Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SILVA FLOR | ||
| Descritores: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU PRINCÍPIO DA CONFIANÇA TRÂNSITO EM JULGADO RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ20060315007823 | ||
| Data do Acordão: | 03/15/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | INCIDENTE | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - Referindo a documentação que integra o mandando de detenção que o mesmo tem força executiva, é o que basta, atento o princípio da confiança dos Estados nas decisões proferidas por qualquer deles, para se considerar respeitada a mencionada exigência legal (art. 3.º , n.º 1, al. c), da Lei 65/2003, de 23-08). II - Cumpre a exigência estabelecida no art. 3.º , n.º 1, al. c), da referida Lei o mandado que, integrado pelos elementos que o acompanham, nomeadamente cópia da acusação, contém a descrição dos factos de forma a possibilitar o controlo da sua legalidade pelo Estado a quem é solicitado o seu cumprimento e o exercício do direito de defesa da pessoa cuja detenção é solicitada. III - Nos termos do art. 12.°, n.º 1, al. b), do diploma em análise, a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando estiver pendente em Portugal procedimento contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado. E, em conformidade com o disposto na al. h)-i), a execução pode ser recusada quando o mandado tiver por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves. IV - A recusa facultativa regulada no art. 12.º tem de assentar em motivos ponderosos, ligados fundamentalmente às razões que subjazem, por um lado, ao interesse do Estado que solicita a entrega do cidadão de outro país para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, e, por outro, ao interesse do Estado a quem o pedido é dirigido em consentir ou não na entrega de um nacional seu. V - No caso dos autos, dada a circunstância de a maior parte dos factos ter ocorrido em Espanha, envolvendo um outro arguido, e de o processo em curso nos tribunais portugueses se encontrar numa fase incipiente, conhecendo-se neste momento apenas o teor da queixa apresentada por uma das ofendidas, enquanto o processo em Espanha se encontra em fase adiantada, já com acusação deduzida, é de considerar que inexistem razões ponderosas para que o Estado português recuse a execução do mandado de detenção emitido pela autoridade judiciária espanhola. VI - Nos termos do art. 12.°, n.º 1, al. g), da Lei 65/2003, de 23-08, constitui causa de recusa facultativa de execução de mandado de detenção europeu a circunstância de a pessoa procurada se encontrar em território nacional e ter nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa. VII - A circunstância de se tratar de um mandado para efeitos de procedimento criminal, e não para cumprimento de pena ou de medida de segurança, afasta por si só a possibilidade de recusa facultativa no âmbito do art. 12.°. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães requereu a execução do mandado de detenção europeu emitido pela Audiência Provincial de Toledo ─ …, Espanha, contra AA, de nacionalidade portuguesa, casado, empresário, residente na Rua …, n.° .., .., …, com os fundamentos seguintes: ─ Pela referida autoridade judiciária espanhola Audiência Provincial foi emitido, em 8 de Novembro de 2005, mandado de detenção europeu contra AA, como autor, conjuntamente com outras pessoas, de quatro crimes de detenção ilegal e quatro crimes de favorecimento da prostituição dos artigos 163 e 188, respectivamente, do Código Penal Espanhol de 1995. ─ Concretamente, o requerido é acusado de, conjuntamente com outro acusado, no dia 8 de Setembro de 1998, ter transportado de Portugal para Espanha quatro mulheres portuguesas, ao engano, prometendo-lhes trabalho num restaurante. Porém, uma vez em Espanha, obrigaram-nas a trabalhar como camareiras no clube de alterne "..", na localidade de … (Toledo), alternando com os clientes e forçando-as a exercer a prostituição com os clientes que o solicitassem, sem que lhes fosse entregue qualquer quantia do dinheiro que àqueles era cobrado. Ao fim do dia, as quatro mulheres eram fechadas à chave num piso daquela localidade de …, permanecendo vigiadas no clube e no piso. Esta situação prolongou-se até 6 de Outubro de 1998, data em que as mulheres puderam comunicar telefonicamente estes factos à Polícia Judicial (Guardia Civil). ─ O requerido, durante a tramitação do processo judicial, ausentou-se do domicilio que havia indicado ao Tribunal, havendo conhecimento de que se encontrava a viver na … e que possui uma oficina de automóveis entre as localidades de … e …, no concelho de Esposende. ─ Os factos indicados, de acordo com a legislação de Espanha, constituem tráfico de seres humanos, infracção esta punível nesse Estado com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 3 anos, mostrando-se, pois, respeitado o disposto no artigo 2°, n.os 1 e 2, alínea c), da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto. ─ Não se verifica nenhuma das situações que determinem a recusa da sua execução, nomeadamente as contempladas nas diversas alíneas dos artigos 11.° e 12.° da Lei n.º 65/2003. ─ Contudo, uma vez que o requerido tem nacionalidade portuguesa e teria residência em Portugal, a decisão de entrega ao Estado espanhol poderá ficar sujeita à condição de o requerido, após ter sido ouvido, ser devolvido ao Estado português para neste cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que for condenado no Estado espanhol, nos termos do artigo 13.°, alínea c), da Lei n° 65/2003. Distribuído o processo na Relação de Guimarães, em 6-12-06, a relatora proferiu despacho liminar sobre a suficiência das informações que acompanhavam o mandado de detenção europeu, ordenando a passagem de mandados de detenção para os domicílios mencionados da área da Relação de Guimarães e determinando que se solicitasse ao Estado membro emissor a prestação da garantia a que se refere o artigo 13.°, alínea c), da Lei n.º 65/2003, garantia que foi prestada. Detido o requerido, em 24-01-2006, e ouvido nos termos do artigo 18.º da referida lei, o mesmo opôs-se à detenção, dizendo em síntese: ─ A razão da detenção do requerido tem como fundamento a aplicação da medida coactiva de prisão preventiva; ─ Não consta do mandado que tal decisão não tenha sido objecto de recurso ou que tenha transitado em julgado, mostrando-se violado o artigo 3.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 65/2003; ─ Não se encontra devidamente cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea d), que exige a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida; ─ Não foi cumprido o disposto no artigo 6.º, n.º 1, alíneas a) e b); ─ A infracção foi iniciada e cometida em Portugal, pelo menos em parte, o que constitui, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea h)-i), causa de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu; ─ No inquérito em curso no Tribunal Judicial de Bragança, no qual o requerido foi constituído arguido, foi indicada uma testemunha, BB, também indicada na acusação do Ministério Público espanhol, o que integra a circunstância prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea c), constituindo também causa de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu; ─ O mesmo ocorre em relação ao processo que corre termos no Tribunal Judicial de Póvoa de Varzim, relativamente a outra testemunha; ─ Não se mostra prestado o compromisso referido no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), o que também constitui causa de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu; ─ Deve assim ser indeferida a execução do mandado europeu emitido contra o requerido. I.2. A Relação de Guimarães proferiu decisão sobre a execução do mandado europeu de detenção, determinando a execução do mesmo, entregando-se o detido AA às autoridades judiciais do Estado Espanhol (Audiência Provincial de Toledo), para efeitos de ser sujeito ao processo penal a que se refere o presente mandado e pelos factos nele mencionados. Inconformado, o requerido recorreu para este Supremo Tribunal, formulando na motivação do recurso as seguintes conclusões: 1.ª Invoca-se no artigo 7° da Oposição que o mandado de detenção europeu solicitado pelo Estado Espanhol, tem como fundamento a aplicação ao detido da medida de coactiva de prisão preventiva e no artigo 8° diz-se que não se mostra suficientemente provado no mandado, e tão pouco indicado, que tal decisão não tenha sido objecto de recurso ou que tal decisão tenha transitado em julgado, e por isso mostrar-se violado o disposto na parte final a alínea c) do n° l do artigo 3° da Lei 65/2003 de 23/08. 2.ª O acórdão não toma posição sobre a questão suscitada, não se pronunciando sobre o trânsito em julgado do despacho que decretou a prisão preventiva do recorrente e consequentemente da força executiva do mesmo. 3.ª Existe omissão de pronúncia e falta de fundamentação quanto à questão suscitada, o que viola o disposto no n° l do artigo 205° da Constituição da República Portuguesa. 4.ª No artigo 9° da Oposição o recorrente alegou que o mandado não cumpria o preceituado na alínea e) do n° l do artigo 3° da referida lei, que exige a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada. 5.ª O tribunal recorrido, toma posição, a folhas 5 do mesmo acórdão, dizendo o seguinte: «E também consta a segunda informação aludida, a qual é do seguinte teor: «Traer a cuatro súbditas portuguesas a Espana bajo engano de trabajar em um restaurante y obligadas a prostituir-se en un club de alterne, manteniendolas encerradas bajo llave y vigiladas todo el tempo» ( cfr- fls 61), sendo que, juntamente com o mandado, foi enviado pelo Estado emissor, cópia da acusação..." 6.ª É clara a omissão, no mandado, dos elementos constitutivos e impostos na alínea e) do n° l do artigo 3°, norma que consideramos violada. 7.ª No artigo 15° da Oposição o recorrente defende que a execução do mandado de detenção europeu deve ser recusado por se verificar a circunstância prevista na alínea b) do n° l do artigo 12° da Lei 65/2003 de 23/08, ou seja estar pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu. 8.ª Tal circunstância encontra-se comprovada com a certidão junta aos autos de folhas 170 a 174. 9.ª No entanto, o tribunal recorrido julgou tal causa de recusa improcedente. 10.ª Justifica-se o acórdão recorrido com o seguinte: "Por outro lado, é certo que os documentos de fls 170 a 174 demonstram que está pendente em Portugal (Inquérito n° …, dos serviços do Ministério Público de Póvoa de Varzim, actualmente em fase de reforma dos autos) procedimento penal contra o requerido pelos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu, sendo certo também que no tocante aos crimes de detenção ilegal do art° 163°. l do Cód. Penal espanhol (crimes de tráfico de pessoas do art° 169° do Cód. Penal Português) parte da conduta típica ocorreu em território nacional (v. Artº 7° do Cód. Penal Português), o que configura as causas de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu previstas, respectivamente, nas alíneas b) e h)-i) do n° l do art° 12° da Lei 65/2003”. ″Porém, como se refere no ac. do ST J de 17/03/2005, in C J, stj. Ano XIII, tomo I, 2005, págns 220 e ss, «... a recusa facultativa não pode ser concebida como um acto gratuito ou arbitrário do tribunal. Há-de, decerto, assentar em argumentos e elementos de facto adicionais aportados ao processo susceptíveis de adequada ponderação, nomeadamente invocados pelo interessado, que devidamente equacionados, levem o tribunal a dar justificativa prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente» ". ″No caso em apreço, para além do requerido nada ter aportado ao processo no sentido preconizado no citado aresto, razões existem até para que não se lance mão da faculdade legal de recusa...″ 11.ª Foram levados ao processo elementos de facto susceptíveis de adequada ponderação e tanto assim é que foi junto aos autos os documentos 170 a 174, como o acórdão recorrido refere. 12.ª O aresto citado não tem aplicação ao caso dos autos. 13.ª Assim como também não compreendemos o acolhimento por partedo tribunal recorrido da posição do Exm° Procurador-Geral Adjunto, que a folhas 7 do mesmo acórdão refere o seguinte, citamos: ″Na verdade, atenta a fase avançada do processo pendente no Estado emissor, e a fase incipiente em que se encontra o procedimento penal em Portugal, é manifesto que há toda a conveniência em que o requerido preste contas perante a justiça do Estado emissor, desde logo em face do que dispõe o art° 33°, n° 2 da Const. República Portuguesa. A recusa in casu redundaria em prejuízo para o requerido atento o princípio da presunção da inocência. É que, como refere Maia Gonçalves, o direito a julgamento no mais curto prazo possível «é ilação da presunção da inocência, pois que uma demora excessiva do julgamento acabará por ficar de algum modo injustamente penalizado, mesmo no caso de absolvição» - v. Código de Processo Penal, Almedina, 14° ed., pág.170.″ 14.ª O tribunal recorrido labora em confusão, desde logo porque estamos em planos diferentes de direitos do arguido, é ao mesmo que compete ajuizar no plano do exercício dos seus direitos, aquele que lhe parece mais vantajoso. 15.ª O arguido não tem qualquer vantagem em ser julgado em Espanha, pois as molduras penais são mais gravosas para o mesmo em caso de condenação. 16.ª Ao não ser julgado pelo Tribunal Português, é-lhe vedada a possibilidade de beneficiar das leis de amnistia e eventualmente de perdão de pena, entretanto decretadas em Portugal 17.ª Isto, só por si, é suficiente e vantajoso para que recorrente seja julgado em Portugal. 18.ª O facto de os processos, em Portugal e Espanha, se encontrarem em fases diferentes de desenvolvimento não nos parece que tenha acolhimento na letra da lei, esta, de facto, é bem clara - estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu. 19.ª Como se constata a norma não expressa qualquer indicação sobre o estado avançado ou não avançado do processo. 20.ª Verifica-se a circunstância prevista na alínea h)-i) do n° l do artigo 12°, (segundo a lei portuguesa, artigo 7° do Código Penal), o presente mandado de detenção europeu tem por objecto de infracção cometida em território nacional, facto que o tribunal recorrido não põe em causa. 21.ª O acórdão recorrido violou claramente o disposto nas alíneas b), h)- i) do n° l do artigo 12° da Lei 65/2003 de 23 de Agosto. 22.ª A garantia prevista na alínea c) do artigo 13° da Lei 65/2003 de 23/08 tem que ser conjugada com o compromisso previsto na alínea g) do n° l do artigo 12° da referida lei, e este compromisso não se encontra dado nem formalizado nos autos, o que, também constitui causa de recusa facultativa de execução de mandado de detenção europeu. 23.ª O recorrente requereu que o Estado Português aceitasse expressamente nos autos o compromisso estatuído na alínea g) do artigo13°, pois o recorrente declarou pretender cumprir pena em Portugal. 24.ª Nada e por ninguém foi dito sobre tal assunto e compromisso. 25.ª Verifica-se assim omissão de pronúncia por parte do representante do Estado Português, bem assim como do tribunal recorrido 26.ª Foi violado o disposto na alínea g) do do n° l do artigo 12° da referida lei, bem assim como o disposto no n° l do artigo 205° da C.R.P. (omissão de fundamentação). Pedido Deve o presente recurso merecer procedência, ser revogado o acórdão recorrido e ser indeferido o pedido de execução de mandado de detenção europeu relativamente ao cidadão português AA. O Ministério Público respondeu, dizendo em síntese (transcrição): a) A aplicação do princípio do reconhecimento mútuo determina que, recebido o mandado europeu pela autoridade judiciária competente para sua execução, esta se efective de forma praticamente automática, sem necessidade de a autoridade judiciária de execução proceder a novo exame da solicitação da autoridade judiciária de emissão para verificar da conformidade da mesma com o seu ordenamento jurídico interno. b) Só em circunstâncias extremas e muito excepcionais, taxativamente previstas na lei - erro na identidade do detido e existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu -, é que a autoridade judiciária de execução pode denegar, na base de uma apreciação meramente objectiva, o cumprimento do mandado europeu de detenção e entrega da pessoa reclamada à autoridade judiciária de emissão. c) Tais circunstâncias, no caso, não existem imperativamente. d) Nem facultativamente, a não ser em relação aos factos denunciados no Inquérito n.º … dos Serviços do Ministério Público na Comarca da Póvoa de Varzim. Porém, e) Em relação a esses factos, porém, não se justifica a recusa facultativa da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.° da Lei n.° 65/2003, com base na pendência em Portugal de procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão de mandado de detenção europeu, porquanto f) Esta circunstância não invalida, por si só, que o arguido não possa, desde já, ser julgado em Espanha pelos factos e crimes de que aí é acusado, não só porque a litispendência não paralisa o andamento dos processos em confronto, sobretudo quando correm em países diferentes e, num deles, o processo se mostra "desaparecido", como, principalmente, porque em Espanha o processo corre também por factos e crimes relativos a outras pessoas ofendidas. g) E, mais, haverá toda a conveniência em que o requerido seja julgado, quanto antes, no processo que se encontra em fase mais adiantada - o espanhol, pois só assim se garantirá a pretensão punitiva de ambos os Estados, Espanhol e Português, tanto mais que são particularmente graves os crimes em causa. Deverá, pois, o recurso do detido AA ser julgado manifestamente improcedente, mantendo-se e confirmando-se a douta decisão recorrida, como é de Justiça! Colhidos os vistos legais e vindo os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir. II.1. O recorrente suscita na motivação do recurso as seguintes questões: ─ Violação do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto; ─ Violação do disposto n artigo 3.º, n.º 1, alínea e), da citada lei; ─ Verificação do disposto no artigo 12º, n.º 1, alíneas b) e h)-i), da mesma lei; ─ Violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da mesma lei. II.2. Questão da violação do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 65/2003 Alega o recorrente que, tendo o mandado de detenção europeu emitido pelo Estado Espanhol, como fundamento, a aplicação ao detido da medida de coactiva de prisão preventiva, e tendo sido alegado no n.º 8 da oposição que não se mostra suficientemente provado nem indicado no mandado que tal decisão não tenha sido objecto de recurso ou que tal decisão tenha transitado em julgado, mostra-se violado o disposto na parte final a alínea c) do n.º l do artigo 3° da Lei 65/2003, de 23 de Agosto. Acresce que o acórdão recorrido não toma posição sobre a questão suscitada, pelo que existe omissão de pronúncia e falta de fundamentação da decisão. Como é sabido, e isto vale para a generalidade das questões suscitadas pelo recorrente, o mandado de detenção europeu, cujo regime jurídico foi aprovado pela Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, foi concebido e estruturado na base de uma confiança recíproca entre os Estados membros, designadamente no que concerne à conformação das decisões judiciais com as normas consagradas nos respectivos sistemas legais. O artigo 3.º, n.º 1, da referida lei estabelece quais as informações que o mandado de detenção europeu deve conter. Na alínea c) estabelece-se a exigência de indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva nos casos previstos nos artigos 1.º e 2.º. Está em causa a força executiva da execução do mandado de detenção europeu emitido pela Audiência Provincial de Toledo, Espanha, para a prisão preventiva do recorrente. O recorrente não alega que o mandado não tem força executiva, limitando-se a pôr em dúvida que tenha havido trânsito em julgado. Refere-se na documentação que integra o mandado de detenção emitido, a fls. 59, que o mesmo tem força executiva, pelo que tanto basta, atento o referido princípio da confiança dos Estados nas decisões proferidas por qualquer deles, para se considerar respeitada a mencionada exigência legal. E não é exacto que a Relação de Guimarães não se tenha pronunciado sobre a questão. Como efeito, a fls. 224, e depois de mencionar a suscitação da questão no ponto 8 da oposição, expendeu-se: Nos termos das citadas als c) e e), o mandado de detenção europeu contém, em conformidade com o formulário anexo à Lei 65/2003, a «Indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão com a mesma força executiva nos casos previstos nos artigos 1° e 2°» e a «Descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada». E é o que ocorre no mandado de detenção europeu em causa. Com efeito, nele consta a indicação exigida pela al. c), e que no caso é a indicação de um mandado de detenção ("Auto de Fecha 17/10/03", "ordenando la busca, captura e ingreso em prison"- cfr. fls 59). Mais, no expediente enviado pelo Estado emissor juntamente com o mandado de detenção europeu, consta cópia desse despacho - cfr. fls 79 a 81. Assim, e ainda que de forma sintética, a Relação considerou que o mandado respeita as exigências da alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º, pelo que não existe omissão de pronúncia nem falta de fundamentação da decisão. Falece pois razão ao recorrente nesta parte. II.3. Questão da violação do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea e) Sustenta o recorrente que no ponto 9 da oposição alegou que o mandado não cumpria o preceituado na alínea e) do n° l do artigo 3°, norma que considera violada. A referida alínea estabelece que o mandado de detenção deve conter a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada. Consta do mandado, na parte relativa a essa descrição, a fls. 61, a seguinte informação: "Traer a cuatro súbditas portuguesas a Espana bajo engano de trabajar em um restaurante y obligadas a prostituir-se em un club de alterne, manteniendolas encerradas bajo llave y vigiladas todo el tempo". Foi imputada ao recorrente a prática de quatro crimes de detenção ilegal do artigo 163.º do Código Penal (espanhol) e de quatro crimes de favorecimento da prostituição do artigo 188.º do mesmo código. E foi junta com o mandado cópia da acusação, a fls. 85, de que se transcrevem as conclusões seguintes: "Primera ─ La acusada CC, mayor de edad y sin antecedentes penales, puesta de acuerdo com el también acusado AA, mayor de edad y sin antecedentes penales y DD el último em paradero desconocido y al que no afecta el presente escrito, como gerente del Club "…", sito en el km. 45,100 de la carretera …, sobre el 8 de Septiembre de 1998 recibieron a las súbditas portuguesas EE, FF y GG y HH que fueram llevadas desde su país de origen al referido club por los 2 varones con la promessa de trabajar em un restaurante cuando lo cierto es que se les obligó por los 2 acusados a ejercer de camareras en tal club, debiendo alternar com los clientes y ejercer la prostitución cuando alguno lo solicitasse, encargándose CC y AA de cobrar el dinero a los mismos, sin entregar ninguna cantidad a las aludidas. Al terminar la jornada sobre las 2, 30 horas de la manana las mujeres eram trasladadas a pernoctar en un piso sito en sugunto n° .. bajo de … que tenia alquilado la acusada permaneciendo siempre vigiladas y encerrándolas bajo llave, tanto em el club como en el piso quando los vigilantes debían ausentarse. Tal situación se prolongo hasta el 6 de Octubre de 1998 cuando las mujeres pudieron comunicar telefonicamente a Ia Guardia Civil su situación." A transcrição desta parte da acusação representa o desenvolvimento da descrição dos factos supra referida, pelo que inexiste violação do referido preceito. Com efeito, o que importa é que o mandado, integrado pelos elementos que o acompanham, contenha a descrição dos factos de forma a possibilitar o controlo da sua legalidade do mandado pelo Estado a quem é solicitado o seu cumprimento e o exercício do direito de defesa da pessoa cuja detenção é solicitada. Também neste ponto falece razão ao recorrente. II.4. Questão da verificação do disposto no artigo 12º, n.º 1, alíneas b) e h)-i) Alega o recorrente que no ponto 15 da oposição sustentou que a execução do mandado de detenção europeu deve ser recusado por se verificar a circunstância prevista na alínea b) do n.° l do artigo 12°, ou seja estar pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu, circunstância que se encontra comprovada com a certidão junta aos autos de folhas 170 a 174. No entanto, o tribunal recorrido julgou tal causa de recusa improcedente. No ponto 15 da oposição o recorrente havia alegado que corre termos o inquérito n.º …, no Tribunal Judicial de Póvoa de Varzim, que contempla os factos que motivaram a emissão do mandado de detenção europeu. O processo em causa está ser objecto de uma reforma, encontrando-se junta aos autos uma cópia da queixa que deu origem ao processo (fls. 170 a 174). Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea b), a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando estiver pendente em Portugal procedimento contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão que motiva a emissão do mandado. E, em conformidade com o disposto na alínea h)-i), a execução pode ser recusada quando o mandado tiver por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses. A recusa facultativa regulada no artigo 12.º tem de assentar em motivos ponderosos, ligados fundamentalmente às razões que subjazem, por um lado, ao interesse do Estado que solicita a entrega do cidadão de outro país para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, por outro, ao interesse do Estado a quem o pedido é dirigido em consentir ou não na entrega de um nacional seu. Tratando-se de entrega para efeitos de procedimento criminal, como é o caso, o Estado emissor quer exercer o seu jus puniendi pelos crimes praticados no seu território, para salvaguarda dos valores estruturantes na vida em sociedade, quer se trate de crimes praticados por nacionais, quer por estrangeiros. O Estado a quem a entrega é pedida pode recusá-la, nos casos das alíneas em causa ─ b) e h)-i) ─ movido por razões que entroncam na afirmação do primado do seu sistema de justiça penal. Tudo está em saber se essas razões são suficientemente ponderosas para negar uma cooperação com outro Estado, aceite como princípio a observar nas relações ente ambos. Isto obriga-nos a atentar na factualidade trazida aos autos e na sua valoração jurídica. Da queixa apresentada na PSP do Porto, depois da intervenção das autoridades espanholas, e que deu origem ao inquérito instaurado pelo Ministério Público de Póvoa de Varzim, único elemento disponível sobre o conteúdo do mesmo, resulta que a factualidade aí descrita coincide em grande parte com a do mandado de detenção. Assim, há que reconhecer que os factos são essencialmente os mesmos. Mas, à míngua de outros desenvolvimentos do inquérito, não se pode afirmar que está em curso procedimento criminal contra o ora recorrente por todos os factos referidos na queixa, designadamente porque é duvidoso que os tribunais portugueses sejam competentes para conhecer de todos eles. É que, parecendo líquido que a os tribunais portugueses são competentes para conhecer de um eventual crime de tráfico de pessoas, previsto e punido no artigo 169.º do Código Penal, já é duvidoso que o sejam para a factualidade relativa ao cerceamento da liberdade da ofendidas (sequestro) e para o lenocínio ocorridos em Espanha, que o mandado de detenção caracteriza, face à lei espanhola, como crimes de detenção ilegal e de favorecimento da prostituição. Em suma: não se pode ter como assente que o mandado de detenção tenha por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional. Mas mesmo que se entenda que tal se verifica nalguma medida, a circunstância de a maior parte dos factos ter ocorrido em Espanha, envolvendo um outro arguido, e de o processo em curso nos tribunais portugueses se encontrar numa fase incipiente, conhecendo-se neste momento apenas o teor da queixa apresentada por uma das ofendidas, enquanto o processo em Espanha se encontra em fase adiantada, já com acusação deduzida, é de considerar que inexistem razões ponderosas para que o Estado português recuse a execução do mandado de detenção emitido pela autoridade judiciária espanhola. Daí que não se possa lançar do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alíneas b) e h)-i), da Lei n.º 65/2003, para a recusa facultativa de execução do mandado. II.5. Questão da violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea g) Sustenta o recorrente que alegou no ponto 17 da oposição que a garantia prevista na alínea c) do artigo 13.º tem de ser conjugada com o compromisso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º, compromisso que não se mostra dado nem formalizado nos autos, o que constitui também causa de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu. E nada foi dito sobre esse ponto, o que envolve uma omissão de pronúncia. Estabelece o artigo 13.º, alínea c), que a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro da emissão prestar a garantia de que, quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro da execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro da execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro da emissão. Nos termos do artigo 12.º. n.º 1, alínea g), constitui causa de recusa facultativa de execução de mandado de detenção europeu a circunstância de a pessoa procurada se encontrar em território nacional e ter nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança, e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa. A circunstância de se tratar de um mandado para efeitos de procedimento criminal, e não para cumprimento de pena ou de medida de segurança, afasta por si só a possibilidade de recusa facultativa no âmbito do artigo 12.º. E não faria sentido que, na fase de procedimento criminal, o Estado da execução do mandado de detenção europeu, tivesse, como condição para execução do mandado para esse fim, de assumir perante o Estado emissor o compromisso de execução da pena ou medida de segurança que viesse a ser aplicada. Diversamente do que alega o recorrente, não houve omissão de pronúncia, já que a Relação, a fls. 226, expendeu: Mas deverá a execução do presente mandado de detenção europeu ser recusada à luz do art° 12° da Lei 65/2003? Entende este tribunal que não. Assim, dir-se-á, desde já, que não há que invocar, como o faz o requerido, a causa de recusa facultativa da al. g) do n° 1, do citado artigo 12°. O presente mandado de detenção europeu não foi emitido para «cumprimento de uma pena ou medida de segurança.». Também neste ponto carece de razão o recorrente. III. Nestes termos, julgam não provido o recurso, confirmando a acórdão recorrido. O recorrente pagará 8 UCs de taxa de justiça. Lisboa, 15 de Março de 2006 Silva Flor (relator) Soreto de Barros Armindo Monteiro |