Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19039/19.6T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
AMBIGUIDADE
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
REGIME APLICÁVEL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
DURAÇÃO
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
A previsão do artigo 1094º, nº3, do Código Civil respeita à duração inicial dos contratos de arrendamento em situação de falta de estipulação da modalidade temporal, que será a de prazo certo, pelo período inicial de cinco anos.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. CC, na qualidade de cabeça-de-casal da Herança de BB, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra AA, pedindo que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento identificado na petição inicial e que, em consequência, o Réu seja condenado: a) a despejar imediatamente o locado, deixando-o devoluto de pessoas e bens; b) No pagamento de um valor correspondente a três mil euros por mês contados desde a data da cessação do contrato até à sua entrega efectiva.

Alegou em fundamento síntese:

- BB, em 12 de Maio de 1999, deu de arrendamento ao Réu para habitação a fracção do imóvel identificado; o Réu nunca fez do local a sua habitação, utilizando-o unicamente como escritório, ali exercendo a sua actividade profissional de advocacia; e comunicou a sua oposição à renovação do contrato celebrado;

- Pelo que o contrato cessou em 31 de maio de 2019 e o locado deveria ter sido entregue em 1 de junho;

- Não o tendo entregado, causando à A. um prejuízo de €3.000,00 mensais, correspondentes ao valor actual de uma renda devida por um imóvel semelhante.

O Réu contestou, por excepção, invocou a incompetência do tribunal em razão da matéria e arguiu a nulidade da ineptidão da petição inicial.

Por impugnação, alegou que apesar da menção habitacional do contrato de arrendamento, ficou acordado que o imóvel se destinava ao exercício da advocacia e com duração ilimitada.

Acresce que realizou diversas obras de reparação no imóvel e há mais de 20 anos, colocou sob as janelas frontais, placas com o seu nome profissional de advogado, com o conhecimento da senhoria, pelo menos desde 15/3/2005, que não manifestou qualquer oposição; alega, ainda, que, embora por vezes pernoite em casa da sua irmã, em ..., também dorme várias vezes no locado e aí faz a sua higiene, toma refeições e recebe familiares e amigos.

De qualquer forma, invoca a caducidade do direito de resolução do contrato, por os factos fundamento da resolução remontarem há mais de um ano após o seu conhecimento, imputando abuso de direito na actuação da Autora.

Finalmente, afirma ser ineficaz a oposição da Autora à renovação do contrato de arrendamento, pugnando pela absolvição do pedido.

A Autora refutou tal alegação.

Prosseguindo a instância os seus regulares trâmites, realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal proferiu sentença que declarou nula a estipulação verbal de arrendamento para o exercício de advocacia, improcedente a excepção de caducidade e, verificadas as excepções de abuso de direito e de ineficácia da oposição à renovação do contrato , culminando com o seguinte dispositivo: «Em razão do exposto julgo a acção improcedente e em consequência: a) Absolvo o Réu do pedido formulado pela Autora) Condeno a Autora no pagamento das custas»


*

2. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação que regularmente admitido, foi julgado procedente, conforme acórdão proferido pela Relação de Lisboa e o qual termina com o dispositivo seguinte:« Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que, reconhecendo a eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento identificado nos factos provados e a sua consequente cessação, condena o R. a despejar do locado também ali identificado, bem como condena o R. a pagar à A. a quantia de € 2.004,00 (dois mil e quatro euros) mensais, desde 1/6/2019, até à efectiva entrega do imóvel.»

*

3. Revista

Inconformado, agora, o Réu interpôs recurso de revista, defendeu a revogação do julgado e a repristinação do decidido em primeiro grau.

As suas alegações concluem conforme se transcreve:

1ª) O Acórdão recorrido decidiu a pág. 34, in fine, que o contrato de arrendamento para habitação dos autos, foi celebrado entre o Réu/Recorrido e BB, de cuja herança é cabeça-de-casal a Autora/Recorrente, CC;

2ª) E ainda, a pág. 51, que o contrato vigorou por um período de cinco anos (até 31/05/2004), depois renovou-se por um período de três anos (até 31/05/2007) tudo o abrigo do RAU; depois já ao abrigo do NRAU (versão originária) por um período de três anos (até 31/05/2010), depois por outro período de três anos (até 31/05/2013); após o que, já na vigência da redação do NRAU dada pela Lei nº 31/2012, de 14/08, passou a renovar-se automaticamente por sucessivos períodos de dois anos.

3ª) A 1ª renovação automática ocorreu, portanto, ao abrigo do RAU (D.L. nº 321-B/90, de 15/10) e por um período de três anos até 31/05/2007.

4ª) Anteriormente a esta última data, entrou em vigor Lei nº 6/2006, de 27/02 (versão originária do NRAU), cujo artº. 3º repôs e aditou o artº. 1094º, do C.C., que assim ficou a fazer parte integrante e indissociável da mesma lei.

5ª) A partir de 27/02/2006, o contrato ficou ao abrigo desta última lei;

6ª) Cujo artº. 1094º, nº 2, do C.C., estipulou que, no contrato (de arrendamento urbano para habitação, como o dos presentes autos), com prazo certo (como o mesmo), se podia convencionar após a primeira renovação, que o arrendamento tivesse duração indeterminada;

7ª) E o nº 3, do mesmo artº. 1094º, do C.C., estatuiu que, no silêncio das partes sobre tal convenção (como sucedeu no arrendamento sub judice), o contrato a partir de tal silêncio tornava-se (tornou-se in casu) celebrado por duração indeterminada.

8ª) Artº. 1094º, nº 2, do C.C., que na versão em apreço, previu:

* Estipulação (em sentido técnico-jurídico, que não estatuição pela própria lei), aquela, portanto, sujeita à livre vontade das partes em negócio jurídico, como o foi o contrato de arrendamento sub judice;

* Estipulação para o caso, como o do contrato dos autos, de ser omisso na regulação do seu conteúdo negocial quanto a uma cláusula (que não tem) de que o mesmo, porque por prazo certo, não se renovaria, após a sua primeira renovação, que foi in casu até 31/05/2007, por duração indeterminada;

* E para poder-se então, à luz da estatuição na lei, convencionar-se (o que equivale a estipular-se) que, após a suprarreferida primeira renovação, o mesmo contrato sub judice convolar-se-ia por duração indeterminada;

* Estipulação/convenção aquela supletivamente consagrada na lei, a concretizar-se através de cláusula contratual que seria então específica, e imperativa para as partes, aplicável a situação emergente do contrato sobre matéria prevista na lei - a renovação do mesmo -, cláusula que permitiria, após a referida primeira renovação, que o arrendamento (como o dos autos) passasse a ser por duração indeterminada.

9ª) O mencionado artº. 1094º, nº 2, do C.C., ao estipular tout court “após a primeira renovação” para se convencionar (o que inculca disponibilidade sob a liberdade negocial das partes num contrato) que este se convolasse em duração indeterminada, não estipulou prazo para a celebração de tal convenção.

10ª) Contudo, face à entrada em vigor em 27/02/2006, da Lei nº 6/2006 (versão originária do NRAU), o prazo para aquela convenção após 31/05/2007 (data em que terminou a 1ª renovação do contrato sub judice), terminou em 13 de agosto de 2012, véspera da entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14/08 (2ª versão do NRAU).

11ª) Nos termos do artº 6º, do C.C., a Autora/Recorrente não se pode prevalecer de eventual ignorância juris pelo seu silêncio, relativamente ao estipulado no mencionado artº. 1094º, nº 2 e nº 3, do C.C., pelo que, face ao seu mesmo silêncio após 31/05/2007 (data do terminus da 1ª renovação do contrato dos autos) e até 13 de Agosto de 2012 (dia anterior à entrada em vigor a Lei nº 31/2012 - 2ª versão do NRAU -), silêncio que perdurou por mais de 5 anos, o contrato sub judice convolou-se automaticamente (ex lege) em 13 de Agosto de 2012 (véspera da entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14/08), em contrato por duração indeterminada, ao abrigo da Lei nº 6/2006, de 27/02.

12ª) Aliás, em tal sentido inequívoco, artº. 218º, do C.C., nos termos do qual, o silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, como sucedeu in casu face ao estipulado no artº. 1094º, nº 2 e nº 3, do C.C., na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 6/2006, de 27/02.

13ª) Silêncio que ocorreu relativamente ao arrendamento sub judice que assim se tornou por duração indeterminada desde 13 de agosto de 2012, véspera da entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14/08, e duração indeterminada face ao que estava disposto no nº 3, do artº 1094º, do C.C. (com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 6/2006, de 27/02).

14ª) O nº 3, do artº. 1094º, do C.C. (redação desta última lei), estipulava expressa e claramente que, no silêncio das partes - que não no silêncio do contrato quanto ao respectivo prazo, visto que no nº 2, estatuía desde logo que se aplicava apenas a contrato com prazo certo -, quando qualquer delas não tomasse a iniciativa de convencionar, que após a primeira renovação do contrato, que este tivesse (ou não) duração indeterminada, mantendo-se em silêncio, então tal contrato ter-se-ia como celebrado por duração indeterminada.

15ª) O Acórdão recorrido, face ao artº. 674º, nº 1, do CPC, evidencia violação de lei substantiva, o artº 1094º, nº 2, e nº 3, do C.C. (redação a esta conferida pela Lei nº 6/2006, de 27/02, lei esta ao abrigo da qual o Acórdão admitiu que o contrato dos autos esteve submetido – v. transcrição em preâmbulo no artigo 1º, ponto 2, do presente Recurso -), porque não determinou ser tal norma aplicável in casu, como o devia de ter

sido, resultando da mesma norma, face ao silêncio (declarativo) da Autora/Recorrente, que o contrato sub judice convolou-se em contrato por duração indeterminada, no limite, a partir de 13 de agosto de 2012, véspera da entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14 de agosto.

16ª) Acórdão que para efeito do artº. 615º, nº 1, alínea d), primeiro trecho, do CPC, é nulo, por ter deixado de pronunciar-se sobre as consequências advenientes da 1ª renovação do contrato dos autos (até 31/05/2007) à luz da versão originária do NRAU (Lei nº 6/2006, de 27/02, ao abrigo da qual, desde a sua entrada em vigor, o Acórdão recorrido admitiu ter ficado submetido o mesmo contrato), consequências decorrentes face à reposição que a última lei fez do artº. 1094º, nº 2, e nº. 3, do C.C.;

17ª) E ainda nulo, nos termos e para os efeitos do artº 615º, nº 1, alínea c), primeiro trecho, do CPC, porque os fundamentos de que partiu, a renovação do contrato dos autos (então ainda ao abrigo do RAU) que terminou em 31/05/2007, e já anteriormente a aplicação ao mesmo da Lei nº 6/2006, de 27/02 (primeira versão do NRAU), estão em oposição com a decisão que tomou, a de que o mesmo contrato cessou a vigência em 31/05/2019, fundamentos à luz dos quais, sobretudo a Lei nº 6/2006, de 27/02, que postulavam(em), necessariamente, a aplicação integral em sede de decisão, desta primeira versão do NRAU (Lei nº 6/2006, de 27/02), à qual o Acórdão disse estar o contrato submetido, nela incluído o artº. 1094º, nº 2 e nº 3, do C.C., e no sentido de que, até por não constar dos autos qualquer comunicação nos termos deste último normativo (nem a Autora/Recorrente alegou o contrário), o contrato dos autos não cessou em 31/05/2019, estando ainda actualmente em vigor por duração indeterminada.

18ª) Acórdão que ao contrário, decidiu a pág. 54, que a carta de oposição a renovação da Autora/Recorrente (que faz ponto 30), a pág. 34, daquele), era eficaz, e que nos termos do artº. 1097º, nº 1, b), e nº 2, do C.C., era impedida a renovação do contrato que entendeu cessado em 31/05/2019.

19ª) Deste modo, olvidou o disposto no artº. 1094º, nº 2, e nº 3, do C.C., reposto pela Lei nº 6/2006, de 27/02, aplicável ao contrato até à entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14/08, pelo que, aquela lei (NRAU, 1ª versão), na sua integralidade, deveria de ter sido aplicada pelo Acórdão, em detrimento da forma em que não a aplicou e daqueloutros normativos que referiu, e aplicação no sentido de que, quer aquando da carta que faz ponto 30), a pág. 34, daquele, quer aquando da interposição do presente processo, já anteriormente o arrendamento sub judice era (de há muito) por duração indeterminada;

20ª) Em consequência, devia ter tido por inócuas/inválidas/ineficazes as renovações do contrato dos autos, após a primeira delas.

21ª) Assim, requer-se seja decidida a invalidade/ineficácia/nulidade (art.ºs. 295º e 286º, ambos CC) da carta com pretensa cessação do contrato dos autos em 31/05/2019 (v. docs. 14 e 15, juntos à P.I.), carta que faz ponto 30), a pág. 34, do Acórdão, e que, em consequência, seja decidido que o mesmo contrato é por duração indeterminada desde 13 de agosto de 2012, véspera da entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14/08, e seja modificado/revogado em conformidade o Acórdão recorrido à luz do artº. 684º, nº 1, do CPC. 22ª) E ainda, Vªs. Exªs., Venerandas Conselheiras e Venerandos Conselheiros, se dignem decidir que, em consequência (por o contrato não ter cessado em 31/05/2019 e ainda estar em vigor), o Réu/Recorrido não tinha de proceder à restituição do locado à Autora/Recorrente em 31/05/2019, nem, que se encontra, por isso, em mora desde esta mesma data relativamente àquela pretendida restituição, e em decorrência que lhe é inimputável a indemnização decidida pelo Acórdão no último parágrafo da pág. 55, tudo nos termos do artº 684º, nº 1, do CPC.

23ª) Por fim, quanto a esta I Parte, o Acórdão recorrido é nulo, nos termos e para os efeitos do artº. 615º, nº 1, d), do CPC, porque não se pronunciou sobre questão que devia de ter apreciado, a de que o contrato dos autos ao abrigo da Lei nº 6/2006, de 27/02, e antes da entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14/8, se tornou por duração indeterminada, e conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, a das renovações do mesmo contrato ao abrigo da última lei, nulidade que se requer Vªs. Exªs. decidam com as consequências advenientes do artº. 674º, nº 1, alínea a), último trecho, do CPC (erro de determinação da norma aplicável, esta a Lei nº 6/2006, de 27/02), consequências ainda previstas no artº. 684º, nº 1, do CPC.

Subsidiariamente, apenas e só relativamente à I Parte, II Parte:

24ª) O Acórdão recorrido decidiu que após a renovação do contrato dos autos (até 31/05/2013, ao abrigo da versão originária do NRAU), passou a renovar-se automaticamente por sucessivos períodos de 2 anos na vigência da redação do NRAU dada pela Lei nº 31/2012, de 14/08.

25ª) Acórdão que a pág. 54, em decorrência desta última lei, decidiu que o mesmo contrato se renovou até 31 de maio de 2019, e considerou que cessou nesta mesma data em consequência da carta de oposição à renovação do mesmo que faz docs. 14 e 15 juntos à P.I., carta enviada em 23 de janeiro de 2019 pela Autora/Recorrente ao Réu/Recorrido, por este rececionada no dia seguinte (24 de janeiro de 2019).

(Por todos, v. decisão a pág. 51 no Acórdão recorrido, transcrita acima preambularmente no ponto 2), do artigo 1º, do presente Recurso). Porém:

26ª) Compulsada a Lei nº 43/2017, de 14 de junho (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação), verifica-se que o seu artº. 5º alterou a redação do nº 3, do artº. 1094º, do Cód. Civil, que estipulou que “No silêncio das partes, o contrato (com prazo certo conforme nº 2, do artigo) considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos”

27ª) O Acórdão recorrido decidiu que o contrato dos autos se renovou então ao abrigo da versão originária do NRAU até 31/05/2013, e que a partir da redação do NRAU introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14/08, passou a renovar-se por períodos de 2 anos, portanto, até 31 de maio de 2015, e logo depois até 31 de maio de 2017.

28ª) A partir desta última data (ao contrário do decidido supra no Acórdão), o contrato dos autos não se renovou mais por períodos de 2 anos, porque justamente em 15 de junho de 2017 entrou em vigor a Lei nº 43/2017, de 14/06, com a redação acima transcrita que conferiu ao nº 3, do artº. 1094º, do Cód. Civil, lei e artigo então imediatamente aplicáveis ao contrato sub judice.

29ª) O que decorre do princípio da aplicação das leis no tempo, consagrado no artº. 12º, do Cód. Civil, mais concretamente do seu nº 2, segundo trecho.

30ª) Pelo que, o contrato dos autos (ao contrário do decidido no Acórdão recorrido), renovou-se depois de 31 de maio de 2017, por mais cinco anos até 31 de maio de 2022, depois até 31 de maio de 2027, e assim sucessivamente para o futuro por períodos de cinco anos.

31ª) Deste modo, o Acórdão recorrido, não podia ter decidido que, a carta, que nele faz ponto 30), a pág. 34, enviada em 23 de janeiro de 2019 pela Autora/Recorrente ao Réu/Recorrido, efetuou oposição à renovação do contrato dos autos a partir de 31 de maio de 2019, e ter ainda decidido que nesta última data cessou o mesmo contrato;

32ª) Por uma razão jurídica: com a entrada em vigor em 15 de junho de 2017, da Lei nº 43/2017, de 14/06, com a redação que deu ao nº 3, do artº. 1094º, do C.C., o contrato dos autos renovou-se automaticamente depois de 31 de maio de 2017 até 31 de maio de 2022, e, posteriormente ainda, até 31 de maio de 2027, renovações automáticas estas últimas duas, ao abrigo daquele nº 3, do artº. 1094º, do C.C., aditado pela Lei nº 43/2017, de 14/06.

33ª) Razão pela qual, é completamente inválida/ineficaz/nula (art.ºs. 295º e 286º, do CC) a carta acima referida da Autora/Recorrente (que faz ponto 30), a pág. 34, do Acórdão), na qual aquela pretendia a oposição à renovação do contrato dos autos a partir de 31 de Maio de 2019 (vide, docs. 14 e 15, juntos à P.I.), quando o mesmo contrato, nos termos da Lei nº 43/2017, de 14/06, estava desde 31 de Maio de 2017 vigente até 31 de Maio de 2022, e depois até 31 de Maio de 2027, e sucessivamente para o futuro por períodos de cinco anos.

34ª) À luz do artº. 674º, nº 1, alínea a), e nº 2, do CPC, o Acórdão sob recurso violou lei substantiva, o artº. 1094º, nºs. 1 a nº 3, do Cód. Civil (na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 43/2017, de 14/06), porque errou ao ter aplicado, depois da renovação do contrato dos autos até 31 de maio de 2017, a Lei nº 31/2012, de 14/08, e com a redação que esta deu ao artº. 1094º, do C.C., e por isso não determinou que a norma aplicável in casu a partir daquela renovação do contrato até 31 de maio de 2017, é necessariamente aquela Lei nº 43/2017, de 14/06, com a redação que esta mesma conferiu ao artº. 1094º, do Cód. Civil.

35ª) Acórdão que assim, é nulo, nos termos e para os efeitos do artº. 615º, nº 1, alínea d), do CPC, por não se ter pronunciado sobre questão que deveria de ter apreciado (as renovações automáticas do contrato sub judice depois da de 31 de Maio de 2017 ao abrigo da lei aplicável, a Lei nº 43/2017, de 14/06), e por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento (as renovações do mesmo contrato após aquela mesma data ao abrigo de lei já então inaplicável, a Lei nº 31/2012, de 14/08);

36ª) Nulidade que se requer Vªs. Exªs. decidam, com as legais consequências, como, a modificação/anulação do Acórdão na parte sob critica, nomeadamente, na de que o contrato dos autos cessou em 31 de maio de 2019, a invalidade/ineficácia/nulidade (art.ºs. 295º e 286º, ambos CC) da carta sob ponto 30), a pág. 34, do mesmo Acórdão, e ainda a validade e eficácia do mesmo contrato, porque vigente até 31 de maio de 2022, e, posteriormente, até 31 de maio de 2027;

37ª) Face à invalidade/ineficácia/nulidade da carta supra, e face ainda ao facto de que o contrato sub judice não cessou a respectiva vigência em 31 de maio de 2019, antes estando ainda em vigor até 31 de maio de 2027, requer-se Vªs. Exªs. decidam que o Réu/Recorrido não tinha, por isso, de proceder à restituição do locado à Autora/ /Recorrente em 31 de maio de 2019, porque o mesmo contrato está plenamente vigente até 31 de maio de 2027, nos termos do NRAU aprovado pela Lei nº 43/2017, de 14/06.

38ª) Em consequência, requer-se Vªs. Exªs. decidam ainda que o Réu/Recorrido não se encontra em mora relativamente à restituição do locado à Autora/Recorrente, muito menos a partir de 31 de maio de 2019, porque fica devidamente demonstrado não haver lugar, in casu, àquela restituição referida no Acórdão no último parágrafo da sua pág. 54, nem, em decorrência, à indemnização no mesmo decidida a pág. 55, Vossa decisão que se aguarda nos termos do artº. 684º, nº 1, do CPC.

39ª) Tanto mais, que aquela indemnização, nos termos em que foi requerida pela Autora/Recorrente, foi julgada pelo Mº. Tribunal de primeira instância não provada, sob alínea i), dos factos não provados, na sua Sentença, matéria aliás também tida como não provada pelo Acórdão recorrido, mas que, a final, acabou por a decidir, embora por fundamentos não alegados, nem requeridos pela Autora/Recorrente.

40ª) Donde parecer, s.m.o., que neste passo, o Acórdão recorrido é algo ambíguo, e algo ininteligível a decisão que tomou, parecendo nulo nesta parte, para efeitos do artº. 615º, nº 1, alínea c), segundo trecho, e ainda para efeitos do artº. 684º, nº 1, ambos do CPC, o que se requer Vs. Exs. decidam. III Parte:

41ª) O Acórdão decidiu, face ao último parágrafo da sua pág. 53 e ss., face à sua pág. 44, e estribando-se no depoimento de três testemunhas arroladas pelo Réu/Recorrido, depoimentos que sintetizou a suas págs. 27, 28, e 29, primeiro parágrafo, que aquele, para além de exercer advocacia no locado, também tem neste a sua habitação, isto ao contrário do pretendido pela Autora/Recorrente ao longo de todo este processo.

42ª) Réu/Recorrido que, face à matéria que o Acórdão deu como provada, face ao disposto no artº. 82º, do Cód. Civil, face a Acórdão deste S.T.J que transcreve nas alegações, face ao depoimento nas mesmas transcrito da testemunha por si arrolada, DD, e face ao documento hospitalar sob nº 6, junto à Contestação, entende que para além de habitar no locado dos autos, aí também reside efectivamente (em rigoroso sentido técnico-jurídico); 43ª) Por tudo, e sem qualquer alteração da matéria de facto provada no Acórdão, crê, que tendo em vista o artº. 682º, nº 1, do CPC, Vªs. Exªs. podem deliberar que o Réu/Recorrido reside (naquele sentido) no locado dos autos, o que requer.

- Termos todos em que, e nos demais e melhores de Direito com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, se requer, que se dignem decidir:

1) Que o contrato de arrendamento dos autos não cessou a sua vigência em 31 de maio de 2019, e que está plenamente em vigor por duração indeterminada desde a entrada em vigor da Lei nº 6/2006, de 27/02, e no limite a partir de 13/08/2012, véspera da entrada em vigor da Lei nº 31/2012, de 14/08;

2) Subsidiariamente apenas e só relativamente ao ponto 1) supra, que após a entrada em vigor da Lei nº 43/2017, de 14/06, o mesmo contrato renovou-se por períodos de cinco anos e até 31 de Maio de 2027;

Num caso ou no outro:

3) A invalidade/ineficácia/nulidade da carta que faz ponto 30), a pág. 34, do Acórdão recorrido;

4) Que o Réu/Recorrido nunca esteve, nem está, em mora, relativamente à restituição (indevida) do locado à Autora/Recorrente na data decidida no Acórdão recorrido, 31 de maio de 2019;

5) Que é inimputável ao Réu/Recorrido qualquer indemnização à Autora/Recorrente em razão da inexistência da mora supra;

6) Que o Réu/Recorrido, desde o início do contrato de arrendamento objecto dos presentes autos, residiu e reside (em rigoroso sentido técnico-jurídico) no locado sub judice;

7) E, a modificação/anulação do Acórdão recorrido em consonância, para que se faça Justiça»


*

A Autora na resposta, pugnou pela improcedência do recurso do Réu, e a confirmação integral do acórdão impugnado.

*

O tribunal a quo em pronunciamento quanto às nulidades do acórdão arguidas deliberou em conferência pela sua inexistência, conforme acórdão

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objecto do Recurso

Mostram-se verificados os pressupostos gerais de recorribilidade e os fundamentos de admissibilidade da revista, em consonância com o disposto no artigo 629º, nº1 ex vi artigo 679º, e artigos 671, nº1 e 674º, nº1, al) a e c), todos do CPC.1

Da análise das conclusões acima transcritas, em interface com o acórdão recorrido - arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC- identificamos as seguintes questões recursivas:

• o acórdão da Relação enferma dos vícios de omissão e excesso de pronúncia; contradição entre os fundamentos e ambiguidade e ininteligibilidade decisória?

• o contrato de arrendamento tem duração ilimitada?

• ainda que assim não se entenda, o recorrente não está em mora?

III. Fundamentação

A. Os Factos

Vem assente das instâncias:

1) Por contrato celebrado entre o Réu e BB, em 12 de maio de 1999, foi dado de arrendamento ao Réu o 2.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Avenida de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 829 da freguesia do ....

2) Com o falecimento de BB, passa o imóvel arrendado a pertencer à herança da mesma, representada pela aqui Autora.

3) Ao contrato referido foi aposto o prazo de cinco anos, com início em 01 de Junho de 1999 e término a 31 de Maio de 2004, constando ainda da cláusula 7ª do contrato que “O local arrendado se destina exclusivamente a habitação do inquilino, reconhecendo este que o mesmo realiza cabalmente o fim a que é destinado e não podendo dar-lhe outro uso, nem o sublocar, no todo ou em parte, sem prévia autorização por escrito do(s) Proprietário(s).”.

4) Foi fixada renda no valor de cento e cinquenta mil escudos mensais, sendo que actualmente a renda cifra-se em €1.002,00.

5) O Réu é advogado desde, pelo menos, 1995, conforme informação providenciada pelo site da Ordem dos Advogados.

6) O Réu exerce no locado a sua actividade profissional, local onde recebe os seus clientes, efectua as suas reuniões de trabalho e presta consulta jurídica.

7) O Réu dorme muitas vezes no locado.

8) Onde faz também muitas vezes a sua higiene diária.

9) Nele tomando igualmente as suas refeições diárias.

10) Desde o início do contrato o Réu colocou sob as janelas do arrendado, na fachada frontal do prédio, placas identificativas do seu nome profissional de advogado, bem como, da sua actividade de exercício da advocacia.

11) O que sempre foi do conhecimento das senhorias, que residem “no prédio” desde, pelo menos, 2012.2

12) E do conhecimento de arrendatários do prédio.

13) Em Maio de 1999, o R. necessitava de um escritório para o exercício da sua advocacia e teve conhecimento de que se arrendava o segundo andar esquerdo do prédio sito na Av. ..., em ....3

14), 15).4

16) Aquando da celebração do contrato de arrendamento, o andar e as escadas do prédio encontravam-se degradados.5

17) O R. reparou as escadas do prédio e o andar.6

18)7

19)O contrato de arrendamento foi celebrado nas instalações da sociedade “I...”, em ..., que era a procuradora da então proprietária do prédio, BB.

20) 21)8

22)Após a assinatura do contrato o Réu insistiu verbalmente, em datas não concretamente apuradas, junto da “I...”, pela adenda.

23)Em momento não concretamente apurado, mas não posterior a 1/2/2010, as rendas passaram a ser pagas à sociedade “P...... .........”, como procuradora, e posteriormente por depósito no “NOVO BANCO”.

24) O Réu reparou a porta de entrada do prédio, a escada do mesmo, o revestimento de corticite das paredes da escada, o corrimão de madeira da escada, pintou os tectos e as paredes da escada, colocou no arrendado instalação eléctrica nova e nova quadro, reparou e pintou os tetos, paredes e rodapés do arrendado, reparou o soalho do arrendado, reparou janelas do arrendado e reparou as paredes do WC do arrendado.

25) A Autora remeteu ao Réu a carta, datada de 1/8/2017, que consta como documento n.º 4 anexo à contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

26) Tendo a Autora mandado arrancar e deitar ao lixo as placas referidas em 10).

27) No momento da assinatura do contrato existiam no prédio placas exteriores de uma farmácia, de uma médica ginecologista que tinha clínica no rés-do-chão esquerdo, e de uma clínica médica e dos médicos que nela exerciam, no primeiro andar direito.

28) Por carta registada com aviso de recepção datada de 29 de Novembro de 2018, veio a Autora comunicar ao Réu a sua oposição à renovação do contrato celebrado, pelo que o contrato cessaria a 31 de Maio de 2019, carta esta que não foi recepcionada pelo Réu.

29) O Réu não teve aviso relativo a tal carta depositado na sua caixa de correio.

30) Não tendo o Réu recebido a citada carta, a Autora enviou outra, datada de 23 de Janeiro de 2019.

31) O Réu remeteu à Autora, em resposta a essa carta, A carta junta como documento 16 com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

32) O Réu nasceu em ... de ... de 1953.


*

B. Enquadramento Jurídico

1. Das nulidades

1.1. Omissão de pronúncia e excesso de pronúncia

O recorrente sustenta que o acórdão padece de omissão de pronúncia por não atender à consequência (jurídica) adveniente da primeira renovação do contrato de arrendamento à luz da versão originária do NRAU, deixando ainda de apreciar se aquele se “tornou” de duração indeterminada e, também desconsiderou a sua renovação ao abrigo da Lei 43/2017.

Por outro lado, entende que o acórdão é nulo por excesso de pronúncia, porquanto apreciou, sem que o pudesse fazer, da renovação do contrato de arrendamento ao abrigo da Lei 31/2012.

A omissão de pronúncia significa, em traço breve, que ocorre ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa, questões que os sujeitos processuais submeteram à apreciação do tribunal, e também as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual; esse é o sentido e alcance da imposição legal a ter em conta na elaboração sentença previsto no artigo 608º, nº2, do CPC e cuja violação determinará a nulidade processual prevista no artigo 615º , nº1, al.d) 1ªparte do CPC; não se confunde, nem com uma fundamentação ausente ou insuficiente, nem com a discordância relativamente à conclusão retirada.

Mutatis mutandis, no excesso de pronúncia o julgador apreciou questão que não deveria conhecer, implicando a nulidade da decisão indicada na 2ª parte da al. d) do nº1, do mesmo preceito legal.

Apreciando.

Delineado o objecto da apelação, assente o pedido e causa de pedir do pleito, à Relação competia discernir da (in)verificação dos pressupostos legais da oposição à renovação do contrato de arrendamento e da sua respetiva (in)eficácia.

Percorrido o acórdão impugnado, é seguro afirmar que a matéria-objecto do recurso - foi expressamente apreciada no acórdão recorrido, vindo a concluir que o contrato de arrendamento tinha duração limitada, que se renovou sucessivamente no enquadramento legal (RAU e NRAU), vindo a cessar pela oposição eficaz da Autora, à respetiva renovação, em dependência lógica argumentativa, de que naquela data o contrato estava em vigor.

De resto, como sucede amiúde, o recorrente que dissentiu do sentido decisório do acórdão, confunde as nulidades da sentença-acórdão previstas no artigo 615.º do CPC, que configuram deficiências estruturais da própria decisão, com o erro de julgamento do acórdão, resultante do erro na subsunção jurídica, ou do erro na interpretação, que o recorrente afinal sustenta nas alegações, a analisar oportunamente.9

Improcedem as sobreditas nulidades.

1.2. Contradição entre os fundamentos e a decisão

No entender do recorrente, o acórdão incorre em tal nulidade, ao considerar, a um passo, que o contrato se foi renovando, para concluir em oposição que aquele cessou em 31.05.2019.

A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão contemplada no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, verifica-se sempre que, considerada a decisão final como o desfecho de um raciocínio, se detecte a final, uma contradição –lógica, entre os pressupostos e a decisão final, i.e, oposta ou diferente da que se anunciava, perante os fundamentos de facto ou de direito.

Quanto à análise do conteúdo decisório do acórdão, vale inteiramente neste tópico o explicitado no ponto anterior, persiste, cremos, a confusão do recorrente com o erro de julgamento subjacente à invocada nulidade.

O tribunal a quo partiu da prova da celebração pelas partes de um contrato de arrendamento com duração limitada, em aplicação do quadro normativo que enunciou aplicável, renovado automaticamente, até à manifestação de vontade de não renovação pela Autora, e por consequência, cessado o contrato, procedente o pedido despejo do Réu, cujo acerto se apreciará na sede própria.

Ou sejam, a fundamentação de facto e de direito constante do acórdão não poderia conduzir a outra decisão que não a alcançada, em congruência intrínseca da decisão que releva.

Improcede a arguição da nulidade.

1.3. Ambiguidade e ininteligibilidade

Para efeitos da nulidade por ininteligibilidade da decisão, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. e), 2.ª parte do CPC, ambígua será decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente e, obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido.

De novo, o recorrente afirma a sua discordância com o julgado, posto que, correndo embora o risco de repetição, é manifesto que o acórdão da Relação expôs em linguagem clara e inequívoca que não tendo o recorrente acedido à saída do locado na data estabelecida na carta de oposição, deverá ressarcir os prejuízos causados à Autora, conforme é de lei.

Improcede também tal arguição.


*

2. Do mérito do recurso

2.1. A Autora veio a juízo pedir o despejo do imóvel arrendado ao Réu e respetiva indemnização.

Invocou em fundamento da cessação do contrato, a saber, a utilização do locado para outro fim, uma vez que, o Réu nunca ali habitou, exercendo outrossim a sua actividade profissional de advogado e, enquanto causa de resolução, a caducidade do contrato por decorrido o prazo de duração e, a eficácia da oposição à respetiva renovação.

Quanto ao primeiro segmento da causa de pedir, à semelhança da primeira instância, o tribunal da Relação concluiu pela inexistência do direito à revogação do contrato de arrendamento, com o que se conformaram as partes.

Já no que se refere à oposição à renovação e duração do contrato de arrendamento, o acórdão considerou, estarmos perante um contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, atento o clausulado prazo de 5 anos e, as normas vigentes ao tempo da celebração – artigo 98º e 100º do RAU (DL 321-B/90 de 15- 10) - que perdurou com a entrada em vigor do NRAU (Lei 6/2006 de 27-2), renovando-se automaticamente pelo período de 3 anos, e de 2 anos, após a nova redação do artigo 26º conferida pela Lei 31/2012 de 14-8.10

No que reporta à efectiva cessação do contrato de arrendamento, em consequência da oposição à renovação, julgou e concluiu o acórdão impugnado, que a Autora podia impedir a renovação do contrato, que concretizou de forma válida e eficaz, nos termos do artigo 1097º do Código Civil.11

Finalmente, ajuizou-se que tendo o contrato cessado a vigência em 31/5/2019- artigo 9º do NRAU e 1097º nº1 b) e nº2 do Código Civil- e, não tendo então o Réu procedido à restituição do imóvel – artigos 1038º i) e 1081º do CC, deverá indemnizar a Autora no montante correspondente ao dobro da renda mensal, desde aquela data até à sua entrega.


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2.2. O recorrente vem sustentar em desabono da decretada cessação do contrato de arrendamento, que o mesmo é de duração indeterminada em face do regime legal que sucedeu desde a data da sua celebração, concretamente, face ao disposto no artigo 1094º, nº2 e nº3 do Código Civil, nas versões dadas, primeiro, pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, e depois pela Lei n.º 43/2017, de 14-06, pelo que pugna, em consequência, pela reversão da procedência da acção.

Em bom rigor, a solução jurídica da causa não intercepta o regime legal da sucessão e aplicação no tempo das leis do arrendamento; ainda assim, configurando matéria suscitada pelo recorrente nas conclusões de recurso, remetemo-nos para o minucioso tratamento da questão no douto acórdão da Relação, na interpretação do disposto a propósito no artigo 100.º RAU e artigo 26.º, nº3, do NRAU.

Passando ao âmago da argumentação recursiva.

Entende o recorrente que, por força do n.º 3 do artigo 1094 do Código Civil, após a primeira renovação do contrato de arrendamento dos autos e face ao silêncio das partes, o contrato se converteu em contrato de arrendamento de duração indeterminada e, caso assim não se entenda, se renovou, após a entrada em vigor da Lei 43/2017, por períodos sucessivos de 5 anos.

A única questão, portanto, prende-se com a virtualidade da aplicação do disposto do artigo 1094.º, nº2, e nº3, do Código Civil nas versões sucessivas conferidas pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, e pela Lei n.º 43/2017, de 14.06, que o recorrente sustenta em prol da subsistência temporal do contrato de arrendamento ajuizado.

São as seguintes as redações do artigo 1094º do Código Civil.

Na redação dada pela Lei 6/2006 dispunha:

“1 - O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada. 2 - No contrato com prazo certo pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada. 3 - No silêncio das partes, o contrato tem-se como celebrado por duração indeterminada.”

Na redação conferida pela Lei 43/2017 dispõe:

1 - O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada. 2 - No contrato com prazo certo pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada. 3 - No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos.”

Antecipa-se que não assiste razão ao recorrente, que salvo o muito respeito, labora num equívoco crucial no suporte da sua tese.

Com efeito, a debatida renovação do contrato de arrendamento em análise não tem resposta normativa no artigo 1094º do Código Civil.

Parece não ser alvo de controvérsia que o normativo em apreço - inciso n.º 3- não dispõe sobre a renovação de contratos de arrendamento celebrados com prazo certo, respeitando a sua previsão somente à duração inicial dos contratos, em situação de falta de estipulação contratual das partes sobre o tempo de vigência.

Em anotação ao artigo 1094º do Código Civil, Maria João Vasconcelos refere «Nos termos do nº3 do preceito (em anotação) se as partes não definirem a modalidade temporal a que o contrato fica submetido, essa modalidade será a de prazo certo, pelo período inicial de cinco anos (prazo este mais longo do que o prazo inicialmente fixado pela Lei n. º31 /2012, que era um prazo de dois anos), findo o qual se renovará automaticamente, por igual período, nos termos do artigo ,1096, nº1. Isto significa que são idênticas as modalidades temporais supletivas tanto no arrendamento para habitação como no arrendamento para fins não habitacionais, assim como são idênticos (de cinco anos) os prazos de duração inicial do contrato (artigo 1094º. n.0 3 e artigo 1110.º nº 2 do CC.»12

Igualmente esclarecedor quanto ao âmbito de aplicação do artigo 1094º, nº2, e nº3 do Código Civil, lê-se em anotação - «2.O contrato de arrendamento — seja habitacional seja não habitacional — divide-se, quanto à duração, em dois grandes grupos: com prazo certo e de duração indeterminada. 3.No RAU não existia a modalidade de contrato com prazo de duração indeterminada. Todos os arrendamentos tinham necessariamente um prazo, que, na falta de estipulação das partes, se fixava em seis meses. No fim do prazo, o contrato renovava-se automaticamente, não podendo o senhorio opor-se à renovação. O RAU, nos arts. 98º e ss., previa a possibilidade de os contratos terem duração limitada, com o limite mínimo de 5 anos. Nestes casos, o senhorio podia opor-se à renovação no fim do prazo de duração efetiva previsto no contrato. Esta possibilidade constituiu a mais importante inovação do RAU, ditando o fim do vinculismo.4.A possibilidade prevista no n.º 2 está pensada, sobretudo, para os casos em que se pretenda assegurar um período mínimo de duração inicial, sem que se pretenda uma vinculação posterior a um prazo pré-determinado.5.A existência de um prazo supletivo, previsto no n.º 3 desde a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, representa uma considerável alteração face à redação constante da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, em que, no silêncio das partes, o contrato se considerava celebrado por duração indeterminada, por se entender que, se as partes não haviam estipulado um prazo, provavelmente não queriam que o contrato ficasse sujeito a ele. A solução atual tem a vantagem de oferecer certeza quanto à duração do contrato.6 A única alteração introduzida pela Lei n.0 43/2017, de 14 de junho, foi o alargamento do prazo supletivo previsto no n.0 3, de dois anos para cinco anos. Esta alteração é congruente com a alteração do pré-aviso para denúncia nos contratos de duração indeterminada, previsto na alínea c) do art. 1101.0, que igualmente passou de dois para cinco anos, apontando para a ideia de a duração desejável de um contrato de arrendamento para habitação não ser inferior a 5 anos.»


*

Voltando ao contrato em análise, resulta do ponto 3 dos factos provados- “ao contrato referido foi aposto o prazo de cinco anos, com início em 01 de Junho de 1999 e término a 31 de Maio de 2004, (…).”13

Isto dito, as partes contraentes definiram por sua vontade que o contrato tinha o prazo certo de 5 anos, não tendo a posteriori convencionado a sua conversão em contrato duração indeterminada, após a primeira renovação, conforme faculdade prevista no artigo 1092º, nº 2, do Código Civil.

Significa em decorrência, que se revela ocioso a convocação daquela norma, em ordem a sustentar uma conversão do contrato em contrato de duração indeterminada (após a primeira renovação) e, subsidiariamente, pugnar pela renovação por períodos de 5 anos.

Por último, é de mencionar ainda que, improcedendo, como se viu, a arguição das nulidades processuais, que no entender do recorrente, levariam à ineficácia da oposição à renovação do contrato, resta concluir pela improcedência integral das conclusões do recurso.

Em suma, o acórdão recorrido não suscita reparo, sendo de manter inteiramente o julgado.

IV. Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente a revista.

As custas da acção e do recurso são a cargo do Réu recorrente.

Lisboa,18.06.2024

Isabel Salgado (relatora)

Ana Paula Lobo

Maria da Graça Trigo

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1. As nulidades decisórias elencadas no n.º 1 do artigo 615.º ex vi artigo 666º do CPC, não constituindo fundamento autónomo de revista normal, integrarão o objeto do recurso (artigo 674º, nº1, al) c) e serão conhecidas, caso da admissão da revista.

2. Certamente por lapso de escrita omitiram as instâncias a palavra “prédio”, sem a qual o enunciado não faz sentido, estando conforme com a fundamentação da sentença e no acórdão recorrido.

3. Com a alteração introduzida pelo acórdão recorrido.

4. Eliminados pelo acórdão recorrido.

5. Com a alteração introduzida pelo acórdão recorrido.

6. Com a alteração introduzida pelo acórdão recorrido.

7. Eliminado pelo acórdão recorrido

8. Eliminados pelo acórdão recorrido.

9. São numerosas as considerações neste domínio na doutrina e na jurisprudência que dispensam enunciação.

10. Cf. «Ou seja, o contrato dos autos vigorou por um período de cinco anos (até 31/5/2004), depois renovou-se por um período de três anos (até 31/5/2007, ainda ao abrigo do RAU), depois por um novo período de três anos (até 31/5/2010), depois por um novo período de três anos (até 31/5/2013, ainda ao abrigo da versão originária do NRAU), após o que passou a renovar-se automaticamente por sucessivos períodos de dois anos (já na vigência da redação do NRAU, dada pela L 31/2012).»

11. Em sentido diverso da sentença, considerou aplicável o disposto nos arts. 1º a 3º da L 30/2018 e 14º nº5 da L 13/2019, e verificados in casu os respetivos pressupostos - 65 ou mais anos de idade do autor à data da entrada em vigor da Lei 30/2018 e, nessa data, residindo no locado há mais de 15 anos.

12. Ana Prata e outros In Código Civil -Direito das Obrigações- Contratos em Especial, Universidade Católica Portuguesa, 2023; tendo por base bibliográfica CORDEIRO, ANTÓNIO MENEZES. (coord.), Leis .do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, Coimbra, 2014; FURTADO, JORGE PINTO, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2019; LEITÃO, LUÍS MENEZES, Arrendamento Urbano, 10.a ed., Almedina, Coimbra, 2020.

13. In Código Civil Anotado, 2022 -Reimpressão, volume I.