Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00027725 | ||
Relator: | MACHADO SOARES | ||
Descritores: | GARANTIA BANCÁRIA | ||
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Nº do Documento: | SJ199601090873021 | ||
Data do Acordão: | 01/09/1996 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N453 ANO1996 PAG428 | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 309/94 | ||
Data: | 12/20/1994 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG / DIR CONTRAT. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 217 ARTIGO 219 ARTIGO 405. | ||
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Sumário : | A declaração feita por uma entidade bancária e dirigida a uma sua cliente que a aceitou, nos termos da qual "constitui-se fiador e principal pagador da cliente... referente à proposta de contrato (celebrado pela cliente com terceiro), referente à aquisição de um imóvel, pela importância de..., massivamente subtraída ao valor mensal pago... correspondente a caução prestada a favor (do terceiro) responsabilizando-se pela entrega (ao terceiro) de qualquer importância até ao limite do valor da caução e logo que exigida (pelo terceiro)", constitui um contrato unilateral de garantia bancária autónoma à primeira solicitação ou on first demand. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Lusogrupos - Administração e Gestão de Investimentos em Grupo Limitada, veio propor a presente a acção, com processo ordinário, contra Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Área Metropolitana do Porto com vista a obter a condenação da Ré no pagamento da quantia de 6900000 escudos acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a citação, alegando, para tanto e em síntese: Por garantia bancária de 5 de Dezembro de 1969, no valor de 6900000 escudos, a Ré constituiu-se fiadora e principal pagadora de C, no contrato de participação n. 7643 celebrado entre esta e a Autora (doc. folha 7 esp.) No cumprimento do acordado, a Autora entregou à afiançada o valor de 6000000 escudos, para aquisição de um imóvel. A afiançada deixou de pagar as mensalidades a que estava obrigada, desde Maio de 1991. Logo que exigido pela Autora, a Ré, conforme o acordado é responsável, até ao limite afiançado, pelo débito da afiançada que ascende a 8310834 escudos. A Ré contestou. A acção veio a ser julgada inteiramente procedente no saneador, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de 6900000 escudos acrescida de juros à taxa legal de 15 porcento, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento. A Relação, porém, para onde apelou a Ré, não sufragou este veredicto e, através do Acórdão de Folhas 85 e seguintes, absolveu aquela do pedido. Inconformado o Autor recorreu para este Supremo Tribunal, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: 1- É a própria recorrida que, nas alegações em 2 instância, admite estarmos perante uma garantia bancária. 2- Apesar da confusão que faz entre autonomia, automatividade e acessoriedade. 3- A garantia bancária é sempre autónoma, nisso se distinguindo da fiança, esta sim de carácter acessório 4- E é causal por referência ao contrato-base. 5- A estrutura da garantia bancária aponta para uma figura de natureza triangular cujas faces são três relações jurídicas distintas: a) o contrato-base; b) o contrato de mandato, nomeadamente sob a forma de carta dirigida pelo devedor ao banco; c) o, contrato autónomo de garantia propriamente dita. 6- Estas três relações jurídicas estão perfeitamente separadas e autonomizadas na questão em litígio. 7- Existe desde logo um problema de interpretação face ao documento emitido pelo devedor-dador da ordem para com o garante banco, ou seja, o mandato. 8- Aí se afirma que o Banco deve pagar logo que interpelado, isentando-se o mesmo de qualquer responsabilidade pelo cumprimento da garantia. 9- Mais, salvaguardando-se o direito de regresso do Banco-garante, é-lhe entregue uma livrança subscrita em branco e avalizada, para que, no caso do banco ter que pagar em cumprimento da garantia e na eventualidade de não se poder de imediato reembolsar por débito na conta de depósito da devedora, o seu crédito ficar de imediato saldado. 10- Foi a recorrida quem determinou os precisos termos de que se deveria revestir a "carta-mandato". 11- Quanto ao contrato de garantia bancária autónoma "on first demand" ele deve definir-se, de facto, pela interpretação da sua seguinte cláusula. "Responsabilidade pela entrega à Lusogrupos de qualquer importância, até ao limite do valor da caução e logo que exigida pelo Lusogrupos". 12- É que a característica de garantia bancária autónoma "on first demand" assenta, não só, nas suas propriedades de segurança, eficácia e celeridade, mas também, na sua aparente simplicidade. 13- Todas as garantias que a recorrida pretendia foram-lhe entregues pela devedora, aquando da carta-mandato e não se vislumbra qualquer insuficiência de alegação e prova por parte da recorrente. 14- A insuficiência de factos e prova existe, sim, quanto à qualificação do contrato como de mútuo. 15- A decisão da primeira instância foi fixada pelo despacho saneador e qualificado o contrato como de garantia autónoma "on first demand". 16- A Relação viria a decidir, no seu douto Acórdão, tratar-se de mútuo, por recurso à figura de novação objectiva (artigo 857 do Código Civil). 17- Porém, a vontade de uma tal substituição tem de ser clara, inequívoca e expressamente declarada, nos termos do artigo 859 do Código Civil. 18- A violação do referido preceito normativo permite à ora recorrida, nos termos do artigo 722 n. 2, 706 n. 1 e 727 do Código de Processo Civil e, com base na ofensa de uma disposição expressa na lei, fazer prova da inexistência do mútuo. 19- A recorrente vem assim juntar prova documental justificativa da impossibilidades de aplicação ao caso sub Júdice da figura da novação objectiva, prova essa que não pudera e necessitara de oferecer em primeira e segunda instância, já que a necessidade de tal prova resulta da posição assumida no Acórdão recorrido. 20- Deve conceder-se provimento ao recurso, decidindo-se no sentido da sentença proferida em primeira instância e, assim, se revogando o Acórdão recorrido. Mas na sua contra-alegação a recorrida sustenta que deve manter-se o Acórdão da Relação posto em crise. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. A matéria de facto, considerada como assente pela Relação, é a seguinte: a) Em 22 de Setembro de 1989, a Autora celebrou com C, a quem foi atribuído o n. 028, o denominado contrato de participação n. 7643 "para aquisição de um imóvel... nos termos da Portaria n. 317/88 de 18 de Maio e do Regulamento da Lusogrupos anexo a este título..." (doc. de folha 2). b) Em 9 de Novembro de 1989, a Autora comunicou à dita C com referência à Assembleia de 7 de Novembro de 1989 que "tendo na citada Assembleia sido atribuído a V. Excelência, pelo critério sorteio, um imóvel... informamos V. Excelência que o valor do contrato e por consequência o valor da atribuição é de 6000000 escudos. Na sequência desta comunicação deverá a Excelência entrar em contacto com o Departamento Processos de Atribuição" (doc. de folha 36). c) Em 15 de Dezembro de 1989, a dita C solicitou à Ré a concessão da fiança bancária referida no doc. de folha 7, para garantia das suas obrigações face ao "Lusogrupos" referente à proposta de contratação n. 7643 - aquisição de um imóvel (doc. de folha 25). d) Mediante documento titulado de "garantia bancária" em 15 de Dezembro de 1989, a Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo CRL declarou constituir-se fiador e principal pagador do cliente C, residente em Casal do Rui, Paços de Ferreira, referente à proposta de contrato n. 7643, referente à aquisição de um imóvel, pela importância de 6900000 escudos, sucessivamente subtraída ao valor mensal pago... correspondente a caução prestada a favor da Lusogrupos pelo... responsabilizando-se pela entrega à Lusogrupos de qualquer importância até o limite do valor da caução e logo que exigida pela Lusogrupos" (doc. de folha 7). e) Com data de 8 de Março de 1990, a Autora entregou à C o cheque, fotocopiado de folha 15, da importância de 6000000 escudos contra a declaração da C, da mesma data, de que "recebeu da Lusogrupos... o bem a seguir discriminado imóvel, no valor de 6000000 escudos (doc. de folhas 12 e 13). f) A afiançada deixou de pagar à Autora as mensalidades desde Maio de 1991. g) A Autora contactou a Ré pedindo o cumprimento da garantia, enviando-lhe cartas de conteúdo desconhecido. h) São 126 e do montante de 65959 escudos as mensalidades que a afiançada deixou de pagar. A figura da garantia bancária autónoma, embora só tardiamente tenha sido tratada pela nova doutrina, a verdade é que o foi sem sobressaltos ou discrepâncias de vulto, quanto aos rasgos essenciais definidores da sua estrutura jurídica. Respigando da sua complexa arquitectura apenas alguns elementos específicos que poderão interessar à solução das questões que aqui se levantam, convém, antes de mais, pôr em destaque a noção da modalidade que aqui mais pode relevar e a que lhe empresta maior especificidade e importância, no comércio jurídico. Referimo-nos à garantia bancária autónoma à primeira solicitação. O Professor Galvão Telles define-a assim: é "a garantia pela qual o Banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base) sem poder invocar em seu benefício qualquer meio de defesa relacionado com esse mesmo contrato" ("Garantia Bancária Autónoma", in O Direito, ano 120, 1988, III-IV página 281). Uma outra formulação, mais genérica: "No contrato de garantia, uma parte assegura à outra a obtenção de determinado resultado ou assume a responsabilidade por um risco ligado a um empreendimento, respondendo pelos danos causados pela não verificação do resultado ou pela actuação do risco - sendo autónoma, pois, essa obrigação de garante. (Enneccerus-Lebmam, Derecho de Obligaciones, II-2. parte, parágrafo 19 II, páginas 845-849, Professor Almeida Costa e Pinto Monteiro, Garantias Bancárias, Colectânea XI-1986, T. 5, página 18; ainda: Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, página 469 nota 2; Professor Vaz Serra, in Bol. 71, páginas 296 e seguintes). Comummente concebida com estrutura triangular, ela decompõe-se em três relações distintas: um contrato-base (de compra e venda, empreitada, fornecimento, etc) celebrado entre A e B, que constitui a relação principal; um contrato de mandato, celebrado entre A e C, pelo qual aquele incumbe este, em geral um Banco, de prestar a garantia exigida por B; finalmente, um contrato de garantia, entre C e B, obrigando-se o garante a pagar a soma convencionada logo que solicitada pelo beneficiário (B) (Professores Almeida Costa e Pinto Monteiro, ob. cit. página 19; Fátima Gomes, garantia bancária autónoma à primeira solicitação, in "Direito e Justiça" VIII, tomo 2, 1994, páginas 130-131). "Diferentemente da fiança, trata-se de uma garantia autónoma, isto é, não acessória, visto não ser afectada pelas vicissitudes da relação principal, e automática, porque a garantia à primeira solicitação (modalidade mais generalizada) apura imediatamente, logo que o seu pagamento seja pedido pelo beneficiário". É devida, portanto, "mesmo que a relação principal se mostre inválida e sem que o garante possa opor ao beneficiário os meios de defesa do devedor, visto que o garante assume uma obrigação própria, independente (desligada) do contrato-base. Nem o devedor pode, por isso, impedir o garante de prestar a soma acordada logo que o beneficiário a solicite" (cfr. Professor Almeida Costa e Pinto Monteiro, ob. cit., páginas 19-20; Fátima Gomes ob. cit. Não vamos considerar, aqui, os desvios que esta directiva pode, em certas hipóteses comportar, por não interessarem ao caso sub judice (cfr. Fátima Gomes ob. cit., páginas 180 e seguintes; Professores Almeida Costa e Pinto Monteiro, ob. cit., página 20, Galvão Telles, Direito Privado, II, Garantia Bancária Autónoma, página 35; Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Dezembro de 1990, Colectânea, ano XV, tomo 5, página 136). Mas, apesar de autónoma, nos termos referidos, a garantia bancária tem natureza causal - e não abstracta - dada a sua função de garantir o contrato base, conforme é, em geral, entendido ou, então, como pretende o Professor Ferrer Correia (Notas para o Estudo do contrato de garantia bancária, in Rev. de Direito e Economia, Ano VIII, n. 2, 1982, página 250) de assegurar a produção de certo resultado, assumindo o garante o risco pela sua não verificação. Tem, ainda, interesse sublinhar aqui que a proposta contratual da celebração do contrato de garantia, emitida pelo Banco ("carta de garantia") está, como é natural, sujeito às regras gerais relativas à formação dos contratos, mormente às atinentes à declaração negocial (artigo 217 do Código Civil), equiparando-se o silêncio do beneficiário à aceitação dessa proposta e tornando-se o negócio jurídico perfeito no momento do encontro das duas vontades, dada a inexigibilidade de formalidades adicionais para a validade do negócio, que está sujeito à regra da liberdade de forma estabelecida pelo artigo 219 do Código Civil (cfr. Fátima Gomes, ob. cit. página 157. Em termos práticos, tudo se passa, no âmbito da garantia bancária autónoma à primeira solicitação, como se o Banco, no momento em que se obrigou para com o beneficiário, tivesse depositado à ordem deste o montante estipulado na garantia. "Esta funciona assim como substituto de um depósito de dinheiro ou de valores à ordem do credor beneficiário, sem os inconvenientes que a imobilização do dinheiro acarretaria não podendo essa substituição, porém, prejudicar o credor" (Professor Almeida Costa e Pinto Monteiro ob. cit. página 20). Apesar de não se encontrar expressamente prevista pela nova Lei, deve considerar-se a garantia bancária autónoma como acolhida pelo novo ordenamento jurídico, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405 do Código Civil (Galvão Telles, ob. cit. página 36; Professor Almeida Ribeiro e Pinto Monteiro, ob. cit. página 21). Postas, assim, a traços largos, algumas das directivas específicas da espécie contratual em causa, é altura de nos debruçarmos sobre os problemas suscitados pelo recorrente, mas não sem antes sintetizarmos o modo como as instâncias os solucionaram. Como atrás se referiu, na sentença apelada optou-se pela tese do Autor, concluindo-se, deste modo, pela existência, neste caso, de garantia bancária autónoma à primeira solicitação, o que implicou, naturalmente, a condenação do respectivo garante, ou seja, da Ré. Para isso, esgrimiu-se com a afirmação da Caixa de Crédito, contida na carta de garantia de página 9, de que se responsabilizava pela entrega à Lusogrupos de qualquer importância até ao limite do valor da caução, e logo que exigida pela Lusogrupos". Segundo aquele veredicto, seria nesta última expressão que se encontrava caracterizada, nos moldes por ela adoptados, a garantia bancária prestada uma vez que ficava criada de imediato a obrigação de pagamento após a exigência feita, sem possibilidade de qualquer condenação atinente ao contrato base. A Relação, porém, enveredou por outro caminho: escorando-se num passo da carta enviada pela dita C à referida Caixa de Crédito, solicitando a fiança bancária, acabou por concluir que o regime de garantia escolhido pelas partes foi, pura e simplesmente, o da fiança. Esse excerto, que tanto impressionou os Excelentíssimos subscritores do Acórdão recorrido é a seguinte: "Fica entendido que essa Caixa Agrícola pagará ao credor a nova obrigação, caso para tanto seja interpelado". E acrescenta-se: "logo lhe competindo qualquer responsabilidade por pagamentos indevidos que vier a realizar em cumprimento dessa garantia, mesmo com prejuízo de qualquer excepção que pudéssemos opôr". Repare-se que a sentença apelada também se valeu do trecho transcrito, mas, ao invés do que entendeu a Relação, considerou-o como cumprimento da interpretação que nela se adoptou relativamente à carta de garantia de página 9, e, portanto, como indiciário da existência, neste caso, da cláusula de pagamento à primeira solicitação. Decididamente, propendemos para esta asserção, embora ela careça de um maior aprofundamento. Como se sabe, um dos aspectos essenciais a considerar em sede de interpretação jurídica, na área em que agora nos movemos, reporta-se precisamente àquela cláusula (Fátima Gomes, ob. cit., página 169). Ora, a verificação de tal cláusula tem de primacialmente buscar-se, não na análise da solicitação da garantia feita pelo devedor-ordenante à instituição bancária, já que esta se reporta a outra vertente daquela espécie negocial, traduzida, como atrás se consignou, numa relação de mandato (mandato sem representação, no entender do Professor Ferrer Correia, in ob. cit.), que passa a interligá-los; mas sim no texto da "carta de garantia", enviado pelo Banco, já sucintamente definida, por ser nela que, após a sua aceitação pelo beneficiário, nos termos referidos, se encontram fixadas as condições do contrato de garantia - contrato unilateral, por dele só resultarem obrigações para o garante (Galvão Telles, in Direito Privado II, cit. página 287) - estabelecido entre eles (garante e beneficiário) e a que é alheio, o devedor. Não se exige que este contrato (contrato de garantia) corresponda em absoluto à referida relação de mandato. O que interessa é que ele satisfaça a exigência da garantia feita pelo beneficiário, sem que daí resulte um agravamento da posição do devedor. Se o devedor solicitou apenas uma fiança ao Banco e este concedeu uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação, para satisfazer uma maior exigência do beneficiário, isso mesmo terá de acatar-se, pois daí não resulta nenhum prejuízo, antes pelo contrário, para o devedor, que assim vê viabilizar-se o contrato-base, que doutro modo soçobraria; e o agravamento da posição da instituição bancária, ao conceder uma garantia mais onerosa, do que a que lhe foi solicitada, é da sua inteira responsabilidade, pois se nisso consentiu é porque assim o quis ou, por qualquer motivo, o considerou conveniente. A situação da devedora não será forçosamente a mesma que teria se a garantia concedida fosse a fiança. De resto, os diversos negócios que funcionalmente estruturam a garantia bancária autónoma gozam de uma larga margem de autonomia, consentindo soluções que nem sempre se ajustam entre si (cfr. Fátima Gomes, ob. cit. páginas 161 e seguintes, citando Portale e Benatti). Pois bem: enfocando, agora, a "carta de garantia", constante de folha 9, constatamos dela resultar, sem sombra de dúvida, que a Caixa de Crédito em apreço, ao prontificar-se a pagar a quantia assegurada, logo que o beneficiário o exigisse, quis, claramente, submeter-se à cláusula de pagamento à primeira solicitação. Este é, efectivamente, o resultado natural, lógico, da análise interpretativa do passo atrás transcrito daquela "carta". E esta hermenêutica não é, de modo algum, prejudicada pelo excerto da carta devedora ao Banco, solicitando deste uma garantia para o contrato-base, pois da primeira parte dele resulta, com toda a nitidez, que a ordenante pediu realmente essa garantia, o que se harmoniza perfeitamente com a atitude posterior daquele mesmo Banco, ao concedê-la, não interessando, como atrás se referiu, que ele a tenha prestado, porventura em termos mais gravosos. A segunda parte do excerto sob consideração, certamente destinada a estabelecer a modalidade da garantia solicitada - garantia bancária autónoma ou fiança - é redigida em termos pouco claros, como aliás reconhece o Acórdão recorrido, que, todavia, não deixou de se emaranhar numa teia interpretativa também pouco clara, conducente, igualmente, por falta manifesta de apoio literal, a um resultado pouco, ou mesmo, nada convincente. Dir-se-á, mesmo, que se trata dum trecho extremamente confuso e equívoco, dele não se podendo extrair, com o mínimo de segurança qual a vontade real da devedora, a menos que se recorra a meras conjecturas ou declarações fantasiosas ou se cale ou omita algumas das palavras, por incómodas, aí utilizadas. Por outro lado, é inteiramente inconsistente e ilógica, a afirmação de que o que se pretendeu, com o passo enfocado foi apenas assegurar a acção de regresso, já que - e para além de tal asserção carecer do menor suporte textual ou de não se ajustar minimamente a ele - esquece que essa questão foi prevenida precisamente, e com maior clareza, no parágrafo seguinte. Pois bem: assente que foi adoptada a cláusula de pagamento à primeira solicitação, então é de pressupor a existência da garantia bancária autónoma. Efectivamente, a rejeição a tal cláusula revela, segundo os usos correntes, do novo tráfego jurídico, estar a ela subjacente uma garantia bancária autónoma. Conforme expende a Maria Fátima Gomes (in ob. cit. página 176), a presença daquela cláusula "é um indício da autonomia do contrato de garantia". Diga-se, por último, que quaisquer vícios ou irregularidades que afectem o contrato principal são inteiramente inoponíveis pela Caixa de Crédito, ao lhe ser exigido o cumprimento da garantia conforme aliás foi já sublinhado, visto a obrigação assumida perante o beneficiário "ser autónoma, própria independente do contrato-base, excepto tratando-se de fraude manifesta do beneficiário" (Almeida Costa, Pinto Monteiro, ob. cit. página 21), questão esta que não está aqui em causa. A Caixa de Crédito Agrícola em apreço, ora recorrida, não pode, portanto, subtrair-se à responsabilidade que assumiu perante a recorrente através da garantia bancária autónoma à primeira solicitação, que evidenciamos. Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e dando-se prevalência à decisão da 1. instância. Custas pela recorrida. Lisboa, 9 de Janeiro de 1996. Machado Soares, Fernando Fabião, Miguel Montenegro. |