Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
392/18.5T8STR-C.E1-A.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: DESPACHO DE NÃO ADMISSÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO
INSTRUÇÃO DA RECLAMAÇÃO
ÃCESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECLAMAÇÃO CONTRA O INDEFERIMENTO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 643.º, N.ºS 1 E 3.
Sumário :
I O artigo 643º, nº1 do CPCivil que «Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.», acrescentando o seu nº3 que «A reclamação, dirigida ao tribunal superior, é apresentada na secretariado tribunal recorrido, autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objecto de reclamação.».

II Se perante a injuntividade daquele nº3, o Reclamante, apesar de convidado para juntar aos autos os elementos em falta, não os junta no prazo que lhe foi concedido para o efeito, vindo alegar não ser sua obrigação juntá-los, pretendendo fazer recair tal ónus sobre o Tribunal, faz precludir aquele prazo, o que conduz à rejeição liminar da reclamação.

III Não se mostra violado o direito da Recorrente, aqui Reclamante, no seu acesso à justiça, porque lhe foram assegurados todos os meios para fazer valer a sua pretensão, tendo sido, inclusivamente, proficuamente cumprido por banda do Tribunal da Relação o princípio da cooperação, o que é bem patente e ressalta do iter processual, mormente do cumprimento por aquele Órgão dos princípios decorrentes do dever de cooperação.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

I AA veio, em 2 de Julho de 2019, nos termos do disposto no artigo 643º do CPCivil, reclamar do despacho da Exª Relatora do Tribunal da Relação de Évora que lhe não admitiu, por extemporâneo, o recurso de Revista por si interposto, em 27 de Fevereiro de 2019, do Acórdão daquela Relação produzido em 20 de Dezembro de 2018.

Por despacho singular, a aqui Relatora, produziu decisão a rejeitar a reclamação deduzida.

Inconformada, a Recorrente vem agora reclamar para a conferência, nos termos do artigo 652º, nº4 do CPCivil, apresentando as seguintes razões:

 - Vem a recorrente notificada de decisão singular, com a qual não pode colher entendimento,

- Porquanto não só o processo encerra em si incongruências várias,

- Como incongruências várias se encontram na decisão singular em crise.

- Vejamos,

- Entende essencialmente a mesma que "Esgotado que se mostra, em muito, o prazo para suprir as deficiências de instrução da reclamação apresentada, rejeita-se a mesma, por extemporânea, nos termos do artigo 643.°, n.° 1 e 2 do CPCivil.".

- Ora tal não é a verdade material dos factos.

- E basta compulsar com a devida atenção a decisão singular proferida, para nos apercebermos de tal realidade.

- Aliás, basta compulsar o parágrafo imediatamente anterior à decisão, in fine, onde se pode ler: "... mal se compreendendo a inversão ocorrida com o despacho de fls. 49, que apesar de tal trânsito, considerou sanada a instrução do presente procedimento, quando o mesmo se encontrava precludido pelo decurso dos prazos.".

- Isto é, não obstante o Tribunal ter vindo a reconhecer que a instrução de presente procedimento estava sanada, de que poderia a mesma ser tramitada ulteriormente,

- E tendo  efectivamente  tramitado  ulteriormente  tramitado,  por sanado, o presente procedimento, vem agora a ser entendimento expresso na decisão singular, que não iria existir pronúncia de mérito, porquanto no entendimento deste douto Tribunal, se encontram esgotados todos os prazos.

- Em primeiro lugar e no quanto ao recurso interposto concerne, o mesmo nunca seria "manifestamente excepcional", pela simples razão de que o mesmo versa sobre uma nulidade insanável invocável a todo o tempo, o que de per si, sempre atribui ao recurso interposto a força necessária para que venha o mesmo a ser considerado processualmente admissível, oportuno e tempestivo.

- No quanto ao entendimento de que "... ter vindo encetar um procedimento sem cuidar de o instruir devidamente e apesar de notificada para o efeito, vir insistir que é ao Tribunal que compete fazer essa instrução...", compete esclarecer que, da larga experiência de Tribunais que se tem e,da casuística experiência que se tem em sede de reclamações ao abrigo do melhor disposto no artigo 643.° CPC, nunca e em caso algum se instruiu no sentido físico da expressão e conceito, a reclamação,

- Isto é, nunca aquando do envio da peça processual que enforma a reclamação prevista no artigo 643.° CPC, foi necessário enviar em anexo -efectivamente - as peças processuais que devem com ele ser instruídas, bastando para tanto a indicação das mesmas, o  que aliás faz todo o sentido, não só a título do Princípio da Cooperação Inter Partes,

- Não só a título do Princípio da Economia Processual, mas sobretudo e em particular,

A título da Portaria 170/2017, de 25 de Maio, no quanto concerne à excecionalidade da materialização em suporte de papel de peças processuais - artigo 28.°.

- Razão pela qual nunca aqui esteve em causa qualquer "... arrepio do principio da responsabilização das partes que sobre si impendia e impende.", mas outrossim, o estrito cumprimento do Princípio da Cooperação Inter Partes do Princípio da Economia Processual e em particular, de estrita observância do quanto melhor dispõe e prevê a Portaria 170/2017, de 25 de Maio.

- O que contudo e em bom rigor para a presente questão é, deveras, irrelevante, porquanto reitere-se: "... mal se compreendendo a inversão ocorrida com o despacho de fls. 49, que apesar de tal trânsito, considerou sanada a instrução do presente procedimento, quando o mesmo se encontrava precludido pelo decurso dos pra10.         Isto é, a instrução do procedimento, foi considerada sanada e conforme e por esta mesma razão tramitou ulteriormente.

- Não obstante e como é bom de ver, toda a pronúncia da decisão singular sobre a questão da instrução da reclamação é na verdade uma não questão, porquanto decisão judicial existe que considera devidamente sanada a tramitação processual da reclamação.

- Erro existe ainda no quanto concerne à contagem dos prazos processuais.

- Entende a decisão singular em crise que como houve convite do Tribunal para a reclamante completar a reclamação com a junção de elementos essenciais "podemos conceder que tal prazo pudesse ter sido dilatado por mais dez dias a contar da notificação do despacho de fls. 5.".

- Ora, mal anda novamente a decisão singular, porquanto ao contrario do que afirma e retira das suas próprias conclusões, existindo convite a aperfeiçoamento sem que contenha o mesmo qualquer prazo definitivo, não se pode retirar do mesmo qualquer ilacção de que decorrido o prazo de dez dias, se esgotou qualquer prazo.

- Isto pela simples razão óbvia e natural de que, tendo existido convite ao aperfeiçoamento,

tendo sido o mesmo escrupulosamente cumprido como o foi, concluindo-se ademais que se encontrava sanada a tramitação processual, outro não poder vir agora ser o entendimento deste douto Tribunal superior e muito em particular, outro não pode ser o caminho deste douto Tribunal senão pronunciar-se sobre a impugnação através da reclamação deduzida em conformidade com o melhor disposto no artigo 643.° CPC, com base num recurso que invoca nulidade processual insanável e como tal, invocável a todo o tempo, sob pena de estar a obstaculizar o acesso à justiça por parte da reclamante, em clara violação do melhor disposto nos artigos 12°, 13°, 18°, 20°, 202° e 203° todos da Lei Fundamental.

Analisemos.

A decisão singular agora em crise, pronunciou-se sobre o destino da reclamação apresentada quanto ao despacho de não admissão de recurso de Revista, nos seguintes termos:

«Nos autos de insolvência de AA, veio esta, em 2 de Julho de 2019, esta ao abrigo do disposto no artigo 643º do CPCivil, reclamar do despacho da Exª Relatora do Tribunal da Relação de Évora que lhe não admitiu, por extemporâneo, o recurso de Revista por si interposto, em 27 de Fevereiro de 2019, do Acórdão daquela Relação produzido em 20 de Dezembro de 2018, alinhando para o efeito o seguinte argumentário:

- Veio o douto tribunal da relação indeferir o recurso de revista interposto pela Recorrente por manifestamente inadmissível e extemporâneo.

- Ora, salvo o devido respeito, que aliás é muito, não pode o ora recorrente concordar com o douto despacho proferido pelo douto Tribunal "a quo" uma vez que representa uma clara violação do Princípio da Materialidade Subjacente, bem como o princípio de acesso aos Tribunais, norma de cariz Constitucional, expressa e prevista na Lei Fundamental.

- Com efeito, em 27/02/2019 veio a ora recorrente interpor recurso porquanto entende que o despacho que nomeou o Al enfermava de nulidade por falta de fundamentação, invocada pela recorrente.

- Com efeito, dispõe o artigo 154.2 do CPC, que os tribunais devem fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer dúvida suscitada no processo ou qualquer pedido controvertido e que, em caso de violação, as mesmas são nulas.

- Verificamos assim que se tratou da arguição de uma nulidade que pode ser invocada a todo o tempo.

- Sendo certo que o douto acórdão, à data da interposição do recurso, ainda não havia transitado em julgado, pelo que o recurso deverá considera-se como oportuno e tempestivo.

- A garantia de acesso aos tribunais corporiza um direito de cúpula de natureza prestacional, pois que, sendo o Tribunal o órgão de soberania, a ele serão avocados os poderes de produção extrínseca de efeitos legais, sendo legítima a expectativa dos cidadãos em obter uma decisão material que conheça do mérito da pretensão suscitada junto do Tribunal.

- Pois que qualquer outra decisão sempre se assumiria num Estado de Direito Democrático, como uma violação e uma obstaculização do acesso à justiça e da procura de tutela jurídica de um direito de que se arroga titular, in casu, da ora recorrente.

- Com efeito, estamos perante uma situação em que, por despacho judicial, se ordenou a não admissão de uma peça processual de suprema relevância para defesa e protecção da ora recorrente.

- Inviabilizar definitiva e irreversivelmente o direito de defesa da ora recorrente, com estrito fundamento no incumprimento de exigências de ordem formal põe em causa a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, traduzindo-se na injustificada prevalência de uma decisão meramente formal, em detrimento da decisão do mérito.

- Tendo a ora recorrente sido amputada do exercício da tutela jurisdicional efectiva, através dos direitos de defesa.

Em 22 de Julho de 2019, o Exº Relator de turno ordenou a notificação da Reclamante para instruir a sua peça reclamatória como os elementos aludidos no artigo 643º, nº3 do CPCivil, cfr fls 5, notificação essa que teve lugar no mesmo dia, cfr fls 6.

No dia 1 de Agosto de 2019, a Reclamante através do seu requerimento de fls 10, para além de insinuar que incumbia ao Tribunal instruir a reclamação, uma vez que o não fez, que o fizesse agora ao abrigo do princípio da cooperação e por uma questão de economia processual.

Em 14 de Agosto de 2019, a Exª Relatora produziu o seguinte despacho, constante de fls 13 e 14:

«1. Notificado do despacho da Relatora proferido em 14.06.2019, que indeferiu o recurso de revista que havia interposto, por manifestamente inadmissível e extemporâneo, veio a Reclamante, tempestivamente, apresentar reclamação que endereçou ao "Exm.° Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa", o mesmo fazendo com o requerimento que antecede, no qual peticiona (sic) "que, até por uma questão e Economia Processual e dignidade do Princípio da Cooperação, oficiem o douto Tribunal a proceder à devida instrução da Reclamação, a qual deverá ser como determina a Lei, acompanhada pela decisão recorrida e despacho objecto de reclamação".

2. Para além da óbvia constatação da errónea identificação do Tribunal da Relação, desde a alteração introduzida ao artigo 688.° do anterior Código de Processo Civil, pela revisão ao regime dos Recursos operada pelo DL n.° 303/2007, de 24 de Agosto - a qual, nos termos do respectivo artigo 12.° entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008 -, que a reclamação passou a ser dirigida para o tribunal superior que seria o competente para conhecer do recurso, sendo apresentada logo ao relator a quem venha a ser distribuída, e não ao Senhor Presidente do Tribunal da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, como acontecia na redacção anterior àquele diploma, consoante estivesse em causa indeferimento de recurso de apelação ou de revista. Ora, este regime foi mantido na actual redacção do Código de Processo Civil, constando agora dos n.°s 1, 3 e 4 do artigo 643.° do CPC, sendo consequentemente essa a forma que o reclamante devia ter usado, em face do preceituado no artigo 136.°, n.° 1, do CPC. Conforme explica FERREIRA DE ALMEIDA1, «se o recurso for interposto de uma decisão de um tribunal de 1.a instância, a reclamação é dirigida ao competente tribunal da Relação; se interposto de um acórdão da Relação, a reclamação deve ser dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça». Não obstante, tal erro não é impeditivo da respectiva apreciação, já que as deficiências formais dos actos das partes podem ser supridas, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 146.°, n.°1,doCPC.

3. Acontece que, de harmonia com o previsto no artigo 643.°, n.° 3, do CPC, a reclamação é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objeto de reclamação. Não tendo a reclamante instruído a reclamação, como o citado normativo determina, foi notificada para o efeito, tendo agora requerido que o tribunal proceda à mesma, invocando os princípios da economia processual e da cooperação. 4. Salvo o devido respeito, o ónus de instrução da reclamação impende sobre a reclamante, e é requisito da remessa do apenso, devidamente instruído nos termos do indicado preceito, ao tribunal competente para sua apreciação, no caso, o Supremo Tribunal de Justiça. De facto, aquilo que a reclamante pede a este Tribunal não se encontra coberto pelos princípios que invoca, porque o que na realidade pretende é que a secretaria do tribunal se lhe substitua fazendo aquilo que a mesma não fez, ou seja, extraindo do sistema informático aquelas peças processuais que a lei enuncia, tarefa para cuja execução não há qualquer obstáculo que o tribunal tenha que remover em cooperação com a reclamante.

5. Nestes termos, indefere-se o requerido, devendo a reclamante proceder à legal instrução da reclamação autuada por apenso, e suprir a deficiência formal referida em 2.

Notifique.».

Em 10 de Setembro de 2019, a Exª Relatora produziu novo despacho a fls 15, com o seguinte teor:

«Pese embora tenha sido notificada para o efeito, a reclamante não procedeu à instrução da reclamação apresentada, conforme impõe o n.° 3 do artigo 643.° do CPC.

Nestes termos, indefere-se o requerimento de reclamação do despacho que indeferiu o recurso, condenando-se a reclamante em 2 UCs pelas custas do incidente a que deu causa.

Notifique, dê baixa e remeta o apenso de reclamação ao tribunal de primeira instância.».

A Reclamante foi notificada de tal despacho em 11 de Setembro de 2019, cfr fls 18 e nessa sequência em 16 de Setembro de 2019, a Reclamante veio juntar aos autos as cópias que fazem fls 20 a 46 (cópias do requerimento a introduzir a reclamação; decisão que não admitiu a Revista; interposição e motivação da Revista; Acórdão impugnado).

Subsequentemente em 26 de Setembro de 2019, requereu a ulterior tramitação da reclamação, uma vez que havia cumprido com o anteriormente ordenado, cfr fls 40, tendo sido produzido o seguinte despacho em 1 de Outubro de 2019,pela Exª Relatora:

«Considerando que entretanto a Reclamante procedeu à instrução da deduzida reclamação, remetam-se os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.», cfr fls 49.

O despacho que não admitiu o recurso interposto pela Recorrente e que aqui se encontra em reclamação, tem o seguinte teor:

«Por acórdão proferido em 20.12.2018 foi julgado improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente do despacho que não atendeu a sua indicação e nomeou aleatoriamente Al.

Tal acórdão foi notificado através do sistema informático de apoio à actividade dos tribunais, no dia 21.12.2018, conforme certificação Citius, constando ainda certificada a sua leitura pelo mandatário da Recorrente em 08.01.2019.

Em 23.01.2019 consta certidão de trânsito em julgado do acórdão proferido nos autos em 08.01.2019, seguida de baixa à primeira instância.

Em 29.01.2019 a Senhora Juíza tomou conhecimento do acórdão e em 30.01.2019 os autos tiveram visto em correição.

Eis que, em 27.02.2019, a Recorrente atravessa requerimento que classifica como «Alegações», referindo que «vem nos termos n.°1, alínea d) do artigo 627.° interpor recurso de revista» dirigido aos Venerandos Desembargadores, peça que termina pedindo a revogação da sentença.

Em 01.04.2019 foi proferido o seguinte despacho: «notifique a recorrente para  esclarecer os termos e enquadramento jurídico do recurso interposto, uma vez que o inciso legal invocado não existe (art. 627°/1-d do CPC); o acórdão do tribunal superior transitou em julgado; e o recurso está dirigido ao Tribunal da Relação».

A Recorrente responde aduzindo, além do mais, que a sua intenção é «a de recorrer do acórdão proferido, acórdão este que à data do recurso oferecido aos autos, não havia ainda transitado em julgado».

Foi determinada a subida dos autos a este Tribunal.

Que dizer?

Em primeiro lugar, que estando a Recorrente devidamente representada por advogado, certamente não desconhece o preceituado no artigo 14.°, n.° 1, do CIRE, de harmonia com cuja estatuição, no processo de insolvência não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo nos casos ali previstos que a Recorrente nem sequer invoca.

Mas, mesmo que estivéssemos perante situação que preenchesse a admissibilidade excepcional de recurso de revista, o recurso interposto sempre seria manifestamente extemporâneo, porquanto interposto muito para além de qualquer um dos prazos previstos no artigo 638.°, n.°1, do CPC.

Pelo exposto, por manifestamente inadmissível e extemporâneo, indefiro O recurso de revista interposto pela Recorrente.

Notifique e, após, baixem os autos ao tribunal a quo.».

Há que consignar que para além da Recorrente, aqui Reclamante, nenhum dos demais intervenientes se pronunciou acerca desta precisa problemática.

Quid inde?

Resulta do normativo inserto no artigo 643º, nº1 do CPCivil que «Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.», acrescentando o seu nº3 que «A reclamação, dirigida ao tribunal superior, é apresentada na secretariado tribunal recorrido, autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objecto de reclamação.».

A primeira perplexidade que se nos coloca nesta intercorrência reclamatória, é a de a Reclamante, ao arrepio de normas legais de carácter expressamente injuntivo (atente-se no advérbio «sempre» a que se alude naquele nº3) , ter vindo encetar um procedimento sem cuidar de o instruir devidamente e apesar de notificada para o efeito, vir insistir que é ao Tribunal que compete fazer essa instrução e solicitar ainda, invocando princípios de economia processual e de colaboração, que o Tribunal o faça, ao arrepio do principio da responsabilização das partes que sobre si impendia e impende.

E, com tudo isto e o mais que se lhe seguiu que deixámos extractado supra, desde a apresentação da reclamação ocorrida em 2 de Julho de 2019 e a junção dos documentos em falta, ocorrida em 16 de Setembro, decorreram cerca de dois meses e meio.

Veja-se que a reclamação é apresentada no prazo de dez dias, como deflui do ínsito que a previne, sendo que, como houve um convite do Tribunal para que a Reclamante a completasse com a junção de elementos essenciais que estavam em falta, podemos conceder que tal prazo pudesse ter sido dilatado por mais dez dias a contar da notificação do despacho de fls 5.

Contudo, a Reclamante não só não juntou os demandados elementos, como alegou não ser sua obrigação juntá-los, pretendendo fazer recair tal ónus sobre o Tribunal, sendo mais que óbvio que qualquer eventual direito que aquela tivesse a impugnar o despacho de não admissão do recurso de revista interposto, estava, como está, precludido, uma vez que não deu cumprimento atempado ao convite que lhe foi formulado: o cumprimento da instrução da reclamação nos termos e para os efeitos do nº3 do artigo 643º do CPCivil, apenas ocorreu em 16 de Setembro de 2019.

Não podemos ignorar que estamos em sede de processo de insolvência, urgente pois, nos termos do disposto no artigo 9º, nº1 do CIRE, o que significa que em tema de prazos de interposição de recurso rege o preceituado no artigo 638º segunda parte do CPCivil, aplicável ex vi do artigo 17º, nº1 do CIRE, ficando o mesmo reduzido a quinze dias, o que vale por dizer que, tendo o Acórdão que a Reclamante pretendia impugnar e cuja impugnação não veio a ser admitida (e bem, diga-se), sido produzido em 20 de Dezembro de 2018, mal andaria o judiciário se deixasse eternizar os procedimentos – para mais aqueles aos quais a Lei impõe maior celeridade – concedendo, sem qualquer justificação plausível, um prazo muito superior ao legalmente imposto (dez dias) e ao legalmente concedido ao abrigo do princípio da cooperação (mais dez dias para dar resposta ao convite que lhe foi formulado pelo despacho de 22 de Julho de 2019, nos termos do artigo 149º, nº1 do CPCivil).

Além do mais, existe um outro despacho da Exª Relatora, o de fls 15 datado de 10 de Setembro de 2019, que entretanto foi completamente descurado, mas que transitou em julgado pois não foi objecto de reclamação para a respectiva conferência nos termos do artigo 652º, nº3 do CPCivil, aqui igualmente aplicável), a pôr fim à reclamação através do seu indeferimento, não se percebendo ou mal se compreendendo a inversão ocorrida com o despacho de fls 49, que apesar de tal trânsito, considerou sanada a instrução do presente procedimento, quando o mesmo se encontrava precludido pelo decurso dos prazos.

Esgotado que se mostra, em muito, o prazo para suprir as deficiências de instrução da reclamação apresentada, rejeita-se a mesma, por extemporânea, nos termos do artigo 643º, nº1 e 2 do CPCivil.».

Esta decisão que deixamos extractada, mantém-se aqui na íntegra, à mingua de quaisquer argumentos que a pudessem por em crise, apesar do ensaio efectuado pela Reclamante.

Sempre podemos acrescentar ex abudanti, o seguinte.

O nº3 do artigo 643º, do CPCivil é por demais claro, preciso e conciso ao predispor que «A reclamação, dirigida ao tribunal superior, é apresentada na secretaria do tribunal recorrido, autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objecto de reclamação.»: tal significa o que aí se prescreve, isto é, que a reclamação é sempre instruída com os elementos ali consignados.

A Reclamante, sempre s.d.r.o.c., confunde a obrigatoriedade de instrução da reclamação, com apresentação das peças que a lei impõe para o efeito, com o «suporte fisíco do processo», aludido no artigo 28º da Portaria 280/2013,de 26 de Agosto, alterada pela Portaria 170/2017, de 25 de Maio, situações manifestamente díspares, que não se confundem, nem se anulam, sendo óbvio que o ónus/dever de  instrução dos autos impende sobre as partes, as quais , aliás, nos termos do artigo 1º, nº6, alínea b),da sobredita Portaria, procedem à transmissão das aludidas peças processuais por via electrónica, sendo-lhes estranha, pois, qualquer decisão do Juiz no sentido de  fazer incluir do suporte físico do processo aquelas peças caso assim o entenda necessário para a decisão material da causa.

A montante, trata-se do cumprimento de uma imposição legal pela parte, com vista à instrução de um procedimento, in casu, a reclamação deduzida contra um despacho de não recebimento de recurso.

A jusante, trata-se de uma necessidade do Tribunal, de traduzir em suporte físico as peças processuais tidas por imprescindíveis à decisão da questão em equação, nos casos em que haja necessidade de criar um procedimento «ex novo», por exemplo, como aconteceu in casu, que iria ser, como foi, sujeito a apreciação por um outro órgão jurisdicional.

Vítreo se torna, que a argumentação expendida, carece de qualquer base legal.

No que tange à «sanação» ulterior do processo, cuja bondade no dizer da Recorrente/Reclamante, põe em causa a bondade da decisão singular impugnada, encontra-se a mesma falecida de consistência lógico-normativa.

Se não.

Como deflui dos autos em 10 de Setembro de 2019, a Exª Relatora produziu um despacho, cfr  fls 15, com o seguinte teor: «Pese embora tenha sido notificada para o efeito, a reclamante não procedeu à instrução da reclamação apresentada, conforme impõe o n.° 3 do artigo 643.° do CPC. Nestes termos, indefere-se o requerimento de reclamação do despacho que indeferiu o recurso, condenando-se a reclamante em 2 UCs pelas custas do incidente a que deu causa.

Notifique, dê baixa e remeta o apenso de reclamação ao tribunal de primeira instância.».

Quer isto dizer que a Exª Relatora, pôs fim ao dissídio, aí tendo ficado extinto o seu poder jurisdicional sobre a matéria em ementa, de harmonia com o segmento normativo a que alude o artigo 613º, nº1 do CPCivil, aplicável ex vi do seu nº3.

E, se é certo que subsequentemente, em 26 de Setembro de 2019, a Recorrente, aqui Reclamante, requereu a ulterior tramitação da reclamação, porquanto em 16 de Setembro de 2019, já depois de ter sido notificada daquele citado despacho, havia cumprido com o anteriormente ordenado, o que mereceu um novo despacho, em 1 de Outubro de 2019, da Exª Relatora, com o seguinte teor «Considerando que entretanto a Reclamante procedeu à instrução da deduzida reclamação, remetam-se os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.», cfr fls 49, certo é também que, quer aquela Exº Relatora, quer a Reclamante, fizeram, continuando esta última a fazer, tábua rasa do preceituado no artigo 625º, nº1 do CPCivil, onde se dispõe que  «Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar», acrescentando o seu nº2 que «É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.».

Ora, a decisão aqui tomada, limitou-se a dar cumprimento àquela disposição: não se pode decidir pelo indeferimento de uma reclamação por não estar devidamente instruída e de seguida, produzir-se um despacho com o seu contrário, isto é, admitindo-se a reclamação, embora com uma instrução operada posteriormente a todos os convites efectuados para o efeito e depois de ter sido produzido despacho sobre as omissões havidas, penalizando-as.

Não houve, assim, qualquer «sanação», pois o Tribunal não pode sanar o que já é definitivo e insanável, sendo certo que quando foi dada a oportunidade à Recorrente para sanar as omissões apontadas, esta não o fez , de forma repetida, diga-se, apenas tendo dado «cumprimento escrupuloso», ao ordenado, como esgrime, quando o Tribunal  decidiu indeferir o requerimento apresentado e pôs fim à intercorrência.

Não se mostra, pois, violado o direito da Recorrente, aqui Reclamante, no seu acesso à justiça, porque a teve, tendo-lhe sido assegurados todos os meios para fazer valer a sua pretensão, tendo sido, inclusivamente, proficuamente cumprido por banda do Tribunal da Relação o princípio da cooperação, o que é bem patente e ressalta do iter processual  a que supra se fez referência.

Os princípios do acesso ao direito, da igualdade, da força jurídica dos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias e da independência dos Tribunais, aludidos nos artigos 12º, 13º, 18º, 20º, 202º e 203º, da Constituição da República Portuguesa, não se mostram ter sido postos em causa, nem sequer a Recorrente, aqui Reclamante, alvitra qualquer inconstitucionalidade na interpretação normativa efectuada, que os possa ter tolhido.

Se o objecto do recurso interposto tinha como finalidade por em causa o cometimento de uma nulidade insanável, isso seria matéria respeitante ao mérito da impugnação em sede de Revista, e, tal vício, dito insanável, sempre teria prazos – os do recurso impostos pela Lei -, para ser arguida, não sendo pois, como quer fazer crer a Reclamante, problemática que possa vir a ser suscitada em qualquer altura, porque a ser assim, chegar-se-ia ao absurdo de mesmo após a finalização de um processo judicial, a parte poder vir, passados anos, quiçá, reabri-lo com tal fundamento.

Existem normas cuja injuntividade paralisam as pretensões, e as que estipulam prazos judiciais peremptórios, são algumas delas, acrescendo as outras relativas à operância do caso julgado.

Mas, o aporema daqui, é apenas e tão só, o da aferição das condições essenciais para a admissão da Reclamação do despacho da Exª Relatora que não admitiu aquele recurso, condições essas que se não verificaram e por isso estamos num momento anterior ao da eventual apreciação da nulidade aventada, a qual nem sequer poderá vir a ser apreciada, por facto devido á inadmissibilidade da impugnação.

Destarte, indefere-se a reclamação, mantendo-se a rejeição da reclamação nos termos do disposto no artigo 643º, nºs 1 e 2 do CPCivil.

Custas pela Reclamante, com taxa de Justiça em 3Ucs.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2019

Ana Paula Boularot - Relatora

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho