Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CATARINA SERRA | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO ANULAÇÃO DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA COMPETÊNCIA MATERIAL FORO ADMINISTRATIVO FORO COMUM INDEMNIZAÇÃO NOTIFICAÇÃO DEVOLUÇÃO DEPÓSITO OFENSA DO CASO JULGADO INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE NULIDADE OMISSÃO DE PRONÚNCIA CAUSA DE PEDIR | ||
| Apenso: | |||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | A competência para decidir o pedido da entidade expropriante de notificação dos expropriados para depositar o montante da indemnização na sequência da anulação, pelo Supremo Tribunal Administrativo, da declaração de utilidade pública pertence aos tribunais comuns. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrentes: AA e Outros Recorrido: Município do Porto 1. Nos presentes autos de expropriação, tendo a entidade expropriante, o Município do Porto, vindo requerer que, “por força da declaração de nulidade da Deliberação da Assembleia Municipal do Porto de 27.12.2002, os Expropriados sejam notificados para proceder ao depósito, à ordem dos presentes autos, do montante recebido a título de indemnização pela expropriação da Parcela n.º 5, a qual ascende ao montante de € 713.046,26”, foi proferida, em 31.10.2023, sentença em que se decidiu, a final: “Pelo exposto, considera-se este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da pretensão formulada pelo Município do Porto”. 2. Tendo o Município do Porto apelado, foi proferida no Tribunal da Relação do Porto decisão sumária / singular com o dispositivo seguinte: “Na procedência das alegações de recurso revoga-se a sentença recorrida e declara-se competente para conhecer do incidente de restituição da indemnização ao expropriante o tribunal comum”. 3. Os expropriados, AA e Outros, vieram requerer que sobre esta decisão recaísse acórdão no sentido de ser confirmada a decisão de 1ª instância, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido por Acórdão de Conferência, a final, o seguinte: “Atento o exposto não se atende a reclamação mantendo-se a decisão singular”. 4. AA e Outros vieram, então, interpor recurso de revista ao abrigo dos artigos 671.º e s. do CPC. Alegam os recorrentes, em conclusão: “1ª O Acórdão recorrido padece de erros estruturantes: 1ª.1 O primeiro desses erros, tem que ver com o facto de o Acórdão recorrido ter assumido/pressuposto que a declaração de utilidade pública desta expropriação foi declarada nula pelo Tribunal administrativo (assim, por exemplo, pág. 9, por três vezes, pág. 10, e as citações jurisprudenciais aí efetuadas em que o Acórdão recorrido se fundamentou). No entanto, não foi assim. De facto, decidindo o recurso contencioso interposto pelos Expropriados da declaração de utilidade pública que determinou esta expropriação, o Acórdão do Supremo Tribunal de Administrativo de 17.05.2018, julgou procedente essa ação e anulou essa declaração de utilidade publica expropriativa (Doc. 3 junto ao nosso Requerimento de 24.06.2022). Estamos perante duas formas distintas de invalidade dos atos administrativos (nulidade e anulabilidade), sendo que cada uma dessas formas tem um regime jurídico distinto, designadamente quanto aos efeitos jurídicos produzidos. Do mesmo modo, as decisões judiciais que anulam atos administrativos produzem efeitos jurídicos distintos daquelas que declaram a nulidade de atos administrativos, designadamente quanto aos efeitos dos atos administrativos em causa: tendencialmente, os atos nulos não produzem quaisquer efeitos jurídicos e os atos anuláveis produzem efeitos jurídicos até à sua anulação, exceto se nessa anulação judicial o Tribunal determinar efeitos retroativos à anulação decidida (art. 163º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo). Deste modo, porque a declaração de utilidade pública desta expropriação foi anulada e não declarada nula, importa constatar que a mesma produziu efeitos jurídicos até à sua anulação, pois nessa anulação judicial o Tribunal não determinou efeitos retroativos à anulação decidida. 1ª.2 O segundo erro do Acórdão recorrido tem que ver com a invocação de um tipo de ação (ação de reivindicação) que nada tem que ver com o que está em causa neste processo. No seu percurso decisório e fundamentante o Acórdão recorrido (págs. 10 e 11) cita Jurisprudência onde se considerou que as ações de reivindicação não cabem na previsão do art. 4º, nº 1, g), do ETAF, pelo que não se integram na competência dos Tribunais Administrativos. Com base na jurisprudência que cita, o Acórdão recorrido decidiu o seguinte: “Não havendo no ETAF uma norma que atribua competência à jurisdição administrativa para o conhecimento de ações de reivindicação a competência para conhecer da presente ação de condenação cabe, a título residual, aos tribunais comuns” (pág. 11, sublinhado nosso). As razões que ditaram esta analogia não são percetíveis, sendo certo, no entanto, que assentam num evidente equívoco, pois não estamos perante uma ação de reivindicação. 1ª.3 O terceiro erro do Acórdão recorrido é o seguinte: este Acórdão parte do pressuposto que a questão que aqui se discute se passa e discute no âmbito de uma típica ação judicial, onde foi apresentada uma petição inicial, uma contestação e demais fases e atos processuais legalmente previstos no modelo processual geral. No entanto, não foi assim: esta pretensão da Expropriante foi deduzida no processo judicial de expropriação já findo, impedindo assim os Expropriados/Recorrentes de uma defesa plena no âmbito de um processo equitativo (art. 20º, nº 4, da Constituição. 2ª A inutilidade superveniente desta lide (a) A decisão quanto à intrínseca ligação/dependência da pretendida devolução indemnizatória face ao pedido dos Expropriados de cancelamento da inscrição do Expropriante como proprietário do imóvel expropriado no Registo Predial (de que desistiram) transitou em julgado, tendo força de caso julgado no processo. (b) Transitada em julgado esta decisão, a mesma torna inútil que se conheça da competência dos Tribunais comuns para decidir a pretendida devolução: atendendo à decidida dependência e à desistência do cancelamento registal por parte dos Expropriados, esta desistência faz cair a pretendida devolução indemnizatória e a questão da competência para o efeito. (c) Deste modo, ainda que pudesse proceder (como procedeu no Acórdão recorrido) o recurso do Expropriante da decisão que julgou a incompetência dos Tribunais comuns para julgar a devolução indemnizatória, essa devolução não poderá ser depois decidida, pois, como se encontra decidido com transito em julgado, a mesma estava dependente de um pedido de cancelamento registal do qual os Expropriados desistiram. (d) Assim, a necessária conclusão de que o conhecimento/decisão da única questão pendente neste recurso (incompetência) é inútil, não podendo produzir quaisquer efeitos, nem podendo satisfazer qualquer interesse legitimo do Recorrente. Ora, é precisamente para este tipo de situações que se encontra estabelecida a figura da inutilidade superveniente da lide, neste caso recursiva (art. 277º, e., do CPC). Assim, por se verificar in casu a previsão normativa deste regime, deve ser decidida a extinção desta instância recursiva por inutilidade superveniente da lide. 3ª Violação de caso julgado A referida intrínseca ligação/dependência da pretendida devolução indemnizatória face ao pedido dos Expropriados de cancelamento da inscrição do Expropriante como proprietário do imóvel expropriado no Registo Predial (de que desistiram) já foi objeto de 2 decisões proferidas no processo e transitadas em julgado: no Despacho de 31.10.2023 e na Decisão Singular de 15.02.2023 proferida pelo Tribunal da Relação do Porto. Destas decisões resulta assim que, independentemente da decisão a proferir sobre o Tribunal competente para decidir a pretendida devolução indemnizatória, essa pretensão está prejudicada pela prévia decisão proferida quanto aos efeitos que a desistência do referido cancelamento registal tem sobre essa questão/pretensão, impedindo-a. Caso contrário haverá violação do caso julgado das duas referidas decisões (arts. 619º-621º do CPC). 4ª O Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, d., CPC) Na Reclamação para a Conferência da Decisão Singular do Tribunal recorrido de 27.10.2024 (onde foi proferido o Acórdão aqui recorrido), os Recorrentes suscitaram as questões que vêm de ser expostas nas duas anteriores Conclusões (págs. 1-4 dessa Reclamação). No entanto, o Acórdão recorrido não dedicou a essas questões qualquer palavra, pelo que se verifica uma nulidade por omissão de pronúncia. É que, para além do mais, a questão relativa à violação de caso julgado que se deixou invocada é de conhecimento oficioso (art. 577º, i., e art. 578º do CPC). 5ª A incompetência absoluta dos Tribunais comuns para executar/retirar efeitos da decisão de Tribunal administrativo que anulou a declaração de utilidade pública desta expropriação e a inadequação processual deste processo para esse efeito (art. 96º do CPC e art. 157º do CPTA) 5ª.1 (a) Porque estamos no âmbito de uma relação jurídico-administrativa (as expropriações são o paradigma deste tipo de relações, em que uma entidade pública munida de poderes públicos de autoridade, o jus imperii, faz extinguir o direito fundamental de propriedade privada de alguém); (b) porque o que a Expropriante pretende é retirar efeitos e fazer executar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.05.2018 que anulou a declaração de utilidade pública desta expropriação (é deste ato que a Expropriante entende resultar o seu direito à devolução indemnizatória); e (c) porque os Tribunais comuns, no domínio das expropriações, só são competentes para conferir a posse/propriedade das parcelas expropriadas às entidades expropriantes e para fixar a justa indemnização devida aos proprietários expropriados, não tendo outras competências no domínio das relações expropriativas (basta ler o Código das Expropriações para concluir que a devolução indemnizatório pretendida não é aí regulada ou cometida aos Tribunais comuns), podemos concluir que não existem especiais dúvidas sobre a incompetência dos Tribunais comuns para conhecer e decidir esta pretensão da Expropriante de devolução do valor da indemnização pelo facto de a declaração de utilidade pública ter sido anulada por um Tribunal Administrativo. É que já não estamos aqui no âmbito/discussão do valor da indemnização devido por esta expropriação, única questão que, neste domínio, os Tribunais comuns podem (excecionalmente) conhecer e decidir. 5ª.2 O Acórdão recorrido interpretou o art. 67º, nº1, do CE no sentido de que os tribunais comuns são competentes para conhecer da devolução à Entidade Expropriante do valor da indemnização recebido pelos Expropriados nos casos em que a declaração de utilidade pública foi anulada por Tribunal Administrativo. Com o devido respeito, esta interpretação e o referido argumento não fazem sentido e violam o regime aplicável. A devolução à entidade Expropriante do valor da indemnização recebido pelos Expropriados/recorrentes no processo de expropriação nos casos em que a declaração de utilidade pública foi anulada por Tribunal Administrativo não é uma questão que tenha que ver com a fixação da indemnização. Não tendo que ver com a fixação da justa indemnização, esta situação não se integra na previsão normativa do invocado art. 67º do CE. De facto, como se refere na própria Decisão Singular de 27.10.2024, os Tribunais comuns só são competentes para fixar a justa indemnização devida pelas expropriações efetuadas. Ora, porque já não estamos aqui no âmbito da discussão em torno do valor da justa indemnização, da fixação desse valor (única questão que os Tribunais comuns podem excecionalmente conhecer e decidir), parece-nos evidente que os Tribunal comuns não têm essa competência. É que, relembre-se, a competência dos Tribunais comuns para fixar a justa indemnização nas relações expropriativas é já uma norma excecional, pois, sendo a relação expropriativa uma relação jurídica administrativa, a competência indemnizatória natural seria dos Tribunais Administrativos. Ora, como se sabe, a aplicação analógica de normas excecionais é proibida (art.11º do Código Civil). No domínio indemnizatório das expropriações, os Tribunais comuns só são competentes para fixar o valor da justa indemnização devida aos proprietários expropriados, sendo incompetentes para conhecer e decidir outras questões relativas a relações jurídico-administrativas como é a relação expropriativa, pelo que são incompetentes para decidir esta pretensão da Expropriante de devolução do valor da indemnização pela anulação da declaração de utilidade pública por um Tribunal Administrativo. Porque já não estamos aqui no âmbito da discussão em torno do valor da justa indemnização, da fixação desse valor (a única questão que neste domínio os Tribunais comuns podem, excecionalmente, conhecer e decidir), é evidente que essa competência não é dos Tribunais Comuns. 5ª.3 Os expropriados terem que devolver às expropriantes o valor da indemnização recebida no processo de expropriação pelo facto de a declaração de utilidade pública ter sido anulada por um Tribunal administrativo não tem qualquer conexão (não é um incidente) com o processo onde se pretende fixar a justa indemnização devida por expropriações. São duas questões estruturalmente distintas: na causa de pedir, no pedido e na natureza das normas jurídicas aplicáveis: nessa devolução estão em causa regras de Direito Administrativo, isto é, um litígio numa relação jurídica administrativa, que é da competência dos Tribunais Administrativos (art. 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais). No nosso caso verifica-se exatamente essa situação: uma sentença proferida por um Tribunal Administrativo e a pretensão de executar essa sentença, de retirar da mesma os efeitos e consequências daí advenientes. Assim, sem qualquer dúvida, é perante a jurisdição administrativa que esta questão deve ser peticionada e decidida, em especial no âmbito do regime de execução de sentenças de anulação de atos administrativos, previsto e regulado nos arts. 3º, nº 4, 157º, nº 5. 5ª.4 O erro nos pressupostos do Acórdão recorrido no sentido que a devolução da indemnização peticionada ainda é uma questão relativa ao pagamento da indemnização aos expropriados previsto no art. 67º do CE. Com o devido respeito, esta ordem de fundamentação não faz sentido: o regime previsto no art. 67º do CE não é aqui aplicável porque este regime trata do pagamento da justa indemnização aos expropriados e não da sua devolução pelos expropriados em virtude da anulação da dup: a devolução pretendida pela Expropriante não é uma questão que tenha que ver com a fixação da indemnização ou com as formas de pagamento dessa indemnização. Não estando em causa a fixação ou pagamento da justa indemnização, esta situação não se integra na previsão normativa do invocado art. 67º do CE. 5ª.5 Em último lugar, constata-se também uma leitura deturpada da Decisão Singular proferida acerca do critério legal que distingue a jurisdição administrativa da jurisdição comum. Segundo essa Decisão Singular, esse critério seria o jus imperii: quando uma entidade administrativa atua ao abrigo de especiais poderes de autoridade, os litígios daí emergentes seriam da jurisdição administrativa; caso contrário, pertenceriam à jurisdição comum. No entanto, há muito tempo que as coisas não são assim. De facto, atualmente também integram a jurisdição administrativa múltiplas situações em que a Administração pública atua ao abrigo do Direito Privado, sem o referido jus imperii (neste sentido, expressamente, o Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 12.09.2017 que ficou citado). 6ª A interpretação que o Acórdão recorrido fez do art. 67º, nº 1, do CE, no sentido de que o pedido da expropriante em processo judicial de expropriação já findo de devolução da justa indemnização recebida pelos expropriados em virtude da anulação/declaração de nulidade por parte dos Tribunais Administrativos da declaração de utilidade pública da expropriação, constitui um pedido no âmbito do pagamento da justa indemnização nos termos desse preceito (“constituindo o contrário daquele pagamento”), daí decorrendo a competência dos Tribunais comuns para conhecerem e decidirem a referida devolução indemnizatória, é inconstitucional por violação do art. 212º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, pois essa questão envolve uma relação jurídica administrativa, a execução de uma decisão de um Tribunal Administrativo e a aplicação de regimes de Direito Administrativo. 7ª Do mesmo modo, a referida interpretação que o Acórdão recorrido fez do art. 67º, nº 1, do CE, agora também no específico sentido de que esse pedido de devolução da expropriante pode ser deduzido e decidido como um mero incidente desse processo de expropriação já findo, e não no âmbito de um processo judicial intentado pela expropriante contra os expropriados para esse efeito, é inconstitucional por violação do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo tutelados no art. 20º, nº 4, da Constituição”. 5. O Município do Porto apresentou contra-alegações, que terminam assim: “A. O recurso ao qual se responde vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, o qual, por sua vez, confirmou o sentido e os fundamentos da Decisão Singular, datada de 27.10.2024, que revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, e, consequentemente, declarou a jurisdição comum competente para conhecer do incidente de restituição da indemnização ao expropriante. B. Do artigo 671.º do CPC, decorre que o recurso de revista incide sobre acórdãos da Relação que apreciem do mérito da causa ou que extingam total ou parcial da instância, em termos subjetivos ou objetivos. C. Sem prejuízo deste critério geral, é previsto no n.º 2 do artigo 671.º do CPC que os Acórdãos do Tribunal da Relação que decidam questões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual, só poderão ser objeto de recurso de revista: i) nos casos em que o recurso é sempre admissível; ou ii) quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. D. No presente caso, salvo melhore entendimento, estamos perante uma decisão interlocutória que não teve qualquer projeção no mérito da questão, pois que apenas ordena o prosseguimento do processo para que o Tribunal de 1.ª instância decida do incidente de restituição da indemnização ao Expropriante em virtude da invalidade de Declaração de Utilidade Pública a que se reporta o processo de expropriação em crise nos presentes autos. E. Pelo exposto, deverá o presente recurso ser não admitido, atendendo ao disposto no artigo 671.º, n.º 2 do CPC, com todas as devidas e legais consequências daí decorrentes. Caso assim não se entenda, o que de forma alguma se concede, F. Alegam os Recorrentes que o despacho recorrido padece de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, porquanto, alegadamente, não se pronunciaram sobre todas as questões suscitadas na sua reclamação. G. Como resulta do acervo factual convocado, a questão submetida à apreciação do Tribunal a quo circunscrevia-se em saber se anulado o ato expropriativo, a restituição da quantia paga pela entidade expropriante deverá ser requerida no âmbito do processo de expropriação ou é da competência da jurisdição administrativa. H. Resolvida tal questão, ficaram, necessariamente, todas as outras questões suscitadas pelos Recorrentes, motivo pelo qual, em linha do que vem sendo o entendimento da jurisprudência, não estava obrigado o Tribunal a quo a pronunciar-se sobre a alegada existência de violação de caso julgado. I. No que importa à alegada violação do caso julgado, importa referir que as prévias decisões proferidas não se debruçaram (sequer) sobre a “necessária” ligação/dependência da pretendida devolução indemnizatória face ao pedido dos Expropriados de cancelamento da inscrição do Expropriante como proprietário do imóvel expropriado. J. Com efeito, o apenas foi decidido na Decisão Singular datada de 15.02.2023 foi o seguinte: “a desistência do pedido formulado pelos expropriados, declarando extinto o direito que os mesmos pretendiam fazer valer neste processo (cancelamento do registo da expropriação da parcela em causa), assim como julgo prejudicada a contra pretensão da expropriante quanto à devolução da indemnização oportunamente arbitrada a favor daqueles, com a consequente extinção da instância (artigo 277º, alínea d), do CPC) do incidente ora em causa”. K. Motivo pelo qual, não se verifica a existência de caso julgado nos termos invocados pelo Recorrentes, soçobrando, como tal, o invocado erro de julgamento. L. Já no que concerne à alegada inutilidade superveniente da lide, adiante-se, porém, que não assiste qualquer razão aos Recorrentes. Com efeito, através do requerimento nº 35611636, a entidade Expropriante veio, tão-só, requerer, força da declaração de invalidade da Deliberação da Assembleia Municipal do Porto de 27.12.2002, os Expropriados sejam notificados para proceder ao depósito, à ordem dos presentes autos, do montante recebido a título de indemnização pela expropriação da Parcela n.º 5, a qual ascende ao montante de € 713.046,26. M. Quer o cancelamento do registo da propriedade, quer a devolução do montante da justa indemnização, afiguram-se como consequências legais e naturais do evento que se verificar em primeiro lugar.Na verdade, com a devolução de tal montante será, necessariamente, operado o respetivo cancelamento do registo. N. O cancelamento do registo, quer a devolução da justa indemnização, são consequências legais e naturais do evento que se verificar em primeiro lugar. O. Na verdade, assumir-se-ia, isso sim, inútil, que tivesse de existir um novo pedido de devolução do montante, com a necessária referência ao cancelamento do registo, para que o Tribunal a quo conhece-se do pedido formulado através do requerimento com o n.º 35611636. P. Pelo exposto, não correu nenhuma circunstância na pendência dos presentes autos que importe a extinção da instância recursiva, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto do artigo 277.º, n.º 1, alínea e) do CPC. Q. Alegam ainda os Recorrentes que o despacho recorrido, enferma de erro de julgamento de Direito, por violação do disposto nos artigos 157.º, 173.º, 176.º, todos do CPTA, e dos artigos 64.º, 96.º, alínea a) e 99.º, n.º 1, todos do CPC. R. Estabelece o artigo 51.º do Código das Expropriações que é da competência dos Tribunais comuns julgar os processos de expropriação litigiosa, na fase que tem por objeto a fixação do valor global da justa indemnização, dirimindo o litígio existente entre o expropriante e o expropriado sobre tal matéria. S. Por sua vez, compete ao Tribunais Administrativos e Fiscais conhecer da legalidade do ato administrativo que origina o procedimento de expropriação pública, isto é, a decisão/deliberação em que se consubstancia a declaração de utilidade pública e que tem que ser praticado pelos órgãos com competência para tal. T. Note-se que, no presente caso, todas as citadas decisões judiciais foram proferidas pelos Tribunais judiciais (pertencentes à jurisdição comum), razão pela qual é apodítico que a devolução do montante da justa indemnização não se encontra acometida à jurisdição administrativa. U. Como resulta do artigo 51.º, n.º 5 do CE, a declaração de utilidade pública não transfere a propriedade dos bens expropriados para a entidade beneficiária da expropriação, competindo a mesma ao Juiz do tribunal comum. V. No entanto, este ato de transferência de propriedade não constitui um ato judicial, sob o ponto de vista material, pois o juiz do tribunal comum não tem qualquer poder de julgamento ou da apreciação da legalidade ou da ilegalidade da expropriação, procedendo, tão só, ao simples controlo da regularidade formal do procedimento expropriativo. 20 Na verdade, a jurisdição administrativa tem vindo a alargar o leque de matérias que caem na sua esfera de competência, tendo estado inclusivamente em “cima da mesa”, no Anteprojeto atinente à última reforma do processo administrativo, a possibilidade de os processos judiciais de expropriação por utilidade pública passarem a ser julgados pelos tribunais administrativos. Sucede que, esta possibilidade não ganhou forma de lei, pelo que a competência cabe indubitavelmente aos tribunais comuns. W. De facto, ao contrário do que propugnam os Expropriados, foi no âmbito dos presentes autos que foi determinado pelo Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 03.03.2010, a condenação do ora Recorrido Município do Porto no pagamento aos Expropriados, ora Recorrentes, de uma indemnização no valor de € 689.800,00, acrescido da atualização desde 01.09.2006 até trânsito em julgado do referido aresto. X. Todos estes montantes, depositados à ordem dos presentes autos, foram levantados pelos Recorrentes, não sendo, por tal motivo, da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nomeadamente em sede de execução da decisão que anulou a deliberação da Assembleia Municipal do Porto de 27.12.2002, determinar a devolução do montante recebidos pelos Recorrentes a título de indemnização no processo de expropriação litigiosa que corre os seus termos no tribunal judicial. Y. Não se poderá deixar de salientar que o facto da invalidade da DUP ter sido alicerçada em vícios que apenas determinaram a sua anulabilidade - e não a sua nulidade – não altera as conclusões segundo as quais os Tribunais de jurisdição comum são os competentes, em razão da matéria para conhecer do pedido de devolução do montante pago a título de justa indemnização. Z. Note-se que, a execução de uma decisão judicial anulatória de ato administrativo ilegal, consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da declaração de invalidade - dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado. AA. O processo administrativo executivo e, bem assim, os três tipos de execução elencados nos artigos 157º e seguintes do CPTA, está dirigido às situações em que se verifica o incumprimento da Administração de decisões judiciais transitadas em julgado que lhe são desfavoráveis21 O que, notoriamente, não sucede in casu. BB. Pelo exposto, e pelos fundamentos constantes da decisão judicial recorrida proferida pelo Tribunal a quo, é entendimento do Recorrido que a mesma não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas., com todas as devidas e legais consequências daí decorrentes”. 6. Os expropriados responderam às contra-alegações, insistindo que o recurso deve ser admitido e julgado procedente. 7. O Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão de Conferência em que pode ler-se: “Nas alegações de recurso AA e Outros, Expropriados nos autos à margem referenciados nas alegações de recurso para o STJ vieram alegar a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, porquanto não conheceu da questão de inutilidade superveniente da lide e violação de caso julgado desta decisão referida na reclamação para a conferência art. 615º, nº 1, d., CPC. Entendemos que não ocorre a requerida omissão de pronúncia porquanto o recurso de apelação da expropriante versava somente sobre a falta de fundamentação da decisão recorrida e a incompetência do tribunal para a proferir, sendo que os expropriados não recorreram. Estamos no âmbito de uma expropriação em que o ato administrativo de expropriação foi declarado anulável. O pedido da decisão recorrida tem a ver com o pedido de devolução da indemnização que a expropriante pagou e que deixou de ter razão de ser. O pedido de cancelamento dos registos e de inutilidade superveniente da lide entrelaçado neste pedido não foi objeto de recurso, e não podia ser conhecido na conferência da reclamação da decisão singular, que continua balizado pelas conclusões das alegações da apelante. Admito o recurso legitima e tempestivamente interposto pelos recorrentes uma vez que a decisão o admite uma vez que a decisão não tem por objeto a fixação de indemnização. É de revista sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, artºs 629º, nº 2, a), 631º, 638º, 671º, nº1, 675º, 676º a contrario do CPC e 66º, nº 5 do C. Exp.”. * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é, no essencial, a de saber se os tribunais competentes para decidir a causa são os tribunais comuns. * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS O Tribunal recorrido deu, genericamente, como provados os factos constantes do Relatório da decisão singular, consequentemente, devem os mesmos dar-se aqui como provados. Para melhor compreensão, reproduz-se o teor do Acórdão recorrido: Nos presentes autos foi proferida a seguinte decisão sumária /singular: “Recurso próprio, admitido no efeito devido nada obstando ao conhecimento de mérito. Decisão proferida ao abrigo do disposto nos artigos 652º, nº1C), 656º e 6º do CPC. Requerimento com a. nº 35611636: A MUNICÍPIO DO PORTO veio requerer que, por força da declaração de nulidade da Deliberação da Assembleia Municipal do Porto de 27.12.2002, os Expropriados sejam notificados para proceder ao depósito, à ordem dos presentes autos, do montante recebido a título de indemnização pela expropriação da Parcela n.º 5, a qual ascende ao montante de € 713.046,26. Os Expropriados opuseram-se à pretensão do Município do Porto, invocando a desadequação do meio processual utilizado face ao que se peticiona no Requerimento e a incompetência absoluta deste douto Tribunal para conhecer/decidir a devolução indemnizatória que vem peticionada. Cumpre apreciar e decidir. Em primeiro lugar, importa referir que, conforme resulta do despacho datado de 23 de Outubro de 2022, a obrigação de os Expropriados procederem ao depósito, à ordem dos presentes autos, do montante recebido a título de indemnização pela expropriação da Parcela n.º 5, estava intrinsecamente ligada à pretensão de ser determinado o cancelamento do registo predial do prédio a que se reportam os presentes autos. Porém, os Expropriados desistiram de tal pretensão. Acresce que que a decisão judicial que anulou a declaração de utilidade pública desta expropriação foi proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 17.05.2018, pelo que compete a jurisdição administrativa a execução dessa anulação, nomeadamente quanto à devolução do montante recebido a título de indeminização, como resulta, expressamente, do art. 157º, nº 1, do CPTA. Pelo exposto, considera-se este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da pretensão formulada pelo Município do Porto. Custas a cargo do requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 Uc. Notifique. * MUNICÍPIO DO PORTO, Entidade Expropriante, apelou desta decisão concluindo nas suas alegações: A. Vem o presente recurso interposto do despacho datado de 31.10.2023, com a referência n.º .......15, por via do qual o Tribunal a quo declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer da pretensão formulada pelo Município do Porto. B. Contudo, a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de Direito, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 157.º, n.º 1 do CPTA e 51.º do CE. C. É entendimento do Recorrente que a decisão recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. D. Calcorreada a fundamentação da decisão sub judice, são dois os (parcos) argumentos que o Tribunal a quo se sustentou para indeferir o pedido de devolução da justa indemnização paga aos Recorridos nos presentes autos, a saber: i. O despacho prolatado pelo Tribunal a quo 24.10.2022, no qual foi determinada a notificação dos Recorridos para depositarem à, à ordem dos presentes autos, o montante pago a título de justa indemnização, decorreu de um pedido inicial de cancelamento do registo formulado pelos mesmos e estaria deste dependente; ii. Compete à jurisdição administrativa a decisão de devolução do montante recebido a título de justa indeminização, como resulta do disposto no artigo 157.º, n.º 1 do CPTA. E. Porém desconhece-se por que razão é que, no entendimento do Tribunal a quo, a devolução do montante pago a título de justa indemnização depende, anteriormente, de um pedido de cancelamento de registo da propriedade da parcela expropriada. F. De facto, é impossível ao Recorrente alcançar o motivo pelo qual não é legalmente admissível requerer a devolução da quantia relativa à justa indemnização, sem que, anteriormente, tenha sido requerido o cancelamento o registo da propriedade da parcela expropriada a favor do mesmo por parte dos Recorridos, G. Quando, além do mais, quer o cancelamento do registo da propriedade, quer a devolução do montante da justa indemnização, afiguram-se como consequências legais e naturais do evento que se verificar em primeiro lugar. H. O Tribunal a quo demite-se de explicar a razão pela qual o n.º 1 do artigo 157.º do CPTA, poderá ser aplicado ao presente caso quando o mesmo, face ao seu teor literal, apenas e aplica à execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos contra entidades públicas. I. De igual forma, e seguindo de perto aquilo que parece ser o silogismo percorrido pelo Tribunal a quo, é legítimo questionar por que razão é que o mesmo considera que o pedido de cancelamento de registo pode ser formulado e atendido perante a jurisdição comum, quando, tal cancelamento, decorre, igualmente, da decisão judicial – proferida na jurisdição administrativa - que declarou a nulidade da Declaração de Utilidade Pública. Porém, o Tribunal a quo exime-se de fundamentar o(s) motivo(s) pelos quais tratou iguais situações de forma díspar. J. Sem prescindir, ainda a este propósito, sempre se dirá que o Tribunal a quo também não discorreu de especificar os motivos pelos quais concluiu que - não obstante ter sido nos presentes autos que foi depositada a justa indemnização e as normas legais aplicáveis em matéria de competência da jurisdição administrativa -, é que deverá ser perante aquela jurisdição que deverá o Recorrente exigir a devolução do montante relativo à Indemnização aos Recorridos. K. Aqui chegados, é mister concluir que a decisão recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que aqui se invocada para os devidos e legais efeitos porquanto não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam o sentido decisório e, ainda, afigura-se ambígua e ininteligível, quando comparando com a sua decisão de 24.10.2022. Caso assim não se entenda, o que de forma alguma se concede, L. Estabelece o artigo 51.º do CE que é da competência dos Tribunais comuns julgar os processos de expropriação litigiosa, na fase que tem por objeto a fixação do valor global da justa indemnização, dirimindo o litígio existente entre o expropriante e o expropriado sobre tal matéria. M. O ato de declaração de utilidade pública, constituindo o elemento-chave da expropriação, é um ato administrativo e, como tal, está sujeito a recurso contencioso de anulação da competência dos tribunais administrativos, hoje configurada como ação administrativa. N. Por sua vez, a apreciação judicial no que respeita à existência, validade e subsistência da relação jurídica expropriativa, maxime, quanto à nulidade ou inexistência da declaração de utilidade pública, está reservada aos tribunais administrativos. O. Saliente-se, porém que, como resulta do artigo 51.º, n.º 5 do CE, a declaração de utilidade pública não transfere a propriedade dos bens expropriados para a entidade beneficiária da expropriação, competindo a mesma ao Juiz do tribunal comum. P. No entanto, este ato de transferência de propriedade não constitui um ato judicial, sob o ponto de vista material, pois o juiz do tribunal comum não tem qualquer poder de julgamento ou da apreciação da legalidade ou da ilegalidade da expropriação, procedendo, tão só, ao simples controlo da regularidade formal do procedimento expropriativo. Q. É perante a jurisdição comum, encarregue como se viu, de controlar a regularidade formal do procedimento expropriativo, que a Entidade expropriante, por força do disposto nos artigos 52.º, n.º 4, 66.º, n.º 3 e 71.º, todos do CE, é notificada para depositar à ordem dos autos o valor correspondente ao valor da justa indemnização. R. Razão pela qual, é possível concluir que o Tribunal de jurisdição comum – porque, reitere-se, foi perante este e ao abrigo das normas do CE que foi depositada as quantias relativas à justa indeminização - detém a competência para determinar a devolução de tal quantia quando o Tribunal da jurisdição administrativa declare a invalidade da Declaração de Utilidade Pública no qual se alicerçou a expropriação. Com vista à impugnação do ato administrativo. S. Destarte, não obstante a anulação judicial da Declaração de Utilidade Pública projetar, necessariamente, os seus efeitos no processo expropriativo, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que é em sede de execução da sentença que declarou a invalidade da Declaração de Utilidade Pública que o Recorrente verá a sua pretensão satisfeita. T. Como é bom de ver - adensando-se, assim, o erro de julgamento de Direito imputado à decisão recorrida - com o endorsment da jurisprudência citada ao longo do presente recurso, torna-se inequívoco que os efeitos decorrentes da anulação da Declaração da Utilidade Pública, no que concerne ao procedimento expropriativo formal, tramitam perante os Tribunais de jurisdição comum. U. De igual forma, revela-se cristalino a inexistência de qualquer norma legal, consagrada no CE ou no ETAF, que disponha que a jurisdição administrativa é a competente conhecer dos pedidos decorrentes dos efeitos projetados no processo expropriativo por força da invalidade da Declaração de Utilidade Pública. Sopesa ainda que, V. Como já referido, entendeu (erradamente) o Tribunal a quo que é ao abrigo do artigo 157.º, n.º1 do CPTA, i.e., em sede de execução do aresto de 17.05.2018, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, que o aqui Recorrente deverá requerer a devolução do montante da justa indemnização. Contudo, tal conclusão é manifestamente errada, porquanto as normas consagradas nos artigos 157.º e seguintes do CPTA, não instituem o meio processual admissível para tal efeito. W.O processo administrativo executivo e, bem assim, os três tipos de execução elencados nos artigos 157.º e seguintes do CPTA, está dirigido às situações em que se verifica o incumprimento da Administração de decisões judiciais transitadas em julgado que lhe são desfavoráveis. X. Em comentário ao n.º 1 do artigo 157.º do CPTA, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha o seguinte: “Com efeito, o regime que nele se estabelece só respeita, como estabelece o n.º 1, a execuções movidas "contra entidades públicas", com exclusão das execuções movidas "contra particulares", a que se refere o n.º 5, remetendo, na ausência de legislação especial, para a lei processual civil.” Y. E para que aniquilem qualquer tipo de dúvidas que possam surgir, sempre se diga que, no caso sub judice, não tem aplicabilidade o disposto no n.º 5 do artigo 157.º do CPTA. Z. Porquanto, em primeiro lugar, a decisão judicial que declarou a invalidade da Declaração de Utilidade Pública nunca poderia fundamentar uma execução movida contra os aqui Recorridos, uma vez que os efeitos decorrentes da mesma – rectius, a invalidade do ato – apenas incumbe ao aqui Recorrente, que terá de reconstruir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado. AA. Por outro lado, o aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 17.05.20218, não pode ser entendido como um “título executivo produzidos no âmbito de relações jurídico-administrativas que careçam de execução jurisdicional”. BB. Destarte, encontra-se legalmente vedada a hipótese ao Recorrente de, nos termos do disposto nos artigos 157.º e seguintes do CPTA e no âmbito da jurisdição administrativa, executar a sentença que declarou a invalidade da Declaração de Utilidade Pública, e, por via disso, exigir a devolução recebida pelos Recorridos a título de justa indemnização. CC. Tudo visto, deverá concluir-se que a decisão recorrida padece de erro de julgamento de Direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 157.º, n.º 1 do CPTA, e no artigo 51.º do CE, devendo, por tal motivo, ser o presente recurso julgado procedente, por provado, com todas as devidas e legais consequências daí decorrentes, nomeadamente, revogando o despacho recorrido e, em consequência, determinando a devolução ao Recorrente do montante pago aos Recorridos (Expropriados), conforme requerido. Por fim, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 646.º do CPC, o Recorrente indica que as peças do processo de que pretende certidão para instruir o recurso são as seguintes: a. Requerimento de 12.05.2023, com a referência n.º ......36; b. Despacho de 31.10.2023, com a referência n.º .......15; c. Despacho de 23.10.2022, com a referência n.º .......91. TERMOS EM QUE, Deverá o Tribunal ad quem julgar o presente recurso procedente, por provado, com o que será feita sã e costumeira JUSTIÇA! * Os expropriados contra-alegaram sustentando a improcedência do recurso. * Os factos provados são os constantes do relatório. * O recurso. O recurso delimita-se pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 640º n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), em tudo o mais transitando em julgado. A questão a decidir neste recurso consiste em saber se, anulado o ato expropriativo, a restituição da quantia paga pela entidade expropriante deverá ser pedida neste processo como pretende o apelante ou é da competência da jurisdição administrativa. Consiste ainda em saber se a decisão padece do vício de falta de fundamentação nos termos do artº 615º, nº 1, b) do CPC. Comecemos por este ponto. A decisão recorrida fundamentou de forma sucinta, mas é escorreita e clara. Não ocorre o apontado vício. Vejamos o 2º ponto. Para a decisão desta questão vamos citar o acórdão do STJ que nos parece elucidativo, “…a expropriação por utilidade pública reveste dois aspectos: um, que se prende com o Direito administrativo, e o outro, que se prende com o Direito civil. O primeiro é o que se revela nos procedimentos destinados à elaboração da declaração de utilidade pública da expropriação e à concretização desta, que terá lugar mesmo contra a vontade do expropriado, forçado, por motivos de interesse público, a submeter-se aos poderes de autoridade da Administração, que o pode privar, por tais motivos, do seu direito de propriedade; nessa fase encontramo-nos, na verdade, no domínio das relações jurídicas administrativas, isso mesmo se revelando nos termos do nº2 do art. 10º, até ao art. 20º, do Código das Expropriações de 1991, que procuram abreviar a fase conducente à investidura administrativa na posse dos bens. Atingido, porém, esse desiderato, isto é, efectuada a posse administrativa, como se vê do art. 21º do mesmo diploma, passa-se à fase seguinte, que é a da determinação do montante concreto da indemnização; e esta tem de ser a indemnização justa, como se refere nos art.s 1º e 22º desse Código, o que só por si já demonstra que não nos encontramos então perante uma relação jurídica administrativa... Quer dizer: no tocante à extinção do direito de propriedade sobre os bens que lhe pertenciam e ao nascimento do direito de propriedade da entidade expropriante sobre eles, está o expropriado sujeito aos poderes de autoridade da Administração, que actua precisamente no exercício desses poderes, pelo que nos encontramos então no domínio das relações jurídicas administrativas; mas já não o está quanto ao aspecto da determinação concreta do montante indemnizatório, em que a Administração actua despida da sua veste autoritária para se colocar em situação de igualdade perante o particular no litígio judicial destinado à fixação daquele montante, pelo que, nessa fase, já não nos encontramos no domínio das relações jurídicas administrativas. É esta a hipótese dos autos, que apenas foram remetidos ao Tribunal da comarca para determinação do valor da indemnização por falta de acordo quanto a este, sendo que os expropriados não tinham que se sujeitar ao valor que a Administração lhes pretendia pagar precisamente por, a este respeito, não serem reconhecidos à Administração poderes de autoridade. Daí que se entenda não estarmos perante um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa… conduzindo à competência em razão da matéria do Tribunal da comarca …” - Ac. STJ de 30-4-2002, in www.dgsi.pt. O processo de expropriação comporta duas fases, a primeira de carácter administrativo, da competência dos tribunais administrativos, a segunda referente à fixação da justa indemnização da competência dos tribunais comuns como dispõe o artº 38º, nº 1 do C. Expropriações – cfr. artigos 51º e 52º do mesmo diploma. Na segunda fase do processo expropriativo, que visa a fixação da indemnização, a Administração age despida da sua veste autoritária ocupando posição de igualdade perante o particular. Assim sendo, perante o art. 38º nº 1 do CE, temos de concluir que os tribunais comuns são competentes, para a fixação do valor da indemnização, e todos os incidentes com ela correlacionados, uma vez que a administração atua sem o seu jus imperii. O conhecimento do incidente referente à restituição do valor em consequência da anulação do ato administrativo é da competência dos tribunais comuns. Na procedência das alegações de recurso revoga-se a sentença recorrida e declara-se competente para conhecer do incidente de restituição da indemnização ao expropriante o tribunal comum. Custas pelos apelados.” * Os apelados / expropriados vieram em alegações requerer que sobre esta decisão recaia acórdão no sentido de ser confirmada a decisão de 1ª instância. Nos presentes autos foi declarada a nulidade do ato administrativo de expropriação na competente ação administrativa. A expropriante veio nesta ação solicitar ao tribunal a notificação dos expropriados para proceder ao depósito da indemnização recebida como contrapartida da parcela expropriada. A decisão recorrida e expropriados entendem que a competência para alcançar tal desiderato é dos tribunais administrativos. O acórdão do tribunal administrativo que declarou a nulidade do ato expropriativo, não condenou o expropriado a devolver á entidade expropriante a quantia recebida a título de indemnização, pelo que neste processo administrativo não se constituiu o título executivo correspondente ao pedido de devolução que a entidade expropriante formula nestes autos a título de incidental. De acordo com o acórdão do STJ de 15-04-2015 “a nulidade da declaração de utilidade pública de um prédio produz efeitos retroactivos que se projectam em todo o processo de expropriação, sem exclusão sequer do despacho de adjudicação do direito de propriedade, embora tais efeitos possam ser impedidos ou atenuados em determinadas circunstâncias, designadamente quando seja convocado o princípio geral da intangibilidade da obra pública.” A retroactividade da declaração de nulidade da declaração de utilidade pública acarreta também a falta de produção de efeitos de todos os actos já praticados quer no procedimento administrativo de expropriação, quer no processo judicial de expropriação litigiosa, extinguindo-se a sujeição à expropriação que impendia sobre o bem por ela atingido e desaparecendo o direito à indemnização contravalor dos bens a expropriar - neste sentido os acórdãos do STJ de 29-04-2008. Constitui jurisprudência pacífica que: "a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados" (vide Ac. do STJ, de 14.05.2009). Em sede de averiguação de competência citamos o Ac. do Tribunal de Conflitos 2018-09-27, in www.dgsi.pt. “É, pois, a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que teremos de encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o conhecimento da presente ação. E, nos termos do art. 4º do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2003 de 19 de fevereiro, e aqui aplicável, veio o legislador indicar exemplificativamente os litígios que se encontram incluídos no âmbito da jurisdição administrativa, assim como aqueles que dela se encontram excluídos.” Este acórdão concluiu que intentada ação de reivindicação com vista à devolução da parcela expropriada em consequência de nulidade do ato administrativo, o tribunal comum é competente para o efeito conforme o seguinte sumário: I. As ações de reivindicação são ações reais, que não se confundem com as ações obrigacionais em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual. II. Assim, a «reivindicativo» não cabe na previsão do art. 4.º, n.º 1, aI g), do ETAF. III. E, porque também não cabem em qualquer outra das previsões do mesmo artigo, as ações de reivindicação devem ser conhecidas pelos tribunais comuns, cuja competência é residual [cfr. art.66.º do anterior CPC e atual art. 64.º do CPC/2013, art. 18.º da LOTJ e atual art. 40.º, n.º 1, da LOSJ." Não havendo no ETAF uma norma que atribua competência à jurisdição administrativa para o conhecimento de ações de reivindicação a competência para conhecer da presente ação de condenação cabe, a título residual, aos tribunais comuns. Atendendo a que: a sentença do tribunal administrativo que declarou a nulidade do ato administrativo de expropriação não condenou o expropriado a devolver a indemnização à expropriante; que os efeitos desta nulidade se projetam nos presentes autos de expropriação; e ainda ao pedido formulado nestes autos, pela entidade expropriante, de devolução das quantias depositadas a título de indemnização do expropriado, pedido solicitado no presente processo judicial de expropriação, em consequência de ação administrativa paralela que declarou a nulidade do ato expropriativo, concluímos que não estamos perante um pedido em ação executiva, mas constitui um pedido no âmbito do processado de pagamento de indemnização nos termos do artº 67º do C. EXP, constituindo o contrário daquele pagamento como tal da competência deste tribunal. Assim o pedido tal como se encontra formulado determina a competência do tribunal comum tal como se decidiu na decisão sumária. Atento o exposto não se atende a reclamação mantendo-se a decisão singular. Custas pelo reclamante – artº 527º do CPC. O DIREITO Nota sobre a admissibilidade do recurso Dispõe-se no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC: “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado (…)”. Perante o teor esta norma, tornam-se dispensáveis esclarecimentos sobre a admissão do presente recurso, não obstante o artigo 671.º, n.º 1, do CPC (que, sinteticamente, restringe a revista às decisões de mérito ou finais). Questões prévias atinentes ao caso julgado, à inutilidade superveniente da lide e à nulidade do Acórdão recorrido Antes de apreciar a questão fundamental do recurso, cabe tecer algumas considerações sobre duas alegações dos recorrentes – que, na realidade, se reconduzem a uma – e ainda uma terceira, sobre a nulidade do Acórdão recorrido, com as primeiras relacionada. Na conclusão 3.ª os recorrentes invocam a ofensa do caso julgado, nos seguintes termos: “A referida intrínseca ligação/dependência da pretendida devolução indemnizatória face ao pedido dos Expropriados de cancelamento da inscrição do Expropriante como proprietário do imóvel expropriado no Registo Predial (de que desistiram) já foi objeto de 2 decisões proferidas no processo e transitadas em julgado: no Despacho de 31.10.2023 e na Decisão Singular de 15.02.2023 proferida pelo Tribunal da Relação do Porto. Destas decisões resulta assim que, independentemente da decisão a proferir sobre o Tribunal competente para decidir a pretendida devolução indemnizatória, essa pretensão está prejudicada pela prévia decisão proferida quanto aos efeitos que a desistência do referido cancelamento registal tem sobre essa questão/pretensão, impedindo-a. Caso contrário haverá violação do caso julgado das duas referidas decisões (arts. 619º-621º do CPC)”. Os recorrentes invocam, em suma, o caso julgado alegadamente formado por: a) Despacho de 31.10.2013 (despacho recorrido para o TRP), em que se diz: “Em primeiro lugar, importa referir que, conforme resulta do despacho datado de 23 de Outubro de 2022, a obrigação de os Expropriados procederem ao deposito, à ordem dos presentes autos, do montante recebido a título de indemnização pela expropriação da Parcela n.º 5, estava intrinsecamente ligada à pretensão de ser determinado o cancelamento do registo predial do prédio a que se reportam os presentes autos. Porém, os Expropriados desistiram de tal pretensão”. b) Decisão singular TRP de 15.02.2023, em que se diz; “Concluindo, face ao antes exposto, homologo, por decisão singular do Juiz Relator, a desistência do pedido formulado pelos expropriados, declarando extinto o direito que os mesmos pretendiam fazer valer neste processo (cancelamento do registo da expropriação da parcela em causa), assim como julgo prejudicada a contra pretensão da expropriante quanto à devolução da indemnização oportunamente arbitrada a favor daqueles, com a consequente extinção da instância (artigo 277º, alínea d), do CPC) do incidente ora em causa” (pág.4 desta Decisão Singular). O pretenso caso julgado seria sobre a ligação entre o cancelamento do R da expropriação e a devolução da indemnização e residiria, em suma, no seguinte raciocínio: a obrigação de devolução da indemnização depende do cancelamento do registo da expropriação. A verdade é que não há, nem nunca houve, ao longo do processo, a formulação de uma questão sobre tal ligação nem, portanto, uma decisão sobre ela que seja susceptível de formar caso julgado. No caso do despacho referido em a), o Tribunal apenas usa a relação entre o cancelamento do R da expropriação e a devolução da indemnização como um argumento (cujo valor, para já, não se discute) para a sua decisão – essa, sim, uma genuína decisão – de incompetência dos tribunais comuns. Coisa semelhante pode dizer-se no caso do despacho referido em b). O que se faz naquele despacho é tão-só considerar prejudicada a apreciação da obrigação de devolução da indemnização, não existindo, mais uma vez, uma decisão em sentido próprio sobre aquela ligação. Alegam ainda os recorrentes, na conclusão 2.ª, que há inutilidade superveniente da lide, justamente por causa da decisão sobre a ligação entre o cancelamento do R da expropriação e a devolução da indemnização. Dizem eles a este respeito: “(a) A decisão quanto à intrínseca ligação/dependência da pretendida devolução indemnizatória face ao pedido dos Expropriados de cancelamento da inscrição do Expropriante como proprietário do imóvel expropriado no Registo Predial (de que desistiram) transitou em julgado, tendo força de caso julgado no processo. (b) Transitada em julgado esta decisão, a mesma torna inútil que se conheça da competência dos Tribunais comuns para decidir a pretendida devolução: atendendo à decidida dependência e à desistência do cancelamento registal por parte dos Expropriados, esta desistência faz cair a pretendida devolução indemnizatória e a questão da competência para o efeito. (c) Deste modo, ainda que pudesse proceder (como procedeu no Acórdão recorrido) o recurso do Expropriante da decisão que julgou a incompetência dos Tribunais comuns para julgar a devolução indemnizatória, essa devolução não poderá ser depois decidida, pois, como se encontra decidido com transito em julgado, a mesma estava dependente de um pedido de cancelamento registal do qual os Expropriados desistiram. (d) Assim, a necessária conclusão de que o conhecimento/decisão da única questão pendente neste recurso (incompetência) é inútil, não podendo produzir quaisquer efeitos, nem podendo satisfazer qualquer interesse legitimo do Recorrente. Ora, é precisamente para este tipo de situações que se encontra estabelecida a figura da inutilidade superveniente da lide, neste caso recursiva (art. 277º, e., do CPC). Assim, por se verificar in casu a previsão normativa deste regime, deve ser decidida a extinção desta instância recursiva por inutilidade superveniente da lide”. Este ponto está relacionado com o ponto anterior, uma vez que, segundo os recorrentes, a inutilidade derivaria da existência de uma verdadeira decisão sobre a ligação entre o cancelamento do R da expropriação e a devolução da indemnização. Ora, como se demonstrou, uma tal decisão não existe. Assim sendo, não há fundamento para a inutilidade superveniente da lide. Na conclusão 4.ª os recorrentes alegam ainda que o Tribunal a quo incorreu em vício de omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre as duas questões acima referidas (ofensa de caso julgado e inutilidade superveniente da lide), dizendo, mais precisamente, que: “Na Reclamação para a Conferência da Decisão Singular do Tribunal recorrido de 27.10.2024 (onde foi proferido o Acórdão aqui recorrido), os Recorrentes suscitaram as questões que vêm de ser expostas nas duas anteriores Conclusões (págs. 1-4 dessa Reclamação). No entanto, o Acórdão recorrido não dedicou a essas questões qualquer palavra, pelo que se verifica uma nulidade por omissão de pronúncia. É que, para além do mais, a questão relativa à violação de caso julgado que se deixou invocada é de conhecimento oficioso (art. 577º, i., e art. 578º do CPC)”. Não pode dar-se razão aos recorrentes. Como já se afirmou, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC). Ora, nas alegações de recurso de apelação apresentadas, a ofensa do caso julgado e a inutilidade superveniente da lide não eram pura e simplesmente abordados. E não eram abordados porque, desde logo, quem interpôs recurso de apelação foi ora recorrido e não ora recorrentes (estes argumentos não eram favoráveis a este último, que a última coisa que pretendia era que ficasse impedida a apreciação da sua pretensão). De nada adianta que os recorrentes se tivessem referido à ofensa do caso julgado e à inutilidade superveniente da lide depois, na reclamação da decisão singular que decidiu o recurso numa primeira fase, pois as questões que são apreciado no Acórdão da Conferência não são nem mais nem menos do que aquelas que haviam sido definidas antes, através das alegações de recurso. Quanto à sugestão de que a violação do caso julgado deveria ter sido apreciada por ser de conhecimento oficioso, diz-se ainda que se o Tribunal recorrido não afirmou qualquer ofensa é porque entendeu que ela não se verificava. Como é evidente, não tem o tribunal de pronunciar-se oficiosamente sobre a questão da ofensa de caso julgado em todos e cada um dos processos mas apenas quando considere que ela se verifica. Da alegada incompetência dos tribunais comuns Aprecie-se, então, a questão – a questão central – respeitante à (in)competência dos tribunais comuns para julgar o presente litígio. Nos diversos parágrafos em que se desdobra a conclusão 5.ª, os recorrentes dizem que os tribunais comuns são incompetentes para apreciar o pedido do Município do Porto de devolução da indemnização, podendo ler-se aí, precisamente: “5ª.1 (a) Porque estamos no âmbito de uma relação jurídico-administrativa (as expropriações são o paradigma deste tipo de relações, em que uma entidade pública munida de poderes públicos de autoridade, o jus imperii, faz extinguir o direito fundamental de propriedade privada de alguém); (b) porque o que a Expropriante pretende é retirar efeitos e fazer executar o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.05.2018 que anulou a declaração de utilidade pública desta expropriação (é deste ato que a Expropriante entende resultar o seu direito à devolução indemnizatória); e (c) porque os Tribunais comuns, no domínio das expropriações, só são competentes para conferir a posse/propriedade das parcelas expropriadas às entidades expropriantes e para fixar a justa indemnização devida aos proprietários expropriados, não tendo outras competências no domínio das relações expropriativas (basta ler o Código das Expropriações para concluir que a devolução indemnizatório pretendida não é aí regulada ou cometida aos Tribunais comuns), podemos concluir que não existem especiais dúvidas sobre a incompetência dos Tribunais comuns para conhecer e decidir esta pretensão da Expropriante de devolução do valor da indemnização pelo facto de a declaração de utilidade pública ter sido anulada por um Tribunal Administrativo. É que já não estamos aqui no âmbito/discussão do valor da indemnização devido por esta expropriação, única questão que, neste domínio, os Tribunais comuns podem (excecionalmente) conhecer e decidir. 5ª.2 O Acórdão recorrido interpretou o art. 67º, nº1, do CE no sentido de que os tribunais comuns são competentes para conhecer da devolução à Entidade Expropriante do valor da indemnização recebido pelos Expropriados nos casos em que a declaração de utilidade pública foi anulada por Tribunal Administrativo. Com o devido respeito, esta interpretação e o referido argumento não fazem sentido e violam o regime aplicável. A devolução à entidade Expropriante do valor da indemnização recebido pelos Expropriados/recorrentes no processo de expropriação nos casos em que a declaração de utilidade pública foi anulada por Tribunal Administrativo não é uma questão que tenha que ver com a fixação da indemnização. Não tendo que ver com a fixação da justa indemnização, esta situação não se integra na previsão normativa do invocado art. 67º do CE. De facto, como se refere na própria Decisão Singular de 27.10.2024, os Tribunais comuns só são competentes para fixar a justa indemnização devida pelas expropriações efetuadas. Ora, porque já não estamos aqui no âmbito da discussão em torno do valor da justa indemnização, da fixação desse valor (única questão que os Tribunais comuns podem excecionalmente conhecer e decidir), parece-nos evidente que os Tribunal comuns não têm essa competência. É que, relembre-se, a competência dos Tribunais comuns para fixar a justa indemnização nas relações expropriativas é já uma norma excecional, pois, sendo a relação expropriativa uma relação jurídica administrativa, a competência indemnizatória natural seria dos Tribunais Administrativos. Ora, como se sabe, a aplicação analógica de normas excecionais é proibida (art.11º do Código Civil). No domínio indemnizatório das expropriações, os Tribunais comuns só são competentes para fixar o valor da justa indemnização devida aos proprietários expropriados, sendo incompetentes para conhecer e decidir outras questões relativas a relações jurídico-administrativas como é a relação expropriativa, pelo que são incompetentes para decidir esta pretensão da Expropriante de devolução do valor da indemnização pela anulação da declaração de utilidade pública por um Tribunal Administrativo. Porque já não estamos aqui no âmbito da discussão em torno do valor da justa indemnização, da fixação desse valor (a única questão que neste domínio os Tribunais comuns podem, excecionalmente, conhecer e decidir), é evidente que essa competência não é dos Tribunais Comuns. 5ª.3 Os expropriados terem que devolver às expropriantes o valor da indemnização recebida no processo de expropriação pelo facto de a declaração de utilidade pública ter sido anulada por um Tribunal administrativo não tem qualquer conexão (não é um incidente) com o processo onde se pretende fixar a justa indemnização devida por expropriações. São duas questões estruturalmente distintas: na causa de pedir, no pedido e na natureza das normas jurídicas aplicáveis: nessa devolução estão em causa regras de Direito Administrativo, isto é, um litígio numa relação jurídica administrativa, que é da competência dos Tribunais Administrativos (art. 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais). No nosso caso verifica-se exatamente essa situação: uma sentença proferida por um Tribunal Administrativo e a pretensão de executar essa sentença, de retirar da mesma os efeitos e consequências daí advenientes. Assim, sem qualquer dúvida, é perante a jurisdição administrativa que esta questão deve ser peticionada e decidida, em especial no âmbito do regime de execução de sentenças de anulação de atos administrativos, previsto e regulado nos arts. 3º, nº 4, 157º, nº 5. 5ª.4 O erro nos pressupostos do Acórdão recorrido no sentido que a devolução da indemnização peticionada ainda é uma questão relativa ao pagamento da indemnização aos expropriados previsto no art. 67º do CE. Com o devido respeito, esta ordem de fundamentação não faz sentido: o regime previsto no art. 67º do CE não é aqui aplicável porque este regime trata do pagamento da justa indemnização aos expropriados e não da sua devolução pelos expropriados em virtude da anulação da dup: a devolução pretendida pela Expropriante não é uma questão que tenha que ver com a fixação da indemnização ou com as formas de pagamento dessa indemnização. Não estando em causa a fixação ou pagamento da justa indemnização, esta situação não se integra na previsão normativa do invocado art. 67º do CE. 5ª.5 Em último lugar, constata-se também uma leitura deturpada da Decisão Singular proferida acerca do critério legal que distingue a jurisdição administrativa da jurisdição comum. Segundo essa Decisão Singular, esse critério seria o jus imperii: quando uma entidade administrativa atua ao abrigo de especiais poderes de autoridade, os litígios daí emergentes seriam da jurisdição administrativa; caso contrário, pertenceriam à jurisdição comum. No entanto, há muito tempo que as coisas não são assim. De facto, atualmente também integram a jurisdição administrativa múltiplas situações em que a Administração pública atua ao abrigo do Direito Privado, sem o referido jus imperii (neste sentido, expressamente, o Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 12.09.2017 que ficou citado)”. Enfrente-se a questão. A expropriação por utilidade pública pode ser definida, de uma forma geral, como o instituto através do qual o Estado (entidade expropriante), procede, por razões de utilidade pública1, à extinção do direito de propriedade de certa pessoa sobre certos bens mediante o pagamento a esta de uma justa indemnização2 [cfr. artigo 62.º, n.º 2, da CRP e artigo 1.º do Código das Expropriações (CE)]. Mas é preciso compreender que a relação jurídica de expropriação por utilidade pública tem uma natureza mista ou híbrida, quer dizer: (i) Os procedimentos destinados à declaração de utilidade pública e à concretização da expropriação assumem-se como relações jurídicas administrativas, sujeitas ao Direito administrativo e que, como tal, os litígios que surjam neste âmbito são da competência dos tribunais administrativos (cf. artigo 13.º do CE); (ii) Os procedimentos subsequentes, incluída a fixação do montante concreto da indemnização a pagar ao expropriado, por contenderem como os direitos de propriedade e outros direitos reais ou pessoais de gozo, são de natureza privada, encontrando-se os litígios que ocorram nesta fase sujeitos à jurisdição comum. Explica-se particularmente bem este entendimento no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2002 (Proc. 01A4196): “(…) a expropriação por utilidade pública reveste dois aspectos: um, que se prende com o Direito administrativo, e o outro, que se prende com o Direito civil. O primeiro é o que se revela nos procedimentos destinados à elaboração da declaração de utilidade pública da expropriação e à concretização desta, que terá lugar mesmo contra a vontade do expropriado, forçado, por motivos de interesse público, a submeter-se aos poderes de autoridade da Administração, que o pode privar, por tais motivos, do seu direito de propriedade; nessa fase encontramo-nos, na verdade, no domínio das relações jurídicas administrativas (…). Atingido, porém, esse desiderato, isto é, efectuada a posse administrativa, como se vê do art. 21º do mesmo diploma, passa-se à fase seguinte, que é a da determinação do montante concreto da indemnização; e esta tem de ser a indemnização justa, como se refere nos art.s 1º e 22º desse Código, o que só por si já demonstra que não nos encontramos então perante uma relação jurídica administrativa. Com efeito, embora o legislador fixe ali, até para facilitar o respectivo cálculo de forma idêntica para os particulares que se encontrem em situação também idêntica, critérios para determinação dos valores dos bens, não estão os expropriados sujeitos aos poderes de autoridade da Administração quanto ao cálculo do montante da indemnização, que podem discutir em situação de igualdade com ela, com recurso a critérios de índole civilística e privatística. Quer dizer: no tocante à extinção do direito de propriedade sobre os bens que lhe pertenciam e ao nascimento do direito de propriedade da entidade expropriante sobre eles, está o expropriado sujeito aos poderes de autoridade da Administração, que actua precisamente no exercício desses poderes, pelo que nos encontramos então no domínio das relações jurídicas administrativas; mas já não o está quanto ao aspecto da determinação concreta do montante indemnizatório, em que a Administração actua despida da sua veste autoritária para se colocar em situação de igualdade perante o particular no litígio judicial destinado à fixação daquele montante, pelo que, nessa fase, já não nos encontramos no domínio das relações jurídicas administrativas”. Concluiu-se neste aresto que “[o]s tribunais judiciais são os competentes para conhecer dos recursos interpostos das decisões arbitrais que fixam o montante indemnizatório em processos de expropriação por utilidade pública”. Em sentido idêntico, mas mais sinteticamente, pode ler-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2005 (Proc. 05A2296)3: “I - A relação jurídica da expropriação por utilidade pública reveste natureza híbrida: tem um aspecto que se prende com o direito administrativo e outro que se liga com o direito civil. II - O primeiro, é o que se revela nos procedimentos destinados à declaração da utilidade pública e á sua concretização, até à investidura na posse administrativa. III - Nessa primeira fase, encontramo-nos no domínio das relações jurídicas administrativas. IV - Efectuada a posse administrativa, passa-se à segunda fase, que extravasa o campo do direito público e apenas tem a ver com a determinação do montante concreto da justa indemnização a pagar ao expropriado, de acordo com critérios civilísticos, e onde o expropriante intervém em pé de igualdade com aquele. V - Sendo o arrendatário rural um dos interessados na expropriação, os tribunais comuns são competentes para conhecer da respectiva indemnização, tal como seriam se aquele tivesse sido chamado a intervir no processo de expropriação e não tivesse chegado a acordo com a entidade expropriante”. Resulta, assim, que, ainda que o processo expropriativo seja visto como um processo caracterizadamente público, pelo poder de autoridade visivelmente detido e exercido, numa primeira fase, pela entidade expropriante, é inequívoco que o juízo decisório sobre a indemnização cabe aos tribunais comuns. Por outras palavras e mais claramente, é à jurisdição comum que compete julgar o recurso da decisão respeitante à indemnização, fixar o montante indemnizatório e ordenar o seu pagamento. Dispõe-se no artigo 38.º, n.º 1, do CE: “Na falta de acordo sobre o valor da indemnização, é este fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais comuns”. Dispõe-se no artigo 66.º, n.º 1, do CE: “O juiz fixa o montante das indemnizações a pagar pela entidade expropriante”. O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) confirma, de alguma forma, o entendimento exposto, na parte em que delimita negativamente a competência destes tribunais. Dispõe-se no artigo 4.º, n.º 3, al. b), do ETAF: “Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de: (…) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal”. É verdade que, nos presentes autos, não está em causa uma impugnação em sentido próprio. Ainda assim, está em causa a inversão dos efeitos de uma decisão anteriormente tomada por uma categoria de tribunais que é inequivocamente competente para a tomar. Chegados aqui, parece razoável entender que não estamos perante um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa4 e que a jurisdição competente para julgar este litígio seja aquela / a mesma a que a ordem jurídica atribui competência para fixar a justa indemnização. Como é referido no Acórdão de Conferência que apreciou as alegadas nulidades do Acórdão recorrido, “[o] pedido da decisão recorrida tem a ver com o pedido de devolução da indemnização que a expropriante pagou e que deixou de ter razão de ser”; é adequado, então, que a competência para decidir sobre este pedido (cujo acolhimento pode passar pela devolução da indemnização na íntegra ou apenas em parte e em termos específicos) pertença à jurisdição que seria competente para decidir sobre a indemnização. A conclusão não é contrariada pelas regras gerais de competência em razão da matéria, que reconhecem aos tribunais comuns a competência para julgar “as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (cfr. artigo 64.º do CPC). Esclareça-se ainda que o pedido em causa nos presentes autos não configura um pedido de execução da decisão de anulação proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo. Este Tribunal anulou o acto administrativo consubstanciado na declaração de utilidade pública por se ter concluído que “a expropriação impugnada foi excessiva e que, nessa medida, a mesma violou o princípio da proporcionalidade na vertente da sua necessidade”. Nos termos previstos no artigo 173.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), “[s]em prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”. Quando a Administração não execute, espontaneamente, a decisão anulatória, o particular pode exigir a sua execução, nos termos previstos no artigo 176.º e seguintes do CPTA, devendo, na respectiva petição, especificar os actos e as operações em que, no seu entender, a execução deve concretizar-se e podendo, para o efeito, pedir a condenação da Administração na obrigação de pagamento de quantias pecuniárias, na obrigação de entrega de coisas, na obrigação de prestação de factos ou de prática de actos administrativos determinados. Ora, o pedido de notificação, por parte da entidade expropriante, aos expropriados depositarem / devolverem o montante da indemnização não é, visivelmente, uma operação a praticar pela Administração na sequência da decisão anulatória, para os efeitos dos artigos 157.º, n.º 1 (“execução de sentenças proferidas pelos tribunais administrativos contra entidades públicas”), e 176.º do CPTA. Tão-pouco se afigura que aquele depósito / aquela devolução surja como uma consequência que se imponha aos expropriados por força da decisão anulatória do acto administrativo, a julgar pelos Tribunais Administrativos em execução de sentença ao abrigo do n.º 5 do artigo 157.º do CPTA. Com efeito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou quanto à indemnização e esta não integra, na verdade, a relação jurídico-administrativa apreciada, pelo que aquele aresto não poderá constituir título executivo contra o particular5. Como fica dito acima, os procedimentos subsequentes à declaração de utilidade pública, maxime o pagamento da justa indemnização, são da competência dos tribunais comuns, por serem praticados pela Administração destituída do seu ius imperii e em situação de igualdade com o particular. Reitera-se, por conseguinte, que quaisquer questões relativas a esta segunda fase do procedimento de expropriação, i.e., posteriormente à declaração de utilidade pública, são da competência da jurisdição comum, em particular quando, como sucede aqui, o pedido se restrinja a estas questões. Como se diz no sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15.03.2012 (Proc. 08607/12): “No tocante aos litígios envolvendo actos procedimentais posteriores à declaração de utilidade pública (DUP) o legislador do Código das Expropriações é expresso na atribuição de competência jurisdicional aos tribunais da jurisdição comum, cfr. artºs. artºs. 13º nº 3, 38º nº 1, 42º nº 2, 51º nº 2 e 54º nº 2 CE”. Em suma, afigura-se que, não tendo os tribunais administrativos competência para a determinação da justa indemnização a atribuir aos expropriados (cfr. artigos 51.º, 54.º e 66.º do CE), também não terão competência para uma acção em que o pedido principal é a notificação dos expropriados para procederem ao depósito da indemnização, ainda que a causa de pedir seja a anulação proferida da declaração de utilidade pública pelos tribunais administrativos. Formulando a conclusão pela positiva, a competência para decidir o pedido da entidade expropriante de notificação dos expropriados para depositar o montante da indemnização na sequência da anulação da declaração de utilidade pública pelo Supremo Tribunal Administrativo pertence aos tribunais comuns. Refira-se, em confirmação, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2008 (Proc. 841/08): “I - A anulação da declaração de utilidade pública tem efeitos retroactivos, ficando sem efeito todos os actos praticados quer no procedimento administrativo de expropriação, quer no processo judicial de expropriação litigiosa. Assim, extingue-se a sujeição à expropriação que impendia sobre o bem por ela atingido e desaparece o direito à indemnização contravalor dos bens a expropriar. II - Daí que, na sequência da anulação da declaração de utilidade pública declarada pelo competente Tribunal Administrativo, e o subsequente despacho de extinção da instância no presente processo expropriativo, por impossibilidade superveniente da lide, a expropriante possa proceder ao levantamento da quantia que depositou na fase administrativa do processo, por tal depósito ficar destituído do fundamento legal que o determinava. III - Não pode o juiz indeferir o requerido levantamento dessa quantia por considerar que estava esgotado o seu poder jurisdicional. Não tendo o requerimento directamente a ver com o desenvolvimento do processo de expropriação em que a instância foi julgada extinta, mas, tão só, com as consequências da decisão proferida pelo tribunal administrativo relativamente a actos praticados no processo, não estava o juiz impedido de apreciar a pretensão da expropriante (…)”. A finalizar, diga-se apenas que a conclusão / decisão (que é a mesma do aresto em crise) no sentido da competência dos tribunais comuns não enferma de qualquer inconstitucionalidade e, mais precisamente, que a interpretação que se faz do artigo 67.º do CE (ou de outra qualquer norma) não viola nem o artigo 212.º, n.º 3, nem o artigo 20.º, n.º 4, da CRP. Segundo o artigo 212.º, n.º 3 da CRP, em conformidade com o artigo 1.º do ETAF, “[c]ompete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Segundo o artigo 20.º, n.º 4, da CRP, “[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” É que, como já se explicou desenvolvidamente, este não é um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa ou fiscal, pelo que não seria correcto que o seu julgamento competisse aos tribunais administrativos e fiscais. A competência dos tribunais comuns é, por isso, a solução que se apresenta como a solução adequada e, mais do que isso, como a única solução que assegura que se realize o “processo devido” / “processo justo” que é visado naquela segunda norma constitucional. * III. DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o Acórdão recorrido. * Custas pelos recorrentes. * Catarina Serra (relatora) Orlando Nacimento Ana Paula Lobo ____________
1. A declaração de utilidade pública é “o acto administrativo pelo qual se reconhece que determinados bens são necessários à realização de um fim de utilidade pública”. Cfr. Ana Isabel Pacheco / Luís Alvarez Barbosa, Código das Expropriações Anotado e Comentado, Coimbra, Almedina, 2022, p. 66. 2. A justa indemnização visa “ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação” (cfr. artigo 23.º, n.º 1, do CE) e mais não é do que uma “expressão particular do princípio geral, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, de indemnização pelos actos lesivos de direitos e pelos danos causados a outrem”. Cfr. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 808. 3. Cfr. ainda, entre tantos outros, o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 16.03.2017 (Proc. 26/16) e, mais recentemente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.09.2025 (Proc. 32/25.6BEFUN). 4. Por relação jurídico-administrativa deve entender-se “a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado, as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (…)” (cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 117/118).↩︎ 5. Sobre os efeitos da nulidade da declaração de utilidade pública vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.10.1997 (Proc. 560/97) e de 15.04.2015 (Proc. 100.10.0TBVCD.P1.S1).↩︎ |