite-se a citação direta por via postal, desde que realizada por carta registada com aviso de receção ou ato equivalente, entendendo-se por “equivalente” qualquer método que assegure um nível de certeza funcional idêntico ao aviso de receção.

26. No presente caso, foi enviada à ré, por iniciativa do tribunal de 1.ª instância, uma carta registada com aviso de receção para efeitos de citação, conforme consta da cota processual de 21.12.2022 (referência .......09), sendo o registo postal RE .......82 PT.

27. A consulta ao serviço de tracking dos CTT confirma que a referida carta foi entregue e recebida na data de 29.12.2022, presumindo-se, assim, que a citação foi validamente concretizada nessa data.

28. O tribunal de 1.ª instância não diligenciou no sentido de averiguar o paradeiro do aviso de receção junto dos CTT, antes desconsiderando, de forma automática, a citação de 29.12.2022, violando, desse modo, o disposto nos artigos 191, 195, 239 e 246 do CPC, bem como o artigo 18.º do Regulamento (UE) 2020/1784.

29. Ainda que o aviso de receção físico não tenha sido junto aos autos, o sistema de rastreamento eletrónico dos CTT, com registo de data, hora e assinatura digital no ato da entrega, constitui, à luz do Regulamento (UE) 2020/1784, um método equivalente ao aviso de receção, garantindo os princípios da certeza jurídica e do contraditório.

30. Tal interpretação encontra respaldo no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 2 de março de 2017, processo C‑354/15, que apreciou um caso idêntico, envolvendo igualmente citação postal entre Estados-Membros e métodos de prova de receção equivalentes ao aviso de receção.

31. A interpretação dada pelo tribunal a quo revela-se, por isso, não apenas desajustada à luz do direito interno e do regulamento europeu aplicável, mas também em contradição com a jurisprudência do TJUE, violando os artigos 47 da CDFUE, 6. (CEDH), 20 e 205 da CRP e os princípios do primado e da aplicação uniforme do Direito da União Europeia.

32. Sendo esta instância a última em que cabem recursos ordinários (pelo menos quanto à questão da citação postal) e por se tratar de uma questão nova de interpretação do direito da União Europeia, impõe-se, nos termos do artigo 267 do TFUE, o reenvio prejudicial ao TJUE.

33. O reenvio é obrigatório, uma vez afastada a aplicação da doutrina do acte éclairé (da Costa) dado que a questão sobre o que constitui um “método equivalente” ao aviso de receção ao abrigo do artigo 18 do Regulamento (UE) 2020/1784 ainda não foi objeto de interpretação clara e uniforme pelo TJUE, com exceção do acórdão proferido no processo C-354/15, que VV.

Exas poderão considerar suficiente para aplicar a retro referida doutrina.

34. A formulação de um pedido de decisão prejudicial ao TJUE pode ser, portanto, necessária para assegurar a aplicação uniforme do direito da União Europeia e garantir os direitos processuais fundamentais da parte contrária, respeitando os princípios do contraditório, da legalidade processual e da efetividade da tutela jurisdicional.

35. A competência internacional dos tribunais portugueses deve ser analisada com base na relação jurídica subjacente à ação, considerando a causa de pedir e o pedido formulado pela parte autora, conforme estabelecido nos regulamentos europeus e convenções internacionais

pertinentes, em especial o regulamento (UE) 1215/2012.

36. Destaca-se que a presente ação, sendo uma ação coletiva popular movida por uma associação de defesa dos consumidores e pelos consumidores finais afetados pelas práticas da ré, pode afastar o âmbito de aplicação do artigo 18 (1) do regulamento (UE) 1215/2012, mas tem aplicabilidade o artigo 7 (2) desse mesmo regulamento.

37. Assim, defende-se que, em conformidade com o artigo 7 (2) do regulamento (UE) 1215/2012, a competência especial em matéria extracontratual permite que a ré, domiciliada em outro Estado membro, possa ser demandada no tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, fundamentando a competência internacional dos tribunais portugueses para o caso em análise.

38. Salienta-se a jurisprudência do TJUE, que reconhece a importância do lugar do evento causal e do lugar da materialização do dano para determinar a competência jurisdicional, em especial quando o dano se manifesta de forma concreta e individualizada nos consumidores afetados.

39. Em resumo, a interpretação do artigo 7 (2) do regulamento (UE) 1215/2012, deve ser de acordo com a seguinte jurisprudência:

a. Interpretação Autónoma da Competência Especial em Matéria Extracontratual: o TJUE, no caso Gtflix Tv v. DR, C-251/20, sublinha a necessidade de uma interpretação autónoma da regra de competência especial em matéria extracontratual, alinhada aos objetivos e ao sistema do regulamento 1215/2012, garantindo assim a aplicação uniforme deste regulamento em todos os Estados-Membros.

b. Delimitação dos Conceitos de Matéria Contratual e Extracontratual: no acórdão HRVATSKE ŠUME d.o.o., Zagreb v. BP EUROPA SE, C-242/20, o TJUE clarifica que os conceitos de “matéria contratual” e “matéria extracontratual” não devem ser interpretados com base na qualificação dada pela lei nacional aplicável, mas sim de forma autónoma, em consonância com os princípios do regulamento 1215/2012 – in casu, trata-se, inequivocamente, de matéria extracontratual.

c. Amplitude do Conceito de Matéria Extracontratual: O TJUE, em HRVATSKE ŠUME d.o.o., Zagreb v. BP EUROPA SE, C-242/20, destaca que o conceito de matéria extracontratual é amplo e abrange qualquer pedido que envolva a responsabilidade de um demandado e que não esteja relacionado com uma obrigação contratual livremente consentida – percebe-se, a esta luz que, in casu, trata-se, inequivocamente, de matéria extracontratual.

d. Determinação do Lugar do Evento Causal e da Materialização do Dano: o processo Wikingerhof GmbH & Co. KG v. Booking.com BV, C-59/19, esclarece que uma ação enquadra-se na matéria extracontratual, conforme o artigo 7 (2), do regulamento 1215/2012, quando o demandante invoca a violação de uma obrigação se impõe ao demandado independentemente desse contrato percebe-se, a esta luz que, in casu, trata-se, inequivocamente, de matéria

extracontratual

e. Identificação do Lugar da Materialização do Dano: conforme estabelecido no acórdão Cartel Damage Claims (CDC) Hydrogen Peroxide SA, C-352/13, o lugar da materialização do dano é considerado onde o dano efetivamente se manifesta – in casu, sendo

os autores populares residentes em Portugal, o dano manifestou-se em Portugal.

f. Aplicabilidade do Regulamento a Ações Coletivas: o acórdão Verein für Konsumenteninformation v. Volkswagen AG, C-343/19, reitera que a interpretação dada pelo TJUE às disposições dos regulamentos e convenções anteriores é igualmente válida para o

regulamento 1215/2012, quando as disposições podem ser consideradas equivalentes, aplicando-se, portanto, às ações coletivas – in casu, trata-se de uma ação coletiva, do subtipo popular.

40. Clarifica-se que a jurisprudência emanada do processo C-464/18 não é aplicável ao caso vertente, uma vez que a ação não foi intentada contra a sucursal da ré em Portugal, mas sim contra a própria ré, com sede em outro Estado membro e que o retro referido processo visava resolver a questão da falta de legitimidade passiva da ali ré e não, verdadeiramente, a competência internacional do tribunal daquele Estado Membro.

41. Por fim, o supra referido tem sido desenvolvido e melhor concretizado pelo TJUE, que tem esclarecido a propósito da solução consagrada no artigo 7 (2) do regulamento 1215/2012 o que a regra de competência especial que esta disposição prevê por derrogação da regra geral da competência dos órgãos jurisdicionais do domicílio do demandado estabelecida no artigo 4.° desse regulamento baseia-se na existência de um nexo particularmente estreito entre o litígio e os tribunais do lugar onde ocorreu o facto danoso, suscetível de justificar uma atribuição de competência a estes últimos por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (…) Com efeito, em matéria extracontratual, o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso é normalmente o mais apto para decidir, nomeadamente por razões de proximidade do litígio e de facilidade de administração das provas – §§ 29 e 30 do acórdão ZK, contra insolvência da BMA Nederland BV, de 10.03.2022, processo C-498/20.

42. A interpretação que se faz do artigo 7 (2), do retro referido regulamento nos termos enunciados é a mais compatível com o defendido supra.

43. Por fim, não se diga que o aludido regulamento não se aplica às ações coletivas (algo que a sentença nem colocou em causa, porquanto aplicou efetivamente esse regulamento para fundamentar a sua sentença), porquanto não se consegue retirar do artigo 7(2) do aludido regulamento, nem do seu artigo 1, nenhum fundamento para excluir as ações coletivas.

44. Se no que respeita à aplicação do artigo 18(1), do mesmo diploma, o argumento em análise se revela decisivo, uma vez que a norma faz expressa menção a consumidor, já o artigo 7 (2) não faz a mínima referência ao sujeito.

45. Isto mesmo resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão Henkel, de 01.10.2002, processo C-167/00, supra referido.

46. Neste aresto foi submetida ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: O pedido de cessação de utilização de cláusulas gerais de contratos ilícitas ou contrárias aos bons costumes, previsto pelo § 28 da [KSchG], formulado por uma organização de consumidores ao abrigo ao abrigo do § 29 da mesma lei e com referência ao artigo 7.°, n.º 2, da Diretiva 93/13/CEE [...], constitui uma ação em matéria extracontratual que pode ser intentada no órgão jurisdicional investido de competência especial ao abrigo do artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas [...]?

47. A conformação do pedido, em particular a identidade do demandante, é reveladora de que se tratava de uma ação coletiva. Ora, a resposta do Tribunal foi afirmativa, daqui resultando, sem qualquer dúvida, que as ações coletivas estavam incluídas no âmbito de previsão do citado artigo 5, ponto 3, da Convenção de Bruxelas.

48. Esta jurisprudência é aplicável ao artigo 7 (2) do regulamento 1215/2012, pois é equivalente ao artigo 5, ponto 3, da Convenção de Bruxelas.

49. A sentença recorrida considera que não é aplicável a regra especial consagrada no artigo 7 (2), do Regulamento 1215/2012 nos termos em que atribui a competência internacional aos tribunais portugueses, porque parece entender que o local onde alegadamente ocorreu o facto danoso foi na República da Irlanda.

50. Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça a expressão «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso» abrange simultaneamente o lugar do evento causal e o da materialização do dano, sendo cada um deles suscetível, segundo as circunstâncias, de fornecer uma indicação particularmente útil no que diz respeito à prova e à organização do processo – § 27 acórdão do TJUE de 21.12.2021, processo C-251/20.

51. Mais resulta da jurisprudência do TJUE que o lugar da materialização do dano é aquele onde o alegado dano se manifesta concretamente e que quanto ao dano que consiste em acréscimo de custos pagos em razão de um preço artificialmente elevado”, como é aqui o caso – embora no acórdão em questão se trata-se de um caso de cartel – esse lugar só é identificável

para cada alegada vítima individualmente considerada e, em princípio, encontra-se na sede social desta” – § 52 do acórdão Cartel Damage Claims (CDC) Hydrogen Peroxide SA, de 21.05.2015, processo C-352/13.

52. Sobre esta matéria esclareceu ainda o TJUE que (sublinhado nosso) quando o mercado afetado pelo comportamento anticoncorrencial se localiza no Estado-Membro em cujo território o alegado dano supostamente ocorreu, há que considerar que o lugar da materialização do dano, para efeitos da aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.º 1215/2012, se localiza nesse Estado-Membro, acrescentando que esta solução corresponde, com efeito, aos objetivos de proximidade e de previsibilidade das regras de competência, na medida em que, por um lado, os tribunais do Estado-Membro no qual se situa o mercado afetado são os mais bem colocados para apreciar essas ações de indemnização e, por outro, um operador económico que se dedica a comportamentos anticoncorrenciais pode razoavelmente esperar ser demandado nos

tribunais do lugar onde os seus comportamentos falsearam as regras de uma sã concorrência e que esta determinação do lugar da materialização do dano está também em conformidade com as exigências de coerência previstas no considerando 7 do Regulamento (CE) n.º 864/2007 do

Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (JO 2007, L 199, p. 40), na medida em que, segundo o artigo 6.o, n.º 3, alínea a), deste regulamento, a lei aplicável às ações de responsabilidade civil relacionadas com uma restrição de concorrência é a lei do país em que o mercado seja afetado ou seja suscetível de ser afetado – §§ 33 a 35 do acórdão Tibor-Trans Fuvarozó és Kereskedelmi Kft contra DAF Trucks NV, de 29.06.2019, processo C-451/18.

53. Não há razões, parece-nos, para divergir da jurisprudência citada, que é aplicável, por identidade de razões ao presente caso em que os potenciais lesados são pessoas singulares, portuguese, residentes em Portugal.

54. A sua aplicação ao caso concreto conduz à afirmação da competência internacional do presente Tribunal.

55. E mais, não se venha invoca a ratio legis do aludido regulamento, designadamente os considerandos 15 e 16, no sentido de deve ser feita uma interpretação atualista do artigo 7 (2) do retro referido regulamento, de acordo com esses considerandos, com o fundamento da importância de assegurar que a competência deve apresentar um elevado grau de certeza para os litigantes na UE, de uma forma geral e assim evitando que a se possa ser demandado em tribunais de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para o demandado, alegando que a ré não poderia esperar ser demandada em Portugal, por factos ilícitos que foram decididos

em Espanha.

56. Pois este argumento também não é procedente, pois a interpretação alcançada é a mais previsível, à luz da jurisprudência citada e porque a ré, na verdade, tem sido a demandada e condenada em vários processos em Portugal, nomeadamente por atrasos ou cancelamento de voos.

57. Pois resulta da jurisprudência do TJUE, conforme referido, que o conceito de facto danoso inclui a materialização do dano e que esta materialização ocorre, no caso de sobre custo provocado por práticas restritivas da concorrência e comportamentos ilícitos, seja a cobrar por um item que é offspring da atividade da ré e não um verdadeiro serviço por esta prestado ou seja pela prática de coercive tie selling, sendo então o local onde o potencial lesado tem a sua residência que é o local da materialização do dano; que quando o mercado afetado pelo comportamento anticoncorrencial e ilícito se localiza no Estado-Membro em cujo território o alegado dano supostamente ocorreu, há que considerar que o lugar da materialização do dano, para efeitos da aplicação do artigo 7 (2), do regulamento 1215/2012, se localiza nesse Estado-Membro; e que esta solução respeita a ratio legis do retro ferido regulamento.

58. Por fim, ainda que os factos danosos (evento causal) tenham ocorrido em Républica da Irlanda, já se defendeu supra que este não é o único fator de conexão, pelo que o facto da ré ter a sua sede na República da Irlanda e de ser aí que exerce a sua atividade e decidiu pela adoção dos factos ilícitos, isso não significa, à luz da jurisprudência citada, que o dano não se tenha materializado em Portugal, pois materializou por ser em Portugal onde residem os consumidores afetados e representados na presente ação.

59. Para terminar, lê-se no douto acórdão recorrido que os autores podiam ter arguido a nulidade da decisão que considerou a ré citada por o tribunal não ter indagado e requerido aos serviços postais o aviso de receção da citação postal, entendendo, contudo, os autores o deveriam ter arguido no prazo de 10 dias apos tal despacho.

60. Acontece que os autores o fizeram, por requerimento datado de 19.09.2023, com a referência ......61, requereram ao tribunal que a ré fosse considerada não citada ou pelo menos que o tribunal indagasse junto do serviço postal a falta do aviso de receção.

61. Por despacho de 2.10.2023, com a referência .......19, o tribunal decidiu desatender a esse pedido dos autores.

62. Os autores recorreram imediatamente, em prazo, de tal decisão, por recuso de apelação em 2.10.2023, com a referência ......88.

63. Entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente a esse recuso, de decisão i interlocutória, não o admitir, porquanto o mesmo só admissível afinal. É isto que se lê na decisão 11.11.2023, com a referência ......00.

64. Sendo que os aurores, como se verifica desde logo por este recurso suscitaram essa mesma questão, não podendo agora o Venerando Tribunal a quo poder decidir em modo contrário em decisão já transitada em julgado porquanto tal ofende a exceção de caso julgado, cf. artigo 581 do CPC.

65. Também por aqui, e salvo sempre o muito e devido respeito, decide em erro material e processual o acórdão recorrido

§11 Pedido

Termos ex vi supra em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão e declarado que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para decidir a presente ação, ordenando a baixa do processo à primeira instância, para aí seguir os seus termos.

Deve ainda ser procedente o recurso quanto ao pedido de eficácia da citação postal da ré, devendo essa ser-se considerado citada em 29.12.2022 com as demais consequências legais.

Em qualquer caso, na hipótese de Vossas Excelências, Colendos(as) Senhores(as) Juízes(as) Conselheiros, entenderem que os acórdãos supra citados do TJUE não são claros no sentido de permitir interpretar uniformemente o direito da União Europeia quanto à aplicabilidade do regulamento (EU) 1215/2012 e do regulamento (CE) 1393/2007, atento aos factos concretos nos presentes autos, requer-se o reenvio para o TJUE, para interpretação prejudicial no sentido de saber se os tribunais portuguese são internacionalmente competentes para julgar a presente ação nos termos desse regulamento e se a citação postal, nos termos supra

verificados, é eficaz.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido e, formulou pedido subsidiário de ampliação do âmbito do recurso2.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

QUESTÃO PRÉVIA

Âmbito do recurso de revista quanto à questão da citação da ré

Os recorrentes alegaram que “o acórdão recorrido, quanto à questão da citação, está em contradição com o acórdão do TJUE, de 02.03.2017, processo C-354/15, cuja questão prejudicial foi colocada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, num caso em tudo idêntico ao presente e, concomitantemente, com a decisão

definitiva e transitada em julgado, vertida no acórdão desse mesmo Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 27.04.2017, processo 1816/14.6TBPTM-A.E1”.

Vejamos a questão.

Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme – art. 629º/2/d, do CPCivil.

Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos – art. 671º/1, do CPCivil.

Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista, nos casos em que o recurso é sempre admissível, ou, quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme – art. 671º/2/a/b, do CPCivil.

Os recorrentes interpuseram, erradamente, recurso de revista (excecional), ao abrigo do art. 672.º/1/a/b/c do CPCivil, alheio à circunstância deste tipo de recurso se encontrar reservado, apenas, para as situações que cabem na previsão do art. 671.º/1, e já não para as decisões interlocutórias, previstas no art. 671.º/2 do CPCivil (como ocorre no caso sub judice).

Quanto à questão da citação da ré, estamos perante um recurso de revista de acórdão da Relação que apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, sem determinar a extinção total ou parcial da instância (citação da ré).

A sua admissibilidade será pois subsumível ao art. 671º/2/a/b/, do CPCivil, isto é, nos casos em que o recurso é sempre admissível (acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões interlocutórias, se integrem nas previsões contempladas nas alíneas a) a c) do n.º2 do artigo 629.º do CPC) e, quando o acórdão da Relação se encontre em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sem que a divergência jurisprudencial se encontre resolvida por acórdão uniformizador de jurisprudência3,4,5.

O recurso só seria admissível se acaso ocorresse alguma das hipóteses de exceção previstas no art. 671.º/2/a/b.

É que (esta é a regra), estando em causa decisões interlocutórias, na perspetiva da lei será suficiente o duplo grau de jurisdição, não se justificando a intervenção de um terceiro grau6.

Porém, nenhuma dessas hipóteses ocorre, pois quanto à alínea b) seria necessária a invocação de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que estivesse em contradição com o acórdão recorrido, o que não foi invocado pelos recorrentes.

Os recorrentes alegaram sim, mas contradição com acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no âmbito do processo 1816/14.6TBPTM-A.E1, e não contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

A hipótese da alínea a) conduz-nos ao art. 629.º/2, do CPCivil e, das situações aí previstas, apenas a da alínea d) teria pertinência ao caso, pois os recorrentes invocam uma oposição de julgados, alegando que o acórdão recorrido está em contradição com um acórdão de outra Relação.

Contudo, importa ter presente que a ratio da citada alínea d) não se ajusta à situação sub judice.

O objetivo dessa alínea é possibilitar o acesso ao terceiro grau de jurisdição aos casos em que, por determinação legal, tal estaria à partida impedido (por razões estranhas á alçada) 7.

Pretendeu-se desse modo permitir o recurso de revista naquelas situações em que se verificariam os pressupostos de revista nos termos gerais, mas que, atendendo à especialidade da matéria, a lei entendeu abduzir a possibilidade de acesso a um terceiro grau de jurisdição8.

Deste modo, o recurso previsto na mencionada alínea visa garantir que não fiquem sem possibilidade de pronúncia por parte do Supremo conflitos na jurisprudência das Relações em matérias que nunca podem vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, porque, independentemente do valor das causas a que respeitem, o recurso para este tribunal está à partida afastado9,10.

Assim sendo, o art. 629.º/2/d, do CPCivil, só é aplicável naquelas hipóteses em que a lei exclui a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria normalmente admissível, e não simplesmente porque se regista uma contradição de julgados a nível das Relações quanto à mesma questão fundamental de direito11.

Nestas situações, a contradição de acórdãos que torna viável a admissibilidade da revista é a contemplada no art. 671º/2/b, do CPCivil, ou seja, com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito12.

A oposição entre acórdãos proferidos pelo tribunal da Relação a que se refere o art. 629º/2, do CPCivil, não assume cabimento nestes casos, pois este preceito tem por finalidade possibilitar o recurso ao STJ nas situações que a lei o quis afastar (por razões diferentes do valor da causa)13,14,15.

Concluindo, por não estarmos perante uma das situações em que se verificariam os pressupostos da revista nos termos gerais mas que, atendendo à especialidade da matéria (ou, se se quiser, ao tipo de ação ou procedimento), a lei entendeu afastar a possibilidade de acesso a um terceiro grau de jurisdição e, também, por isso, não tem aplicação o regime recursório previsto no art. 629.º/2/d, do CPCivil.

Mas, mesmo que se adote a tese ampla16 e se admita, em teoria, o recurso de revista de decisão interlocutória com fundamento em contradição do acórdão recorrido, com um acórdão do Tribunal da Relação, sempre a revista deveria ser liminarmente rejeitada porquanto os recorrentes, além de não juntarem certificação do trânsito em julgado do acórdão em causa, não evidenciam ou concretizam as circunstâncias do caso que fundariam a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora invocado.

Nas alegações recursivas não é especificada a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, muito menos a identidade entre a questão de direito apreciada naquele e neste, nem é evidenciada a frontalidade da referida contradição17,18.

Concluindo, tendo o acórdão recorrido apreciado uma decisão interlocutória e, não se verificando qualquer das hipóteses em que aquela admite recurso de revista, o mesmo não é passível, nesta parte, de revista.

Destarte, atento o disposto no art. 643º/4, do CPCivil, não

se admite o recurso de revista quanto à decisão interlocutória

relativa à citação da ré.

OBJETO DO RECURSO

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por CITIZENS' VOICE - CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION e AA, ora recorrentes, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:

1.) Saber se há ofensa ao caso julgado formal operado por força do trânsito em julgado do despacho judicial de 19/09/2022, suscitada enquanto questão de conhecimento oficioso.

2.) Saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente ação por aplicação do disposto no art. 7º/2, do Regulamento (UE) 1215/2012.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso19, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso20.

1.) SABER SE HÁ OFENSA AO CASO JULGADO FORMAL OPERADO POR FORÇA DO TRÂNSITO EM JULGADO DO DESPACHO JUDICIAL DE 19/09/2022, SUSCITADA ENQUANTO QUESTÃO DE CONHECIMENTO OFICIOSO.

Os recorrentes por requerimento de 27/03/2025 (posterior às alegações de recurso), ao abrigo do disposto no art. 608.º/2 do CPCivil, vieram invocar a exceção de caso julgado.

Para tal alegaram que “o Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, em decisão proferida em 19.09.2022, transitada em julgado, se ter declarado territorialmente incompetente para julgar a ação, considerando competentes os Juízos Centrais Cíveis de Lisboa”.

Assim, concluíram que “tendo o tribunal decidido a competência territorial, por decisão transitada em julgado, ficaria também definitivamente determinada a competência internacional, que lhe está subjacente”.

Vejamos a questão.

O despacho saneador destina-se a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamenteart. 595º/1/a, do CPCivil.

No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadasart. 595º/3, do CPCivil (sub. nosso).

Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugarart. 625º/1, do CPCivil.

É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processualart. 625º/2, do CPCivil.

O caso julgado apenas se forma relativamente a questões ou exceções dilatórias que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação, não valendo como tal a mera declaração genérica sobre a ausência de alguma ou da generalidade das exceções dilatórias21,22.

Assim, também tem sido entendimento dominante da jurisprudência dos tribunais superiores que uma decisão genérica (tabelar) acerca dos pressupostos processuais não constitui caso julgado formal, podendo o juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as exceções que não tenham sido objeto de apreciação fundada23.

Este entendimento poderá ser aplicado, mutatis mutandis, à questão em apreço, porquanto o Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, em decisão proferida em 19/09/022, ao declarar competentes os Juízos Centrais Cíveis de Lisboa, fundamenta a sua decisão – apenas – com base na competência territorial, não analisando, concreta e fundamentadamente, quaisquer outras vertentes do pressuposto da competência: nacionalidade, matéria e hierarquia.

Ou seja, o caso julgado formal daquela decisão cinge-se, apenas, à questão da competência territorial, concretamente analisada e fundamentada, e já não quanto à competência em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.

Quanto a estas vertentes não houve qualquer pronúncia concreta e fundamentada, nem a mesma se pode considerar implícita, aplicando-se aqui o raciocínio que subjaz à jurisprudência dominante, de que quaisquer pressupostos processuais, genericamente declarados, de forma tabelar, não formam caso julgado formal, por não terem sido fundamentadamente analisados24.

Porque a questão da competência internacional não foi concretamente apreciada em sede de despacho saneador, mas apenas apreciada em termos genéricos, não constituiu, o despacho saneador, nesta parte, caso julgado formal, independentemente de não ter sido objeto de recurso, pelo que, a questão podia ser concretamente apreciada, isto é, que afinal ocorria o pressuposto processual genericamente referido.

Concluindo, por não haver ofensa ao caso julgado formal operado por força do trânsito em julgado do despacho judicial de 19/09/2022, julga-se improcedente a exceção de caso julgado formal suscitada pelos recorrentes.

2.) SABER SE OS TRIBUNAIS PORTUGUESES SÃO INTERNACIONALMENTE COMPETENTES PARA JULGAR A PRESENTE AÇÃO POR APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 7º/2, DO REGULAMENTO (UE) 1215/2012.

Os recorrentes alegaram que “o tribunal a quo fez uma leitura enviesada do objeto da ação e interpretou o n.º 2 do art. 7.º do Regulamento (UE) 1215/2012 em sentido desconforme com aquele que vem sendo acolhido na vasta jurisprudência do TJUE sobre tal normativo”.

O tribunal a quo entendeu que “o objeto do processo, definido pelos autores na petição inicial, se reconduziria a uma ação inibitória, e por isso não estavam verificados os pressupostos necessários à aplicação do disposto no art. 7.º/2 do Regulamento (UE) 1215/2012, tendo concluído pela incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a ação”.

Vejamos a questão.

As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso – art. 7.º/2, do Regulamento (UE) 1215/2012.

Compulsado o teor do preceito sob análise verificamos, antes de mais, que o mesmo se aplica, apenas, “em matéria extracontratual”.

Entendeu-se no acórdão recorrido que o objeto processual não consubstanciaria um caso de responsabilidade civil extracontratual, porquanto não reunia os pressupostos necessários ao preenchimento de tal instituto (facto ilícito, culposo e danoso), acrescentando, ainda, que qualquer contraente poderia evitar o dano, simplesmente, ao não celebrar contratos de transporte aéreo com a ré e, caso contratasse, estaríamos perante um caso de responsabilidade contratual e não extracontratual.

O acórdão, conclui, que a pretensão dos autores, a título principal, é forçar a ré a deixar de utilizar determinadas cláusulas e práticas comerciais por entender que são ilícitas, estando-se, assim, perante uma ação inibitória e não de responsabilidade civil extracontratual.

Não podemos subscrever tal entendimento.

A petição inicial, enquanto ato postulativo, configura uma declaração de vontade tendente a obter determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos artigos 236.º/1 e 238.º/1 do Código Civil25.

Compulsado o teor da petição inicial verifica-se que o pedido principal dos autores visa a condenação da ré no pagamento de uma indemnização26 pelos danos que as práticas anticoncorrenciais por aquela implementadas lhes causaram, sendo os restantes pedidos meros pressupostos do reconhecimento desse pedido principal.

Contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, os autores não visam, em primeira linha, “que a ré deixe de utilizar determinadas cláusulas e práticas comerciais por entenderem que são ilícitas”.

Visam, sim, obter uma indemnização por terem sofrido danos com as práticas anticoncorrenciais da ré, ainda que ao peticionar a tutela dos seus interesses difusos individuais homogéneos, com a obtenção da justiça corretiva no plano das relações jurídicas privadas entre autores e ré – através da indemnização peticionada – estejam, também, a afirmar a proteção jurídica da concorrência como um bem jurídico fundamental para a comunidade, na medida em que a reparação dos danos sofridos pelos consumidores se traduz num incentivo à adoção de comportamentos anticoncorrenciais no futuro27.

No caso sub judice, o facto ilícito alegado pelos autores, para fundamentar o seu pedido, surge com a implementação, pela ré, das práticas violadoras do direito da concorrência, ou seja, constitui-se antes de qualquer contrato firmado com os consumidores.

Contrariamente ao entendimento do acórdão recorrido, a distinção, para efeitos de aplicação, da responsabilidade civil extracontratual ou contratual não decorre da mera celebração, ou não, dos contratos de transporte por via aérea.

Tal distinção está, antes, dependente da especial relação de proximidade entre as partes, ou da sua inexistência, quando surge o evento lesivo (o facto gerador da responsabilidade).

Conforme alegado na petição inicial, o facto lesivo em causa para fundamentar a responsabilidade civil ocorre antes da existência de qualquer contrato com o consumidor: surge quando a ré publicita no seu site, de forma enganosa, as tarifas dos seus voos, sem incluir itens essenciais e previsíveis, como é o caso da trolley bag, fazendo depender o pagamento da trolley bag de outros serviços, induzindo em erro os consumidores quanto ao preço real dos serviços de transporte aéreo e afetando a transparência e a equidade na formação dos preços.

Aliás, a propósito de um caso análogo a este (com pedidos e fundamentos equivalentes), mas visando a condenação de outra companhia aérea, o Supremo Tribunal de Justiça nem sentiu necessidade de discorrer sobre o instituto jurídico em causa, concluindo, sem mais, que se estaria perante uma ação de responsabilidade civil extracontratual, apenas referindo que “o comportamento ilícito da Ré, pela sua exteriorização e difusão, constitui matéria extracontratual, pelo que, não se integra no âmbito de aplicação do artigo 18 (1) do Regulamento (UE) 1215/2012, esse sim respeitante a consumidores concretos e em situações de responsabilidade contratual”28.

Concluindo-se, nestes termos, que estamos perante uma ação de responsabilidade civil extracontratual com previsão na norma do citado art. 7.º/2 do Regulamento 1215/2012, importa definir o alcance da expressão “lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”.

O Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de aprofundar tais conceitos em outras duas ações populares, por responsabilidade civil extracontratual29,30 e que por facilidade de exposição, aqui reproduzimos:

“(…) conforme tem sido reiteradamente declarado pelo TJUE na sua jurisprudência relativa a estas mesmas disposições, que o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso», refere se simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem desse dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares [cfr., em matéria de poluição, Acórdão de 30 de novembro de 1976, Bier, 21/76[16], nºs 24 e 25; relativo a dano material decorrente de produto defeituoso, Acórdão de 16 de julho de 2009, Zuid-Chemie, C-189/08[17], nº 23 em matéria de contrafação, Acórdão de 5 de junho de 2014, Coty Germany, C 360/12[18], n.°46; em matéria de contrato de administrador de uma sociedade, Acórdão de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C 47/14[19], n.° 72; referente a dano consistente em acréscimos de custos pagos na compra de camiões , em razão de preços artificialmente elevados, Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor-Trans, C-451/18[20], nº 25 e jurisprudência aí referida.” (sublinhado nosso). “Vale isto por dizer, na expressão do Advogado-Geral Manuel Camps Sánchez-Bordona31 , que «Quando o comportamento ilícito e as suas consequências se situam em Estados-Membros diferentes, o critério da competência judiciária desdobra-se, assumindo-se que, em matéria de responsabilidade extracontratual, ambos os lugares têm uma vinculação significativa com o litígio. Nestas situações, o demandante pode escolher entre as duas jurisdições no momento da propositura da sua ação».(sublinhado nosso).

“(…) desde 1976, o TJUE tem sido chamado várias vezes a decidir se, para efeitos de competência judiciária, se deve considerar como « lugar onde ocorreu o facto danoso» o lugar num Estado-Membro onde se verificou o dano, quando esse dano consiste numa perda patrimonial que é consequência direta da prática de um ato ilícito ocorrido noutro Estado-Membro, pelo que importa indagar o sentido que o TJUE vem dando àquele conceito. E a este respeito, o que ressalta, desde logo, da jurisprudência do TJUE, é que, segundo este tribunal, aquela expressão não pode ser objeto de interpretação extensiva, a ponto de englobar qualquer lugar onde possam ser sentidas as consequências danosas de um facto que já causou um prejuízo efetivamente ocorrido noutro lugar, não podendo, por isso, ser interpretado no sentido de que inclui o lugar onde a vítima alega ter sofrido um dano patrimonial subsequente a um dano inicial ocorrido e sofrido por ela noutro Estado. Por conseguinte, interessa apenas o dano inicial e não o dano consecutivo, ou seja, o dano acessório de um dano inicial ocorrido [ cfr. Acórdãos de 19 de setembro de 1995, Marine, C-364/93[22], nºs 14 e 15; de 29 de julho de 2019, Tibor-Trans, C-451/18[23], nº 28 e jurisprudência aí referida e de 9 de julho de 2020, Verein Konsumenteinformation c Volkswagen AG, C-343/19[24] , nº 26].

De igual modo, vem afirmando a necessidade de distinguir o evento ou eventos causais do dano das consequências ( prejuízos) a que dão origem, pelo que, nos casos em que o lugar onde se situa o facto suscetível de implicar responsabilidade extracontratual e o lugar onde esse facto provocou um dano não sejam idênticos, tem considerado como sendo o « lugar da materialização do dano » o lugar onde os efeitos danosos de um facto se manifestam concretamente [ Cfr. entre outros, Acórdão Zuid-Chemie BV c. Philippo’s Mineralenfabrick NV/SA, processo C-189/08 [27], nº 27 e Acórdão Cartel Damage Claims (CDC) Hydrogen Perixide SA, processo C-352/13[28], nº 52 ]”.

Ora, o tribunal deve apenas, aquando da verificação da competência internacional do tribunal, identificar os elementos de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência ao abrigo do disposto no artigo 7º/2, do Regulamento nº 1215/2021, abstraindo-se da eventual (im)procedência da ação, deverá ter por assentes os factos alegados pelo demandante para fundamentar o seu pedido, independentemente de, numa fase posterior, este não conseguir prová-los.

Neste sentido, e conforme já tivemos oportunidade de explicitar, estamos perante uma ação de responsabilidade civil extracontratual, firmada na adoção de práticas anticoncorrenciais pela ré, danosas para os consumidores representados pela Citizen’s Voice.

Por outro lado, e para além do autor, AA, cidadão português, residente em Portugal, os autores populares representados pela Citizen’s Voice são cidadãos da União Europeia, consumidores, que, nessa qualidade, tenham adquirido em Portugal os serviços de transporte aéreos da Ryanair e que tenham pago um custo adicional pelo transporte da bagagem de mão com dimensões até 55x40x20 cm.

Verifica-se, assim, que os autores populares, ainda que possam não ser cidadãos portugueses, ou residentes em Portugal, terão, necessariamente, de ter adquirido os serviços aéreos da ré em Portugal.

De acordo com a forma como os autores configuram a presente ação (e independentemente da prova que, posteriormente, consigam fazer da factualidade alegada) o dano provocado pelas práticas anticoncorrenciais da ré ocorre, em termos reais, com a contratação, pelos consumidores, dos seus serviços.

Isto é, quando contratam com a ré um serviço de transporte aéreo com um preço desvirtuado pela inobservância das regras da concorrência.

Assim, o dano primário surge com a celebração do negócio em termos economicamente prejudiciais, por comparação com um negócio hipotético – aquele que teria sido celebrado entre as partes, se a Ré não tivesse adotado as práticas restritivas da concorrência que os autores lhes imputa.

O dano real que os autores alegam, a título principal, e como primeiro efeito danoso da prática anti concorrencial imputada à ré, consiste, mais precisamente, na vinculação dos consumidores ao dever de pagamento de um preço superior àquele que teriam de pagar se o contrato tivesse sido concluído em conformidade com as normas que regulam o Direito da concorrência.

O dano real (primário) ocorre, por isso, logo quando se verifica o efeito jurídico constitutivo do dever de pagamento do preço na esfera jurídica dos consumidores, que coincide com o momento em que foram concluídos os negócios entre os consumidores representados na ação e a ré.

Ora, se os autores Populares representados pela Citizen’s Voice são cidadãos da União Europeia, consumidores que, nessa qualidade, tenham adquirido em Portugal os serviços de transporte aéreos da Ryanair, e se o dano real ocorre no momento da contratação, então ter-se-á de concluir que o dano primário ocorre em Portugal.

Neste sentido, considerando a relação jurídica subjacente à ação, a causa de pedir e o pedido formulado pela parte autora, e ainda a jurisprudência do TJUE, que reconhece a importância do lugar do evento causal e do lugar da materialização do dano para determinar a competência jurisdicional e, não havendo dúvidas que, havendo dano, ele se materializa de forma concreta e individualizada em Portugal, onde os representados pela Citizen’s Voice contrataram com a Ré (nos termos por aquela alegados), aplica-se, ao presente caso, o disposto no art. 7.º (2) do regulamento (UE) 1215/2012.

Tendo os autores escolhido intentar a ação no tribunal do lugar da materialização do dano, tal escolha mostra-se lícita e conforme à jurisprudência do TJUE na interpretação do artigo 7(2) do regulamento (UE) 1215/2012.

Em face do exposto, não poderia o tribunal a quo ter afastado a competência internacional dos tribunais portugueses no presente caso.

Destarte, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a resolução do presente litígio.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em dar provimento à revista e, consequentemente:

a) Não admitir o recurso de revista quanto à questão interlocutória relativa à citação da ré.

b) Julgar improcedente por não provada a exceção dilatória do caso julgado.

c) Revogar o acórdão recorrido e, consequentemente, declarar que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a resolução do presente litígio, nos termos do artigo 7 (2) do Regulamento (UE) 1215/2012.

3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pela recorrida (na vertente de custas de parte, por outras não haver), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida.

Lisboa, 2025-10-14

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Maria João Vaz Tomé) – 1º adjunto

(Jorge Leal) – 2º adjunto (com declaração de voto)

(Declaração de voto)32

Tal como consta no acórdão, penso que o segmento da revista atinente à citação da R. incide sobre acórdão abrangido pelo n.º 2 do art.º 671.º do CPC.

Ao contrário do que consta no acórdão, entendo que a alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º abrange a alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC. Portanto, em tese geral, a revista será admissível com fundamento na contradição do acórdão recorrido com acórdão da Relação que tenha incidido sobre a mesma questão fundamental de direito - sendo certo que o motivo da inadmissibilidade do recurso, in casu, é estranho à alçada do tribunal.

Porém, e desde logo, é necessário que o recorrente invoque, de forma concretizada, a contradição existente entre o acórdão recorrido e o acórdão da Relação apresentado como fundamento – o que não ocorre nos autos.

Por isso, com esse fundamento, concordo com a rejeição da revista.

No mais, concordo com o acórdão.

Jorge Leal

____________________________________

1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.

2. Considerando que o Tribunal a quo não se pronunciou expressamente sobre a validade da citação realizada em 17.08.2022, mas tão-só sobre a impossibilidade de a considerar eficaz em face da ausência de aviso de receção nos autos, a Recorrida requer, subsidiariamente, a ampliação do objeto do recurso, pedindo ao Tribunal ad quem que, caso considere admissível o recurso interposto relativamente a este segmento e, por hipótese, considere procedentes os argumentos da Recorrente a esse respeito, no que não se concede, declare a (i) inexistência da citação de 21.12.2022, subsidiariamente (ii) a nulidade da citação de 21.12.2022, ou, subsidiariamente, (iii) a inadmissibilidade de atribuir efeitos à citação de 21.12.2022, em virtude da validade e eficácia da citação realizada em 17.08.2022.

3. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-10-11, Relatora: GRAÇA AMARAL, https://www.dgsi.pt/jstj.

4. Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, isto é, não finais, só podem ser objeto do recurso de revista no caso de se verificar uma das situações previstas nas alíneas a) e b) do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-26, Relator: FERREIRA LOPES, https://www.dgsi.pt/jstj.

5. O recurso de revista sobre decisão interlocutória relativa à tempestividade do rol de testemunhas apresentado em ação cível comum segue o regime previsto no art. 671.º, n.º 2, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-12-10, Relator: JOSÉ INÁCIO RAÍNHO, https://www. dgsi.pt/jstj.

6. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-12-10, Relator: JOSÉ INÁCIO RAÍNHO, https://www.dgsi.pt/jstj.

7. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-12-10, Relator: JOSÉ INÁCIO RAÍNHO, https://www.dgsi.pt/jstj.

8. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-12-10, Relator: JOSÉ INÁCIO RAÍNHO, https://www.dgsi.pt/jstj.

9. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-12-10, Relator: JOSÉ INÁCIO RAÍNHO, https://www.dgsi.pt/jstj.

10. Se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista “ordinária” nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excecional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC», de sorte que «a única forma de atribuir algum sentido útil à contradição de julgados das Relações que consta, em sede de revista excecional, do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC é pressupor que a revista “ordinária” não é admissível sempre que se verifique essa mesma contradição, na medida em que só nesta base é possível compatibilizar a vigência do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC com a do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC – MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, https://blogippc.blogspot. com/2015/06/ jurisprudencia-157.html.

11. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-12-10, Relator: JOSÉ INÁCIO RAÍNHO, https://www.dgsi.pt/jstj.

12. A contradição de acórdãos que torna viável a admissibilidade da revista nestas situações é a observada na al. b) do n.º l do art. 671.º do CPC, ou seja, com acórdão do STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-12, Relator: OLIVEIRA ABREU, https://www.dgsi.pt/jstj.

13. A hipótese prevista na alínea a) - nos casos em que o recurso é sempre admissível - não se aplica aos casos previstos na al. d) do nº2 do art. 629º – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-26, Relator: FERREIRA LOPES, https://www.dgsi.pt/jstj.

14. A norma da alínea a) é inovadora, clarificando a relação entre as disposições sobre o objeto da revista (em matéria de decisões interlocutórias da 1ª instância apreciadas pela Relação, sem pôr fim ao processo), e as disposições em que o recurso é sempre admissível para o Supremo, independentemente do valor da causa e da sucumbência (art. 629º/2) – PAULO RAMOS DE FARIA – ANA LUÍSA LOUREIRO, Notas ao Novo Código de Processo Civil, II, p. 147.

15. Não é admissível recurso de revista de decisões interlocutórias proferidas em 1.ª instância com fundamento em oposição de acórdãos da Relação, porquanto apenas se integram na al. a) do n.º 2 do art. 671.º do CPC – casos em que o recurso é sempre admissível –, as previsões contempladas nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 629.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-11-12, Relator: OLIVEIRA ABREU, https://www.dgsi.pt/jstj.

16. A favor da tese ampla, veja-se, a título de exemplo, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2025-04-10, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Processo: 767/14.9TBALQ-D.L1.S1; Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-01-23, Relatora: ROSA TCHING, Processo: 1303.17.0T8AGD.B.P1.S1, acessíveis em https://www.dgsi.pt/jstj.

17. A revista deve ser liminarmente rejeitada se a recorrente, além de citar mais do que um acórdão-fundamento e de não juntar cópia de nenhum deles, com certificação do seu trânsito em julgado, se limita a transcrever o respetivo sumário, alegadamente constante na base de dados www.dgsi.pt, sem evidenciar ou concretizar as circunstâncias do caso que fundariam a existência de contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão das Relações – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2025-02-25, Relator: JORGE LEAL, Processo: 32041/16.0T8LSB-C.L1.S1.

18. Não pode considerar-se que o recurso foi interposto ao abrigo do fundamento específico da contradição de julgados quando o recorrente se limita a referir jurisprudência em que, alegadamente, se adotou posição distinta da do Acórdão recorrido. O momento em que o recorrente define os termos da interposição do recurso é o momento das alegações de recurso, não valendo para esse efeito nem as correções nem os acrescentos posteriores, designadamente na reclamação da decisão de inadmissibilidade do recurso – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-05-11, Relatora: CATARINA SERRA, Processo: 835/21.0T8VFR.P1-A.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.

19. Discutindo-se no presente recurso a competência internacional dos Tribunais portugueses não se vislumbram quaisquer obstáculos à admissibilidade do recurso quanto a esta questão (cfr. arts. 629º/2/a e art. 671.º/2/a, do CPC), porquanto se trata de matéria em que a revista é sempre admissível. Por outro lado, as notificações do acórdão recorrido foram remetidas em 21.03.2025, presumindo-se a respetiva notificação às partes no dia 24.03.2025 (cfr. artigo 248.º do CPC).

20. A admissão do recurso com este fundamento específico de recorribilidade (art. 629.º/2, al. a) do CPC) tem consequências no plano do objeto do recurso: só será possível conhecer dos aspetos do recurso (questão e argumentos) que se prendam ou contendam com a alegada competência internacional, não sendo conhecidas outras questões eventualmente suscitadas, excetuadas aquelas que sejam de conhecimento oficioso.

  É precisamente o caso da exceção de caso julgado formal, invocada em requerimento autónomo pelo recorrente.

  Trata-se de questão não suscitada previamente, e não apreciada no acórdão recorrido.

  Contudo, consubstancia, na ótica dos recorrentes exceção de conhecimento oficioso (arts. 577.º al. i) e 578.º do CPC) pelo que, admitindo-se o recurso de revista para apreciar a competência internacional do Tribunal, deverá também esta questão ser conhecida e apreciada.↩︎

21. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 720.

22. Se o juiz referir genericamente que se verificam determinados pressupostos, dos constantes do art. 577 (por exemplo, a competência, a capacidade, a legitimidade ou os da coligação) ou outros (por exemplo, os que tornam admissível a reconvenção, ou o pedido genérico: respetivamente, arts. 266-2 e 556-1), o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade (art. 595-3) – LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 210/11.

23. Não tendo, em sede de despacho saneador, a questão da competência do tribunal em razão da matéria sido concretamente apreciada, a afirmação de que «O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia» consubstancia uma decisão genérica, pelo que nos termos do art.º 595.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do CPC, tal despacho não constitui caso julgado formal, podendo o Juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as exceções que, no saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-19, Relator: CHAMBEL MOURISCO, Processo: 713/19.3 T8BJA.E1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

24. O conhecimento da incompetência relativa ao abrigo do art. 111, n. 2 do CPCivil apenas impede nova apreciação da competência relativa do tribunal, não obstando a que o tribunal para o qual o processo é remetido conheça da competência absoluta. A Doutrina é unânime neste sentido como decorre do explanado, entre outros, por Teixeira de Sousa, in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág. 133, e Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in "Código de Processo Civil Anotado", Vol. 1, pág. 205 – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-05-16, Relator: JOAQUIM DE MATOS, Processo: 02B1348, https://www.dgsi.pt/jstj.

25. PAULA COSTA E SILVA, Acto e Processo - O Dogma da Irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Acto Postulativo, Coimbra, 2003, pp. 210 e 380/381.

26. Ao abrigo do disposto art. 19.º da Lei 23/2018, de 5 de Junho, que transpôs a diretiva 2014/104/UE para o ordenamento jurídico português.

27. Veja-se, a este propósito, PAULA COSTA E SILVA E NUNO TRIGO DOS REIS, Private Enforcement e tutela coletiva, Almedina, pp. 15 a 19.

28. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2025-01-14, Relatora: ANABELA LUNA DE CARVALHO, Processo: 4321/23.6T8VNG.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.

29. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-10-14, Relatora: ROSA TCHING, Processo: 2641/16.0T8LSB.L1-A.S1, https://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

30. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2025-01-14, Relatora: ANABELA LUNA DE CARVALHO, Processo: 4321/23.6T8VNG.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.

31. Conclusões apresentadas em 2 de abril de 2020, no processo C-343/19, acessíveis in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/ ?uri=CELEX%3A62019CC0343qid=1630541827666print=true.

32. Funcionando em regime de colegialidade, se algum dos juízes discordar da decisão ou de algum dos seus fundamentos, expressá-lo-á mediante a apresentação de voto de vencido ou de declaração de voto – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.