Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1819/18.1T9VNG.P1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: RECURSO PENAL
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
IN DUBIO PRO REO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Sumário :

I - Estando em causa decisão confirmatória da Relação relativa a pena superior a 8 anos de prisão, tal decisão é recorrível para o STJ, visando o recurso exclusivamente o reexame de matéria de direito, porquanto o conhecimento das questões em matéria de facto esgota-se nos tribunais da relação, que conhecem de facto e de direito.


II - Tratando-se de um recurso de acórdão da Relação proferido em recurso [artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP], não é admissível recurso para o STJ «com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º», isto é, com fundamento nos vícios da decisão recorrida e em nulidades não sanadas (aditamento do artigo 11.º da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro), diversamente do que ocorre com os recursos previstos nas alíneas a) e c), o que, todavia, não prejudica os poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito.


III - Julgado, pela Relação, o recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, o recorrente, inconformado com a decisão da 2.ª instância, já só esta pode impugnar e não (re)introduzir no recurso para o STJ a impugnação da decisão da 1.ª instância.


IV - Sendo o STJ um tribunal de revista, compreende-se o entendimento, repetidamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, de que não resultando da decisão que o julgador ficou num estado de dúvida sobre os factos, e bem assim que «ultrapassou» essa dúvida dando-os por provados contra o arguido, ao STJ fica vedada a possibilidade de decidir sobre a violação do princípio «in dubio pro reo», dado o quadro dos respetivos poderes de cognição, restritos a matéria de direito.


V - Tendo em vista as significativas quantidades de estupefaciente - suficientes para largas centenas de doses individuais - e as quantias monetárias apreendidas, conclui-se estar em causa uma atividade de tráfico regular de cocaína – substância vulgarmente classificada como “droga dura”, dado o seu elevado grau de danosidade – e canábis, já com algum grau de organização e sofisticação, não se identificando elementos de facto que, vistos no seu conjunto, sejam suscetíveis de preencherem a cláusula geral de diminuição considerável da ilicitude, prevista no artigo 25.º do DL15/93, o que afasta o enquadramento normativo no tráfico de menor gravidade.

Decisão Texto Integral:








RECURSO n.º 1819/18.1T9VNG.P1.S1


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO


1. No âmbito do Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, n.º 1819/18.1T9VNG, do Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi julgado e condenado, entre outros, o arguido AA, com os sinais dos autos, como autor material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22.1, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.


2. Inconformado com a decisão condenatória, o mencionado arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 27.09.2023, decidiu negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter o acórdão recorrido.


3. O arguido AA interpôs recurso do referido acórdão para este Supremo Tribunal, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem (transcrição das conclusões, nos seus precisos termos, sem introdução, por conseguinte, de correções ortográficas ou de pontuação):


«I.


Questões prévias,


Verifica-se violação do disposto no artigo 70º e 71º do Código Penal em conjugação com o disposto no artigo 15º da Lei n.º 37/2015 de 05/05 por remissão ao artigo 29º nº3 e 4 da C.R.P., ocorrendo inconstitucionalidade material na interpretação que se efetuou, ao considerar-se que o artigo 15º da Lei nº 37/2015 de 05/05 não impossibilita a valoração dos crimes anteriormente cometidos, decorridos os prazos legais aí constantes (por remissão ao artigo 71º do C.P.), tal é determinante na ponderação da medida da pena a cominar.


Ocorre inconstitucionalidade material ao excluir-se a aplicação do disposto na lei 38-A/2023 de 2 de Agosto por correlação ao artigo 70º do C. Penal e 13º da C.R.P. quando interpretados que é de se excluir a amnistia em causa pelo facto do arguido ter mais de 30 anos.


Da violação do disposto no artigo 410º do C.P.P. em conjugação com o disposto no artigo 374º do C.P.P.


Desde logo os meios probatórios indicados pelo tribunal quer na acusação quer os produzidos em Audiência, plasmados no acórdão e aos quais por razão de brevidade, se dão por integralmente reproduzidos podemos desde já adiantar que são escassos e meramente indiciários da pratica de qualquer crime! (sem esquecer a detenção e confissão de haxixe no dia 21 de outubro de 2021 ponto 136, o que não se impugna, e que de “per si” ira permitir a censura jurídico penal nos termos que infra pugnaremos tão pouco relacionar o arguido a esta quantidade de haxixe)


Não se pode concluir a prática de um facto com ilações ou indícios, sob pena de se violar o disposto no artigo 32º da C.R.P.


II. Produzida examinada e discutida a causa, entendeu o douto Tribunal condenar o arguido pela prática de um crime do art. 21 na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, necessariamente efetiva


Insurge-se o recorrente com o decidido, entende que o acórdão padece de erros de julgamento, que vieram a ter reflexo na pena cominada.


A) Entende que praticou factos subsumíveis ao art. 25 do D.L 15/93 - ponto 136 do acórdão.


Sem prejuízo,


Do decidido,


III. Sumariamente, podemos dividir os factos, considerados pelo tribunal e que se impugnam em três situações distintas:


1-Abastecimento


2-Armazenamento


3-Venda


C1Para o abastecimento dá-se como provado, os pontos, 123 ,124, 125, 127,130:


Tais fatos foram incorretamente julgados, a prova não permite o decidido:


Provas de que o tribunal se serviu:


Relação AA /BB/ CC


Detenção de DD, julgado autonomamente NUIPC nº 14/20.4... apenso quando transportava estupefaciente na viatura matricula ..-RT-.. ( inócua)


Interseções telefónicas alvo ........40


Alvo .........40 sessão 00721


Alvo .......50 sessão 03719 pede para AA avisar o de lisboa que o transporte correu sem problema.


Ora é violão o disposto no art 127, se alguém pde para transmitir a terceiro e identifica outro resulta que o visado não é o destinatário, invoca se vícios de fundamentação nos termos do 374 n 2 e 379 b e vícios de direito nos termos do disposto no art 410 nº. 2 a e b.c


Da análise da prova entendemos que se socorre de uma vigilância respeitante ao dia 4/5 de Agosto de fls, junto ao café ..., onde se visualiza um contacto entre o arguido e DD.


Todavia, o encontro que permite a constatação do mesmo não pode permitir o enquadramento em causa.


Inexiste qualquer, conversação, combinação entrega ou cedência visualizada.


Não se verifica qualquer outro suporte probatório, nem do teor da mesma vigilância e contato) resulta que o arguido soubesse ou tivesse que saber a intenção de vontade do DD, e o desígnio criminoso, muito menos que o arguido por qualquer forma se relacione. (no dito local nada mais do que um encontro ocorrido se constatou tudo o demais é extrapolar! Que fosse para falar de estupefacientes, intermediação, encomenda e ou pagamento etc nomeadamente e a ser verdade que fosse de a b ou c e ou fosse de BB!


A montante a prova é muito muito indiciaria, a jusante complica se mais ainda, o tribunal sustenta numa conversa id, entre DD utilizando um telefone de terceiro em que manda um recado destinado a outro.


A interpretação que seria para BB é manifestamente especulativa extravasando o disposto no artº 127 que expressamente se viola


A sustentar, uma conversação em que se transmite um recado, mas não se identifica, nem na escuta nem posteriormente quem é o destinatário, muito menos BB, e a ser a que propósito o arguido teria que o fazer? Ocorre inclusive contradição ora se diz que se pede para transmitir ora se diz que tranquiliza, sendo um recado, inexiste qualquer outro facto que permita a conclusão seguinte...


Ponto 123, se o arguido não conhecia BB como se abasteceria junto deste? (na esteira do defendido, os autos não permitem tal conclusão). E se transmite um recdo nõ e certamente o beneficiário, ml anou o tribunal com base na factualidade que s einvoca em concluir por co autoria e ou que o estupefaciente se destinasse ao recorrente


Neste sentido remete se ao decidido no Tribunal da Relaçao ... no âmbito do processo n 90/16.4... em que é Senhor Desembargador EE, que chamamos para o presente quer para os alegados fornecimentos quer para as alegadas vendas.


...”Ser escutado falar de estupefacientes referir a sua qualidade e falar na sua aquisição ao não são atividades ilícitas a concretizaçao dos dialogos, é que é uma atividade ilicita”


C2Armazenamento:


Bastou se para o ponto 133, veja se que inexiste o que quer que seja, que o relacione a DD e ou BB nesta altura, o tribunal da como assentes fatos cuja origem não se vislumbra ( art 379 b do C.P.P.) sustenta se no apreendido nas circunstancias narradas. Veja se droga apreendida em 16.09. 2021 (todos) os arguidos eram omissos tão pouco existia investigação, inclusive para o próprio recorrente.


Prova, considerada para a factualidade assente, exame pericial recolha de impressão palmar.


A mesma é insuficiente, pois encontrava se na caixa de um balança e na balança, objetos de mobilidade e transporte fácil, e se é verdade que se pode concluir que o arguido em determinado teve contacto com tal objeto as circunstancias como acedeu são absolutamente desconhecidas e não pode esta circunstancia sustentar o demais!


Ademais, ocorre aqui vícios de direito por violação o 374 n 2 e 379 b do C.P.P. e 410, n 2 b.


Inexistem factos assentes para se retroagir a maio o inicio da atividade.


Ora se da como assente que BB tem contactos no sul, e sera abastecedor.


Ora nesta data, (da apreensão) inexiste qualquer meio de prova que relacione o recorrente ao apreendido e a qualquer um dos co arguidos.


Mais, foi apreendida cocaína quando no que tange a fornecimento remete se a fornecimentos de haxixe!!!.


Sem prejuízo não se relaciona o arguido ao interior da casa, ao acesso da porta, estava fechada e o arguido não tinha qualquer chave o próprio tribunal a propósito refere que valorou so resultado pericial quês e respeita mas é recolhida em objecto facilmente trnsportavel, veja se que havi outras balancas, porque seria o estupefaciente do arguido? Perguntas para as quais o tribunal não da qualquer resposta


Neste sentido remetemo-nos ao processo 67/17.0... que correu termos no Juízo Central Criminal – Juiz ..., onde foi recolhida vestígio similar em droga encontrada numa mochila na face externa da fita cola


O juízo técnico científico as que permitiu identificar os vestígios em causa são nos termos do art.º 163 n 1 do C.P.P. o que não significa porem que os factos pressupostos pela perícia se encontrem por ela provados,


Ou seja da perícia realizada resulta que o arguido esteve em contacto com o objeto onde foram encontradas e recolhidas as suas impressões digitais (a aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova direta do contacto dessa pessoa com o objeto , ... que foi detetada essa impressão), mas não o local ou circunstâncias em que as circunstâncias em que aquelas impressões digitais foram deixadas e ainda menos que o arguido tenham cometido o crime investigado,


Deve neste sentido, ser valoradas,


Conforme tem vindo a ser entendido pelos tribunais superiores o exame pericial apenas constata que o arguido teve contacto com o objeto; caixa e balanca e não mais do que isso, alias na data não havia qualquer investigação, não veio a mesma a ser corroborada.


Impõe-se assim dar como não provado que o arguido estivesse por qualquer forma relacionado ao apreendido


c3.Das vendas (ponto 132):


Aqui chegados, mais reforçados ficam os erros de julgamento.


Absolve-se FF e GG, todavia da se factos assentes 132, dizendo se que utilizava códigos e que estes destinavam a droga a fim não determinado! E que AA lhes vendeu nas datas ids. Em 132!


Nos termos da lei, qualquer que seja o fim excetuando consumo ( com as restrições consignadas) é sempre punido! Por um lado, da-se como assente vendas por outro não se sabe o fim, que os seus interlocutores destinatários visavam!!! No caso FF e GG


Violando se o art. 13 da C.R.P, e o art 32 da C.R.P e o disposto no art 410 n 1 alinea b


Para além da escuta identificada inexiste qualquer estupefaciente , vigilância, apreensão, ou qualquer outra corroboração.


O tribunal dá como provados factos cuja origem não se vislumbra art 379 b :


As escutas são insuficientes para sustentar a condenação, deveria tal facto ser dado como não provado.


Neste sentido remete se ao decidido no Tribunal da Relação ... no âmbito do processo n 90/16.4... em que é Senhor Desembargador EE, que chamamos para o presente quer para os alegados fornecimentos quer para as alegadas vendas.


...”Ser escutado falar de estupefacientes referir a sua qualidade e falar na sua aquisição não são atividades ilícitas a concretização dos diálogos, é que é uma atividade ilícita”


Todavia e a ter se outro entendimento, sempre teria que se considerar quantidades diminutas, em obediência ao “principio in dubio pro reo”.


Tendo em conta os factos provados e não provados, ocorrem factos contraditórios e incompatíveis entre si pelo que se impõe o Reenvio do tendo em conta o n de incongruências objetivas que resultam do na ótica da defesa por muito que se pretenda é manifestamente impossível, nomeadamente ao que considerarmos a parte de abastecimento e venda nos pontos supra ids. nos termos do disposto no 426 do C.P.P.


D) Da perda de numerário e telemóveis apreendidos ao arguido.


E) Foi indevidamente declarada a sua perda.


A quantia apreendida foi na sequência de autorização de busca domiciliaria, cuja autorização foi da companheira, então presente neste sentido, vide autorização de busca.


Decorre, do teor do Relatório social e das declarações do arguido que quer este quer a companheira exerciam atividade,.


Os montantes detidos, no interior da casa, estavam como o televisor o frigorifico ou outros pertença do casal em valor não incompatível com os seus rendimentos, ambos sempre exerceram funções profissionais: ele na comercialização automóvel, ela ..., presentemente explorando um restaurante conforme exarado no R.S.


Não é pois incompatível possuírem numerário, veja se que esse arguido não teve qualquer património incongruente ao contrario de outros.


Em obediência ao “principio in Dubio pro Reo” deveriam ter sido dado como não provado a sua proveniência ilícita.


Dos Telemóveis.


Decorre que no que a este arguido tange inexistem escutas que permitam estabelecer um nexo causal entre a utilização do (s) tm(s)( nos termos do disposto no art 109 do C.P.


O arguido, não contacta não procura, o tm é utilizado como objeto de comunicação “para o próprio e familiares pelo que não se vislumbra a declaração de perda., pois não é essencial qualquer telemóvel estabelece comunicação, veja se que recebe inclusive de terceiros1


F) Da medida da pena:


Deve o crime ser convolado para o artº. 25º. Do D.L. 15/93


Qualquer que seja o entendimento ocorre uma detenção ilícita


Aceita o consignado no ponto 136, deveria ocorrer uma convolação de crime para o trafico de menor gravidade, mas e por dever de patrocinio a manterse decidido a factualidade apurada resulta de três concretas situações, sendo que não foram devidamente valoradas as atenuantes que militam a seu favor:


Arguido há data adicto.


Arguido em meio livre, cujo relatório social , remete “intotum” em inserção social, familiar e profissional.


Encontra se abstinente, revela consciençia critica, ainda que parcialmente confessa detenção ilícita, indicando ao OPC quer o local quer o estupefaciente detido.


Temos pois de concluiu que não ocorre ilicitude tão grave para a pena cominada, deve ser reduzida., escreveu se o grau relevante de organização, salvo melhor opinião, cremos que a mesma e incipiente, temos para o transporte um carro de terceiro, quando ao transporte e efetuado por uma pessoa não existem contentores, o estupefaciente não sendo produzido em território nacional terá que ao mesmos er conduzido, inexistência de navios...lanchas, é um carro de terceiro não preparado, é droga aparcada numa garagem publica numa geleira traduzindo um amadorismo, falta de profissionalismo


É pois manifestamente, uma pena severa , sendo violados critérios de proporcionalidade e adequação, a culpa do arguido plasmada nos concretos factos provados que são escassos, traduzindo grosso modo detenção ilícita, pois embora se fale em fornecimento e Armanezamento não teve o competente reflexo em vendas disseminação temos assim um culpa menor


Não ocorreu disseminação na saúde publica pois foi integralmente apreendida, não se apurou reflexo da atividade


Foi ainda valorado em seu desfavor o teor do seu “crc tendo em conta o período de tempo decorrido, cerca de 10 anos não relevará para a pena factos que distam no tempo, neste sentido remete se, para a lei n57/1998 e depois a n 37/2015 que deforma inequívoca a determinar o cancelamento dos registos criminais pelo decurso de determinados prazos obre a data da extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir.


O CRC visa dar conhecimento ao tribunal e informação do processo sobre o passado do arguido e se a lei ordena o cancelamento do registo nessas circunstancias o arguido tem de ser considerado reabilitado, ao considerar se tal estamos perante prova proibida, neste sentido acordao da Relação ... processo 27/16.0... em que foi relator HH


Deveria valorar se ainda a seu favor as circunstancias atenuantes a seu favor hábitos de trabalho, que embora seja referido a verdade é que o tribunal relativisa, trabalho temporário e diferente da sua não concretização inserção social e profissional, uma família estruturada familiar ativa, a própria adição, sendo que nesta matéria o próprio tribunal da como assente factos contrários ora se alega-se trabalho temporário como se refere trabalhar num café há mais de um ano, desde maras razões de prevenção geral e especial, não remetem para culpa tão acentuada deve por conseguinte a pena ser reduzida no seu “quantum”,»


4. O Ministério Público, junto da Relação, respondeu ao recurso, concluindo que o mesmo não merece provimento.


5. Neste Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), emitiu parecer em que conclui:


«Entende-se que que não é possível apreciar o recurso interposto, dado que o Recorrente não respeitou o disposto no artigo 412º do Código de Processo Penal na formulação da sua peça recursiva.


De qualquer forma, e embora com a censura atrás consignada, entende-se não assistir razão ao Recorrente.»


6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer. Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.


II – FUNDAMENTAÇÃO


1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, constituindo entendimento constante e pacífico que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.


O recurso não prima pela perfeição processual no que tange à elaboração das respetivas conclusões que, diversamente do legalmente estabelecido, não foram deduzidas por artigos.


Já assim acontecera, aliás, no recurso para a Relação, de que o presente recurso constitui, em parte significativa, repetição.


Acrescem os inúmeros lapsos de escrita, que a transcrição supra reproduz, lamentáveis numa peça processual dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça.


Porém, pese embora a não dedução por artigos, entendemos que as conclusões apresentadas permitem delimitar satisfatoriamente o âmbito ou objeto do recurso, razão por que não se justificava o convite ao seu aperfeiçoamento.


Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência com a decisão impugnada, as questões que o recorrente suscita são as seguintes:


1 – Vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal;


2 - Nulidades várias, designadamente por falta de fundamentação (artigos 374.º e 379.º do CPP);


3 – Violação do princípio in dubio pro reo;


4 – Errada qualificação jurídica dos factos apurados, pretendendo o arguido ser apenas condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93, de 22/01;


5 - Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, em conjugação com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 37/2015, de 05/05, por violação do disposto no artigo 29.º, n.ºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP);


6 – Medida concreta da pena, que considera excessiva (neste ponto refere-se, designadamente, à consideração dos seus antecedentes criminais, constantes do certificado de registo criminal);


7 - Inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 13.º da CRP, em razão da não aplicação da Lei 38-A/2023, de 2/08;


8 – Infundada declaração de perda a favor do Estado de numerário e de telemóveis, com alegada violação do disposto no artigo 109.º do Código Penal.


2. Do acórdão recorrido


2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição na parte que concerne ao recorrente):


1º- Os arguidos, entre Janeiro de 2018 e 20 de Outubro de 2021, usaram os seguintes números de telefone:


- II: .......31, .......91, .......61, .......22, .......60, .......32, .......76 e .......66;


- JJ: .......56, .......52, .......68; .......73 e .......13 e KK o n.º .......85;


- LL: .......49;


- MM: .......61 e .......94;


- NN: .......74;


- OO: .......36;


- PP: .......46 e .......18;


- QQ: .......61;


- RR: .......95; .......65; .......95; .......88; .......63; .......26 e .......17;


- SS: .......21; .......27; .......41; .......06; .......69; .......17; .......02 e .......76;


- TT: .......31; .......75 e .......20;


- AA: .......48;


- GG: .......81;


- UU: .......61;


- VV: .......96; .......13; .......89 e .......38.


(…)


H) Arguido TT.


96º- Pelo menos entre agosto de 2020 e 20 de Outubro de 2021, o arguido TT dedicou-se à compra e venda de produto estupefaciente, nomeadamente cocaína, heroína e cannabis resina e tinha o auxílio na concretização das vendas a consumidores e/ou outros traficantes do arguido WW, que agia mediante as suas indicações e procedia à venda directa do estupefaciente daquele e sob a sua orientação, e angariando-lhe consumidores/adquirentes, no Bairro ..., e no Bairro ..., ambos nesta cidade ...;


97º- O arguido TT circulava, entre outros, com o veículo de matrícula OSMF..., da marca Audi, modelo Q2, cor branca.


98º- O arguido TT adquiria esses produtos estupefacientes junto do arguido AA e, para tal, estes dois arguidos estabeleceram contactos telefónicos relacionados com a compra e venda de droga – cocaína - e/ou visando agendar encontros para a entrega de tais substâncias e recebimento de dinheiro, em quantidades e valores não concretamente apurados, entre outros, nos dias:


-13.08.2020, 22.08.2020, 23.08.2020, 12.02.2021 (visando estupefaciente), 27.05.2021 (AA recebeu chamada telefónica de uma pessoa não identificada, que se identifica como sendo o "XX", a dizer que houve «festival panda» na casa do seu irmão, tendo o AA dito que já tinha conhecimento e que ia mandar o advogado. Este assunto refere-se a uma intervenção policial/judicial na residência sita no bloco 14 do Bairro ..., que é de TT, irmão do AA, e onde foi apreendido produto estupefaciente (NUIPC 34/21.1...–01-00), 13.09.2020, 15.09.2020, 16.09.2020, 29.12.2020 (visando comprar uma placa de haxixe).


(…)


I) Arguidos SS/ YY


114º- O arguido SS, pelo menos desde fevereiro de 2020 até 20-10-2021, dedicou-se à compra, detenção, venda e distribuição de cannabis e cocaína e adquiria esses produtos estupefacientes junto dos arguidos AA e NN. O arguido SS vendia a droga nas imediações da sua residência sita na Rua ... e artérias circundante


115º- Para tal, no desenvolvimento da sua atividade criminosa, o arguido SS estabeleceu contactos telefónicos com os referidos arguidos relacionados com a compra e venda de droga e/ou visando agendar encontros para a entrega de tais substâncias e recebimento de dinheiro, em quantidades e valores não concretamente apurados, entre outros, nos seguintes dias:


– com o arguido NN: 04.02.2020, 14.02.2020;


– com o arguido AA: 18.07.2020.


116º- Na sequência dos contactos telefónicos estabelecidos acima mencionados e outros, os arguidos encontraram-se pessoalmente para entregar droga e receber o valor correspondente ao preço acordado, o que sucedeu, entre outros:


- no dia 04.02.2020, entre as 15h58 e as 16h16, data em que o arguido NN, usando o veículo de matrícula ..-VN-.., marca Peugeot, modelo 308, cor preta, deslocou-se ao Jardim ..., em ..., onde se encontrou com o arguido SS para tratarem de assuntos relacionados com a atividade que vinham desenvolvendo.


(…)


J) Arguidos AA/VV/ CC


122º- No período compreendido entre maio de 2020 e 20.10.2021, o arguido AA dedicou-se à compra e venda de produto estupefaciente, nomeadamente canábis e cocaína.


123º- O arguido AA abastecia-se de produto estupefaciente junto do arguido VV, no sul do país por este último aí ter conhecimentos.


124º- Para esse fim (aquisição), na noite de 04 para 05.08.2020, o arguido AA encontrou-se no café “P......”, sito na Praça ..., no ..., com o intermediário DD, que após esse encontro seguiu para o ..., com a finalidade acima referida, no veículo de matrícula ..-UH-...


125º- No dia 27.06.2020, o arguido AA falou ao telefone com DD, que usava o telefone de ZZ com o n.º .......55, e o DD tranquilizou o arguido dizendo-lhe para avisar o arguido BB que o transporte da droga correu bem e que se vai deslocar para a casa de recuo para guardar o estupefaciente.


126º- O arguido CC cedeu a DD a viatura de matrícula ..-RT-.., da marca Audi modelo A1, por si adquirida e por si habitualmente usada apesar de estar registada em nome da sua ex companheira AAA, tendo à data dos factos seguro válido em nome do arguido CC, na companhia seguradora Caravela Seguros com a apólice ........20.


127º- Este último deslocava-se conduzindo a viatura, entre outras, desde o ... até o... do País e ..., onde recolhia o estupefaciente previamente adquirido pelo arguido AA ao arguido VV e, após, fazia a viagem de regresso, entregando o estupefaciente em local predefinido pelo AA.


128º- Na sequência dos contactos telefónicos estabelecidos entre os arguidos, estes encontraram-se pessoalmente com DD para entregar droga e receber o valor correspondente ao preço acordado, no dia 11.08.2020, cerca das 12h24, na área de serviço de ..., entre o arguido VV, a circular com o veículo de matrícula ....HHS, registada em seu nome, e DD a conduzir o veículo de matrícula ..-RT-...


129º- No dia 11.08.2020, pelas 23h20, DD, usando o veículo de matrícula ..-RT-.., tinha na sua posse canábis (resina), com o peso liquido de 12.805g, suficiente para preparar 49.427 doses individuais e canábis (resina) com o peso liquido de 96,652 gr, suficiente para preparar 483 doses individuais, droga esse que era destinada ao arguido AA.


130º- Para a concretização da aquisição da droga, os arguidos VV, CC e AA estabeleceram contactos telefónicos com o intermediário DD relacionados com a compra e venda de droga e/ou visando agendar encontros para a entrega de tais substâncias e recebimento de dinheiro, em quantidades e valores não concretamente apurados, entre outros, nos seguintes dias:


- Entre o arguido CC e DD: 18.07.2020, 20.07.2020;


- Entre o arguido BB e DD: 11.08.2020, 12.08.2020;


- Entre o arguido AA, o arguido VV e DD: 29.07.2020 (combinaram o local onde DD pernoitaria no ... do País (...) e local onde se encontraram em ... para o arguido BB lhe fornecer o produto estupefaciente e o transportar para o ..., na viatura ..-RT-..);


131º- No desenvolvimento da sua atividade o arguido AA, no que concerne à forma de contacto com os seus clientes, consumidores e/ou outros traficantes, estes solicitavam estupefaciente questionando se «podiam falar» ou «estar contigo», ou então utilizando termos como «equipamentos»


132º- Assim, no período em causa, os arguidos AA, GG e FF estabeleceram contactos telefónicos relacionados com a venda pelo primeiro aos demais de estupefacientes e/ou visando agendar encontros para a entrega de tais substâncias em quantidades e valores não concretamente apurados, entre outros, nos seguintes dias:


- 20.05.2020, 21.05.2020.


- 24.12.2020


- 12.01.2021


- 10.02.2021


Os arguidos GG e FF destinavam os estupefacientes assim obtidos a fim não concretamente determinado.


133º- Para esconder a droga o arguido AA usava como “casas de recuo” lugares de garagem e habitações desabitadas. Uma dessas habituações situava-se na Praça ..., na qual, no dia 16.09.2021, no decurso de uma diligência de entrega de imóvel decretada no processo n.º 11244/19.1..., Juiz ..., Juízo Local Cível ..., no interior da habitação, na casa de banho, num móvel de cor branca, foi apreendido:


- canabis (folhas/sumidades), com o peso liquido de 1995,000 g, com um grau de pureza de 5,9% (THC), o que daria para preparar 2354 doses individuais:


- canabis (resina), com o peso bruto de 8614,250 g., com um grau de pureza de 19,8% (THC), suficiente para preparar 33460 doses individuais, e ainda


- cocaína (cloridrato), com o peso bruto de 946,337g, com um grau de pureza de 72,2%, suficiente para preparar 3403 doses individuais.


- duas balanças de precisão, uma da marca Becken, Bks2389 e outra da marca Proscale Slick.


134º- No dia 21 de Outubro de 2021, no interior da residência na Rua ..., após autorização de busca domiciliária outorgada por BBB, do arguido AA, foi apreendido:


Na sala;


- quantia monetária de €2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros) em notas do BCE;


135º- No mesmo dia, pelas 02h00m, arguido AA, tinha consigo:


- quantia monetária de €500,00 (quinhentos euros) em notas do BCE;


- 1 (um) telemóvel de marca Xiaomi Readmy com o IMEI .............20 e .............38; cartão nano SIM ..........09 e cartão micro SD de 8Gb:


- 1 (um) telemóvel de marca Samsung, desconhecendo o IMEI com o Cartão nano SIM WTF ..........99.


- Veículo Automóvel de marca Peugeot, modelo 308, com o número de matrícula AF-..-AM.


136º-No mesmo dia, pelas 04h00, no lugar de garagem sito na Rua ..., o arguido tinha guardado, sua pertença: canábis (resina), com o peso bruto de 969,020g, com um grau de pureza de 21,0%(THC) suficiente para 3997 doses individuais;


137º- No dia 21.10.2021, o arguido CCC tinha na sua posse, sua pertença, quantia €2.177,50 (dois mil, cento e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos).


(…)


140º- A canábis apreendida aos arguidos QQ, MM, LL, TT, AA e DDD apresenta uma composição química semelhante.


141º- Os arguidos II, PP, VV, EEE, FFF, FF, CC não apresentam registo de remunerações na Segurança Social.


142º- O arguido MM apresenta como última remuneração o mês de dezembro de 2017, no valor de €283,11, o arguido LL o mês de dezembro de 2018, o arguido TT o mês de setembro de 2021, no valor de €332,50, o arguido SS o mês de outubro de 2020, no valor de €234,41, arguido AA o mês de setembro de 2021, no valor de €284,45


(…)


144º- Os arguidos II, JJ, GGG, LL, MM, NN, PP, QQ, OO, RR, TT, WW, SS, YY, AA, HHH atuaram em todas as referidas ocasiões de forma livre determinada e consciente tendo procedido na forma acima descrita à compra, detenção, venda, distribuição e cedência de produtos estupefacientes, quer a consumidores que para esse efeito os procuravam de substâncias estupefacientes, designadamente de canábis resina, e/ou cocaína (conforme em concreto fixado supra), produtos que previamente obtinham em quantidades, em circunstâncias e por quantias não concretamente determinadas.


145º- Atuaram nos termos acima referidos conhecedores da natureza e características dos produtos que detinham, cediam e transacionavam, bem sabendo ser proibida a sua detenção fora de autorização legal, e, não obstante, quiseram deter, transportar e fazer transitar tais substâncias com a finalidade de as ceder, vender e proporcionar a terceiros, bem sabendo que não estavam legalmente autorizados a fazê-lo.


Actuaram nos termos referidos com a intenção de obter proventos económicos.


146º- Os arguidos atuaram, ainda, sabendo que as quantidades de droga cedida e vendida nas circunstâncias acima descritas se destinava a ser difundida por número significativo de pessoas e, apesar disso, mantiveram-se insensíveis aos danos que originavam na saúde de múltiplos consumidores finais, apesar de estarem cientes que com isso prejudicavam de forma precoce e irreversível a saúde física e psicológica de tais consumidores, o que concretizaram.


147º- Os arguidos III, JJJ e KKK, atuaram na sequência de um plano conjunto e em conjugação de esforços, como forma de melhor levarem a cabo tal atividade ilícita.


148º- Os arguidos LLL e MMM atuaram na sequência de um plano conjunto e em conjugação de esforços, como forma de melhor levarem a cabo tal atividade ilícita.


149º- Os arguidos NNN e OOO actuaram na sequência de um plano conjunto e em conjugação de esforços, como forma de melhor levarem a cabo tal atividade ilícita.


150º- Os arguidos AA e PPP atuaram na sequência de um plano conjunto e em conjugação de esforços, como forma de melhor levarem a cabo tal atividade ilícita.


151º- O arguido QQQ, com o intuito de facilitar a actividade levada a cabo pelos arguidos AA, VV e por DD, cedeu o uso do veículo automóvel de matrícula ..-RT-.., a DD, sabendo que este o utilizaria para transportar produto estupefaciente, e que tal conduta era proibida e punida por lei.


(…)


154º- Os telemóveis apreendidos nos autos foram utilizados pelos arguidos para estabelecerem contactos entre si e com terceiros, e para combinarem os termos em que eram feitas as transações de produto estupefaciente.


155º- Os demais utensílios apreendidos destinavam-se a ser usados na atividade de compra, venda, acondicionamento e doseamento dos produtos estupefacientes.


156º- As quantias apreendidas aos arguidos II, JJ, KK, LL, NN, RRR, QQ, OO, RR, TT, YY e AA, acima referidas, eram provenientes da compra e venda de substâncias estupefacientes.


(…)


158º- Agiram os arguidos II, JJ, KK, LL, MM, SSS, TTT, MMM, UUU, RR, TT, OOO, SS, VVV, PPP e CC, deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


(…)


168º- O arguido AA, apresenta as seguintes condenações: - por decisão de 19.11.2010, transitada em julgado em 09.12.2010, foi condenado na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 5, pela prática em 02.04.2009 de 1 crime de consumo de estupefacientes, entretanto extinta pelo pagamento; -por decisão de 15.02.2013, transitada em julgado em 07.03.2013, foi condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática em 17.02.2017 de 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, entretanto declarada extinta nos termos do art. 57º, do C. Penal.


(…)


179º-


AA é o mais novo de cinco irmãos, da união dos progenitores, cuja dinâmica familiar era caracterizada como disfuncional, tendo a sua progenitora sido presa para cumprimento de pena de prisão, tinha o arguido cerca de 9 meses de idade, sendo que o progenitor tinha hábitos alcoólicos.


Nesta fase o arguido ficou entregue aos cuidados, inicialmente de uns amigos/vizinhos do progenitor e mais tarde de uns tios paternos com quem viveu até aos 8 anos, sensivelmente, altura em que a progenitora saiu em liberdade, passando a residir com a mesma.


As sucessivas desagregações do agregado, a falta de orientação e supervisão parental, a instabilidade pessoal e a associação a um grupo de pares da zona da ..., conotados com condutas marginais/delinquentes, refletiram as dificuldades de adaptação às exigências do contexto escolar.


O arguido integrou o sistema de ensino em idade regulamentar, sendo o seu percurso caracterizado pelo absentismo escolar e consequente desinteresse/desmotivação pelas atividades escolares, registando sucessivas retenções e sanções disciplinares por comportamento desadequado.


Foi integrado no 2º ciclo em Programa de Integração Educação e Formação/PIEF, o qual teria a duração de um ano e lhe daria equivalência ao 6º ano de escolaridade, que concluiu, após o que foi integrado em curso de educação e formação/CEF, o qual teria a duração de dois anos e lhe atribuiria o 9º ano de escolaridade, que não concluiu.


Iniciou o consumo de drogas leves aos 14/15 anos de idade, registando escalada das mesmas decorrido pouco tempo, passando a consumir drogas duras, entre as quais cocaína, referindo-se abstinente há cerca de 7meses.


Aos 17 anos estabeleceu relacionamento afetivo com a atual companheira, tendo desta união dois descendentes.


Regista experiências laborais de curta duração na distribuição de publicidade, como montador de andaimes, de paletes e num stand de automóveis.


Integra o agregado familiar constituído, do qual fazem parte a companheira, empregada de balcão e ... e os dois filhos do casal de 12 e 3 anos de idade, descrevendo a dinâmica familiar como positiva.


O agregado reside em habitação arrendada, inserida em aglomerado habitacional vulgarmente designado por “ilha”, cujas condições de habitabilidade e conforto descreve como adequadas, situada no centro da cidade, onde se verifica alguma incidência de problemáticas sociais e criminais.


O arguido e companheira exploram, desde 25 de março de 2022, um estabelecimento comercial, na área da restauração (café), situado na mesma rua da casa de morada de família. As condições de subsistência do agregado familiar são asseguradas através do rendimento auferido pela companheira, enquanto empregada de balcão, cerca de 450 euros mensais e de ... 400 euros mensais, do arguido enquanto gerente do café, no valor de 600 euros mensais e do abono de família para crianças e jovens, referente aos filhos, no valor de 82euros.


Registam despesas fixas de €470 para pagamento do arrendamento e do fornecimento da energia elétrica.


No meio social de residência o arguido e respetiva família projetam uma imagem tendencialmente positiva.


(…)


DO INCIDENTE DA PERDA AMPLIADA DE BENS:


(…)


FACTOS NÃO PROVADOS


(…)


m) Os arguidos GG e FF, fossem colaboradores do arguido AA, agindo mediante as suas indicações, vendendo o estupefaciente daquele e sob a sua orientação, e angariando-lhe consumidores/adquirentes.


n) No dia 14 de janeiro de 2020 os arguidos AA; GG e FF tenham estabelecido contacto telefónico (boletins para jogar no euro milhões).


o) No dia 8 de agosto de 2021, o arguido AA tenha ligado ao arguido FF a questioná-lo sobre o paradeiro da droga.


(…)


t) O arguido WWW e XXX tenham conjuntamente com o arguido AA, na sequência de um plano conjunto e em conjugação de esforços, como forma de melhor levarem a cabo tal atividade ilícita.


(…)


x) Os arguidos tenham actuado em períodos temporais para além dos dados como provados.


y) Os veículos automóveis apreendidos aos arguidos (excepto os de matrícula ..-RT-.., ..-AT-.., ..-..-TQ e AB98RM) tenham sido utilizados por estes na atividade de compra e venda de produto estupefaciente.


(…)


2.2. Na fundamentação do acórdão recorrido, na parte relativa ao ora recorrente, que transcreve segmentos da motivação da decisão de facto do acórdão da 1.ª instância, consta (transcrição dos segmentos mais relevantes):


«O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n º 1 do D/L 15/93 de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de oito anos e seis meses de prisão.


Do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:


1. Dispõe o art. 410º nº 2 do C.P.P. que “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:


a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;


b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;


c) Erro notório na apreciação da prova.”


Há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o Tribunal Recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação. Os factos que ficaram por apurar têm portanto que ser factos que, de acordo com um juízo de prognose, se admita que a virem a ser provados determinarão uma alteração da qualificação jurídica da matéria de facto ou da medida da pena.


No caso em apreço, o Recorrente impugna a decisão proferida considerando que a prova que foi produzida em audiência de julgamento não permitiria que o Tribunal a quo concluísse, como o fez pela factualidade dada como provada e, mormente, pela prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual veio a ser condenado.


O Recorrente configura o vício e justifica-o pela sua convicção quanto à prova que foi produzida em audiência e que em seu entender impunha decisão diversa, pelo que, por se tratar de um alegado vicio invocado fora do texto da decisão recorrida, o mesmo não verifica.


A insuficiência da matéria de facto para a decisão nos termos do art. 410º, n.º 2, al. a), do C.P.P. implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão.


Tal é também o entendimento perfilhado pela unanimidade da jurisprudência de que é exemplo o AC. RC. De 12/11/2003 in DGSI que sufragamos:


I – A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada deve resultar dos factos dados como assentes, isto é do texto do acórdão.


II – O recorrente quando questiona, não o texto do acórdão, mas o modo como o tribunal colectivo procedeu à apreciação da prova, ataca a decisão com base na violação do princípio da livre apreciação da prova e não no vício de erro notório na apreciação da prova.”


O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art. 410º nº 2 a), do C.P.P., é a insuficiência da matéria de facto para aquela decisão de direito, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.


Resultou provado no Acórdão Recorrido quanto ao arguido/Recorrente e co arguidos VV e CC a seguinte factualidade:


J) Arguidos AA/ VV/ CC


(…)


A matéria de facto dada como provada no Acórdão Recorrido e acima elencada, não enfermando este de outros vícios ou nulidades, é suficiente e adequada para conduzir necessariamente à condenação do arguido pelo mencionado crime de tráfico de estupefacientes.


O Recorrente questiona não o texto do acórdão recorrido, ou seja, que factualidade dada como provada e acima elencada seja insuficiente para a conclusão a que os Mmos. Juízes do Tribunal “A Quo” chegaram quanto ao cometimento pelo arguido do aludido crime, mas sim, o modo como o Tribunal procedeu à apreciação da prova que foi produzida.


Ao fazê-lo, pretende pôr em causa a decisão recorrida alegando os vícios elencados no art. 410º nº 2 do C.P.P., mas fora das condições previstas nesse normativo, impugnando sobretudo a convicção adquirida pelo Tribunal “A Quo” sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserida no art. 127º do C.P.P.


No caso em apreço, inexiste, em face da factualidade dada como provada e acima elencada, o mencionado vício de insuficiência para a decisão da condenação do arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes da matéria de facto provada sendo os factos apurados suficientes para a decisão de direito, não tendo o Tribunal deixado de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação e pela defesa ou resultantes da discussão da causa, tendo igualmente investigado todos os factos relevantes para a decisão.


No tocante à factualidade constante dos pontos acima referidos, o Tribunal a quo fundamentou de facto, na ponderação conjugada dos seguintes meios de prova:


- declarações do arguido/Recorrente, declarações essas que não lograram convencer o tribunal da veracidade das declarações respeitantes à sua inocência, referindo expressamente “(…) Desde logo, são declarações parciais e não isentas, porque claramente interessadas no desfecho da causa – o arguido tem todo o interesse em que não se provem aqueles factos, por forma a ser absolvido da prática dos crimes de que vem acusado.


Por outro lado, estas declarações são postas em causa, contrariadas e desvalorizadas pelos meios de prova que a seguir enunciaremos e mostraram-se de todo inverosímeis.


Acresce que a tese de que comprou tal quantidade apenas para consumir, e que a mesma lhe daria para uns 2 ou 3 meses, não é compatível com as regras de experiência comum, pois não é lógico nem razoável alguém comprar elevadas quantidades de produto estupefaciente para consumir por períodos longos.”


E ainda:


“2) No depoimento das seguintes testemunhas; agentes policiais, que prestaram o respectivo depoimento de forma isenta, clara e convincente relativamente a factos que presenciaram no decurso de diligências (na sua maioria vigilâncias, seguimentos, buscas e apreensões) que levaram a cabo e dos quais, por isso, revelaram conhecimento pessoal e directo.


2.1) YYY, Agente Principal da PSP .......78 a prestar serviço na ... Esquadra de Investigação Criminal da PSP ....


Prestou o seu depoimento com incidência nos relatórios de vigilância e anexos aos mesmos de 96 a 98, 111 a 113, 114 a 121, 122 a 125, 128 a 130 do Anexo Relatórios de Vigilâncias, fls. 3127 a 3128, 3129, 3130, 3131 a 3132, 3355, 3356, 3362 a 3363, 3366 a 3369, 3370 a 3371 do Volume 10 e fls. 4154 a 4155 do volume 13.


Foi o agente responsável pela investigação; fez vigilâncias e buscas. Foram lavrados autos. Confirma o teor dos mesmos.


Esclarecendo:


- Vigilância de 04-05/08/2020: encontro entre o AA e o DD: este entra no Opel Corsa Branco e o AA entra para o lado do pendura e passado cerca de 1 ou 2 minutos, o AA sai e vai embora.


- Esteve na intercepção do DD, a 11/08 de 2020, junto às portagens dos .... Estavam a monitorizar o DD e, à vinda, foi interceptado e tinha haxixe e liamba com ele, nas quantidades referidas na acusação.


- Busca aludida em 132º da acusação: o AA não estava em casa. Quem autorizou a busca foi a esposa ou companheira, que se encontrava lá. Não tem ideia se o AA chegou ao local ainda durante a busca. Descreveu a habitação como sendo de “...”.


Havia uma garagem fora da “...” – colectiva, com lugares abertos. Quando lá chegaram, estava vazia. O AA estava a circular de carro, na ..., quando foi interceptado. Nada foi apreendido no carro do AA. Foi revistar o lugar de garagem que o AA lhe disse que era dele. A geladeira de campismo onde encontrou a droga apreendida (haxixe) estava no lugar que o AA disse que era dele.


2.2- ZZZ.


Chefe da PSP ........3 a prestar serviço na ... Esquadra de Investigação Criminal da PSP ....


Prestou depoimento relativamente diligências aludidas a fls. 33 a 39, 40 a 51, 55 a 58, 59 a 63, 96 a 98, 105 a 107, 108 a 110, 111 a 113, 114 a 121, 122 a 125 do Anexo Relatórios de Vigilâncias; fls. 110 a 113 do Volume 1; fls. 1528 a 1530 do Volume 5; fls. 3141 a 3145 do volume 10.


Esteve em várias diligências, como vigilâncias


Lavraram autos, confirmando o seu teor.


Viu o BB em ..., encontrou-se com o DD, que conduzia um Audi A1; a testemunha seguiu o DD, que trazia a droga com ele (este mostrou estranheza quanto à quantidade de droga que trazia…)


Assegurou que já tinha visto o arguido CC a conduzir esse mesmo Audi A1 Esteve na garagem do AA (não foi à busca à residência), mas esteve na parte da garagem onde encontraram a droga, numa geleira que estava no lugar de garagem daquele (que o próprio disse que era sua)


Quando estavam a deter o AA, veio o arguido WWW, apeado, sozinho, a perguntar o que é que estava a acontecer; a testemunha revistou-o e encontrou na posse dele uma elevada quantia de dinheiro;


(…)


2.9) AAAA, Agente da PSP .......92 a prestar serviço na ... Esquadra de Investigação Criminal da PSP ....


Depôs sobre o teor das diligências descritas a fls. 3134 a 3136 do volume 10, buscas na Rua ...,


- Teve intervenção com o AA


Participou em três diligências: 20/10: dia da operação; foi a um cabeleireiro inicialmente, aprenderam à BBBB uma soqueira e uma balança de precisão;


No dia 21/10: busca ao GG, na Rua ..., estava lá a mãe; não encontraram nada no quarto dele


Nessa altura, no exterior, estava a decorrer uma busca à viatura do AA, no âmbito da qual encontraram um comando de uma garagem; questionaram o AA onde era aquela garagem, ele indicou e eles foram lá na companhia do AA; ali chegados e depois de ele assinar um auto de busca para a garagem, foram a um local que ele indicou como sendo dele e encontraram estupefaciente dentro de uma geleira que ali se encontrava; era uma garagem aberta, colectiva, mas o que foi encontrado estava no lugar que ele indicou como sendo dele.


(…)


2.25) CCCC, Agente Principal da PSP ........1 a prestar serviço na ... Esquadra de Investigação Criminal da PSP ....


Teve participação em duas buscas:


-Na Rua ..., na casa do UUU: encontraram cocaína, telemóveis, papeis com escritos,


- Na casa do AA: a companheira assistiu à busca; a morada inicial, do mandado, não estava correcta, depois os colegas chegaram com o AA e acabaram por descobrir onde era a casa (ele não dizia, pelo que tiveram que andar com ele, à procura, até que alguém lhes disse onde era a casa dele, bateram e a companheira abriu a porta).


(…)


3.5) DDDD. Conhece os arguidos SS e GG.


Disse que não conhece o AA.


Viveu (inquilino) na casa na Praça ...; no dia em que o estupefaciente lá foi encontrado, foi a execução do despejo, mas já não estava lá a viver, tinha saído um pouco antes (em fins de Janeiro de 2021), encontrou uma casita, porque já sabia que ia ser despejado.


O estupefaciente que veio a ser encontrado lá não era dele; nem estava lá quando saiu; deixou lá algum mobiliário, o que não queria, como um sofá e pouco mais; a casa não estava de livre acesso, estava fechada e não tinha entregue as chaves a ninguém; quando ele foi chamado ao local, até perguntou ao agente se a porta tinha sido arrombada e o agente disse-lhe que sim.


Prestou depoimento de forma isenta e convincente.


(…)


3.7) EEEE, .... Conhece o arguido AA.


O filho da testemunha é padrinho do filho do arguido; o arguido AA tem a alcunha de “FFFF”; o filho vive no 2º andar e a testemunha no r/c; sabe que um dia foi apreendido droga no prédio dele; viu-o a ir lá ao prédio algumas vezes; o inquilino do 1º andar, o DDDD, vivia lá antes de ser ali encontrada droga; no dia em que foi encontrada a droga aquele já não vivia ali; abriu a porta da entrada da rua ao AA várias vezes, mas não sabe para onde ele ia; o DDDD tinha saído há uns 2 a 3 meses antes, por referência ao dia em que ali foi encontrada droga; não consegue dizer se o AA era uma visita regular ao filho…; a porta de entrada no prédio estava normalmente fechada e a testemunha chegou a abrir aquela porta ao AA.


Prestou depoimento de forma séria e convincente.”


Socorreu-se ainda o Tribunal dos seguintes elementos:


- Relatório de Exame Pericial efetuado ao produto apreendido ao arguido AA – NUIPC 580/21.7...: fls. 4456 a 4458 (13.º vol.);


- Relatório de Exame Pericial efetuado ao produto apreendido ao arguido AA: fls. 4635 (14.º vol);


- Relatório de Inspeção Judiciária de fls. 3026 a 3041- vestígios lofoscópicos do arguido AA – NUIPC 580/21.7...-01-00;


- Auto de busca e apreensão AA: fls. 3355 a 3356, 3358 a 3363; testes rápidos de fls. 3364/3365;


- Reportagem fotográfica de fls. 3366 a 3369;


- NUIPC 140/20.0... apenso a este; Relatório de Vigilância fls. 128 a 130; AA encontrou-se com DD;


Relatório de Vigilância de fls. 105 e ss; Visualização de DD a conduzir a viatura de matrícula 56-RT- 48.


- Relatório de Vigilância de 108 e ss; encontro dos arguidos VV e DD em ....


- Documento 2022-03-01 pag.1532: informação relativa a comunicações móveis referentes a eventos de rede do número .......89 associado ao arguido VV; AA/GGGG.


Detenção de HHHH – julgado autonomamente – NUIPC 14/20.4... apenso, quando transportava produto estupefaciente na viatura de matrícula ..-RT-...


- Auto de busca e apreensão ao arguido VV: fls. 4154 a 4155 (13.º vol).


Com todos os referidos elementos o Tribunal procedeu a um raciocínio lógico com base nas regras da experiência comum, referindo “(…) prova supra elencados relativamente a cada arguido e/ ou grupo de arguidos, concluiu-se pela prova dos factos enunciados sem qualquer margem para dúvida. Os mesmos resultam, quanto aos arguidos que não prestaram declarações e aos que negaram a prática dos factos, da prova documental, relatórios e vigilâncias corroborados pela prova testemunhal produzida, das escutas telefónicas, cuja interpretação não deixa margem para dúvidas e só pode estar relacionada com a actividade criminosa prosseguida pelos arguidos (o que resulta da experiência comum), que foram cuidadosamente analisadas.


Nomeadamente”:


- quanto ao arguido TT


“(…)


Compras a AA


- Alvo (TT) ........40 sessões 04390, 14982, 14986,


- Alvo (AA) .......40 sessões 11553, 11730, 11743, 11751, 11760, 11817,


Ao arguido SS


Compras a AA e NN


Alvo .......40 (NN) sessões 12912, Alvo .......40 (SS) sessão 00033.


Alvo .......40 (AA) sessões 06687, 06688, 06689, 06690,


Ao arguido AA


Busca na residência sita na Rua ..., onde foi apreendido produto estupefaciente, cocaína e haxixe.


A conexão do arguido AA com a substância estupefaciente encontrada e apreendida na casa da Praça ..., resultou das impressões digitais ali recolhidas e que o identificam – cfr. apenso 580/21.7...-01-00.


“Perícia do produto estupefaciente apreendido pág. 4457, Vol. 13.


(…)


Aos arguidos AA/GGGG


Detenção de HHHH – julgado autonomamente – NUIPC 14/20.4..., apenso, quando transportava produto estupefaciente na viatura de matrícula ..-RT-...


(…)


Intercepções telefónicas


Alvo ........40 (DD/CC) sessões 00034; 00157;


Alvo ........40 (DD/AA) sessões 00721


Alvo .......40 (DD/VV) sessões 01404 – VV telefonou a DD para saber onde andava. Este informa que está na A.., em direcção ao ...; 01406, DD e VV preparam a ida a ..., 01418, 01425, 01430, 01449, 01451 – DD atende VV, informando-o que está a chegar ao ..., apanhou nevoeiro em ..., 01455, DD telefona a VV dizendo-lhe que está preso e pede-lhe para arranjar um advogado; 01457- ainda sobre a detenção; 01459 – DD diz ao VV que não pode falar senão ainda o “vão foder”; 01462. Alvo .......50 (AA) sessão 03719: DD (IIII) pede a AA para avisar o de ... que o transporte correu sem problemas;


(…)


Vigilâncias Anexo I, pág. 108 e 128.


(…)


A testemunha JJJJ, arrendatário da casa sita na Praça ..., referiu que já não residia ali aquando das buscas. O estupefaciente ali encontrado não lhe pertencia.


A testemunha EEEE, residente na r/c, do n.º 93º confirmou que quando foi encontrada droga no 1º andar o inquilino JJJJ já não vivia ali.


Abriu a porta da entrada ao AA, várias vezes.”


Realça-se a quantidade de estupefacientes apreendida ao arguido na Praça ..., na qual, no dia 16.09.2021, no decurso de uma diligência de entrega de imóvel decretada no processo n.º 11244/19.1..., Juiz ..., Juízo Local Cível do ..., no interior da habitação, na casa de banho, num móvel de cor branca foi encontrada:


- canábis (folhas/sumidades), com o peso liquido de 1995,000 g, com um grau de pureza de 5,9% (THC), o que daria para preparar 2354 doses individuais;


- canábis (resina), com o peso bruto de 8614,250 g., com um grau de pureza de 19,8% (THC), suficiente para preparar 33460 doses individuais, e ainda - cocaína (cloridrato), com o peso bruto de 946,337g, com um grau de pureza de 72,2%, suficiente para preparar 3403 doses individuais.


- duas balanças de precisão, uma da marca Becken, Bks2389 e outra da marca Proscale Slick.


Aquando da apreensão nesta última morada, numa caixa de cartão que acondicionava uma balança digital e numa balança digital, pousadas ao lado de um saco plástico contendo produto estupefaciente (canábis e cocaína), foram recolhidas impressões digitais.


O arguido não apresentou uma justificação credível para a localização naquela casa dos referidos objetos com as suas impressões digitais e tal justifica-se pelo facto do arguido usar tal residência como casa de “recuo” e ali esconder a droga que posteriormente vendia a terceiros.


Realça-se ainda que no dia 21 de Outubro de 2021, no interior da residência do arguido sita a Rua ..., foi apreendido:


Na sala;


- quantia monetária de €2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros) em notas do BCE;


No mesmo dia, pelas 02h00m, arguido AA, tinha consigo:


- quantia monetária de €500,00 (quinhentos euros) em notas do BCE;


- 1 (um) telemóvel de marca Xiaomi Readmy com o IMEI .............20 e .............38; cartão nano SIM ..........09 e cartão micro SD de 8Gb;


- 1 (um) telemóvel de marca Samsung, desconhecendo o IMEI E com o Cartão nano SIM WTF ..........99.


E no mesmo dia, pelas 04h00, no lugar de garagem sito na Rua ..., o arguido tinha guardado, sua pertença: canábis (resina), com o peso bruto de 969,020g, com um grau de pureza de 21,0%(THC) suficiente para 3997 doses individuais.


Não há dúvidas que subsistam de que tal factualidade dada como provada seria insuficiente para a integração da conduta do arguido no mencionado crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22/1, pelo qual veio a ser condenado, chama-se à colação o escrito no Acórdão:


“(…)


Dos factos provados sob os n.ºs 98, 122 a 137, resulta clara a prática pelos arguidos AA e BB de um crime de tráfico de estupefacientes tal como se mostra delineado pelo referido art.º 21º do D.L. 15/93, porquanto os mesmos descrevem actos de compra, venda e detenção de haxixe e cocaína, praticado por tais arguidos, de comum acordo, mediante um plano previamente elaborado por ambos e em conjugação de esforços e intentos, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, encontrando-se preenchidos os requisitos para a actuação em co-autoria, nos termos do art. 26º do Código Penal.


Quanto ao arguido KKKK:


Dispõe o art. 27º, n.º 1, do Código Penal que “É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.


Para que se possa afirmar existir, no caso concreto, uma situação de cumplicidade, impõe-se que se verifiquem os seguintes pressupostos: a. exige-se, em primeiro lugar, que o agente (autor) seja concretamente punível, ou seja, que tenha praticado um facto ilícito típico.


No caso dos autos, sem dúvida que este requisito se encontra preenchido, como se viu;


b. em segundo lugar, é necessário que o facto do autor tenha atingido determinado estádio da sua realização – no caso, os co-arguidos AA e BB consumaram o crime de tráfico de estupefacientes, encontrando-se igualmente preenchida esta exigência;


c. finalmente, a forma da cumplicidade só poderá ter lugar enquanto o ilícito do autor não esteja completamente realizado – o que se verifica também, pois consubstanciando-se a conduta dos arguidos AA e BB, de entre as várias previstas no art. 21º, na detenção, compra e venda de estupefacientes, encontrava-se em plena execução de tal ilícito quando o arguido KKKK interveio.


Cúmplice será considerado quem presta um contributo real ao facto do autor, de forma a que, com ele, o facto do autor tenha sido, pelo menos, facilitado.


Através da sua conduta, cedendo o veículo para transporte da droga destinada ao arguido AA, o arguido KKKK facilitou, de facto, a prática do crime por parte dos arguidos AA e BB.


A cedência do veículo automóvel assumiu uma importância fulcral para a execução e consumação do crime por parte dos identificados arguidos, uma vez que, como é óbvio, sem o meio de transporte não poderiam aceder e posteriormente vender o produto estupefaciente.


Por último, resta averiguar se se encontra presente o elemento subjectivo da cumplicidade: para ser criminalmente relevante, a conduta do cúmplice tem de ter tido dolosa, encontrando-se provado que o arguido KKKK sabia que, com a sua descrita conduta, facilitava o tráfico de estupefacientes exercido pelos outros arguidos, tendo agido de forma livre, voluntária e consciente. Ou seja, este arguido quis prestar o seu auxílio à conduta criminosa dos arguidos AA e BB, tendo desta forma agido com dolo directo.


Será, assim, o arguido CC punido como cúmplice do crime de tráfico de estupefacientes (art. 21º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93) cometido pelos arguidos AA e BB – e não como co-autor”.


Pelo exposto e sem outros considerandos, afigura-se-nos que a factualidade dada como provada no texto da Decisão Recorrida é suficiente para a decisão proferida de condenação do arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22/1, não padecendo o Acórdão Recorrido do vício previsto no art. 410º nº 2 a) do C.P.P..


Do Vicio de Erro Notório na apreciação da prova:


Considera ainda o Recorrente padecer a decisão recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova considerando que a prova produzida em audiência não permitiria que o Tribunal a quo concluísse pelo cometimento pelo arguido do mencionado crime de tráfico de estupefacientes.


Existe erro notório na apreciação da prova quando esta é valorada contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (Cfr. Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, Verbo, 2ª, Edição, pág. 341).


Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (Cfr. Simas Santos e Leal Henriques in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 6ª Edição, pág., pág. 74).


Seguindo, entre outros, o entendimento perfilhado pelo Ac. RC de 4/2/2015 in DGSI: Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade.


Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada”.


Seguindo ainda o entendimento perfilhado no Ac. STJ de 15/07/2009 in DGSI:


“Os vícios previstos no artigo 410° n° 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.° do CPP.


Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida; é, afinal, querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.


Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.° 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.


O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.


A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção “cirúrgica”, no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação”.


Ora, no caso em apreço, afigura-se-nos que o Recorrente parece confundir a existência de erro notório na apreciação da prova com a convicção que o próprio tem da prova que foi produzida em julgamento e que, em seu entender, impunha uma decisão diversa.


Para o Tribunal “A Quo” e, contrariamente ao que alega o Recorrente, a factualidade dada como provada foi sustentada nos depoimentos credíveis das testemunhas inquiridas em audiência conjugados com a demais prova documental junta aos autos que não permitiria chegar a outra conclusão que não fosse a prática pelo arguido da factualidade dada como provada e que é integradora do mencionado crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22/1.


Com efeito, considerou o Tribunal “Quo” que a versão dos factos apresentada pelo arguido em audiência de julgamento negando parcialmente os factos que lhe vinham imputados, admitindo ser unicamente consumidor, afirmando que a maior parte do produto estupefaciente que detinha consigo e mormente as placas de canábis que lhe foram apreendidas no interior da sua garagem eram para consumo não mereceram qualquer credibilidade e bem por não ser sustentada em qualquer elemento probatório produzido em audiência mas sobretudo por tal versão dos factos ser manifestamente contrariada pelos demais elementos de prova.


Considerou ainda o Tribunal que a participação dos arguidos VV e CC, tendo em conta que estes não prestaram declarações, e não obstante o arguido AA ter negado conhecer os mesmos, resulta comprovada dos relatórios de vigilâncias efetuadas em 04.08.2020, 10.08.2020 e 11.08.2020 ao arguido AA e àqueles dois arguidos, confirmados e devidamente explicados pelos agentes LLLL e MMMM, concretizando a atuação de cada um dos arguidos.


Do teor dos referidos relatórios de vigilâncias, devidamente concretizados em audiência pelos agentes policiais, conjugados com o teor das interceções telefónicas resulta comprovado que o arguido VV, juntamente com DD, deslocou-se em algumas ocasiões ao sul do país e a ... para adquirir droga que se destinava ao arguido AA.


Uma dessas ocasiões foi no dia 11.08.2020 data em que DD foi intercetado pelas autoridades a conduzir o veículo de matrícula ..-RT-.., com elevada quantidade de canábis no interior, veículo esse que foi cedido para os transportes de droga pelo arguido CC.


Tal veículo era habitualmente usado pelo arguido CC, como sucedeu entre outros no dia 25.06.2020, data em que este arguido foi intercetado pelas autoridades e identificado como sendo o condutor do veículo, o que resulta das cópias do auto de contraordenação existentes a fls. 53 a 69 do apenso 914/21.4..., sendo o mesmo visto pela PSP a conduzir tal veículo conforme expressamente referido pelo Agente Chefe LLLL.


Importa também atentar ao teor do Anexo Y1 respeitante às conversações telefónicas do arguido AA e Anexo AE respeitante às conversações mantidas na madrugada do dia 12.08.2020 entre o arguido VV e DD.


E ainda atentar às declarações da testemunha EEEE, residente no r/c, do n.º 93º confirmou que quando foi encontrada droga no 1º andar o inquilino JJJJ já não vivia ali mas abriu a porta da entrada ao arguido AA, várias vezes.


Apesar de não ter sido efetuada busca domiciliária a BB foi efetuada busca ao veículo do arguido BB cujo auto consta de fls. 4154 a 4155 (13.º vol).


E também ao contrário do que alega o Recorrente, o teor das interceções telefónicas referidas no Acórdão são esclarecedoras da relação e ligação à atividade do tráfico entre os arguidos, nomeadamente:


- Alvo .......40 (DD/VV) sessões 01404 – na qual VV telefonou a DD para saber onde andava. Este informa que está na A.., em direção ao ...; 01406, DD e VV preparam a ida a ..., 01418, 01425, 01430, 01449, 01451 – DD atende VV, informando-o que está a chegar ao ..., apanhou nevoeiro em ..., 01455, DD telefona a VV dizendo-lhe que está preso e pede-lhe para arranjar um advogado; 01457- ainda sobre a detenção; 01459 – DD diz ao VV que não pode falar senão ainda o “vão foder”; 01462 e ainda Alvo .......50 (AA) sessão 03719: DD (IIII) pede a AA para avisar o de ... que o transporte correu sem problemas.


Também ao contrário do que alega o Recorrente, o Tribunal valorou corretamente a conversação mantida no dia 27.06.2020 (sessão 03179 do alvo .......50 – AA), dando como provado o ponto 125.


De tal conversação resulta claramente que o numero chamador é .......55 utilizado habitualmente por NNNN mas naquela chamada utilizado pelo DD, tendo destinatário o arguido AA (alvo intercetado), não havendo qualquer necessidade de proceder à audição de NNNN atenta a clareza da conversação e a desnecessidade de confirmação de um dado objetivo (número de telemóvel), devendo tal conversação ser enquadrada na atividade comum de tráfico desenvolvida pelos arguidos BB e AA, o que fez o Tribunal.


Quanto à vigilância dos dias 04/05.08.2020 e 11.08.2020 (fls. 108 a 121 e 128 a 130 Anexo 1 – Vigilâncias e seguimentos), como já referido, o papel de cada arguido foi devidamente explicado pelos agentes LLLL e MMMM.


Do teor de tais elementos conjugados com o teor das interceções telefónicas (incluindo a Alvo .......50 (AA) sessão 03719: DD (IIII) pede a AA para avisar o de ... que o transporte correu sem problemas) dúvidas não há que o arguido VV, juntamente com DD, se deslocou em algumas ocasiões ao sul do país e a ... para adquirir droga que se destinava ao arguido AA – factos 123 a 127.


Uma dessas ocasiões foi no dia 11.08.2020 data em que DD foi intercetado pelas autoridades a conduzir o veículo de matrícula ..-RT-.., com canábis suficiente para mais de €49.805 doses no interior – conforme resulta da sentença proferida no processo n.º 14/20.4...-, veículo esse que foi cedido para os transportes de droga pelo arguido CC – facto 128.


Quanto a tal referiu a testemunha LLLL (Transcrição do ficheiro áudio (.wma) denominado “20221115103237_16223566_2871610”)


“Juiz – Muito bem. E mais alguma situação?


Chefe OOOO – Tenho uma da… portanto, diversos contactos, em que foi, portanto, ocorreram, contactos telefónicos, entre o ... DD, o, o …


Juiz – Prontos, isso…


Chefe OOOO – … AA…


Juiz – … isso foi no âmbito das, das escutas?


Chefe OOOO – Sim, sim. Do, do…


Juiz – Tá, Tá.


Chefe OOOO – … no âmbito do…


Juiz – …tá devidamente registado.


Chefe OOOO – Tá. Entretanto, apercebemo-nos que no dia dez, ele preparou-se para ir a…


Juiz – Ele! Quem?


Chefe OOOO – O DD.


Juiz – O DD.


Chefe OOOO – Sim.


Juiz – Mas o DD…


Chefe OOOO – Não é arguido neste processo…


Juiz – Não é arguido neste processo…


Chefe OOOO – Sim…


Juiz – … e depois veio a ser intercetado aqui no…


Chefe OOOO – …no ... e e e entretanto…


Juiz – Nos ..., segundo nos disse…


Chefe OOOO – Sim, foi nos ..., sim, na Área de Serviço, aqui nas Portagens dos ...…


Juiz – E o senhor, onde estava nessa operação?


Chefe OOOO – Fui, fui com ele sempre até baixo. Verifiquei o encontro dele com o DD. Fomos até ....


Juiz – Foi até ...?


Chefe OOOO – Não! Entramos mesmo em ...…


Juiz – Ai entrou em ...!?


Chefe OOOO – Foi até ..., na Área de Serviço o DD estacionou o viatura, entretanto chegou um Jaguar nove, oito, oito, quatro, H, H, S, branco. O condutor era o BB, saiu, falou com ele, entretanto …


Juiz – O condutor era quem!?


Chefe OOOO – … o BB.


Juiz – Em ...?


Chefe OOOO – Sim, em .... O DD arrancou com o Audi A1, cinquenta e seis, R, V, cinquenta e oito, arrancou um bocado, o GGGG arrancou à frente…


Juiz – O senhor não tem dúvidas que viu o Senhor VV em ...?


Chefe OOOO – Nenhuma, nenhuma, nenhuma.


Juiz – Pronto. E viu a, a falar com o outro senhor?


Chefe OOOO – Falou com ele, seguiram…


Juiz – Mas entregou-lhe alguma coisa?


Chefe OOOO – Não, não! Ou seja, Alí, ou seja, o, o DD acompanha-o só! Acompanhou, à vinda para cá, nós quando intercetamos, ele pediu para falar com o advogado, inclusive, o nosso espanto…


Juiz – Calma! Calma! Calma! O senhor… PPPP também estava em ...? É Assim!?


Chefe OOOO – Sim, sim.


Juiz – Pronto. E …


Chefe OOOO – (…) o BB até lhe propôs…


Juiz – E ele encontrou-se com o senhor DD, mas o senhor DD também veio? Ou só o senhor PPPP é que veio para Portugal?


Chefe OOOO – Vieram os dois, depois.


Juiz – Vieram os dois.


Chefe OOOO – O senhor DD veio com a droga…


Juiz – Prontos.


Chefe OOOO – … e o senhor PPPP chegou a ... e saiu.


Juiz – O, e o senhor seguiu os dois?


Chefe OOOO – Não! Só seguimos depois o DD que vinha com a droga.


Juiz – E o senhor PPPP foi para onde?


Chefe OOOO – Foi para ....


Juiz – Saiu em ...?


Chefe OOOO – Saiu em .... Era lá a residência dele. Dos pais dele.


Juiz – E depois os senhores seguiram…


Chefe OOOO – O DD…


Juiz – O Senhor QQQQ, que vieram até…


Chefe OOOO – … até à portagem, foi criado uma operação…


Juiz – …e foi aí que…


Chefe OOOO – …foi intercetado.


Juiz – Muito bem.


Chefe OOOO – E o DD mostrou estranheza porque próprio ele não conhecia a quantidade de droga, porque ele ligou, ligou pós, para o BB: “Olha a Polícia disse que eu tenho uma grande quantidade de droga!”…


Juiz – Ele fez uma, ele fez uma chamada? Essa chamada foi feita do…?


Chefe OOOO – … telemóvel dele.


Juiz – Prontos.


Chefe OOOO – Ele queria falar com o advogado e falou com ele. E disse logo: “Dá conhecimento ao KKKK desta situação”. O KKKK era o proprietário dum, do veículo Audi A um, que foi utilizado diversas vezes para ir ao ....


Juiz – Neste dia, o senhor….


Chefe OOOO – Dia onze de dezembro.


Juiz – …DD, tripulava um Audi A um? É isso?


Chefe OOOO – Sim, sim.


Juiz – Pronto.


Chefe OOOO – Cinquenta e seis …


Juiz – Já tinha visto esse Audi?


Chefe OOOO – Já tinha visto, mas não foi nada documentado em relatórios.


Juiz – Mas o senhor já tinha visto?


Chefe OOOO – Já, já. Nós quando vamos…


Juiz – Quem é que o senhor…


Chefe OOOO – Era o KKKK…


Juiz – Chefe viu a guiar esse Audi?


Chefe OOOO – Era o KKKK. E vi, inclusive, vi uma contraordenação de vinte e cinco de junho desse ano, de dois mil e vinte, no qual foi identificado, por ir ao telemóvel, a nosso pedido, né!


Foi identificado quem era o condutor…


Juiz – Certo! Mas…


Chefe OOOO – …há uma contraordenação levantada…


Juiz – …o senhor, o senhor Chefe não tem dúvidas que viu o senhor, o arguido…


Chefe OOOO – Sim, sim. Nós quando vamos…


Juiz – … CC a conduzir esta viatura Audi A um.


Chefe OOOO – Sim. Porque eu, doutor! Nós quando vamos ao Bairro ..., junto à residência do coisa, localizamos logo ali a viatura.


Juiz – Prontos, mas…


Chefe OOOO – Já tínhamos (…l)


Juiz – A minha pergunta é a seguinte! Já tinha visto o arguido KKKK a conduzir esta viatura?


Chefe OOOO – Sim, sim, sim, sim.


Juiz – Pronto.


Chefe OOOO – E depois foi (…)...


Juiz – Essa chamada ... ficou...


Chefe OOOO – Ficou validada e está no coisa... é, essa não, são diversas chamadas entre eles. E mais à frente


Advogado 1 - Olhe! Relativamente à...à chamada que foi feita pelo senhor DD, portanto,


foram os senhores que autorizaram essa chamada?


Juiz – Estava presente, senhor, Chefe? Só para eu me situar.


Chefe OOOO – Estava, estava.


Juiz – O senhor assistiu à chamada?


Chefe OOOO – Não, não! Ele estava sozinho na sala. Ele quis contactar o advogado, nós perguntamos - sabe o número? - Não tenho o número. - E, e onde você tem o número? – Tenho no meu telemóvel. Ele como ainda não estava detido, foi entregue o telemóvel dele, ele estava sozinho numa sala com a porta fechada.


Juiz – Pronto. E ele fez a chamada daí?


Chefe OOOO – Ele fez as chamadas que quis!...


Juiz – Pronto!


Chefe OOOO – ... ele fez as chamadas que quis...


Juiz – Então o senhor não assistiu?


Chefe OOOO – Não! num, num...


Juiz – Quando o senhor diz que fez uma chamada pó...


Chefe OOOO – ... mas depois ouvi, como estava intercetado o número dele, nós depois tivemos conhecimento...(sublinhado nosso).


Juiz – Certo! Mas não foi na altura?


Chefe OOOO – Não, não, não, na altura não!


Juiz – As chamadas ficaram foi gravadas!...


Chefe OOOO – Foi registadas, gravadas.


Juiz – ... registados porque estava o...


Chefe OOOO – Ele, ele até estava preocupado, ele dizia...


Juiz – Ó senhor Chefe! É só para... os senhores não ouviram as chamadas?


Chefe OOOO – Não! Nada! Nada!


Juiz – Porque aquilo que o senhor sabe, é da consulta das transcrições...


Chefe OOOO – Sim, sim, sim ...


Juiz – Porque o telefone estava sob escuta!?


Chefe OOOO – ... sim estava sob escuta.


Juiz – Falando...


Chefe OOOO – Sim.


Juiz – ... português corrente.


Chefe OOOO – É.


( …)”


E a testemunha MMMM, agente da PSP (Transcrição do ficheiro áudio (.wma) denominado “20221114123109_16223566_2871610”):


Juiz - Pronto. Era só porque estava lá a fotografia, agora já não está. Não! Era só por causa da fotografia. Muito bem! Quanto a este dia, já nos esclareceu. Depois, mais alguma situação, que queira realçar?


MMMM - Sim! Fiz outras vigilâncias. Fiz, monitorizei o encontro posterior, dia... cinco de agosto, à noite...


Juiz - Encontro entre quem?


MMMM - Entre o AA e o DD, na junto da, na Praça ..., junto ao café Pereira, a...


Juiz - O senhor já foi pó, já foi pó ... à espera que eles lá se encontrassem?


MMMM - Exatamente, também!


Juiz - E era o senhor AA e quem era a outra pessoa?


MMMM - E o DD.


Juiz - E o senhor DD.


MMMM - Sim. Que se encontra ele, encontra-se preso no âmbito de outro, outro inquérito.


Juiz - E o senhor!... E eles encontraram-se e o que os viu fazer?


MMMM - Eh... encontraram-se naquele lugar e depois, a dada altura, o DD entra na viatura dele, num Opel Corsa branco, eh... só setenta, setenta e oito, salvo erro, a matrícula do carro...


Juiz - Certo. Não se preocupe.


MMMM - ... e o AA, entra para o lado da, do pendura, entra para dentro da viatura onde se encontra o DD, e... e passado um ou dois minutos sai e vai para a viatura dele e abandonam o local.


Juiz - Então eles encontram-se, reunem-se dois minutos na viatura do senhor DD, ...


MMMM - DD.


Juiz - ... e o senhor AA sai e entra na viatura dele e vai-se embora.


MMMM - Num Audi A três.


Juiz - E depois algum deles, algum detes senhores foi detido mais tarde?


MMMM - Passado... quatro ao cinco dias...


Juiz - Não! Neste dia não fizeram nenhuma...


MMMM - Não, não.


Juiz - Depois... fez mais vigilâncias? Ia contar que passado uns dias, mas já não foi com... não foi consigo!?


MMMM - Fiz. Não!


Juiz - Não foi consigo?


MMMM - Fiz foi a interceção do DD, eh... mas não fiz vigilância. (…)


Juiz - Mas foi o senhor que fez a interceção do senhor DD?


MMMM - Também colaborei na interceção do, do DD.


Juiz - Prontos. Diz o senhor que, que foi cinco dias depois disto?


MMMM - Foi dia onze de agosto.


Juiz - Pronto. E, e aonde é que foi isso?


MMMM - Eh... isso foi, estavamos a monitorizar o DD, por, por suspeitarmos que ele se deslocaria ao sul do território nacional e ou ..., fazer transporte de produto estupefaciente.


Juiz - Pronto. E ele, ele tinha...


MMMM - E há vinda foi, monitorizado lá em baixo, e há vinda foi intercetado e tinha ah...


Juiz - O quê?


MMMM - ... cerca de quinze quilos de, de produto estupefaciente. Doze ou treze quilos de...


Juiz - Pronto. Por isso é que ele está preso.


MMMM - ... Haxixe... Sim! E foi (…) ficou preso. E tinha mais dois quilos...


Juiz - E tinha o quê!? Haxixe?


MMMM - Sim. E mais dois quilos de liamba.


Juiz - E cocaína?


MMMM - Não.


Juiz - Só, só...


MMMM - Só haxixe e liamba.


Juiz - ... haxixe e liamba.


MMMM - Ele estava a utilizar a viatura, de outro suspeito, um Audi A um, que tem quarenta e seis, do senhor KKKK e teria adquirido a droga, adquirido não! Adquiriu a droga.


Juiz - O senhor KKKK!? É o que está neste processo?


MMMM - Sim, sim. Está neste processo também.


Juiz - O senhor KKKK!...


MMMM - Por causa da, da viatura. O processo Apenso, salvo erro, é o quinhentos e oitenta


Juiz - CC!?


MMMM - Sim.


Juiz - E a viatura!?


MMMM - Audi A um, Ah... cinquenta e seis, F, T quarenta e oito, talvez!


Juiz - E... o senhor, o senhor Guarda diz que a viatura era do senhor KKKK, porquê? Estava registada em nome dele?


MMMM - Estava registado o seguro, o...


Juiz - O seguro.


MMMM - ... a propriedade...


Juiz - Já o tinha visto...


MMMM - ... era da namorada ou ex-namorada do senhor KKKK, mas era a viatura do senhor KKKK.


Juiz - ... E, para além do senhor DD, quem é que o senhor viu mais a conduzir essa viatura?


MMMM - Só, só o DD.


Juiz - Só o DD! Nunca viu o senhor KKKK a conduzi-la?


MMMM - Não.


Juiz - Não... E, tanto quanto o senhor se tenha apercebido, o senhor DD andava com a viatura à quanto tempo? Relacionando-o à data da detenção.


MMMM - Ah... não quero estar a ... falhar! mas penso que foi nesse dia que ele a foi buscar para...


Juiz - Pronto.


MMMM - ...penso que foi no dia antes de ir para o ......


Juiz - Quando, o senhor, o senhor tinha visto o senhor DD uns dias antes, no Marquês


MMMM - No Corsa.


Juiz - Num estava com o, com o Audi?


MMMM - Eles tanto fazia transportes no Corsa como no fazia no... ficou provado isso.


Juiz - Pronto. Num temos, num temos aqui no nosso processo.


MMMM - (Impercetível)


Juiz - Pode continuar.


MMMM - Eh... deslocou-se ó, ó... ao ..., ao ... e ......


Juiz - Mas isso foi o senhor DD!


MMMM - O senhor DD.


Juiz - Pronto. Mas...


MMMM - Na viatura...


Juiz - Prontos. Vamos voltar aqui ao nossos, aos nossos arguidos que o senhor DD...


MMMM - Sim, mas ele adquiriu a, o estupefaciente ao BB, que está no âmbito deste processo.


Juiz - É a convicção da, da testemunha.


MMMM - Houve um encontro que foi monitorizado, não foi por mim, num, num, num fiz essa deslocação...


Juiz - Mas o senhor... MMMM - ... mas está monitorizado o encontro...


Juiz - Mas é, mas o senhor, o senhor não diz que, este este haxixe e esta liamba tinha sido comprada, ah... em ...? Dou fui eu que percebi mal!?


MMMM - Sim, foi. Foi um encontro numa, numas, numa estação de serviço de, salvo erro, .... Em que foi monitorizado o encontro do DD, na viatura do KKKK a ter o encontro com o BB. Eh... e eu...


Juiz - O senhor num viu, mas relataram-lhe isso?


MMMM - ... e o facto de eu saber o porquê, o, o facto de eu saber que foi o senhor PPPP que quem lhe forneceu o estupefaciente, foi o facto do DD, depois de ter sido intercetado, não saber a quantidade de estupefaciente que possuia, tendo solicitado para efetuar uma chamada para o BB, pa, para uma pessoa amiga! Contactou! E o senhor PPPP é que lhe disse: - trazias x quilos de estupefaciente.


Juiz - Isso, isso o senhor assistiu? À chamada!?


MMMM - À chamada. Tenho a chamada.


Juiz - O senhor fez a detenção... alguém lhe reportou esse encontro na, nas bombas?


MMMM - Sim. Quando fizemos a interceção...


Juiz - Fizeram a interceção aonde?


MMMM - Aqui, na, junto às Bombas, a... às portagens dos ....


Juiz - Nas portagens dos ....


MMMM - Nas portagens dos ..., fez-se a interceção, não fui eu que assinei o Auto...


Juiz - Não interessa...


MMMM - ...foi o meu colega RRRR, mas estava lá! Mas estava lá.


Juiz - Mas estava lá. E ele terá demorada quanto tempo desde de... que comunicaram o encontro até que os senhores o apanharam aqui nos ...?


MMMM - O encontro, o...


Juiz - Foi em ...!...


MMMM - Foi à volta das... nove, dez da manhã. Já não... ou onze da manhã, já não estou a pensar, até escrevi as vigilâncias lá em baixo, a equipa que estava a... abandonou por volta do meio-dia, meio-dia e pouco e deve ter sido, e foi um bocado antes, talvez onze e meia da manhã.


A interceção foi ao fim do dia... fim do dia noite, noite já.


Juiz - Muito bem.


(…)”


Ao contrário do que refere o Recorrente a absolvição dos arguidos GG e FF em nada belisca os factos respeitantes ao arguido AA.


A absolvição destes não implica a absolvição do Recorrente. Apenas resulta como provado (facto 132) que os arguidos AA, GG e FF estabeleceram contactos telefónicos relacionados com a venda pelo primeiro aos demais de estupefacientes e/ou visando agendar encontros para a entrega de tais substâncias em quantidades e valores não concretamente apurados e que os arguidos GG e FF destinavam os estupefacientes assim obtidos a fim não concretamente determinado (facto 132), e não quando essas entregas ocorreram.


A factualidade dada como provada no texto da Decisão Recorrida é suficiente e congruente para a decisão proferida de condenação do arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22/1, não padecendo o Acórdão Recorrido do vício do erro notório.


O Recorrente centra-se ainda no valor atribuído às suas impressões digitais (facto 133), o que convoca o problema da valoração da prova.


É sabido que a importância e transcendência deste método de identificação criminal radica na circunstância de as impressões digitais serem:


- universais, porque comuns a todas as pessoas;


- permanentes, porque são imutáveis desde que surgem no 4.º mês de vida intrauterina só desaparecendo com a putrefação cadavérica;


- singulares ou inconfundíveis, porque únicas: jamais são idênticas em dois indivíduos, não havendo, de resto, duas impressões digitais iguais feitas por dedos diferentes;


- indestrutíveis, porque não são modificáveis, nem pela ação do sujeito nem patologicamente; nessa medida, não podem ser falsificadas;


-mensuráveis, porque suscetíveis de comparação – cfr. Pinto da Costa, Impressões Digitais: contribuição para o seu estudo médico-legal, Porto, 1972, págs. 387 e 385).


Em função daquelas características das impressões digitais, o valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspetiva: a) A aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova direta do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detetada aquela impressão. b) Mas se a impressão digital faz prova direta do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detetada aquela impressão ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova direta da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à pratica do crime ou meramente ocasional).c) Embora não faça prova direta da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital pode ser encarado como um indício ( prova indireta) que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória.


Este tema do valor probatório da prova dactiloscópica, especialmente no âmbito da prova indiciária e no confronto com o princípio da presunção de inocência. Há muito que se aceita que a prova indiciária, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação (cfr., v.g., Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. II, reimp. Lisboa, 1981, págs. 288-295, Id., Curso de Processo Penal, 2º vol., Lisboa, 1986, págs. 207- 208, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa/ S. Paulo, 1993, vol. II, pág. 83, Sérgio Gonçalves Poças, Da Sentença Penal-Fundamentação de Facto, in Julgar, n.º3, Set-Dez. 2007, págs. 27-29 e42-43, Acs. do S.T.J. de 8-1-1995, B.M.J. n.º 451,pág. 86 e de 12-9-2007, proc.º n.º 4588/07, rel.Cons.º Armindo Monteiro in www.dgsi.pt, Acs. daRel. de Coimbra de 6-3-1996, Col. de Jur. ano XXI, tomo 2, pág. 44 e de de 9-2-2000, Col. de Jur. Ano XXV, tomo 1, pág. 51, de 11-5-2005, proc.º n.º1056/05, rel. Oliveira Mendes, de 9-7-2008, proc.º n.º501/01.3TAAGD, rel. Ribeiro Martins, inwww.dgsi.pt, o Ac. da Rel. de Lisboa de 7-1-2009,proc.º n.º 10639/2008-3, rel. Carlos Almeida, os Acs da Rel. de Évora de 24-6-2008, proc.º n.º 437/08-1 e 17-9- 2009, proc.º n.º 524/05.3GAABF.E1, ambos relatados por João António Latas, o Ac. da Rel. Do Porto de 28-1-2009, proc.º n.º 0846986, rel. Isabel Pais Martins, todos disponíveis na mesma base de dados, e os Acs da Rel. de Guimarães de 9-10-2006,proc.º n.º 2429/05- 1, de 29-1-2007, proc.º n.º2053/06-1, e de 25-6-2007, proc.º n.º 537/07-1, e 19-1-2009, proc.º n.º 2025/08, entre outros, disponíveis inwww.dgsi.pt).


Como se consignou no Ac. do STJ de 12-9-2007, relatado pelo Sr. Cons.º Armindo Monteiro “A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova direta (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo que reforcem o juízo de inferência


Resulta da motivação do Acórdão quanto ao ponto 133: “A conexão do arguido AA com a substância estupefaciente encontrada e apreendida na casa da Praça ..., resultou das impressões digitais ali recolhidas e que o identificam – cfr. apenso 580/21.7...-01-00. “


Efetuada recolha de vestígios lofoscópicos e realizado o competente exame pericial, cujos relatórios se encontram juntos a fls. 3034 a 3040 do 10.º volume, concluiu a Unidade de Policia Técnica da PSP que os mesmos foram produzidos pelo dedo anelar da mão esquerda e pelo dedo polegar da mão direita do arguido, apresentando em ambos os casos treze pontos característicos coincidentes, o que corresponde à certeza quanto à identidade do autor dos referidos vestígios.


Efetivamente, conforme resulta dos autos, na habitação sita na ... foi recolhido um vestígio de cristas papilares numa caixa de cartão que acondicionava uma balança digital e na face superior de uma balança digital (relatório de inspeção de fls. 3027).


Efetuado o competente exame, de acordo com o relatório de informação pericial elaborada pelo Serviço de Polícia Técnica do Departamento de Investigação da PSP, junto a fls. 3034 a 3040, assinala-se que comparado o vestígio digital que assentava naqueles objetos, com as impressões digitais existentes naquela polícia, se verificou que aquele vestígio se identifica com a região do dedo anelar da mão esquerda e pelo dedo polegar da mão direita do arguido, existindo treze particularidades ou pontos característicos comuns entre o vestígio recolhido e o dactilograma correspondente ao arguido, o que, segundo as regras formuladas por Locard, internacionalmente aceites, equivale à certeza absoluta – cf. fls. 3041.


Está, assim, feita a prova de que as impressões digitais recolhidas naquela residência pertencem ao arguido. Note-se que revestindo a prova dactiloscópica a natureza de prova pericial, o juízo técnico-científico inerente a tal perícia presume-se subtraído à livre apreciação do juiz, devendo a divergência (no caso inexistente) ser fundamentada (artigo 163º, n.1 e 2 do Código de Processo Penal). Consequentemente foi feita a prova direta do contacto do arguido com objetos que se encontravam no interior da referida residência. A impressão digital foi localizada em objetos que se encontrava no interior da residência. Este facto reveste-se de particular importância uma vez que o vestígio digital não foi recolhido de superfícies onde o arguido pudesse tê-los aposto de forma que, pelo menos lançasse qualquer dúvida no espírito do julgador quanto ao facto de ter sido ou não, o autor do crime, como poderia eventualmente ser o caso de os vestígios se encontrarem no exterior da residência.


Quanto a este ponto referiu o arguido: (…) Questionado com os seus vestígios lofoscópicos constantes de balança encontrada na casa da Rua ...; diz que utiliza balanças, na sua profissão (restaurante) e a esposa também, que é ... e usa para misturar os produtos de cabelo. Já consumiu cocaína e utilizou balanças para o efeito.


Confrontado com o teor de fls. 3031 e ss.: nunca entrou naquela habitação; fls. 3033 – diz que tem balança igual que usa no trabalho dele; já teve contacto com balanças daquele tipo;


Questionado, referiu que deu por falta de uma balança daquelas.


Nega que fosse dele a droga que estava ao lado da balança onde foram encontrados vestígios palmares dele. (…)


A justificação avançada pelo arguido não é minimamente credível. Todos estes indícios são graves, precisos e concordantes e, devidamente conjugados e ponderados à luz das regras da experiência comum permitiram ao Tribunal concluir, sem margem para dúvidas, já que se não vislumbra qualquer outra possibilidade alternativa razoável, que a droga pertence ao arguido/Recorrente.


Atento tudo o referido, impossível se tornaria não dar como provada a factualidade acima descrita e mormente que a droga pertence ao arguido e que este se dedicava à venda de produtos estupefacientes, não apenas para sustentar o seu consumo, mas como meio de obtenção de lucro fácil.


Alega o Recorrente que o Tribunal não valorou corretamente as declarações do arguido.


Resulta do Acórdão que ao Recorrente “Confirmou parcialmente os factos imputados. Concretizando, disse: Confirma que, no dia da busca, quando foi detido, estava na rua, perto da residência dele, perto da uma ou duas da manhã; foi abordado pelos agentes, que lhe disseram que ia entrar na residência dele; eles foram a uma que não era e o arguido, depois, levou-os à dele; bateram à porta e a esposa abriu; o arguido


dirigiu os agentes à garagem dele, ao lugar de garagem dele, onde tinha 1 kg de haxixe, que tinha comprado perto da zona de casa dele; não quer dizer a quem comprou.


Era comprador habitual de haxixe, à mesma pessoa, mas nunca em tão grandes quantidades; só naquela altura é que comprou tanto, porque lhe apareceu essa oportunidade e não era fácil arranjar; aquilo era para consumir, dava para uns 2 ou 3 meses; não chegou a pagar, ainda ia pagar, 575 €;


Naquela altura, o arguido ajudava um amigo a vender carros.


A habitação referida na acusação, na Praça ... costumava lá ir, uma, duas ou três vezes por mês, mas apenas ao 2º andar, porque era o prédio onde moravam os padrinhos do filho: não sabe nada dessa droga, não tem nada a ver com aquela droga;


Nega o resto dos factos imputados na acusação; em relação a ele.


Conhece o GG e o FF, por serem irmãos da companheira dele, Conhece o pai do amigo, o sr. EEEE;


Questionado com os seus vestígios lofoscópicos constantes de balança encontrada na casa da Rua ...; diz que utiliza balanças, na sua profissão (restaurante) e a esposa também, que é ... e usa para misturar os produtos de cabelo. Já consumiu cocaína e utilizou balanças para o efeito.


Confrontado com o teor de fls. 3031 e ss.: nunca entrou naquela habitação; fls. 3033 – diz que tem balança igual que usa no trabalho dele; já teve contacto com balanças daquele tipo;


Questionado, referiu que deu por falta de uma balança daquelas.


Nega que fosse dele a droga que estava ao lado da balança onde foram encontrados vestígios palmares dele. A esposa, na altura, explorava um salão de ...; tinha poupanças de dinheiro em casa; e usava-o para o que necessitassem.”


Com efeito, como bem apreciaram os Mmos. Juízes do Tribunal “A Quo”, estas declarações prestadas em audiência de julgamento pelo arguido declarando que o estupefaciente apreendido na Praça ... não lhe pertence e o apreendido na sua garagem era para consumo próprio não têm a mínima consistência sendo ainda totalmente contrariadas pelos elementos de prova acima referidos – cf. perícia lofoscópica e apreensão.


É inequívoco que a balança onde foi localizada uma impressão digital do arguido destinava-se a pesar as quantidades que transacionava e que a quantidade de estupefaciente apreendida na garagem, por exceder largamente a quantidade necessária para o seu consumo médio individual por 10 dias, se destinava à venda a terceiros.


E ainda mais ilógicas e infundadas são as declarações prestadas pelo arguido para fundamentar a posse de 1 kg de haxixe que lhe foram encontradas no interior do seu lugar de garagem – ser comprador habitual de haxixe, à mesma pessoa, mas nunca em tão grandes quantidades; só naquela altura é que comprou tanto, porque lhe apareceu essa oportunidade e não era fácil arranjar; aquilo era para consumir, dava para uns 2 ou 3 meses; não chegou a pagar, ainda ia pagar, 575 €.


Ora, tais declarações do arguido, como bem decidiram os Mmos. Juízes, não são merecedoras de qualquer credibilidade pois que à luz das regras da experiência comum não se compra 1 kg de haxixe para consumo.


Acresce ainda referir que o facto do Tribunal “A Quo” não concretizar os proventos económicos obtidos pelo arguido com a atividade de tráfico em nada permite afastar a demais prova produzida quanto à prática pelo arguido de condutas integradoras no mencionado ilícito típico, para cuja consumação, o legislador não exige a obtenção de proventos económicos, pois que, se assim fosse, os atos de cedência ou mera detenção tout court não seriam puníveis, o que não é o caso.


E por ser tão óbvia a prática pelo arguido do mencionado ilícito, jamais se justificaria que, in casu, à luz do Princípio do In Dubio Pro Reo, o arguido fosse absolvido, já que efetivamente a abundante prova produzida não deixou ao julgador margem para dúvidas quanto à sua responsabilização criminal.


O princípio in dubio pro reo, decorrência do princípio da presunção de inocência (art. 32º nº 2 da C.R.P.) dá resposta à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido. Produzida a prova, se no espírito do juiz subsiste um estado de incerteza, objetiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a convicção do julgador foi alcançada, para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.


Não se trata aqui da dúvida que o Recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar.


Só poderíamos falar de uma violação do Princípio do In Dubio Pro Reo se o Tribunal num estado de dúvida sobre algum ou alguns dos pontos da matéria de facto sobre eles optasse por um entendimento decisório desfavorável ao arguido. Ora não é isso que resulta do Acórdão Recorrido, sendo patente, na fundamentação da decisão de facto, que o Tribunal não manifesta dúvidas sobre a ocorrência dos factos e sobre quem deles foi o autor.


In casu, o que se nos afigura existir é uma diferente interpretação do Recorrente quanto á prova que foi produzida e que em seu entender impunha uma decisão diversa.


Todavia, essa diferente interpretação não permite considerar que por seu turno o Tribunal “A Quo” cometeu um erro notório na apreciação da mesma prova nem concluir que omesmo Tribunal teve dúvidas quanto à responsabilização criminal do arguido.


Com efeito, em matéria de apreciação de prova vigora no nosso ordenamento jurídico o Princípio da Livre Apreciação da Prova, consagrado pelo legislador no art. 127º do C.P.P., segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.


O princípio da livre convicção na apreciação da prova não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. Antes, tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Cfr. Maia Gonçalves in “Código de Processo Penal Anotado”, 12ª ed., pág. 339).


Ora, no caso em apreço, afigura-se-nos que o julgador, obedecendo a estas regras na apreciação da prova, efetuou uma análise da prova produzida não de forma arbitrária e totalmente contrária à que foi produzida em audiência mas antes realizando um exame crítico das provas formou a sua livre convicção quanto ao modo como os factos ocorreram e sobretudo quanto à responsabilização criminal do arguido pelo cometimento do mencionado crime de tráfico de estupefacientes.


Por isso, a Decisão Recorrida só seria de alterar, por verificação do vício de erro notório para apreciação da prova, quando fosse evidente que as provas não conduziriam àquela Decisão e não apenas quando a interpretação que o Recorrente faz dessa prova é diversa da interpretação do julgador.


A certeza que na convicção do julgador se formou quanto ao cometimento pelo arguido do mencionado crime impunha a sua condenação, nos moldes em que o foi, e não a sua absolvição com base no Princípio do In Dúbio Pro Reo.


Improcede, pois, a argumentação do recorrente quanto à matéria supra.


Da invocada da contradição insanável na fundamentação da matéria de facto dada como provada nos pontos 123 e 127, entre os factos 123 e 129.


No que respeita ao vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previsto no art.º 410º n.º 2 al. b), do CPP, o mesmo reporta-se a uma contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada e entre esta e a decisão.


Sufragando o entendimento perfilhado pelo Ac. RC de 25/3/2010, in DGSI, para efeitos do artigo 410º nº 2, al. b) do C.P.P. constitui contradição (insanável) apenas e tão só, aquela que não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência.


Como é sabido, a contradição insanável de fundamentação consubstancia um vício previsto no art.º 410º nº 2 b) C.P.P. sendo que por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade (cfr. Simas Santos e Leal Henriques in “Código de Processo Penal Anotado”, pág. 739).


Para os fins do preceito do art.º 410º nº 2 b) do C.P.P. constitui contradição, apenas e tão só, aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência. Daí que, nos termos do art.º 410º nº 2 C.P.P., tenham de resultar, na sua globalidade do próprio texto da decisão recorrida (não sendo assim portanto permitida a consulta a outros elementos constantes do processo), por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.


Verifica-se contradição insanável de fundamentação quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou quando, segundo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a colisão entre os fundamentos invocados.


Existe vício de contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico baseado no texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova que fundamentaram a convicção do tribunal (cfr. Ac. STJ de 13/10/99 in Coletânea de Jurisprudência dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,1999, III-184).


No caso em apreço, não resulta, desde logo, qualquer contradição na matéria de facto dada como provada, relativamente aos factos imputados ao Recorrente e dados como provados nos pontos por si referidos, assim como igualmente não existe qualquer contradição entre a factualidade que foi dada como provada e a decisão condenatória subsequente.


Em face dos elementos probatórios recolhidos e referidos no ponto 1. cujo teor se dá aqui por reproduzido, não subsistem dúvidas que efetivamente a decisão recorrida não padece do mencionado vício processual, sendo a factualidade dada como provada e não provada totalmente consentânea, não existindo qualquer fundamento para a revogação do mencionado acórdão.


Da violação do disposto no artigo 374º nº 2 do C.P.P.


Dispõe o art.º 374.º do C.P.P., a respeito dos requisitos da sentença:


1 - A sentença começa por um relatório, que contém:


a) as indicações tendentes à identificação do arguido;


b) as indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;


c) a indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;


d) a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.


2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.


3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:


a) as disposições legais aplicáveis;


b) a decisão condenatória ou absolutória;


c) a indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas;


d) a ordem de remessa de boletins ao registo criminal;


e) a data e as assinaturas dos membros do tribunal.


4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas”.


A fundamentação da sentença penal decorre da exigência de total transparência da decisão, desta forma possibilitando aos seus destinatários e à própria comunidade a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador e o controlo da atividade decisória pelo tribunal de recurso, o que consubstancia, desde a revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa (cfr. art.º 32º nº 1 da C.R.P.).


Por isso, a lei comina com nulidade a sentença que não contenha as menções referidas no nº 2 do art.º 374º do C.P.P., isto é, quando, além do mais, não contenha uma exposição, tanto quanto possível, completa, ainda que concisa, das razões de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.


Através da fundamentação da matéria de facto da sentença procura-se perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.


Essencial é que através da leitura da decisão se perceba por que razão o Tribunal decidiu num sentido e não noutro, garantindo-se que a decisão sobre a matéria de facto não foi fruto de capricho arbitrário do julgador ou de mero “palpite”.


Assim, sob pena de nulidade, a sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e dos meios de prova, deve conter também os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal coletivo num determinado sentido.


A exigência de fundamentação das sentenças, sobretudo condenatórias, permite ajuizar da objetividade do mérito ou demérito da decisão proferida, pelo que, sem um exame crítico das provas produzidas que permitiram ao julgador decidir, impossível se torna aos sujeitos processuais afetados pela mencionada decisão saberem o porquê da decisão que foi proferida, em ordem a uma objetiva compreensão da mesma.


Perfilhando o entendimento, entre outros, sufragado pelo Ac. TRC de 20/01/2010, in DGSI: “A fundamentação e motivação dos actos decisórios destina-se a conferir força pública e inequívoca aos mesmos e a permitir a sua impugnação quando esta for legalmente admissível, ou, como refere Germano Marques da Silva permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo. O exame crítico das provas deve indicar no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal”.


É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objetividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjetivo da formação da convicção do julgador.


In casu, o acórdão recorrido cumpriu devidamente o dever de fundamentação imposto pelo art.º 374º nº 2 do C.P.P.


Com efeito, analisando-se a motivação probatória constante da decisão recorrida verifica-se que a mesma indicou todos os factos provados e não provados que permitiam integrar a conduta do arguido no mencionado crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado; indicou os meios de prova (thema probandum) com exame crítico das provas; a razão da credibilidade dos diversos meios de prova, o que permite deduzir, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, qual o substrato racional que conduziu a que o Tribunal a quo os tivesse valorado no sentido em que o fez, daí se extraindo de uma forma lógica e objetiva e qual o raciocínio que levou os Mmos. Juízes a darem como provados os factos que constam da decisão recorrida, segundo o princípio da livre apreciação da prova e as regras da experiência comum.


Também não restam dúvidas que o sujeito processual afetado pela decisão recorrida, efetuando uma leitura atenta da mesma, consegue perceber os concretos factos que levaram à condenação do arguido pelo mencionado crime e, bem assim, o percurso lógico que esteve subjacente à decisão condenatória proferida já que na fundamentação da convicção a que o Tribunal a quo chegou, os Mmos. Juízes não se limitaram a elencar a prova produzida, mas determinaram concretamente os meios de prova que valoraram para formar a sua convicção e esclareceram os motivos pelos quais os valoraram.


De igual modo, no juízo crítico que realizaram dos meios de prova produzidos elencaram os que entenderam que não foram relevantes para formar a convicção do Tribunal indicando as razões pelas quais os mesmos não foram valorados.


Foram devidamente conjugados todos os elementos de prova referentes ao Recorrente e relacionados com o co arguido BB, por se interligarem, como expressamente referiu o Tribunal, “Dos factos provados sob os n.ºs 98, 122 a 137, resulta clara a prática pelos arguidos AA e BB de um crime de tráfico de estupefacientes tal como se mostra delineado pelo referido art.º 21º do D.L. 15/93, porquanto os mesmos descrevem actos de compra, venda e detenção de haxixe e cocaína, praticado por tais arguidos, de comum acordo, mediante um plano previamente elaborado por ambos e em conjugação de esforços e intentos, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, encontrando-se preenchidos os requisitos para a actuação em co-autoria, nos termos do art. 26º do Código Penal”.


Quanto ao teor da conversação ocorrida a 27.06.2020 remete-se para o já referido noutro dos recursos interpostos por outro arguido. Da conversação (27.06.2020) resulta claramente que o número chamador é .......55 utilizado habitualmente por NNNN mas naquela chamada utilizado pelo DD, tendo destinatário o arguido AA (alvo intercetado), não havendo qualquer necessidade de proceder à audição de NNNN atenta a clareza da conversação e a desnecessidade de confirmação de um dado objetivo (número de telemóvel), devendo tal conversação ser enquadrada na atividade comum de tráfico desenvolvida pelos arguidos BB e AA, o que fez o Tribunal.


As gravações das escutas telefónicas, realizadas na sequência de autorização judicial face a suspeitas fundadas de crimes de tráfico de estupefacientes, mandadas transcrever pela autoridade judiciária competente em auto e juntas ao processo, são um meio de prova documental a valorar pelo Tribunal de acordo com o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal. Vide Ac RC de 29.02.12 in wwwdgji.


Este princípio estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.


Deste modo, não é arbitrário e violador das regras da experiência comum, que o Tribunal a quo, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado credibilidade à prova documental resultante das citadas transcrições das escutas telefónicas e, face à globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, examinada criticamente na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido, tenha dado como assentes os factos impugnados pelo recorrente.


Perante todos os elementos constantes nos autos, a condenação do arguido pelo mencionado crime de tráfico de estupefacientes não assenta apenas nos factos dados como provados nos pontos referidos pelo Recorrente mas em toda a factualidade acima elencada que, de modo concreto, localiza no tempo e no espaço todos os atos praticados pelo arguido integradores dos elementos objetivos e subjetivos daquele ilícito criminal.


Cumpre referir que tais factos, não são abstratos, genéricos ou sequer conclusivos, mas antes, estão devidamente contextualizados no tempo e no espaço, seguindo um relato dos acontecimentos ocorridos no período temporal em que o arguido se dedicou à atividade de tráfico e concretizam devidamente todas as ações típicas levadas a cabo pelo arguido, que integram os elementos objetivos e subjetivos do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado.


É certo que não consta da factualidade dada como provada naquele ponto as concretas vezes que foi vendido estupefaciente a esses consumidores ou o preço pelo qual foi vendido, factos que, a nosso ver, são meramente instrumentais, pois que, para o preenchimento dos elementos típicos do mencionado crime de tráfico de estupefaciente basta que tenha ocorrido, pelo menos, uma venda ou detenção de produto estupefaciente considerado proibido, de acordo com a tabela anexa ao mencionado DL nº 15/93, de 22/1, como sucedeu no caso em apreço.


Conhecemos a jurisprudência que tem vindo a ser perfilhada no sentido de que não pode ter-se como dispensando, sem mais, a concretização dos factos, ou seja, a imputação de factos genéricos, vagos, que não permita ao acusado localizar, no tempo e espaço, as ações que lhe são atribuídas (Cfr. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 17- 01-2018; Ac. Tribunal da Relação do Porto de 10/1/2018 e de 15/6/2016; Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 1/10/2013, todos disponíveis in DGSI, a respeito do crime de violência doméstica, cujo entendimento é também perfilhável para o crime de tráfico de estupefaciente).


Todavia, no caso em apreço, estando balizado o período em que o comportamento criminoso persistiu, com indicação do início e termo, localizado espacialmente o lugar de exercício da atividade ilícita e concreto modo de atuação do arguido, resulta cumprida a exigência de concretização não havendo, por isso, violação de qualquer direito do arguido.


Revertendo para o teor da acusação e para a matéria de facto provada que consta do acórdão, fácil é concluir que o balizamento temporal das condutas do arguido se mostra feito com o mínimo de concretização exigido para o efetivo exercício do direito de defesa.


Mesmo não tendo sido concretizados todas as exatas transações realizadas; a quantidade de estupefaciente vendida ou a quantia monetária que recebeu por tais vendas, o certo é que, as ações levadas a cabo pelo arguido foi descrita com a adequada pormenorização que lhe permitia o exercício do seu direito de defesa e o pleno exercício do contraditório, pelo que, não mostra violado o art.º 32º, nºs 1 e 5 da C.R.P.


A factualidade acima elencada dada como provada de 122 a 137, cumpre o dever de fundamentação previsto no art.º 374.º do C.P.P., por não se tratar de uma imputação genérica ou conclusiva, não violando os direitos de defesa dos arguidos consagrados nos arts. 327º do C.P.P. e 32º nº 1 e 5 da C.R.P e assim, tais factos, deverão fazer parte integrante da matéria de facto dada como provada, por integrarem elementos objetivos típicos do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o arguido foi condenado, nada havendo a revogar à decisão recorrida.


Da errada subsunção dos factos ao direito.


Considera ainda o Recorrente que em face da prova que foi produzida em audiência, a haver lugar a uma condenação do arguido, tal deveria ser pelo crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º a) do DL nº 15/93, de 22/1, e não pelo crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º do mesmo diploma legal.


Ora, contrariamente ao que alega o Recorrente, o Tribunal “A Quo” na factualidade dada como provada determinou que efetivamente o produto estupefaciente apreendido ao arguido lhe pertencia e que o mesmo se destinava em parte ao seu consumo e à venda a terceiros e fê-lo não só em face da prova documental junta aos autos alicerçada nos autos de busca e apreensão que são inequívocos da quantidade elevada de estupefaciente apreendida ao arguido, depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas e exame pericial acima referido (impressões digitais).


Deste modo e contrariamente ao entendimento do Recorrente, considerando a elevada quantidade de produtos estupefacientes apreendida ao arguido impossível se tornaria concluir pelo cometimento pelo arguido, apenas e tão só, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º a) do DL nº 15/93, de 22/1.


Não se verificam circunstâncias excecionais que diminuam, por forma acentuada, a ilicitude do facto, ainda que o arguido seja, ele próprio, um consumidor de substâncias estupefacientes, em ordem a sua atuação possa integrar-se na prática de um crime de tráfico de menor gravidade.


No mesmo sentido se pronunciou a jurisprudência, entre outros, no Ac. RP de 24/2/2010; Ac. RP de 3/12/2008 e Ac. RP de 12/10/2005, todos in DGSI.


Com efeito, considerando a quantidade de produto estupefaciente; qualidade do mesmo; período temporal em que o arguido se dedicou a essa atividade, não existe uma diminuição considerável da ilicitude da sua conduta.


O art. 25º do DL nº 15/93, de 22/1, representa um tipo privilegiado do crime-tipo de tráfico de estupefacientes, sendo que o que privilegia o delito é o grau (a natureza) consideravelmente diminuído do facto ilícito, revelado por diversos factores, como os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da ação, a qualidade ou quantidade do estupefaciente, o que não se verifica em face do que acima deixamos consignado.


Na verdade, o arguido detinha quer o produto estupefaciente que lhe foi apreendido quer todo o demais que ao longo do referido período temporal transacionou com vista à sua venda a terceiros, donde retirava proventos que lhe permitiam investir na aquisição de mais produto e prosseguir com a aludida atividade, já que à data apresentava rendimentos não elevados, assegurando parte da sua subsistência e a do seu agregado familiar através dos lucros resultantes dessas vendas a que se dedicava e que só vieram a ser interrompidas por força da sua detenção.


A respeito desta subsunção jurídica sufragamos o entendimento perfilhado pelo Ac. STJ 23/11/2011 in DGSI:


“I- No que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, o legislador adoptou um esquema de tipificação penal em que leva em conta que a grande maioria dos casos que chegam aos tribunais se apresentam como pouco investigados, pelo que há uma «zona cinzenta» em que o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os 5 anos de prisão.


II - Nesses casos, a que chamámos de «zona cinzenta», o legislador apontou para que se aplicasse o crime regra – o do art.º 21.º - mas permitiu que a sua moldura mais baixa convergisse com a penalidade própria do art.º 25.º, reservando este tipo criminal para outras situações de muito menor ilicitude.


III - Note-se que o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”. Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser “exclusiva”. Em ambos os casos, o legislador deu um sinal claro ao intérprete de que os crimes privilegiados são a excepção e nunca a regra.


IV - Mas, como importa não transformar o crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º numa raridade jurisprudencial, faremos uma tentativa de exemplificação teórica da situação factual que configura o tipo de crime de tráfico de menor gravidade, cujo objectivo final é o de guiar a jurisprudência para alguma objectividade de critérios e para que, em casos semelhantes, as consequências jurídicas venham a ser as mesmas.


V - Mencionando a lei na previsão do art.º 25.º que a ilicitude do facto se deve mostrar “consideravelmente diminuída”, não nos parece que o pequeno vendedor de rua, que faz dessa actividade “um modo de vida” deva beneficiar de uma considerável diminuição de ilicitude. Haverá, na nossa perspectiva, que impor algum limite temporal máximo para a prática dessa pequena actividade.


VI - Porém, admitimos que aqueles que vendem na rua com a finalidade de, essencialmente, poderem prover o seu próprio consumo (não considerados legalmente como vendedores-consumidores para o efeito do art.º 26.º, onde se exige que essa finalidade seja exclusiva), devam gozar de uma maior condescendência quanto ao período temporal de manutenção da actividade, pois a toxicodependência é uma doença de difícil reversão, geradora de actos compulsivos.


VII - Note-se, também, que provavelmente não poderá ser considerado como «vendedor de rua», mas como «pequeno armazenista», aquele que, apesar de só ter sido observado pela polícia em pequenas vendas aos consumidores, detém em local próprio uma quantidade de droga que excede largamente a necessidade de satisfazer os seus «clientes» num período de tempo razoavelmente curto, tal como o retalhista no comércio cujo stock é limitado às exigências dos clientes nos tempos mais próximos.


VIII - Importa referir, também, que um problema importante que se deve equacionar é o da “qualidade” da droga, isto é, da percentagem do princípio activo que contém o produto estupefaciente apreendido. Com efeito, quanto mais puro for o produto, isto é, quanto mais princípio activo contiver, maior é a quantidade de doses individuais de consumo que pode proporcionar. Há que ter em conta, para esse efeito, a Portaria 94/96 de 26 de Março, que estabeleceu, com base nos "dados epidemiológicos referentes ao uso habitual", o limite quantitativo máximo, do princípio activo de cada produto, para cada dose média individual diária.


IX - A diminuição de ilicitude que o tráfico de menor gravidade pressupõe resulta de uma avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção. X - Mas, a avaliação de uma actividade, seja ela qual for, obriga a uma definição prévia de critérios (ou de exemplos-padrão) e, portanto, dir-se-á que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas:


a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);


b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;


c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;


d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas.


e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;


f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;


g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;


h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93”.


Embora da factualidade dada como provada resulte que o arguido é também um consumidor de estupefacientes, o certo é que a atuação do arguido foi motivada por um objetivo de venda de estupefacientes a terceiro geradora de proventos para si, extrapolando a mera intenção de satisfação da sua toxicodependência, razão pela qual, a mera condenação daquele pelo crime de tráfico de menor gravidade não se adequaria à matéria de facto que foi dada como provada.


Decorre do art. 25º do DL nº 15/93, de 22/1, que o privilegiamento do crime de tráfico aí previsto resulta da ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, sendo que há vários anos o STJ vem repetindo que o advérbio “consideravelmente”, da cláusula geral, não está lá por acaso. No seu significado etimológico, prevalece a ideia de digno de consideração, notável, grande, importante ou avultado (Cfr. Ac. S.T.J., de 3/7/96, CJ-S- IV, II, 206).


Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. É pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade.


Revertendo para a matéria assente, em atenção à qualidade e à quantidade de droga em causa só poderemos concluir pela subsunção da conduta do arguido ao tipo fundamental do art. 21º do D.L. nº 15/93, de 22/1.


Seguindo ainda o entendimento perfilhado pelo Ac. RP 17/6/2015 in DGSI: “Se a actividade de tráfico de droga é desenvolvida por vendedor de rua que faz dessa actividade modo de vida, não existe uma precaridade de meios (usa veículo automóvel e dissemina-a por várias localidades), e fá-lo de forma profissional como forma de angariar meios para a sua subsistência, não deve ser qualificada de tráfico de menor gravidade”.


A multiplicidade das modalidades de ação – aquisição, transporte, detenção e venda - empreendidas pelo arguido, não nos reconduzem a uma diminuição – e muito menos acentuada - da ilicitude da sua conduta.


Também o intuito lucrativo que presidiu à atuação do arguido, já que o mesmo não tinha rendimentos elevados exercendo a atividade de tráfico como meio para obtenção de lucros que lhe permitisse garantir o seu próprio consumo, não traduz, por si só, uma acentuada diminuição da ilicitude.


Com efeito, a atividade de tráfico do arguido perdurou durante pelo menos mais de um ano e pese embora não tenha sido identificados consumidores, a verdade é que a sua atividade assume já algum relevo, pelas quantidades adquiridas e que possuía na sua posse e pelo recurso a casas de recuo, quer ainda pelo rendimento que já estava a auferir com tal atividade de tráfico que lhe permitia sustentar o seu próprio consumo, sendo que tudo aponta inequivocamente para uma já notável disseminação de tal substância.


De resto, a quantidade de droga apreendida suficiente para centenas de doses individuais de uma só vez, são demonstrativas do elevado número de consumidores a quem tal produto poderia ser transacionado relevadora de uma dedicação intensa e atividade de venda de estupefacientes que é de todo incompatível com o grau menor de ilicitude exigido pela previsão típica do artigo 25°, do DL n° 15/93, de 22/1.


Por tudo quanto foi acima exposto, em face da factualidade dada como provada, mostra-se inequívoco que o arguido cometeu o crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL nº 15/93, de 22/1, e pelo qual foi corretamente condenado.


Da Desproporção da Pena aplicada


Considera ainda o Recorrente que a manter-se a condenação pelo mencionado crime de tráfico enunciado pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22/1, a pena concretamente aplicada de 8 anos e 6 meses de prisão, mostra-se desproporcionada violando o Acórdão Recorrido as normas atinentes à escolha e determinação da medida da pena enunciadas nos arts. 70º e 71º do C.P.P..


Considera o Recorrente que em face da sua inserção social e familiar e da confissão parcial aconselhariam a aplicação ao mesmo de uma pena não privativa de liberdade ou, porventura, uma pena de prisão mas suspensa na sua execução.


Remetendo para o que acima se expôs ao nível doutrinário e jurisprudencial a propósito dos outros recursos interpostos pelos diferentes arguidos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, decorre que na determinação concreta da pena consideraram os Mmos. Juízes, desde logo, em desfavor do arguido:


1º- O prolongamento no tempo da actividade criminosa por mais de um ano, entre maio de 2020 e 20.10.2021;


2º- O grau relevante de organização do tráfico que superentendia, recorrendo a intermediários que se abasteciam em ... e efectuavam o transporte entre o sul e o norte de Portugal;


3º- As elevadas quantidades de estupefaciente envolvidas e apreendidas, tendo a 11.8.2020 sido apreendida cannabis suficiente para 49.910 doses a DD, destinada ao arguido AA, e ao arguido AA cannabis suficiente para 35.814 doses, cocaína suficiente para 3.403 doses, bem como balanças de precisão e, noutro local, cannabis suficiente para 3997 doses;


4º- As quantias monetárias envolvidas na actividade criminosa, tendo sido apreendida a quantia monetária de € 2.750,00 ao arguido;


5º- Nunca exerceu uma actividade profissional regular, registando experiências laborais de curta duração;


6º- Contar com duas condenações anteriores relacionadas com estupefacientes, nomeadamente um crime de tráfico de menor gravidade por cuja prática foi condenado em 2013 na pena de 18 meses de prisão, suspensa na execução e já extinta


E em seu favor, ponderaram os Mmos. Juízes do Tribunal “A Quo”:


1º- Explora desde 25.3.2022 um estabelecimento de café com a sua companheira perto da residência de ambos;


2º- Reside com a companheira e 2 filhos do casal com 12 e 3 anos de idade em habitação arrendada situada numa “ilha” no centro da cidade, em zona de incidência de problemáticas sociais e criminais.


3º- No meio social de residência o arguido e respetiva família projetam uma imagem tendencialmente positiva.


Ora, no crime de tráfico de estupefacientes há fortes exigências de prevenção geral e a comunidade, em princípio, não aceita nem compreende outra pena que não a de prisão efetiva, salvo nos casos em que se justifica uma atenuação especial, o que não é o caso.


Por outro lado, consideraram os Mmos. Juízes do Tribunal “A Quo” que o grau de ilicitude era muito elevado, em face do modo e período de atuação, a qualidade e as quantidades de estupefaciente detidas pelo arguido, sendo que, ao fazê-lo, o arguido atuou com dolo direto.


Com efeito, o dolo de atuação do arguido é intenso e na forma de dolo direto, sendo que a proteção de bens jurídicos que se pede à pena sempre presente no crime de tráfico de estupefacientes, enquanto flagelo social, crime contra a humanidade afrontando a saúde individual e pública, a liberdade individual do viciado, a sua estabilidade da sua família destroçada, a segurança coletiva afetada, potenciador como é de crimes igualmente graves contra o património, pela reiteração da sua prática, modo de execução como se apresenta com recursos a meios de execução cautelosos cria na comunidade um forte sentimento de intranquilidade e de censura que reclama, em nome da prevenção de futuro cometimento desses crimes e dissuasão de potenciais delinquentes, forte intervenção do direito penal.


E junto do agente em particular demanda para sua própria emenda, para a sua transformação num homem integrado na sociedade e incapaz de voltar a delinquir um empenho do julgador, conferindo à prevenção especial, considerando a personalidade, a idade do agente, as suas condições pessoais, o apoio da família, o grau de interiorização do crime e seus malefícios, a dimensão normativa destes, a confissão e arrependimento e reparação do dano, uma palavra importante na definição do “quantum” exato de pena.


Não podemos esquecer que o crime pelo qual o arguido foi condenado assume a natureza de crime com elevada gravidade, por afetar uma multiplicidade de bens jurídicos em relação aos quais se pretende obter a sua salvaguarda com uma punição exemplar.


A gravidade deste tipo de crimes torna as exigências de prevenção geral mais elevadas em face do alarme que geram na vida em comunidade que aconselha a que se puna fortemente os seus agentes para restituir à comunidade a pacificação necessária.


O grau de ilicitude com que o arguido pautou a sua atuação, o seu modo de atuação reiterado no tempo, o tipo e quantidade de substancia detida, a existência de uma casa de “recuo” sempre seriam circunstâncias que o Tribunal “A Quo” só poderia valorar para agravar a punição daquele arguido.


De igual modo, em nenhum momento o arguido revelou qualquer arrependimento pela conduta adotada antes resultando uma total ausência de espírito crítico demonstrativo de uma interiorização do desvalor da sua atuação.


Por outro lado, não poderiam os Mmos. Juízes do Tribunal “ A Quo” deixar de valorar todas as demais circunstâncias que depunham em seu desfavor e mormente os seus antecedentes criminais, por crimes da mesma natureza, em condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, que fazem com que as exigências de prevenção especial sejam mais acentuadas e que imponham a necessidade de uma condenação que seja fortemente penalizadora e que permita que o longo período em reclusão faça o arguido consciencializar-se do desvalor da sua atuação.


Assim sendo, e também em relação à pena aplicada a mesma mostra-se igualmente justa, adequada e proporcional à gravidade do ilícito cometido satisfazendo as exigências da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial.


No caso em apreço, considerando a gravidade do ilícito cometido pelo arguido e as anteriores condenações sofridas pelo arguido em penas de prisão, mas que o arguido não interiorizou a advertência resultante dessas condenações para se afastar da prática de novos ilícitos, afigura-se-nos inequívoco que o arguido revela uma personalidade reconduzível a uma tendência criminosa que não permite efetuar um juízo de prognose favorável ao seu afastamento da prática de novos crimes havendo necessidade de aplicação ao mesmo de uma sanção fortemente penalizadora que o obste à prática futura de novos crimes, já que até então as anteriores condenações sofridas nunca tiveram a eficácia de o afastar das práticas delituosas.


A propósito do registo criminal remete-se para as considerações doutrinárias e jurisprudenciais mencionadas no recurso do arguido VV.


As condenações mencionadas no ponto 168 da matéria de facto provada estão em cadeia, porquanto entre cada uma delas não decorreu mais de cinco anos. Contudo, a última condenação por tráfico de menor gravidade foi declarada extinta em 18.12.14 por factos praticados não em 17.02.2017, como ali se expôs, mas praticados em 17.02.2012. Ora entre esta última condenação e a dos presentes ocorreram mais de cinco ano desde a sua extinção, o que significa que as condenações do seu registo estão canceladas e dele já não deviam constar, constituindo prova proibida e nessa medida não podem ser consideradas para efeito de fixação da pena ao arguido.


Contudo, a consciencialização da ilegalidade da conduta adotada pelo arguido só será possível, no caso sub judice, se o arguido cumprir efetivamente uma pena de prisão igual à aplicada, atento o supra exposto relativamente ao seu papel no negócio, o número de vezes em que interveio nas transações de droga, os tipos de droga em causa e suas elevadas quantidades.


Por tudo o exposto, pena aplicada mostra-se justa e adequada não havendo qualquer reparo a efetuar à Decisão Recorrida que assim deverá ser mantida.


Da Suspensão da Pena:


Fazendo apelo às considerações doutrinárias e lei já mencionada a propósitos doutro recurso nesta decisão, não se mostra preenchido o requisito formal para sequer se equacionar a discussão da suspensão da execução da pena de prisão na medida em que a pena considerada justa e adequada ultrapassa os cinco anos de prisão, atendendo ao disposto no art. 50º nº 1 do Código Penal: “ O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, á sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.


Da Declaração de perda a favor do Estado do dinheiro apreendido.


Considera o Recorrente que a quantia apreendida e o telemóvel não deveriam ter sido declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do art. 38º, aplicável por força do disposto no art. 35º do DL nº 15/93, de 22/1 e art. 109º do Código Penal, por não se ter feita prova de que o dinheiro e o telemóvel fossem provenientes da atividade de tráfico exercida pelo arguido.


De facto o Recorrente nas declarações que prestou em audiência tenha alegado que a mencionada quantia era proveniente de poupanças por si efetuadas, o certo é que não logrou fornecer aos autos qualquer prova que permitisse contrariar a convicção a que chegou o Tribunal, em face da prova testemunhal produzida em audiência e bem assim a demonstrada documentalmente pelo teor do seu relatório social, de que efetivamente tal quantia tinha proveniência ilícita.


Com efeito, tratando-se de poupanças, como alegou o Recorrente, o mesmo não demonstrou tal factualidade mormente pela junção de documentos bancários que atestassem o depósito dessa quantia numa qualquer conta bancária ao longo dos anos; pela junção de recibos de vencimento que atestassem o exercício efetivo e prolongado de uma atividade profissional remunerada que lhe permitisse auferir rendimentos passíveis de permitir concluir que tal quantia se devesse efetivamente a poupanças e, por isso, de origem licita.


A lei ao prever o perdimento dos instrumentos e produtos do crime, bem como as vantagens com o mesmo obtidas, não visa a satisfação de interesses patrimoniais, designadamente a valorização do património do Estado, mas sim a segurança das pessoas e da comunidade, face à perigosidade dos instrumentos e produtos do facto, para além de que a declaração de perdimento cria um direito de propriedade para o Estado.


Ora, resultando demonstrado que só desde março de 2020 a situação profissional está minimamente estabilizada, facilmente se poderá concluir que ao longo destes anos em que se dedicou à mencionada atividade de tráfico o arguido não possuía fontes de rendimento que não fosse o montante reduzido recebido pelos trabalhos ocasionais, pelo que, desse modo, não restaria outra solução aos Mmos. Juízes que não fosse concluir que efetivamente a mencionada quantia em dinheiro era proveniente da atividade de tráfico.


Aliás, dificilmente se pode conceber que tendo o Recorrente na sua casa e na casa de recuo droga (apreendida) as quantidades referidas não tivesse rendimentos provenientes da atividade de tráfico para custear a aquisição dessas quantidades tão elevadas de produtos estupefacientes.


A conjugação dos elementos probatórios permitiu aos Mmos. Juízes do Tribunal “A Quo” formar a sua convicção, alicerçada em elementos probatórios seguros e não arbitrária como entende o Recorrente, que efetivamente tal quantia em dinheiro era proveniente da mencionada atividade de tráfico a que o arguido se dedicava, convicção que não foi contrariada por qualquer outra prova documental ou testemunhal apresentada em audiência pelo arguido.


Consequentemente, à luz das disposições legais acima elencadas, não poderiam deixar de declarar a sua perda a favor do Estado.


Deste modo, mantém-se o mencionado Acórdão Recorrido quanto à declaração de perda a favor do Estado decretada.»


*


3. Apreciando


3.1. Da cognoscibilidade por este STJ de algumas das questões submetidas pelo recorrente ao seu conhecimento: questões relativas à decisão de facto.


3.1.1. Diz o recorrente que o presente recurso incide sobre matéria de facto e de direito.


Estabelece o artigo 400.º, n.º1, alíneas e) e f), do CPP:


«1 - Não é admissível recurso:


(…)


e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;


f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;


(…).»


O segmento final da transcrita alínea e) resulta da redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21/12, que para o caso não importa.


Por sua vez, dispõe o artigo 432.º, do CPP, sob a epígrafe “Recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”:


« 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:


a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;


b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;


c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;


d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.


2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».


Finalmente, o artigo 434.º, sob a epígrafe “Poderes de cognição”, preceitua que «O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º», resultando o segmento final da redacção dada pela Lei n.º 94/2021.


Da conjugação destas disposições resulta, numa formulação sintética, que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem:


- penas superiores a 5 anos de prisão, quando não se verifique dupla conforme;


- penas superiores a 8 anos de prisão, independentemente da existência de dupla conforme.


Tal significa só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico (cf., entre muitos arestos que estão disponíveis para consulta, os acórdãos do STJ: de 11.03.2021, Proc. 809/19.1T9VFX.E1.S1; 02.12.2021, Proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1; 12.01.2022, Proc. 89/14.5T9LOU.P1.S1; 20.10.2022, Proc. 1991/18.0GLSNT.L1.S1; 30.11.2022, Proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).


No caso em apreço, está em causa decisão confirmatória da Relação relativa a pena superior a 8 anos de prisão, pelo que tal decisão é recorrível para o STJ, nos termos dos artigos 400.º, n.º1, alínea f), a contrario, e 432.º, n.º1, alínea b), do CPP.


De acordo com o supra transcrito artigo 434.º, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, pelo que o conhecimento das questões em matéria de facto esgota-se nos tribunais da relação, que conhecem de facto e de direito (artigo 428.º do CPP).


Tratando-se de um recurso de acórdão da Relação proferido em recurso [artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP], não é admissível recurso para o STJ «com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º», isto é, com fundamento nos vícios da decisão recorrida e em nulidades não sanadas (aditamento do artigo 11.º da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro), diversamente do que ocorre com os recursos previstos nas alíneas a) e c), o que, todavia, não prejudica os poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito.


3.1.2. Analisado o recurso, facilmente se alcançam os equívocos em que incorre o recorrente.


Começa por ignorar que, como já se disse, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, esgotando-se o conhecimento das questões em matéria de facto nos tribunais da relação.


Basta proceder a uma análise comparativa do recurso interposto para a Relação do acórdão da 1.ª instância com o recurso interposto para o STJ do acórdão da Relação, para facilmente constatarmos que os argumentos utilizados pelo recorrente são, na sua maioria, os mesmos nos dois recursos, por vezes com reprodução ipsis verbis.


A Relação negou provimento ao recurso por não acolher a argumentação apresentada pelo recorrente. Ainda que este insista na validade dos seus argumentos, tem de ter em consideração que o acórdão da Relação constitui, agora, a decisão impugnada no recurso interposto para o STJ e, por ser assim, a impugnação tem de conter-se no âmbito da decisão recorrida.


O que significa que, num recurso interposto para o STJ de um acórdão da Relação, o recorrente já não pode retomar a impugnação da decisão da 1.ª instância, como se a Relação não tivesse decidido anteriormente um recurso, com esse âmbito e objeto. Julgado, pela Relação, o recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, o recorrente, inconformado com a decisão da 2.ª instância, já só esta pode impugnar e não (re)introduzir no recurso para o STJ a impugnação da decisão da 1.ª instância (acórdão de 02.10.2014, Proc. 87/12.3SGLSB.L1.S1).


Retoma o recorrente, no presente recurso, a invocação dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPP, como já tinha feito no recurso para a Relação.


Trata-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto - vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, que se evidenciam a partir do texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo [cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português – Do procedimento (Marcha do Processo), 2023, p. 323-326; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121].


Por outras palavras, trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, intrínsecos à decisão como peça autónoma, que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei.


Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objeto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal.


Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada – e assim é porque, como já se disse, todos os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., reportam-se à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto.


Finalmente, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do n.º2 do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do acórdão do STJ, de 30.01.2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.


No caso vertente, o recurso para este STJ é interposto de acórdão da Relação, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 434.º e 432.º, alínea b), do CPP, pelo que, como já se deixou expresso, não contempla, como seu fundamento, os vícios previstos no n.º2, do artigo 410.º, do mesmo Código.


No que concerne a tal matéria, o recorrente teve já o ensejo de expor as suas razões perante a Relação, aquando do recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância.


Sendo o presente recurso restrito ao reexame da matéria de direito, o STJ apenas oficiosamente poderá pronunciar-se sobre os mencionados vícios, ou seja, por sua iniciativa, se resultarem do próprio texto da decisão recorrida, como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito a matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou fundada em apreciação ostensivamente errónea.


Em ordem à eventual deteção oficiosa de vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, não deixou de se proceder à leitura integral do acórdão recorrido, consignando-se, consequentemente, não se evidenciar a presença de tais vícios, o que significa que a correta decisão de direito não se mostra impossibilitada pela presença de vício decisório que este Supremo Tribunal possa e deva conhecer oficiosamente.


Temos como manifesto que, sob o pretexto da invocação de vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, o que está em causa, verdadeiramente, é o inconformismo do recorrente com a valoração da prova efetuada pelo tribunal de 1.ª instância – inconformismo que se mantém após a decisão confirmatória da Relação, pretendendo o recorrente pôr em causa a interpretação e valoração da prova produzida e sobrepor a sua convicção à formada pelos julgadores.


É o que se extrai da alegação de que os meios probatórios “são escassos e meramente indiciários da prática de qualquer crime”, de que os factos “que se impugnam” reportam-se a três situações distintas (como se um recurso de revista pudesse visar a impugnação de factos), que tais factos “foram incorretamente julgados, a prova não permite o decidido” – indicando-se, de seguida, diversos meios de prova, como se ao STJ cumprisse proceder à sua reapreciação.


O acórdão recorrido analisou detidamente cada um dos vícios decisórios invocados pelo recorrente, como se extrai da transcrição supra efetuada em 2.2., concluindo no sentido da sua inexistência, nomeadamente no que ora foi invocado.


Em suma, não perdendo de vista a análise efetuada no acórdão recorrido, não se vislumbra razão para, por iniciativa oficiosa deste STJ, conhecer da existência de supostos vícios decisórios que a Relação apreciou e decidiu não se verificarem e que, a nosso ver, não se evidenciam no texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum.


Na verdade, não se perfila insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque a decisão em matéria de facto é bastante para a decisão em matéria de direito (veja-se, porém, o que se diz mais adiante sobre os antecedentes criminais do recorrente).


Inexiste contradição insanável de fundamentação ou entre a fundamentação e decisão, uma vez que a decisão recorrida se mostra intrinsecamente harmónica e interligada.


Finalmente, inexiste erro notório na apreciação da prova, pois que não ressalta qualquer erro ou situação contrária à lógica e às regras da experiência comum, no sentido supra mencionado.


3.1.3. A este propósito, o recorrente invoca, de forma algo confusa, a existência de nulidades e a violação do princípio in dubio pro reo.


Não ignorando a polémica doutrinal que envolve a fundamentação do princípio in dubio e a sua relação com o princípio da presunção de inocência – entre teorias uniformizadoras que identificam os dois princípios e teorias diferenciadoras que distinguem o seu alcance e conteúdo -, temos que perante uma dúvida sobre os factos desfavoráveis ao arguido, que seja insanável, razoável e objetivável, o tribunal deve decidir “pro reo”.


Ensina, sobre a matéria, o Prof. Figueiredo Dias:


“À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo” (Direito Processual Penal, reimpressão, 1984 p. 213).


O estado de dúvida valorado a favor do arguido pressupõe que, produzida a prova, o tribunal, e só o tribunal, tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão. Como diz Cristina Líbano Monteiro: «O universo fáctico – de acordo com o “pro reo” – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.» (Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora, 1997, pág. 53).


Sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, compreende-se o entendimento, repetidamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, de que não resultando da decisão que o julgador ficou num estado de dúvida sobre os factos, e bem assim que «ultrapassou» essa dúvida dando-os por provados contra o arguido, ao STJ fica vedada a possibilidade de decidir sobre a violação do princípio «in dubio pro reo», dado o quadro dos respetivos poderes de cognição, restritos a matéria de direito.


Por isso se diz que a apreciação pelo STJ da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou então quando, não tendo o tribunal reconhecido expressamente esse estado de dúvida, ele resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum. Já a questão de saber se, perante a prova produzida, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que não cabe num recurso restrito à matéria de direito (cf. acórdãos de 12.03.2009, Proc. 07P1769, e de 14.10.2009, Proc. 101/08.7PAABT.E1.S1).


Visto o acórdão recorrido, não se identifica a existência de qualquer estado de dúvida sobre os factos provados, antes a Relação afasta, expressamente, a verificação de qualquer dúvida.


Quanto a “nulidades”, o recorrente invoca os artigos 374.º, n.º2 e 379.º do CPP ao mesmo tempo que menciona os mencionados vícios do artigo 410.º, n.º2, de forma também algo confusa e escassamente argumentada.


Trata-se de reapresentar questão anteriormente submetida à Relação, que, apreciando-a, fundamentou a sua decisão no sentido de que o tribunal de 1.ª instância observou as exigências legais de fundamentação, designadamente quanto à decisão de facto, como se extrai da transcrição constante de 2.2. do presente acórdão.


Estabelece o artigo 374.º, n.º2, do CPP, sobre requisitos da sentença, que ao relatório “segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”


Por sua vez, o artigo 379.º, n.º1, dispõe:


«1 - É nula a sentença:


a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;


b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;


c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.»


Como tem sido sublinhado na jurisprudência deste Supremo, as exigências de pronúncia e fundamentação da sentença prescritas no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, não são diretamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão só por força da aplicação correspondente do artigo 379.º, ex vi artigo 425.º, n.º 4, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, o que bem se compreende visto que o seu objeto é a decisão recorrida e não diretamente a apreciação do objeto do processo (o já indicado acórdão do STJ, de 02.10.2014, e demais jurisprudência nele citado).


É que a fundamentação decisória da Relação é exercida sobre uma outra decisão que, por seu turno, já motivou a convicção; nesse sentido, não é uma fundamentação originária, mas uma fundamentação derivada, sendo-lhe lícito, ao sindicar a decisão recorrida, recorrer também à fundamentação desta para justificar as suas próprias razões.


Tendo presente que o acórdão da Relação constitui a decisão impugnada no recurso interposto para o STJ e, por ser assim, a impugnação tem de conter-se no âmbito da decisão recorrida, constata-se que o acórdão recorrido satisfaz as exigências legais de fundamentação.


Por força do dever de fundamentação, exige-se ao tribunal da Relação que, conhecendo das questões que lhe são colocadas, explicite os motivos pelos quais julga provido ou não provido o recurso, o que implica que, ao confirmar a decisão sobre a matéria de facto, pronunciando-se negativamente sobre a alegada nulidade de fundamentação da sentença, explicite os fundamentos pelos quais não julgou procedente a arguição, o que necessariamente obriga à apreciação da verificação do cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP.


Foi precisamente o que fez o acórdão recorrido, de forma circunstanciada, com explicitação das razões por que entendeu não serem atendíveis e, por isso, não procederem, os argumentos expendidos pelo recorrente.


A este propósito, continua o recorrente a insurgir-se contra a valoração das provas pelo tribunal de 1.ª e corroborada pela Relação, nomeadamente quanto às transcrições das intercepções telefónicas e quanto ao exame pericial aos vestígios lofoscópicos, ignorando que as declarações que prestou em audiência não colheram um juízo positivo de credibilidade e que o tribunal entendeu ser “inequívoco que a balança onde foi localizada uma impressão digital do arguido destinava-se a pesar as quantidades que transacionava”, assinalando ter sido “feita a prova direta do contacto do arguido com objetos que se encontravam no interior da referida residência. A impressão digital foi localizada em objetos que se encontrava no interior da residência. Este facto reveste-se de particular importância uma vez que o vestígio digital não foi recolhido de superfícies onde o arguido pudesse tê-los aposto de forma que, pelo menos lançasse qualquer dúvida no espírito do julgador quanto ao facto de ter sido ou não, o autor do crime, como poderia eventualmente ser o caso de os vestígios se encontrarem no exterior da residência”.


Não se vislumbra, por conseguinte, que o acórdão recorrido enferme de nulidade por falta de fundamentação, ou de qualquer outra das previstas no artigo 379.º, n.º1, sendo certo que o recorrente indica a al. b) do referido n.º, relativa à condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, sem cuidar da indicação de qualquer fundamento para tal alegação.


3.2. Da subsunção jurídico-penal.


Alega o recorrente que o acórdão recorrido incorreu em errada qualificação jurídica dos factos apurados, pretendendo, em alternativa, ser condenado apenas pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93, de 22/01.


Dispõe o artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93:


«Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».


Por sua vez, estabelece o artigo 25.º («tráfico de menor gravidade»), al. a):


«Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:


a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; […]».


As substâncias em causa nos presentes autos – cocaína e canábis – incluem-se nas tabelas I-B e I-C anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93.


O tipo fundamental previsto no artigo 21.º contém uma configuração típica de largo espectro, abrangendo diversas condutas, entre si numa relação de progressão, que vai do cultivo, ao fabrico, ao transporte e ao lançamento no mercado - em que todos os atos têm o denominador comum da aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação -, sendo indiferente para a integração da tipicidade que se realize uma ou outra dessas condutas (Pedro Vaz Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Org. P. P. Albuquerque, J. Branco Universidade Católica Editora, p. 487; acórdãos do STJ, de 8.9.2021, Proc. 17/19.1PESTR.E1.S1, de 23.9.2021, Proc. 29/15.4PEVNG.S1, de 11.11.2021, Proc. 40/20.3PBRGR.S1, e de 31.01.2024, Proc. 10/21.4GBFAF.P1.S1 - disponíveis em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem outra indicação).).


Por sua vez, o artigo 25.º, por referência ao tipo fundamental previsto no artigo 21.º, pressupõe que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída».


Entre nós, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a convergir no entendimento de que, para que se possa concluir no sentido de haver ilicitude consideravelmente diminuída, o que não se confunde com ilicitude diminuta, há que proceder a uma ponderação global das circunstâncias que relevem do ponto de vista da ilicitude e que tornem desproporcionada ou desajustada a punição do agente, no caso concreto, pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º15/93.


As circunstâncias referidas no artigo 25.º – “meios utilizados, modalidade ou circunstâncias da ação, qualidade ou quantidade das substâncias” –, indicadas de forma não taxativa, relevam, juntamente com outras circunstâncias que concorram no caso, na “avaliação global do facto”, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude não só diminuída, mas diminuída de forma considerável, apreciável, substancial, ou seja, uma situação em que o desvalor da conduta é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime.


Para a “imagem global do facto” concorrem, por exemplo, as quantidades de estupefacientes, nomeadamente as detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem; a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação; a dimensão dos lucros obtidos; a duração, intensidade e persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida; a posição do agente no circuito de distribuição dos estupefacientes; o número de consumidores envolvidos; o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com recurso a meios mais ou menos sofisticados (entre muitos, o acórdão de 11.10.2023, Proc. n.º 10/21.4GALLE.S1, e a abundante jurisprudência nele citada).


No caso em apreço, corroboramos o entendimento do tribunal recorrido no sentido de que, da matéria de facto assente, não se extrai que a conduta do arguido / recorrente, na perspetiva da avaliação global do facto, permita afastar a aplicação da norma incriminadora do tipo fundamental do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93.


Está em causa uma atividade de tráfico desenvolvida no período compreendido entre maio de 2020 e 20.10.2021, estando provado que, no dia 11.08.2020, pelas 23h20, DD, usando o veículo de matrícula ..-RT-.., tinha na sua posse canábis (resina), com o peso liquido de 12.805g, suficiente para preparar 49.427 doses individuais e canábis (resina) com o peso liquido de 96,652 gr, suficiente para preparar 483 doses individuais, droga esse que era destinada ao arguido/ora recorrente.


Para esconder a droga o arguido AA usava como “casas de recuo” lugares de garagem e habitações desabitadas. Uma dessas habituações situava-se na Praça ..., na qual, no dia 16.09.2021, no decurso de uma diligência de entrega de imóvel decretada no processo n.º 11244/19.1..., Juiz ..., Juízo Local Cível do ..., no interior da habitação, na casa de banho, num móvel de cor branca, foi apreendido:


- canábis (folhas/sumidades), com o peso liquido de 1995,000 g, com um grau de pureza de 5,9% (THC), o que daria para preparar 2354 doses individuais:


- canábis (resina), com o peso bruto de 8614,250 g., com um grau de pureza de 19,8% (THC), suficiente para preparar 33460 doses individuais, e ainda


- cocaína (cloridrato), com o peso bruto de 946,337g, com um grau de pureza de 72,2%, suficiente para preparar 3403 doses individuais.


- duas balanças de precisão, uma da marca Becken, Bks2389 e outra da marca Proscale Slick.


No dia 21.10. 2021, pelas 04h00, no lugar de garagem sito na Rua ..., o arguido tinha guardado, sua pertença: canábis (resina), com o peso bruto de 969,020g, com um grau de pureza de 21,0%(THC) suficiente para 3997 doses individuais.


Tendo em vista as significativas quantidades de estupefaciente - suficientes para largas centenas de doses individuais - e as quantias monetárias apreendidas, conclui-se estar em causa uma atividade de tráfico regular de cocaína – substância vulgarmente classificada como “droga dura”, dado o seu elevado grau de danosidade – e canábis, já com algum grau de organização e sofisticação.


In casu, não se identificam elementos de facto que, vistos no seu conjunto, sejam suscetíveis de preencherem a cláusula geral de diminuição considerável da ilicitude, prevista no artigo 25.º, o que afasta o pretendido enquadramento normativo no tráfico de menor gravidade.


A ilicitude global situa-se, assim, no tipo de crime base, de tráfico de estupefacientes do artigo 21.º, nas suas ramificações finais de distribuição e abastecimento, razão por que o recurso não merece provimento, nesta parte.


3.3. Da medida da pena.


3.3.1. Insurge-se o recorrente quanto à medida da pena, que considera excessiva, referindo-se, nesta parte, à consideração – indevida, no seu entender - dos seus antecedentes, constantes do certificado de registo criminal junto aos autos e à inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, em conjugação com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 37/2015, de 05/05, por alegada violação do disposto no artigo 29.º, n.ºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).


Deu-se como provado:


«168.º - O arguido AA, apresenta as seguintes condenações: - por decisão de 19.11.2010, transitada em julgado em 09.12.2010, foi condenado na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 5, pela prática em 02.04.2009 de 1 crime de consumo de estupefacientes, entretanto extinta pelo pagamento; -por decisão de 15.02.2013, transitada em julgado em 07.03.2013, foi condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática em 17.02.2017 de 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, entretanto declarada extinta nos termos do art. 57º, do C. Penal.»


Dispõe o artigo 11.º, da Lei n.º 37/2015, de 05.05 (Lei da Identificação Criminal), sobre o cancelamento definitivo de decisões condenatórias inscritas no registo criminal:


«1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:


a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;


b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;


(…)


e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;


(…).


3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.


(…).»


Os prazos relevantes para o cancelamento contam-se desde a extinção da pena em causa.


Do ponto de facto provado n.º 168 consta que as penas aí foram declaradas extintas, mas, em nenhum dos casos, se indica a data em que tal extinção ocorreu.


Poder-se-ia questionar se tal omissão consubstancia insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou qualquer outro vício.


A questão é relevante porquanto vem sendo entendido por alguma doutrina (Almeida Costa, O Registo Criminal – História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, 1985, p. 377 e ss; Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 253) e alguma jurisprudência das Relações (acórdão do TRE, de 10.05.2016, proc. 216/14.2GBODM.E1; do TRL, de 28.01.2016, proc. 14/14.3JDLSB.L1-9; do TRP, de 14.04.2021, proc. 448/10.2GVFR.P1) que o decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas, sem que o arguido volte a delinquir, impõe o cancelamento dos registos criminais e, por isso, se este não tiver sido efetivado, em conformidade com a lei, permanecendo (indevidamente) visíveis (acessíveis) no registo criminal antecedentes que do mesmo já não deveriam constar, não podem os mesmos ser considerados contra o arguido (com interesse, a este respeito, os acórdão deste STJ, de 15.07.2021, proc. 514/14.5GBPBL-A.S1; 17.02.2022, proc.10474/18.8T9LSB.S1).


Vejamos como o acórdão recorrido abordou esta questão.


O acórdão da 1.ª instância, em sede de determinação da medida concreta da pena, consignou:


«AA


Em desfavor do arguido e como circunstâncias agravantes da sua conduta importa considerar:


(…)


6.º Contar com duas condenações anteriores relacionadas com estupefacientes, nomeadamente um crime de tráfico de menor gravidade por cuja prática foi condenada em 2013 na pena de 18 meses de prisão suspensa na execução e já extinta.»


O recorrente, no recurso interposto para o Tribunal da Relação ..., sustentou que, pese no seu CRC se referir e constar uma pena suspensa de 2010, “tal não deve ser considerado para a pena aplicada”, citando o sumário do acórdão da Relação ..., de 24.01.2023, proc. 430/15.3...


Por sua vez, o acórdão recorrido, depois de diversas e extensas citações de jurisprudência a este propósito, na parte relativa ao arguido VV, refere, sobre o ora recorrente, o seguinte:


«A propósito do registo criminal remete-se para as considerações doutrinárias e jurisprudenciais mencionadas no recurso do arguido VV.


As condenações mencionadas no ponto 168 da matéria de facto provada estão em cadeia, porquanto entre cada uma delas não decorreu mais de cinco anos. Contudo, a última condenação por tráfico de menor gravidade foi declarada extinta em 18.12.14 por factos praticados não em 17.02.2017, como ali se expôs, mas praticados em 17.02.2012. Ora entre esta última condenação e a dos presentes ocorreram mais de cinco ano desde a sua extinção, o que significa que as condenações do seu registo estão canceladas e dele já não deviam constar, constituindo prova proibida e nessa medida não podem ser consideradas para efeito de fixação da pena ao arguido.»


É manifesto que a Relação, ainda que o tenha feito na fundamentação de direito relativa à pena, supriu a falta de indicação da data de extinção da última pena imposta ao arguido/ ora recorrente e, ao fazê-lo, concluiu, inequivocamente, que os antecedentes criminais constante do CRC não deveriam ser valorados contra o arguido – nem o atinente à pena de prisão suspensa na execução, nem, logicamente, o anterior, em pena de multa, cuja subsistência no CRC daquele dependia, muito embora em momento anterior do acórdão tivesse referido, em aparente contradição com o que explanou mais adiante, que o arguido não interiorizou a advertência resultante das condenações anteriores.


Essa menção às condenações anteriores é infeliz, sendo contrariada pelo que se diz imediatamente a seguir sobre a impossibilidade de consideração dessas condenações para efeito de fixação da pena ao arguido, ainda que a Relação tenha entendido que, ainda assim, “a consciencialização da ilegalidade da conduta adotada pelo arguido só será possível, no caso sub judice, se o arguido cumprir efetivamente uma pena de prisão igual à aplicada, atento o supra exposto relativamente ao seu papel no negócio, o número de vezes em que interveio nas transações de droga, os tipos de droga em causa e suas elevadas quantidades”.


Em suma, a Relação, ainda que seguindo um raciocínio não linear, acabou por, expressamente, decidir que os antecedentes criminais registados do arguido não deviam ser valorados, mas que, apesar disso, entendia ajustada a pena imposta pela 1.ª instância.


Deste modo, não subsiste, a nosso ver, qualquer vicio no que toca à indicação dos antecedentes criminais e sua valoração, que foi expressamente afastada, nos termos sobreditos, pela Relação.


Facilmente se extrai do exposto que não foi efetuada qualquer interpretação normativa dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, em conjugação com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 37/2015, de 05/05, violadora do disposto no artigo 29.º, n.ºs 3 e 4, da CRP, ressaltando que o recorrente nem sequer se deu conta de que a Relação deu-lhe razão no que toca à questão da valoração dos antecedentes criminais.


3.3.2. No que toca à pena aplicada, alega o recorrente ser a mesma excessiva.


A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas reconduzem-se à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).


Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.


Estabelece o artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 227 e ss.).


Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, Abril-Junho de 2002, pp. 181 e 182), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética:


«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»


De acordo com o referido artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e bem assim as relevantes no plano da prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial.


Na determinação da pena, o tribunal de 1.ª instância ponderou:


1.º - O prolongamento no tempo da actividade criminosa por mais de um ano, entre maio de 2020 e 20.10.2021;


2.º- O grau relevante de organização do tráfico, recorrendo a intermediários que se abasteciam em ... e efetuavam o transporte entre o ... de Portugal;


3.º- As elevadas quantidades de estupefaciente envolvidas e apreendidas, tendo sido apreendida a DD canábis suficiente para 49.910 doses, destinada ao arguido AA, e ao arguido AA canábis suficiente para 35.814 doses, cocaína suficiente para 3.403 doses, bem como balanças de precisão e, noutro local, canábis suficiente para 3997 doses;


4.º- As quantias monetárias envolvidas na atividade criminosa, tendo sido apreendida a quantia monetária de 2.750,00€ ao arguido;


5.º- Nunca exerceu uma atividade profissional regular, registando experiências laborais de curta duração.


Quanto às duas condenações anteriores, já se viu que a Relação afastou a sua ponderação.


A favor do arguido foi ponderado:


1.º- Explora desde 25.3.2022 um estabelecimento de café com a sua companheira perto da residência de ambos;


2.º- Reside com a companheira e 2 filhos do casal com 12 e 3 anos de idade em habitação arrendada situada numa “ilha” no centro da cidade, em zona de incidência de problemáticas sociais e criminais;


3.º- No meio social de residência o arguido e respetiva família projetam uma imagem tendencialmente positiva.


O grau de ilicitude é muito elevado, em face do modo e período de atuação, a qualidade e as quantidades muito significativas de estupefaciente detidas pelo arguido.


O dolo é directo e de intensidade normal.


As exigências de prevenção geral são muito elevadas devido à frequência da prática do crime em causa e aos malefícios e insegurança causados na sociedade civil.


As exigências de prevenção especial também são significativas, independentemente de não serem de considerar os antecedentes registados.


Tendo em vista a jurisprudência deste STJ, considerando a moldura penal abstrata estabelecida, na ponderação dos fatores relevantes por via da culpa e da prevenção, desconsiderando os antecedentes criminais que a 1.ª instância havia valorado, julgamos ajustada às necessidades de prevenção geral e especial, sem esquecer a finalidade de reintegração do agente na sociedade, a aplicação da pena de 8 (oito) anos de prisão, em substituição da pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão imposta pela 1.ª instância e confirmada pela Relação.


3.4. Da invocada inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 13.º da CRP, em razão da não aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2/08.


Alega o recorrente ocorrer inconstitucionalidade material ao excluir-se a aplicação do disposto na Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto por correlação aos artigos 70.º do Código Penal e 13.º da CRP, quando interpretados no sentido de que é de excluir a amnistia em causa pelo facto de o arguido ter mais de 30 anos.


O acórdão da 1.ª instância é anterior à Lei n.º 38-A/2023.


O recurso para a Relação foi interposto em data anterior à entrada em vigor do referido diploma legal.


O acórdão da Relação foi proferido já após a data da entrada em vigor da mencionada Lei n.º 38-A/2023, verificada em 1.09.2023.


O dito acórdão nada diz sobre a Lei de Amnistia.


Por conseguinte, não excluiu a sua aplicação ao arguido em razão deste ter mais de 30 anos de idade, nem faria sentido que o tivesse feito, tendo em vista que o arguido, à data dos factos, não tinha ainda 30 anos.


Julgamos que a falta de menção no acórdão recorrido à Lei n.º 38-A/2023 não constitui uma omissão de pronúncia e antes terá por base a exceção prevista no artigo 7.º, n.º1, al. f), IX, que expressamente exclui do perdão e da amnistia os crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do DL n.º 15/93, de 22.01, independentemente da idade dos agentes, ou seja, de terem estes entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto ou idade superior.


Quer isto dizer que a invocação da mencionada “inconstitucionalidade”, em razão dos limites etários da Lei n.º 38-A/2023, carece de qualquer sentido, independentemente de o arguido/recorrente, se assim o entender, poder requerer às instâncias o que considerar conveniente quanto à sua eventual pretensão de aplicação do referido diploma legal.


3.5. Da declaração de perda a favor do estado de numerário e de telemóveis, com alegada violação do disposto no artigo 109.º do Código Penal.


A base factual relevante para a decisão é constituída pelos factos provados do acórdão.


Tais factos, para o que agora importa, são:


«154.º- Os telemóveis apreendidos nos autos foram utilizados pelos arguidos para estabelecerem contactos entre si e com terceiros, e para combinarem os termos em que eram feitas as transações de produto estupefaciente.


155.º- Os demais utensílios apreendidos destinavam-se a ser usados na atividade de compra, venda, acondicionamento e doseamento dos produtos estupefacientes.


156.º- As quantias apreendidas aos arguidos II, JJ, KK, LL, NN, RRR, QQ, OO, RR, TT, YY e AA, acima referidas, eram provenientes da compra e venda de substâncias estupefacientes.»


Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, do D.L. 15/93, são declarados perdidos a favor do Estado os objetos “que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos”, o que constitui uma regra especial face ao artigo 109.º do Código Penal, onde se determina que só pode haver perdimento a favor do Estado dos instrumentos de facto ilícito típico, quando os mesmos, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.


Quer isto dizer que quanto ao crime de tráfico de substâncias estupefacientes, o legislador estabelece um regime especial, nos artigo 35.º a 39.º do DL n.º 15/93, com a finalidade de responder mais eficazmente aos contornos normalmente atribuídos a essa tipologia, tendencialmente prescindindo daquele pressuposto de perigosidade a que se reporta o artigo 109.º do Código Penal.


Existe, efetivamente, uma dualidade de regimes legais, pelo que, resultando do referido artigo 35.º, n.º 1, que são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido para a prática de uma infração prevista no diploma, a declaração de perda do telemóvel mostra-se amplamente justificada face aos factos provados do acórdão - os telemóveis apreendidos nos autos foram utilizados pelos arguidos para estabelecerem contactos entre si e com terceiros, e para combinarem os termos em que eram feitas as transações de produto estupefaciente - que não são sindicáveis no presente recurso, ainda que se inclua no juízo um critério que atenda à essencialidade do objeto na prática da infração e à proporcionalidade.


A finalidade dos aparelhos de comunicação na posse dos arguidos e objeto de apreensão era precisamente a de viabilizar os contactos entre os elementos da cadeia de tráfico, contactos manifestamente essenciais, sendo que “o malefício correspondente à perda representa uma medida justa e proporcional à gravidade do crime” (Pedro Vaz Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Org. P. P. Albuquerque, J. Branco Universidade Católica Editora, p. 531).


Por outro lado, no que concerne ao dinheiro que foi apreendido ao arguido, estando provado ser proveniente da atividade de tráfico de estupefacientes, teria de ser, como foi, declarado perdido a favor do Estado, como vantagem adquirida através da infração, nos termos do artigo 36.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, razão por que, também nesta parte, o recurso não merece provimento.


*


III - DECISÃO


Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em, no provimento parcial do recurso interposto por AA, fixar em 8 (oito) anos de prisão a pena em que vai condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22.1.


No mais, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.


Sem tributação.


Supremo Tribunal de Justiça, 24.04.2024


(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)


Jorge Gonçalves (Relator)


Jorge Reis Bravo (1.ª Adjunto)


Vasques Osório (2.º Adjunto)