Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B4467
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOAQUIM DE MATOS
Nº do Documento: SJ200301290044672
Data do Acordão: 01/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3760/02
Data: 06/27/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - "A", id. a fls. 2, propôs acção declarativa ordinária contra B e mulher C, aí ids., pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe 1.844.736$00, com juros vencidos e vincendos e imposto de selo sobre juros.
Alegou em síntese que:
Ela, "A", é uma sociedade financeira para aquisições a crédito que tem por objecto o exercício das actividades referidas nos artigos 1º e 2º do DLei nº 206/95 de 14 Agosto;
No exercício da sua actividade comercial e com destino à aquisição de um automóvel da marca Fiat, modelo Ducato, com a matrícula PX..., a A., por contrato constante de título particular, concedeu ao R. crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo-lhe assim emprestado a importância de Esc.1.500.000$00;
Nos termos desse contrato celebrado entre A. e o R. marido, essa quantia, vencia juros à taxa nominal de 25,66% ao ano, devendo a importância do empréstimo e esses juros, serem pagos, nos termos acordados, em 48 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a 1ª em 20/10/94, e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes;
O pagamento de cada uma das prestações efectuar-se-ia por transferência bancária a efectuar aquando do vencimento delas, para conta bancária logo indicada pela A.;
Segundo o acordado a falta de pagamento de qualquer das prestações na data do seu vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações;
Acordou-se ainda entre A. e o R. que, em caso de mora sobre o montante em débito, como cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juros contratual - 25,66% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 29,66%;
O R. marido, das prestações referidas, não pagou a 17ª e seguintes, vencida a primeira em 20 de Fevereiro de 1996, vencendo-se então todas as outras;
Esse R. não providenciou pelas ditas transferências bancárias - que não foram feitas - para pagamento das ditas prestações, nem a R., ou quem quer que fosse por ele, as pagou à A.;
O valor de cada prestação, que incluía juros, era de 57.648$00;
O total das prestações em débito da R. à A. ascende a esc. 1.844.736$00, quantitativo a que acrescem os juros devidos;
Os juros já vencidos em 17.01.1997 são no valor de 497.680$50; e
O empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos RR., pelo que a R. C é solidariamente responsável com o R. marido pelo pagamento dessas importâncias;
Citados, os RR., contestaram, dizendo, em síntese, que:
Não são casados entre si e, por isso, a R. é parte ilegítima.
A al. c) da cláusula 8ª do contrato celebrado é nula, por consagrar cláusula desproporcionada aos danos a ressarcir;
O R. B limitou-se a aderir ao clausulado apresentado, sem que ninguém lhe explicasse as cláusulas do contrato no momento da assinatura;
A A. tem registado a seu favor e de forma ilegítima a reserva de propriedade sobre o veículo, com vista à aquisição do qual foi concedido o empréstimo; e
O R. denunciou antecipadamente o contrato com a A. e por falta de resposta válida desta, que sempre quis resolver o contrato por falta de pagamento das rendas, teve prejuízos.
Assim, em reconvenção, pede que a A. seja condenada a pagar-lhe ao a quantia de 1.500.000$00, correspondente aos prejuízos invocados e aos demais que vierem a liquidar-se em execução de sentença, montante esse acrescido de juros de mora, à taxa de 10% e pede ainda o reconhecimento da denúncia antecipada por si feita do contrato celebrado com a A. e o cancelamento do registo da reserva de propriedade do veículo.
A A. replicou pugnando pela condenação do R. e pela improcedência da reconvenção.
Por sentença julgou-se a acção em parte procedente e improcedente a reconvenção.
Não se conformando com a decisão, dela recorreu o R. para a Relação de Lisboa que, por Acórdão de 27/06/02, julgou a apelação improcedente e, assim, confirmou a dita sentença.
Ainda discordante o R. recorreu de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a revogação do decidido, com as legais consequências e alegando o contido a fls. 464 a 487, com as conclusões seguintes:
1. Vem este recurso da decisão sobre a matéria de direito proferida pela Relação de Lisboa;
2. O R. não se conforma com a decisão de mérito, considerando que o Acórdão da Relação de Lisboa violou a lei substantiva por erro de interpretação e aplicação de normas jurídicas;
3. Desde logo, a Relação de Lisboa violou por erro de interpretação o disposto no art. 811º, nº 3, do CCivil e ainda o art. 12º e a al. c) do art. 19º do DLei nº 446/85, de 25/10, em virtude de a al. c) da cláusula 8ª do contrato em causa nos autos ser nula;
4. De acordo com a al. c) da cláusula 8ª do contrato em causa nos autos "Em caso de mora e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais";
5. A Relação de Lisboa considerou que "a cláusula penal moratória contida na cláusula 8ª das Condições Gerais do contrato de mútuo referido nos autos é inteiramente válida, nos termos e de harmonia com o disposto nos arts. 810º e 811º, nº 1 do CCivil e 7º, nº 2 do DLei nº 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 2º do DLei nº 83/86, de 6 de Maio" concluindo que "tal cláusula não configura desproporção e muito menos desproporção sensível, entre a pretensa pena nela estabelecida e os prejuízos a ressarcir".
6. Por seu turno, dispõe a al. c) do art. 19º do DLei nº 446/85, de 25/10 que são proibidas as cláusulas contratuais gerais que "consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir".
7. Ora, a cláusula penal é o acordo pelo qual as partes estipulam certas regras destinadas a terem aplicação na eventualidade do incumprimento das suas obrigações e em substituição do regime normal da responsabilidade civil;
8. A figura jurídica da indemnização é de interesse negativo, isto é, pretende abranger o prejuízo que a A. recorrida não teria no caso de não ter celebrado o contrato nas condições específicas do mesmo;
9. No valor de cada uma das prestações estipuladas, está incluído o que em termos financeiros se chama o "risco de crédito", ou seja, em cada uma das prestações inclui-se não o capital mutuado mas sim o preço do capital mutuado, incluindo-se no diferencial os custos da operação e o risco do crédito concedido;
10. Admitir acrescentar uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais por meio de uma cláusula contratual geral, é ferir o juízo de adequação e proporcionalidade de qualquer cláusula indemnizatória, mesmo com a natureza de cláusula penal;
11. Pretender receber para além do valor de cada uma das prestações vencidas que, como foi explicado assegura já os danos/prejuízos decorrentes de um eventual incumprimento, os juros de mora à taxa anual de 29,66%, é pretender ganhar mais com o incumprimento do que com o cumprimento;
12. Postula o art. 811º, nº 3, do CCivil (do qual, quer o Tribunal de 1ª Instância quer a Relação de Lisboa, parecem esquecer-se) que "em caso algum o credor pode exigir indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal";
13. A cláusula em apreço (cláusula 8ª, alínea c) do contrato de mútuo dos autos) vai nitidamente contra este princípio;
14. E, por isso, tal desproporção indemnizatória extravasa o limite aceitável de que a indemnização deverá abranger apenas e exactamente o prejuízo causado, de modo a reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido incumprimento;
15. É que, in casu, pouco importa que o art. 811º, nº 1, permita que o credor obtenha cumulativamente o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da pena. Igualmente pouco importa que o art. 7º, nº 2, do DLei nº 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 2º do DLei nº 83/86, de 6 de Maio, permita que as instituições de crédito para-bancárias cobrem uma sobretaxa até 4% das taxas de juro compensatórias, pois há sempre que apurar o caso concreto;
16. E, neste caso, se o risco de crédito é computado no valor global a receber, salvaguardando já os eventuais danos provocados pelo incumprimento, elaborar de antemão uma cláusula como a que está em análise, é permitir que a Recorrida exceda, manifestamente o limite imposto pelo fim económico do seu direito o que representa um claro e grave abuso de direito;
17. E assim a cláusula 8ª, al. c) do contrato de mútuo em causa neste processo assume natureza coerciva e desproporcionada ao dano a ressarcir, pelo que é proibida, enfermando, em consequência de nulidade nos termos dos arts. 12º e 19º, al. c), do DLei nº 446/85, de 25/10, devendo o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a excepção deduzida pelo R. - ora Recorrente - e por isso nula a al. c) do art. 8º do contrato;
18. No entanto, caso este Venerando Tribunal entenda que a al. c) da cláusula 8ª do contrato dos autos não é nula - o que apenas por mera hipótese académica se admite - deverá em todo o caso a referida cláusula penal ser aplicada apenas e tão só ao tempo da mora, ou seja, até à data que a A. enviou ao R. a carta comunicando a resolução do contrato;
19. A Relação de Lisboa, salvo o devido respeito, interpretou e aplicou erradamente o regime da resolução contratual e da mora e incumprimento definitivo, tendo ambos os institutos sido tratados como se de apenas um se tratasse;

20. É que a A enviou uma carta ao R. datada de 27/9/1996 da qual consta "Pelo facto de V. Exa não ter honrado os compromissos assumidos perante esta instituição de crédito comunicamos-lhe que, excepcionalmente, daremos um prazo adicional de mais oito dias para proceder à regularização das 7 prestações vencidas e não pagas no valor de 401.030$00, a que acrescem juros moratórios (...). Informamos ainda que ultrapassado o prazo agora estipulado sem que seja efectuada a regularização da dívida em mora, será este contrato considerado resolvido para os devidos efeitos legais, prosseguindo com o competente procedimento judicial";
21. E, por isso, o R. recorrente pediu, subsidiariamente, que caso se entendesse que não houve qualquer denúncia antecipada da sua parte, se considerasse o contrato resolvido em 6/10/96, data em que os efeitos da carta enviada pela A. em 27/9/96 teria produzido efeitos;
22. Todavia, a Relação de Lisboa entendeu que é "irrelevante para a contabilização dos referidos juros a eventualidade de resolução do contrato ou a data em que a mesma ocorra. Está-se perante obrigações com prazo pelo que o devedor se constitui em mora assim que incumpre independentemente de interpelação do devedor ex vi alínea a) do nº 2 do art. 805º do Código Civil";
23. É que, até à data daquela carta, o R. recorrente estava apenas em mora;
24. Tanto é assim, que a A. permitiu que, entre a data de vencimento da 17ª prestação e até Setembro de 1996 (mais de 6 meses), o R. pagasse as prestações em falta;
25. O contrato terá estado por isso em vigor até ao final de Setembro de 1996, de acordo com o que resulta da conduta da A., tendo em 06/10/96 sido resolvido;
26. E isso porque a interpelação da A. acima referida e o não pagamento da quantia então considerada em dívida pelo R. no prazo estabelecido de 8 dias, transformou a mora em incumprimento definitivo;
27. A resolução consiste num acto de destruição da relação contratual operada por acto de vontade de uma das partes, tendo em vista fazer regressar as partes à situação em que se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado, conforme arts. 432º a 436º do CCivil;
28. É evidente que é relevante para a aplicação da taxa de juros de mora (pelo atrás exposto), a definição da data da resolução do contrato uma vez que com a resolução do contrato, a obrigação de pagar cada uma das prestações individualmente consideradas, se extinguiu;
29. Pretende o R. recorrente que a admitir-se que a al. c) da cláusula 8ª do contrato é válida, a taxa de juro (29,66%) aí prevista só deverá aplicar-se ao período da mora e jamais a partir da resolução do contrato;
30. O incumprimento consiste na não realização pelo devedor da prestação devida enquanto devida;
31. Quer o Tribunal de 1ª Instância quer o Tribunal da Relação de Lisboa se esqueceram que há várias modalidades de incumprimento, a saber: incumprimento temporário ou mora e o incumprimento definitivo;
32. O incumprimento temporário ou mora é a situação em que o devedor se coloca quando não cumpre a obrigação a que está obrigado na data fixada para o respectivo cumprimento (vide 804º, nº 2 do CCivil), sendo certo que tratando-se de obrigações de prazo certo o devedor se constitui em mora independentemente de interpelação se na data de vencimento das mesmas não cumpre (vide art. 805º, nº 1, alínea a) do CCivil);
33. A mora pode ocorrer e ainda assim manter-se o contrato, por haver interesse do credor nesse sentido; quando o credor perde o interesse, a mora dá lugar a incumprimento definitivo;
34. A cláusula 8ª do contrato em causa neste processo tem a epígrafe "Mora e cláusula penal";
35. A al. c) da aludida cláusula 8ª refere-se apenas e tão só à mora porquanto da mesma consta: "em caso de mora e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais";
36. É evidente que esta cláusula, a ser admitida como válida, só pode ser aplicada aos casos em que o devedor entra em mora no cumprimento de uma determinada prestação, mantendo-se o contrato em vigor, pois só pode servir para as situações de incumprimento temporário, cumprimento retardado ou mora;
37. Da matéria assente ressalta evidente que o R. entrou em mora no momento em que se deveria pagar a 17ª prestação e assim se manteve até à 24ª prestação, vencida em Setembro de 1996, sendo certo que se tratava de simples mora, como resulta, sem margem para dúvidas dos factos constantes das alíneas M), N), O) e S) da fundamentação de facto;
38. A situação de mora do devedor cessa com o incumprimento definitivo, com ele se extinguindo a obrigação;
39. In casu, a interpelação da A. recorrida efectuada em 27/9/96 e o não pagamento da quantia então considerada em dívida pelo ora recorrente no prazo estabelecido de 8 dias, transformou a mora em incumprimento definitivo;
40. E sendo assim como é, não pode considerar-se para efeitos de aplicação da taxa de juros de mora contratual o período posterior à resolução do contrato;
41. A taxa de juro de 29,66% é uma taxa de juros de mora contratual e por isso vigora apenas para o período em que houver mora;
42. A al. c) da cláusula 8ª destinava-se a indemnizar a A. pelo atraso no pagamento de prestações, enquanto o contrato estivesse em vigor;
43. Com a extinção do contrato, porque a resolução é inegável, deixou a A de ter fundamento para reclamar o pagamento de juros de mora à taxa contratual acrescida de 4 pontos percentuais perfazendo os tais 29, 66%;
44. Destruído que foi o contrato - pela própria Recorrida, enquanto credora, por perda de interesse - tal taxa de juro não se pode enquadrar nem sequer a título de compensação pelo risco que a Recorrida suporta ocorrendo incumprimento;
45. Mais a mais, se em cada prestação se inclui a amortização do capital mutuado, a retribuição pela sua utilização e a remuneração do risco;
46. E assim, nos termos do art. 806º, nº 2 do CCivil conjugado com o art. 559º, nº 1 do mesmo diploma legal, a indemnização a que o credor tem direito é a correspondente à taxa legal de juros de mora;
47. No caso concreto, tendo em conta a resolução efectuada pela Recorrida em 1996, regem a este respeito as seguintes taxas de juro: 15% até 16/04/99 (vide Portaria 1167/95) e 12% a partir de 17/04/99 (vide Portaria 262/99, de 12/4);
48. O que, realmente, releva aqui é que já não existe mora contratual;
49. Tendo o Tribunal da Relação de Lisboa considerado que a data da resolução do contrato é irrelevante para a contabilização de juros e tendo admitido que a taxa de juros de mora contratual fosse aplicada para período ulterior à resolução do contrato interpretou e aplicou erradamente o disposto nos arts. 559º, n.º 1, 804º, 805º, 806º, nº 1 e 808º do CCivil, do que resultou violação clara e manifesta de tais preceitos; e
50. E, por isso, deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o Recorrente a pagar à A a quantia correspondente às prestações vencidas não pagas, às prestações que se venceram antecipadamente e aos juros de mora à taxa legal de 15% e 12% conforme anteriormente explicitado.
A. A. contra-alegou, defendendo se mantenha o decidido.
II - Após os vistos, cumpre decidir:
A - Factos:
A) A A. é uma sociedade financeira para aquisições a crédito, que tem por objecto exclusivo o financiamento de aquisições a crédito de bens e serviços;
B) No exercício da sua actividade comercial, a A. e o R. acordaram nos termos do documento escrito, de fls. 9 a 11, que designaram por "Contrato de Mútuo 227054", no âmbito do qual a A. emprestou ao R. a quantia de 1.500.000$00, para financiamento do veículo Fiat, modelo Ducato, com a matrícula PX...., tendo tal acordo a data de 20/09/94;
C) Nos termos do acordo mencionado, a A. emprestou a importância já referida ao R., com juros à taxa nominal de 25,66% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros, serem pagos, nos termos acordados, em 48 prestações mensais e sucessivas, com vencimento a primeira, em 20/10/94, e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes;
D) De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das prestações, deveria ser paga, conforme ordem irrevogável logo dada pelo R. B ao seu banco, por transferência bancária a efectuar aquando do vencimento de cada uma das prestações, para conta bancária logo indicada pela A.;
E) Ficou convencionado na cláusula 8ª, b) que a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implicava o imediato vencimento das restantes;
F) Ficou convencionado na cláusula 8ª c) que "em caso de mora e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juros contratual, acrescida de 4 pontos percentuais";
G) O R. não pagou a 17ª prestação e seguintes, vencida a primeira em 20/2/96;
H) O valor de cada prestação, que incluía juros, era de 57.648$00;
I) Em Fevereiro de 1996, o R. deu ordens à UBP, para cancelar as transferências bancárias que vinha efectuando para a conta em que a A. é titular no mesmo Banco;
J) A reserva de propriedade do veículo, identificado na alínea b), está registada a favor da A.;
K) Em 10/4/96, o R. enviou à A. uma carta, cuja cópia consta de fls. 49 dos autos, na qual escreveu "Para os devidos efeitos, em anexo devolvo documentos referentes ao veículo ligeiro de mercadorias, marca Fiat, modelo Ducato Maxi DS 18Q furgão de 1991, com a matrícula de PX....., registado em meu nome a 7/12/1994, c/ n° ordem 258 e reserva c/ n° ordem 259, na dita data em nome da A. Assim sendo, agradeço a rescisão do contrato nº 227054 a partir de 20/02/1996, referente à 17ª prestação, por impossibilidade de continuar a cumprir o estabelecido";
L) Em 18/05/96, a A. dirigiu ao R. o telegrama de fls. 52 dos autos do qual consta "contactar urgentemente A";
M) Em 23/05/96, a A. enviou ao R. a carta cuja cópia constitui fls. 53 dos autos, de que consta "Apesar do nosso insistente contacto, V. Exª. não liquidou ainda as prestações abaixo discriminadas, facto cuja gravidade V.Ex.ª, não ignora
N° de Vencimento Valor Juros de Comissão Imposto Total
prestação Mora de Gestão Selo
17 20-2-96 57290$00 4625$00 1060$00 277$00 63252$
18 20-3-96 57290$00 3256$00 1060$00 195$00 61801$
19 20-4-96 57290$00 1793$00 1060$00 107$00 60250$
Total 185.303$00
Antes que a "A" tome uma outra iniciativa com vista à resolução desta grave situação queira efectuar o pagamento num dos nossos escritórios, ou através do envio de cheque ou de vale postal, no valor de Esc. 185.303$00, utilizando para o efeito o destacável desta folha e o envelope RSF, que se junta, o qual não necessita de selo";
N) Em 26/06/96, a A. enviou a carta cuja cópia constitui fls. 54 dos autos ao R., da qual consta "Estranhamos o facto de V. Exª. não estar a cumprir o contrato celebrado com a nossa empresa, contrato esse que possibilitou a V. Exª. a aquisição do bem de marca Fiat, com matrícula PX...
Tem V. Exª. neste momento 4 prestações em atraso, que totalizam a quantia de 250.856$00.
Como V. Exª. não atende aos nossos insistentes contactos, aproveitamos a presente carta para alertá-lo, de que a manter-se esta situação, advirão graves prejuízos para V. Exª., que, entre outros passamos a enumerar:
-recurso a tribunal por parte da "A"
-pagamento da indemnização prevista no contrato
-recuperação do veículo por parte da "A"
-penhora de bens
-impossibilidade por parte de V. Exª. de recorrer a qualquer tipo de crédito";
O) Em 21/07/96, a A. enviou à R. a carta cuja cópia constitui fls. 55 dos autos, na qual consta "Pelo facto de V. Exª. não ter honrado os compromissos assumidos perante esta instituição de crédito, comunicamos-lhe que, das 5 prestações vencidas e não pagas, no valor de 316.009$00, a que acrescem juros moratórios, com referência ao contrato de mútuo número 227054, celebrado entre V. Exª. e a "A", sob pena de enviarmos para o nosso departamento de contencioso o acima referido contrato";
P) Em 13/08/96, a A. enviou ao R., o telegrama cuja cópia constitui fls. 56 dos autos do qual consta "contactar urgentemente A";
Q) Em 26/08/96, a A. enviou ao R., a carta cuja cópia constitui fls. 57 dos autos, da qual consta "Pelo facto de V. Exª. não ter honrado os compromissos assumidos perante esta instituição de crédito, comunicamos-lhe que, das 5 prestações vencidas e não pagas, no valor de 325.015$00, a que acrescem juros moratórios, com referência ao contrato de mútuo, número 227054, celebrado entre V. Exª. e a A, sob pena de enviarmos para o nosso departamento de contencioso o acima referido contrato";
R) Em 30/08/96, o R. enviou à A. carta registada com AR, cuja cópia constitui fls. 58 dos autos, da qual consta "Acuso recepção de v/ carta datada de 21 de Julho de 1996. Estranho o teor da mesma, dado que a situação do contrato foi já por mim esclarecida.
Vªs. Exªs. receberam uma carta minha, com data de 10 de Abril de 1996, onde vos devolvi os documentos da referida viatura, dada a minha impossibilidade de cumprir o contrato n° 227054. Nela referi igualmente onde se encontrava a viatura parqueada, permitindo a V. Exªs. tomarem-na em vosso poder.
Mais refiro ser do meu conhecimento que já existiram contactos entre V Exªs. e a empresa ASAS CAR com vista à possível transacção da viatura.
Perante estes factos, agradeço uma resposta de Vªs. Exªs, dado que até ao momento nunca me foi enviado qualquer comentário de Vª Exªs. à carta por mim enviada e acima referida";
S) Em 27/09/96, a A. enviou ao R., a carta cuja cópia constitui fls. 60 dos autos, da qual consta "Pelo facto de V. Exª não ter honrado os compromissos assumidos perante esta instituição de crédito, comunicamos-lhe que, excepcionalmente, daremos um prazo adicional de mais oito dias para fazer a regularização das 7 prestações vencidas e não pagas, no valor de 401.030$00 a que acrescem juros moratórios. Em causa está o contrato com o número acima referido entre A e V. Exª, cujo financiamento se destinou à aquisição de um veículo automóvel de matrícula PX.... Informamos ainda que ultrapassado o prazo ora estipulado, sem que seja efectuada a regularização da dívida em mora, será este contrato considerado como resolvido para os devidos efeitos legais, prosseguindo com o competente procedimento judicial";
T) Em 7/10/96, o R. enviou à A., carta registada com A/R, cuja cópia faz fls. 61 dos autos, da qual consta" Com efeito nunca V. Exªs se dignaram a responder em concreto às minhas cartas de 10 de Abril e de 30 de Agosto do ano em curso, pelo que mais uma vez agradeço a vossa atenção para as mesmas. Desde o início que esclareci a minha posição e solicitei a vossa análise. V. Exªs continuam a actuar como se tal nunca se tivesse processado; continuam a emitir "minutas" e ignoram o conteúdo das cartas acima referidas. Neste contexto, não posso ser responsabilizado pelo arrastar desta situação, há muito do vosso conhecimento e sobre o qual não emitiram qualquer opinião";
U) Em 30/10/96, é enviado ao R., pelo advogado da A., a carta cuja cópia constitui fls. 63 dos autos, na qual se contém "A minha constituinte A, encarregou-me de proceder à cobrança judicial da quantia de 1.833.280$00 a que acrescem juros, que V. Exª lhe deve. A fim de lhe evitar os incómodos, despesas e vexames de uma acção judicial comunico-lhe que aguardarei apenas por oito dias que, directamente ou por meu intermédio, proceda ao pagamento deste seu débito";
V) O R., em resposta à carta referida na alínea anterior, enviou a carta cuja cópia faz fls. 64 dos autos, da qual consta "(1) No dia 10 de Abril de 1996 (219 dias atrás) enviei uma carta à vossa constituinte informando da minha vontade de rescisão do dito contrato e indicando o local onde se encontra(va) parqueado a referida viatura em causa. Nesta mesma carta, enviei os respectivos documentos da viatura, pelo que não se encontram em meu poder, mas sim da vossa constituinte. (2) Não tendo obtido qualquer resposta concreta à minha carta no passado dia 30 de Agosto de 1996 (77 dias atrás), enviei nova carta, solicitando uma resposta concreta a essa mesma carta dado continuar somente a receber "Cartas tipo minuta" e sem qualquer análise do então informado. (3) Continuando sem obter qualquer resposta às minhas solicitações, no passado dia 7 de Outubro de 1996 (39 dias atrás) enviei nova comunicação escrita onde demonstrava a minha apreensão pela falta de resposta concreta às minhas cartas, continuando a vossa constituinte a enviar somente "minutas" ignorando o que lhe fora por mim comunicado";
W) O R. entregou a viatura referida na alínea b), no parque Asas Car, deixando a mesma ao cuidado do Sr. ......;
X) A entrega da viatura foi aceite;
Y) Após o ajuste do negócio entre o fornecedor do veículo automóvel que o R. se propunha adquirir e o R., aquele, em seu nome e também em nome do R., propôs à A. que concedesse empréstimo directo ao R., com destino à aquisição do veículo, o qual não tinha possibilidade de pagar a pronto;
Z) Tal vendedor ou fornecedor do veículo dos autos enviou à A. os elementos de identificação do R., bem como comunicou à A. o montante do empréstimo directo a conceder ao dito R. - 1.500.000$00, conforme previamente acordado com o R. - com destino à aquisição por este de um veículo automóvel;
AA) Para a A., o R. não oferecia por si só garantias suficientes para concessão do empréstimo e a A. solicitou, como mera garantia - ao que o R. acedeu -, que sobre o dito veículo a adquirir com o financiamento dos autos, o R. constituísse a favor da A. reserva de propriedade, para desta forma o R. não poder dispor do dito veículo sem o consentimento e autorização da A.;
AB) A A. acedeu assim, atenta a garantia prestada, em conceder ao R. tal crédito, no montante de Esc. 1.500.000$00, com destino à aquisição por ele do dito veículo automóvel;
AC) A A., após ter recebido as informações que lhe foram prestadas pelo dito fornecedor do veículo, elaborou, em conformidade com tais elementos de identificação e com as condições em que tinha sido ajustado o negócio, o "contrato de mútuo" referido nos autos, bem como a declaração de autorização de débito em conta;
AD) Posteriormente a tal elaboração, a A. enviou ao fornecedor do veículo o contrato referido nos autos, em dois exemplares, para que estes fossem assinados pelo R., bem como enviou a dita declaração de autorização de débito em conta, para que a mesma fosse assinada pelo A.;
AE) Depois da aposição de tais assinaturas, o dito fornecedor do veículo dos autos remeteu à A. declaração de autorização de débito em conta e os dois exemplares do contrato dos autos para que a A., quanto a estes últimos, neles apusesse a assinatura de um seu representante;
AF) Posteriormente à aposição nos dois exemplares do "contrato" nos autos da assinatura de um representante da A., esta enviou à firma um exemplar deste "contrato", com destino ao R.; AG) O "contrato de mútuo", bem como a autorização de débito em conta, encontrava-se integralmente preenchido e impresso - da forma que hoje se encontra - quando o R. o assinou;
AH) Anteriormente ao R. ter subscrito o "contrato" dos autos, foi-lhe concedido o necessário tempo para ler e compreender as cláusulas contidas nesse mesmo "contrato";
AI) A A. colocou-se à disposição do R. para lhe prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que reputasse necessários, anteriormente ao R. subscrever o "contrato" referido nos autos;
AJ) Foi o próprio R. que, na sequência do telegrama enviado pela A., em 18/05/96, solicitou à A. que não só autorizasse tal venda como procedesse ela à venda do veículo;
AK) O R. pretendia que após a entrega do veículo dos autos à A. esta eximisse do pagamento total da dívida dos autos;
AL) Foi-lhe então referido que a A. não aceitava tal proposta;
AM) E que apenas poderia aceitar que uma vez vendido o veículo dos autos, o produto obtido com tal venda seria imputado no montante então em dívida pelo R. à A.;
AN) O R. não aceitou tal proposta, tendo-se inclusivamente recusado a assinar um documento onde declarava ser do seu conhecimento que o produto obtido com a venda do veículo dos autos seria imputado na dívida do R. para com a A. à data em que tal venda ocorresse e pela forma referida, documento sem o qual a A. jamais aceitaria que tal veículo lhe fosse entregue para venda;
AO) A A. de imediato escreveu e enviou ao R. a carta datada de 23/05/96, que o mesmo recebeu e não respondeu; e
AP) A A. não ajustou com o referido comerciante vendedor qualquer acordo em que se tenha comprometido a financiar, em regime de exclusividade, as aquisições a crédito pelos clientes - compradores deste, dos bens ou equipamentos que este lhes fornece.
B - Direito:
1. Dado o estatuído nos arts. 684º, nºs 2 e 3 e 690º, nºs 1 a 4, do CPCivil, as conclusões do alegado pelo recorrente delimitam o objecto do recurso.
O âmbito da revista resulta do art. 26º da LOFTJ (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei nº 3/99, de 13/01), que dispõe "fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito" e do art. 729º, nº 2, do CPCivil, ao dispor que "a decisão da 2ª Instância, quanto à matéria de facto não poderá ser alterada, salvo o caso excepcional do nº 2 do art. 722º", pelo qual "o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova".
2. Olhando o alegado, vemos que as questões suscitadas na presente revista interposta pelo R. recorrente são, no plano jurídico, praticamente as mesmas que este já referiu no recurso para a Relação e que aí foram objecto de aprofundada análise no douto Acórdão recorrido.
Essas questões são as seguintes: a) Nulidade da cláusula penal do art. 8º al. c) do contrato de A. e R.; b) Resolução do contrato face aos factos provados e à cláusula 7ª, al. c) das Condições Gerais do contrato de mútuo, mora, denúncia antecipada e incumprimento definitivo; e c) Taxa de juro aplicável e capitalização de juros.
Acerca de cada uma dessas questões, diremos:
a) Nulidade da cláusula penal do art. 8º alínea c) do contrato de A. e R.:
Refere o R. recorrente que essa cláusula penal é nula por violar o estatuído no art. 19º al. c), do DLei nº 446/85, de 25/10, pela sua desproporção relativamente aos danos a ressarcir.
Tendo em conta a al. b) do art. 8º das Condições Gerais, atinente a "Mora e Cláusula Penal", diremos que a falta de pagamento de uma prestação, na data do vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes, sendo certo que a al. c) do mesmo art. dispõe que "em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais".
E, como é sabido, o art. 19°, al. c), do DLei nº 446/85, de 25/10, contém a proibição, à luz do quadro negocial padronizado, das cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
A Doutrina mais autorizada sobre esta temática (Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in "Cláusulas Contratuais Gerais", Almedina, 1993, pág. 47 e A. Pinto Monteiro, in "Cláusula Penal e Indemnização" Almedina, 1990, págs. 599 e 600), tem-se pronunciado no sentido de que o pressuposto da al. c) do art. 19º não se verifica quando exista mera desproporção entre essas cláusulas comparativamente aos danos a ressarcir mas apenas quando se configure uma "desproporção sensível".
A esta luz cabe-nos ver se, in casu, há "desproporção sensível" entre a cláusula penal convencionada entre R. e A. relativamente aos danos a ressarcir.
Dos factos provados vê-se que a A. emprestou ao R. a quantia de 1.500.000$00, com juros à taxa nominal de 25,66% ao ano e com ele acordou no sentido de a falta de pagamento de qualquer das prestações, à data do vencimento, implicar o imediato vencimento das demais e, ainda, que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia indemnização correspondente à taxa contratual ajustada, com mais quatro pontos percentuais.
Será que se configura, no caso vertente, a aludida desproporção sensível?
Temos para nós que a resposta deverá ser negativa e, assim, que não só a taxa de juro contratada entre as partes como também a cláusula penal são plenamente válidas.
É que a taxa de juro - 25,66% - para financiamento de aquisição a crédito, pelo R., do veículo já identificado, é válida face ao previsto no art. 7º do DLei nº 344/78, de 17/11, com a redacção dada pelo DLei nº 83/86, de 6/05, que dispõe:
"1. As instituições de crédito parabancárias poderão cobrar, em caso de mora do devedor, uma sobretaxa de 2% a acrescer em alternativa:
à taxa de juro que seria aplicada à operação de crédito se esta tivesse sido renovada; e
à taxa de juro máxima permitida para as operações de crédito activas de prazo igual por que durar a mora.
2. A cláusula penal devida em virtude da mora não pode exceder o correspondente a quatro pontos percentuais acima das taxas de juros compensatórios referidas no número anterior, considerando-se reduzida a este limite máximo na parte em que exceda, sem prejuízo da responsabilidade criminal respectiva.
3. Os juros de mora incidem sobre o capital já vencido, podendo incluir-se nestes juros capitalizados correspondentes ao período mínimo de um ano.
4. O disposto nos nº s 1 e 2 deste artigo não se aplica às operações activas e aos serviços relativamente aos quais sejam fixadas, legal ou administrativamente, taxas especiais de juros moratórios, nem às operações de locação financeira ou outras actividades parabancárias relativamente às quais o Banco de Portugal estabeleça taxas de mora especificadas".
Ora pelo Banco de Portugal não foi fixado qualquer limite para taxas de juro a praticar por instituições de crédito ou instituições parabancárias e não existe também uma taxa máxima fixada por Aviso do Banco de Portugal para a actividade financeira de aquisições a crédito, ou seja, para a actividade exercida pela A. recorrida aquando da celebração do mútuo referido nos autos - art. 1º do DLei nº 32/89, de 25/01.
E é também legal e válida a estipulação por escrito de cláusula penal moratória, como se vê do art. 811º, nº 1, do CCivil, na redacção dada pelo DLei nº 262/83, de 16/06, onde se dispõe que "o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário".
A propósito referem Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. II, Coimbra Editora, pág. 79, que "A possibilidade de exigência cumulativa do cumprimento coercivo da obrigação e do pagamento da cláusula penal, só excepcionalmente admitida, passou a referir-se concretamente, não só à falta de cumprimento pontual da obrigação (como na equívoca versão de 1980), mas apenas ao atraso da prestação. E, neste ponto, a intervenção do legislador não merece nenhum reparo pela maior clareza e segurança que trouxe ao alcance da lei. É, realmente, no caso de mora que melhor se compreende e justifica a intenção do contraente de estimular através da cláusula penal a cessação dessa situação e em que nada repugna aceitar, por conseguinte, a existência da cláusula ao lado da prestação devida". No mesmo sentido se pronuncia A. Pinto Monteiro, in ob. cit., pág. 427, onde diz que "o artigo 811º nº 1 só contempla a hipótese de existir cláusula penal moratória e, neste caso, permite-se que o credor obtenha o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da pena".
Assim, impõe-se-nos concluir, como se concluiu no Acórdão recorrido, que "a cláusula penal moratória contida na Cláusula 8ª das Condições Gerais do contrato de mútuo referido nos autos é inteiramente válida, nos termos e de harmonia com o disposto nos artigos 810º e 811º nº 1 do Código Civil e 7º nº 2 do Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 83/86, de 6 de Maio".
É que a cláusula penal na base do acréscimo de 4% da taxa de juro - 25,66% - acordada também nesse contrato para os juros remuneratórios, corresponde precisamente ao aumento permitido pelo antes transcrito art. 7º, nº 2, do DLei nº 83/86, de 6/05.
Neste contexto a cláusula 8ª, al. c), das Condições Gerais do contrato de mútuo ora em causa não revela desproporção sensível, entre a pena nela prevista e os prejuízos a ressarcir e, assim, não está inquinada de vício que determine a sua nulidade.
Assim, carece de fundamento a crítica do R. recorrente no tocante a esta questão.
b) Resolução do contrato face aos factos provados e à cláusula 7ª, al. c) das Condições Gerais do contrato de mútuo, mora, denúncia antecipada e incumprimento definitivo:
O R. recorrente, reconhecendo embora estar em mora no contrato de mútuo dos autos, diz ter pretendido cumprir antecipadamente o contrato, comunicando à A. a sua pretensão por carta registada, de acordo com a cláusula 7ª, al. c), do contrato.
Da cláusula 7ª, al. c), do celebrado contrato de mútuo, consta que se o mutuário quiser cumprir antecipadamente, "deverá do facto, mediante carta registada expedida com aviso de recepção, avisar a A com, pelo menos, quinze dias de antecedência".
Ora a carta de fls. 49, de 10/04/1996, referida em K) da matéria fáctica - que o R. recorrente diz ter enviado à A. com vista ao cumprimento antecipado do contrato - diz apenas que "Para os devidos efeitos, em anexo devolvo documentos referentes ao veículo ligeiro de mercadorias, marca Fiat, modelo Ducato Maxi DS 18Q furgão de 1991, com a matrícula PX...., registado em meu nome a 7/12/1994, c/ n° ordem 258 e reserva c/ n° ordem 259, na mesma data em nome da A. Assim sendo, agradeço a rescisão do contrato nº 227054 a partir de 20.02.1996, referente à 17ª prestação, por impossibilidade de continuar a cumprir o estabelecido".
Essa carta tendo sido realmente enviada à A., no contexto em que foi escrita e enviada, no decurso de uma situação de mora, não pode entender-se que como havendo sido feita para negociar o cumprimento antecipado do contrato de mútuo, em consonância com o contido na "cláusula 7ª alínea c) do contrato" já que, repete-se, não pode olvidar-se que o seu autor (ora R. recorrente), à data, se encontrava em manifesta situação de mora.
Na verdade, com tal carta, o R. devolve os documentos do veículo e pede a rescisão do contrato por alegada impossibilidade económica de continuar a cumpri-lo, mas da dita missiva só pode concluir-se que o mesmo, ao fazer a entrega do veículo à A., visava conseguir desta a dispensa do pagamento total da dívida e não que quisesse cumprir antecipadamente o contrato.
Assim sendo, nenhum reparo merece o decidido pelas Instâncias neste domínio.
c) Taxa de juro aplicável e capitalização de juros:
Diz o R. recorrente que a A. não pode exigir juros à taxa contratual, mas à taxa legal, ao menos a partir do momento em que houve resolução do contrato.
Ao fazer essa afirmação o R. decerto esquece que não pagou a 17ª prestação, vencida em 20/02/96, nem as que se lhe seguiram, o que significa ter ficado numa situação de mora a partir dessa data, com o consequente vencimento imediato e automático de todas as prestações fixadas no contrato, face ao contido na cláusula 8ª al. b) das Condições Gerais, onde se estatui que o não pagamento de uma prestação na data do seu vencimento provoca o vencimento antecipado do valor de todas as restantes.
Nesse contexto, na aludida data de 20/02/96 o R. ficou a dever à A. o total indicado no art. 13º da petição inicial, ou seja, 1.844.736$00, com os juros moratórios convencionados a título de cláusula penal e o imposto de selo sobre tais juros, sendo inócuas para o cálculo dos ditos juros quer a eventualidade de resolução do contrato quer a data em que a mesma ocorra.
Isso sucede porque estando-se, como se está, perante obrigações com prazo certo, o devedor constitui-se em mora logo que incorra em incumprimento, face ao estatuído no art. 805º, nº 2, al. a), do CCivil, o que se verifica sem necessidade de interpelação do devedor.
Assim, haja ou não resolução do contrato, a taxa aplicável é sempre a contratualmente ajustada - 25,66%, com o acréscimo de 4 pontos percentuais da mora - e não qualquer outra.
E não se diga que o regime em causa é ilegal, pois que o mesmo tem a sua sede própria em algumas das normas citadas e é aliás o mais consentâneo com o risco da actividade da A. - sociedade financeira para aquisições a crédito - como tal sujeita às regras contidas nos DLeis nºs 344/78, de 17/11, 83/86, de 6/05 e 204/87, de 18/05 e, em manifesta conformidade com o disposto no art. 560º, nº 3, do CCivil, que prevê a não aplicação das restrições contidas nos seus nº s 1 e 2 "se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio", à luz das quais é permitida a capitalização de juros tal como esta se processou no caso vertente (Cfr., a propósito, Acórdão deste STJ., de 17/05/1988, in Tribuna da Justiça de Julho/Agosto de 1988, pág. 37, "II - A capitalização de juros, nas operações bancárias, é permitida independentemente da convenção das partes, nos termos do art. 560º nº 3 do CC, e do art. 5º nº 4 do DL nº 344/78, de 17 de Novembro").
Assim, também aqui falece razão ao R. recorrente.
3 - Face ao explanado é evidente a nossa concordância com o julgado das Instâncias que, por isso, vai manter-se na íntegra.
III - Assim, nega-se a revista, com custas pelo R. recorrente.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2003.
Joaquim de Matos
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos