Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JORGE LEAL | ||
| Descritores: | DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA APREENSÃO QUOTA SOCIAL SOCIEDADE UNIPESSOAL DIREITOS DOS SÓCIOS ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA SÓCIO GERENTE HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO CESSÃO DE CRÉDITOS SIMULAÇÃO NULIDADE DO CONTRATO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REAPRECIAÇÃO DA PROVA PODERES DA RELAÇÃO EXAME CRÍTICO DAS PROVAS PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
| Data do Acordão: | 12/12/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : |
I. À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC. II. O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados. III. A mera irrelevância (ou excesso) da matéria de facto apurada não afetará o acórdão recorrido na vertente da decisão de facto. Só se o STJ considerar que a decisão de facto padece de deficiência, por poder e dever ser ampliada, “em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito”, ou se entender que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto “que inviabilizam a decisão jurídica do pleito” é que o correspondente vício da decisão de facto carecerá de intervenção, devendo o processo baixar ao tribunal recorrido, para o efeito da sua sanação (n.º 3 do art.º 682.º do CPC). IV. A declaração de insolvência do sócio de sociedade unipessoal por quotas e a apreensão da respetiva quota, têm como efeito, nos termos do art.º 239.º do Código das Sociedades Comerciais, que os direitos patrimoniais inerentes à quota social apreendida, entre os quais avulta o direito à distribuição de lucros, ficarão à ordem do administrador da insolvência. V. No mais, a sociedade unipessoal por quotas (que não foi declarada insolvente), prosseguirá a sua atividade normal, exercendo o sócio, titular da quota apreendida, os direitos sociais não patrimoniais correspondentes e sendo a sociedade representada pelo(s) seu(s) gerente(s), que poderá ser o sócio insolvente, caso este não tenha sido inibido nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 189.º do CIRE. VI. À luz do exposto em V, o sócio insolvente pode intervir, na qualidade de representante da sociedade unipessoal por quotas, num acordo de cessão a terceiro de um alegado crédito da sociedade, reconhecido por sentença a aguardar execução. VII. Improcede o incidente de habilitação, deduzido pelo cessionário a fim de ocupar na execução o lugar da sociedade exequente/cedente, se se provar que o representante da sociedade cedente e o cessionário engendraram o aparente acordo de cessão a fim de se apropriarem do valor que os executados pagariam à sociedade exequente – com efeito, tal negócio é nulo, por simulação (art.º 240.º n.º 2 do Código Civil). | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2470/14.0T8VNF-C.G1.S1
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa instaurados por J..., Unipessoal, Lda. e AA contra BB e CC, em que foi apresentado como título executivo sentença que condenou estes a pagarem aos primeiros a quantia de € 146 000,00 acrescida de juros de mora desde o trânsito dessa sentença, veio DD requerer incidente de habilitação de cessionário contra executados e exequentes pedindo a sua habilitação a intervir nos autos na qualidade de cessionário do crédito da primeira exequente. O requerente alegou, em síntese, que por documento particular, celebrado em 28.02.2013, denominado “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, a primeira exequente confessou-se devedora a si de € 172 600,00, quantia que devia ser paga até 31.12.2013, vencendo-se juros a partir desta data. No mesmo documento a primeira exequente cedeu-lhe os direitos de crédito que a sentença proferida no Proc. nº 2134/08.4... lhe reconheceu e conferiu-lhe o direito de prosseguir com a execução de tal sentença. 2. Os executados e a primeira exequente contestaram dizendo, em síntese, que a “Confissão de Dívida e Cessão do Crédito” foi combinada entre os seus intervenientes com intuito de enganar os contestantes tendo sido elaborada no escritório da mandatária do requerente numa data que não a nele aposta. Assim, por um lado, o requerente nunca foi credor da sociedade contestante, nem nunca quis adquirir o crédito reconhecido à sociedade no Proc. nº 2134/08.4... e, por outro, EE, que nesse documento figura como devedor e legal representante da sociedade exequente/contestante, nunca quis, em nome da sociedade ou por si, reconhecer-se devedor, nem quis ceder o referido direito de crédito. Esta sociedade dedicava-se à construção civil, tendo cessado atividade no ano de 2004 por decisão do seu único sócio, EE, em face de dificuldades económicas e por estar a ser perseguido por vários credores. Aliás, este único sócio veio a ser declarado insolvente em 27.06.2008 no âmbito do Proc. nº 3633/08.8..., do Juízo Local Cível de ..., pelo que ficou impedido de dispor de qualquer bem e de exercer a gestão da sociedade, e viu todos os seus bens apreendidos, designadamente a quota nessa sociedade. O requerente e EE são amigos de infância. A acima referida “Confissão de dívida e cessão de crédito” foi engendrada após EE ter tomado conhecimento de que a sociedade contestante revogara a procuração forense de 11.06.2008 e que aquela havia chegado a acordo com os executados/contestantes por forma a pôr termo a este litígio. A aludida “Confissão de dívida e cessão de crédito” teve em vista a apropriação do crédito/valor que os executados tivessem de pagar à sociedade. Pelo exposto, a “Declaração compromissória” é simulada e, como tal, nula nos termos do art. 240º do C.C. Os contestantes terminaram pedindo a improcedência do incidente. 3. Realizou-se audiência prévia, onde o requerente se pronunciou acerca do referido na contestação, impugnando o aí alegado, foi fixado o valor da ação (tendo sido fixado o valor de € 163 631,00), foi proferido despacho saneador, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas de prova. 4. Realizou-se audiência final e em 30.6.2022 foi proferida sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor: “Nos termos e fundamentos acima expostos, decido: 5.1.- Julgar procedente a presente habilitação de cessionário e, consequentemente, declaro o requerente como sucessor da exequente J... Unipessoal, Lda, prosseguindo ele, nessa posição de exequente nos autos de execução apensos. 5.2. Custas pelos requeridos contestantes.” 5. Dessa sentença apelaram os herdeiros habilitados do entretanto falecido executado BB, CC, FF e GG, e, bem assim, a exequente J... – Unipessoal, Lda, na sequência do que a Relação de Guimarães proferiu, em 15.12.2022, acórdão que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e julgam improcedente a habilitação de cessionário. Custas do incidente e da apelação pelo requerente e apelado DD”. 6. O requerente interpôs recurso de revista desse acórdão, tendo apresentado alegação em que formulou as seguintes conclusões: “1. O presente recurso tem como objeto a matéria de facto - visando-se conhecer a deficiência formal de apreciação das provas e da fixação dos factos materiais da causa, ou seja, a fundamentação da matéria de facto e à análise crítica da prova – e de direito do acórdão proferido nos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 674º nº1, al. a) e nº 2 do Cód. Proc. Civil. 2. Por apenso aos autos de execução veio o ora Recorrente requerer o incidente de habilitação de cessionário contra os executados BB e CC e contra o exequente AA, com fundamento na outorga de documento particular datado de 28.02.2013, denominado “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, no qual a exequente J... Unipessoal, Lda. se confessou devedor da quantia de € 172 600,00 (cento e setenta e dois mil e seiscentos euros) e cedeu ao Recorrente os direitos de crédito reconhecidos pela sentença proferida no âmbito do processo nº 2134/08.4..., que correu termos na vara de competência mista do Tribunal Judicial da Comarca de .... 3. O Tribunal a quo foi julgou válida a cessão de créditos, que a mesma não causa qualquer perturbação ao direito de defesa dos executados, e, consequentemente, julgada procedente a habilitação de cessionário e declarado o requerente, aqui Recorrente, como sucessor do exequente J... Unipessoal, Lda. 4. Decisão esta que foi revogada pelo Tribunal ad quem, cujo conteúdo da mesma aqui se pleiteia. 5. A não concordância com o douto Acórdão ora posto em crise baseia-se na reapreciação de prova, bem assim no entendimento feito das normas de direito, nomeadamente, dos artigos 36º, nº 1 e), 81º, nº 1, 4 e 6 e 224º, nº2 do C.I.R.E., 240º, 241º e 342º do C.C. e 662º do C.P.C. e da sua aplicabilidade ao caso sub judice. 6. Pelo Tribunal da Relação de Guimarães, divergentemente ao decidido pelo Tribuna a quo, foi reapreciada matéria de facto, que se traduziu no aditamento de novos factos provados. 7. A factualidade carreada nos autos não verte a realidade da prova produzida em sede de primeira instância e, por outro lado, é in totum é descurado o valor probatório dos documentos que instruíram os presentes autos. 8. É consabido que na reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação deve este, além do controlo formal da motivação da decisão da 1ª instância, ponderar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção do julgador, toda a prova produzida no processo de modo a formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, 9. modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. 10. Modificação esta que, a ocorrer, tem de ser fundamentada pois que, não se tratando de decisões de mero expediente é impreterível a observância do estatuído nos artigos 20.º, n.º 4 e 205.º, n.º 1, ambos da C.R.P. e 154º do C.P.C.. 11. “Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.” Cfr. acórdão proferido pela Relação de Lisboa, datado de 26.06.2022. Disponível em: www.dgsi.pt (sublinhado nosso). 12. Este dever de fundamentação, com consagração constitucional e legal, tem por objetivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, em detrimento de outro, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e sindicá-la e reagir contra a mesma, caso assim o entendam – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16.10.2017. Disponível em: https://www.pgdlisboa.pt. 13. No que concerne aos factos provados nos números 3, 4, 6, 6-A e 6-B, alterados pelo Tribunal ad quem, impõe-se desde já referir esta alteração padece de fundamentação como lhe era exigível nos termos já retro explanados. 14. Os julgadores limitam-se a alterar a factualidade ali constante naqueles números, desconhecendo-se as razões sobre as quais incidiu esta alteração sobre o juízo realizado pelo Tribunal a quo, pois que nada é dito, impossibilitando o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final. 15. Não se vislumbra de que forma a alteração da factualidade constante naqueles pontos tem interesse para a boa decisão da causa, cfr. artigo 130º do C.P.C, pelo que deveria a Relação ter-se abstido de apreciar tal impugnação. 16. O aresto em crise, padece igualmente de outras irregularidades, verificando-se o incumprimento dos deveres respeitantes à reapreciação da decisão da matéria de facto. 17. O Tribunal ad quem procede, ainda, ao aditamento de vários factos com fundamento na dificuldade de fazer prova direta quanto à simulação alegada pela sociedade Exequente, assim como pelos Executados. 18. Aditamento este que é realizado com fundamento nos documentos juntos aos autos e nas declarações prestadas pelo ora Recorrente. 19. Diversamente daquilo que o Tribunal ad quem pretende fazer valer, invocando a simulação da declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento, o ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respetivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil). 20. Com o entendimento vertido no aresto em crise, o Tribunal da Relação subverte in totum as regras processuais que instituem aquele regime de simulação, 21. olvidando por completo que nos presentes autos que a Sociedade Exequente, cujos seus corpos sociais são constituídos pelos executados CC e os habilitados de BB, - além do ónus que lhes cabia – tinham perante si a possibilidade de fazer prova da alegada simulação pois que, podiam ter apresentado os seus registos contabilísticos, o que, curiosamente, não lograram em fazer. 22. Neste sentido, veja-se o entendimento surgido e sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo número 1307/16.0T8BRG.G1.S1, no sentido de que: (…)V - O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.” Disponível em: www.dgsi.pt (negrito nosso). 23. É entendimento do Recorrente que ocorreu violação das regras processuais quanto à prova do instituto da simulação e, consequentemente, não é de admitir os factos sob os números 9 a 14. 24. No que concerne à factualidade constante no ponto 6, na qual é aditada parte do conteúdo da decisão, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo número 2134/08.4..., que correu termos na vara de competência mista do Tribunal Judicial da Comarca de ..., é descurada parte do seu conteúdo, assim como seu valor probatório pleno. 25. Naqueles autos, cuja sentença é título da execução de que este incidente de habilitação é apenso, foi considerado como facto apurado e, consequentemente, provado que: “21. E o réu DD emitiu um outro cheque sacado sobre o “BES”, também no valor de € 120.000,00, tendo inscrito no verso daquele cheque a expressão “para caução”. 22. Tendo assinado uma folha em branco que se destinava a ser preenchida com uma declaração que traduzisse a responsabilidade daquele DD pelo valor dos referidos € 120.000,00. 23.Na declaração referida no ponto anterior o réu DD consignou: “Eu DD, declaro para os devidos e legais efeitos que nesta data entrego um cheque no valor de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), como garantia real até ao cumprimento do contrato estabelecido entre o Sr. BB e o Sr. EE, sócio gerente da firma J..., Lda, comprometendo-me com o referido cheque a ser fiador do referido contrato de empreitada celebrado no dia 10 de setembro de 2004. Por ser verdade assino a presente declaração. ... 26 de Julho de 2005” 24.Essa declaração e os cheques foram entregues ao contabilista do autor (BB). A quem foi confiada a guarda dos documentos.” 26. Sendo que esta factualidade é também vertida no aresto do Tribunal ad quem, onde se diz: “Na decisão proferida naqueles autos consta, além do mais, que o requerente, a fim que BB outorgasse a escritura do prédio de ... como forma de pagamento parcial do preço da empreitada à sociedade, garantiu o cumprimento deste contrato até ao valor de € 120.000,00 através de um cheque sacado sobre o BES (vide factos nº 19, 21, 22, 23)”. 27. Todavia, o Tribunal da Relação sufraga o entendimento que vai em sentido divergente e, consequentemente, contraditório ao que ali é dito: “(…)Tendo em atenção não ter resultado minimamente provado que o requerente fosse credor da sociedade no valor de € 172.600,00 ou outro é de presumir que a quantia que o requerente receberia seria para proveito (exclusivamente ou não) do seu amigo insolvente” 28. Resulta, pois, evidente que foi descurado o valor provatório pleno daquela decisão. 29. Sendo certo que existe, indubitavelmente, um obstáculo legal à formação da convicção do Tribunal da Relação quando se determina o aditamento como facto provado que: “15. O documento referido no ponto 8 dos factos provados foi engendrado entre o requerente e EE com o propósito de se apropriarem do valor a pagar por CC e outros à sociedade exequente Joaquim Batista Vidrago – Unipessoal, Lda..” 30. Assim, é entendimento do aqui Recorrente que é de imputar um juízo de censura quanto ao firmado pelo Tribunal da Relação, quando se diz que o documento denominado “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” foi engendrado. 31. O aresto em crise, padece igualmente de outras contradições, verificando-se o incumprimento dos deveres respeitantes à reapreciação da decisão da matéria de facto. 32. Da fundamentação do acórdão decorre que: “Desde logo, nas suas declarações o requerente referiu que teve negócios (de automóveis, em que negociava, e de imóveis) com a sociedade em causa e/ou com o sócio EE, seu amigo, o que merece credibilidade.” (sublinhado nosso) 33. Resulta, então, que Tribunal ad quem atribuiu credibilidade às declarações do aqui Recorrente, todavia, logo de seguida refere: “As suas declarações não foram muito claras e facilmente perceptíveis (…)”. (sublinhado nosso). 34. Limitando-se o Tribunal ad quem fazer uma referência genérica às declarações prestadas, sem quaisquer transcrições que permitissem comprovar de forma segura aquele seu entendimento, assim como a demais factualidade dada como provada assente nas declarações prestadas pelo Recorrente. 35. Atenta esta manifesta contradição e tendo presente que o sistema legal, tal como está consagrado, com recurso à gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, não assegura a fixação de todos os elementos suscetíveis de condicionar ou influenciar a convicção do julgador perante o qual foram produzidas as declarações em causa, sofre a apreciação da matéria de facto pela Relação, naturalmente, a limitação que a inexistência da imediação de forma necessária acarreta. 36. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança – o que não resulta do teor do aresto em crise –, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. 37. A convicção probatória terá de ser efetuada, aquando da apreciação em 2ª instância, pela análise da totalidade da prova, e não apenas da que foi indicada pelas partes recorrentes, que apenas transcrevem excertos (criteriosamente escolhidos!) para fundamentar o pedido de revogação da sentença de 1ª instância. 38. Da fundamentação do aresto em crise resulta que o Tribunal recorrido não procedeu à audição dos depoimentos e os pequenos excertos transcritos não se afiguravam suficientes para uma apreciação global da prova produzida, de forma a criar convicção segura sobre a alteração das respostas à matéria de facto. 39. A decisão deve, de modo transparente, mostrar o caminho próprio que o Tribunal da Relação seguiu ao formar essa convicção e ao decidir da matéria de facto, o que não aconteceu nos presentes autos. 40. Não sendo possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte. 41. A prova produzida não impõe decisão diversa, porque a decisão do facto em primeira instância é racional, lógica e possível, em suma, está corretamente motivada, uma diferente convicção que a Relação possa formar após a análise da prova produzida, não permitirá alterar os factos decididos nos termos do n.º 1 do art. 662.º do C.P.C. 42. No que concerne ao documento “Declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento” também não poderá o tribunal ad quem, perante uma dúvida que reputa como fundada quanto à prova realizada (v.g., um documento positivamente valorado em primeira instância e que o Tribunal da Relação equaciona poder estar viciado), alterar o facto provado com base na desconsideração daquele documento sem que proceda nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 662º do C.P.C.. 43. O Tribunal de recurso não pode tratar estas situações como estivesse perante a prevista no n.º 1 do art. 662º e, assim, alterar a matéria de facto, omitindo o cumprimento das exigências legais. 44. Havendo uma convicção diferente quanto à prova produzida, mas não uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o tribunal da Relação, atuando como instância, terá que conceder na existência de dúvida séria e renovar a prova ou produzir novos meios de prova, já que o legislador, ciente de que a imediação, a oralidade e a completude estão bem mais presentes na primeira instância do que na segunda, lho impõe. 45. Não o fazendo, não poderá alterar a factualidade dado como assente na primeira instância e, consequentemente, não poderá aditar os factos 9 a 14. 46. E perante evidente ilogicidade deve o presente Tribunal no âmbito do seu poder de atuação, censurar o modo como a Relação exerceu os seus poderes de reapreciação da matéria de facto ao arrepio do estatuído nos artigos 662º e 674º, nº 3 do C.P.C. e 342º, nº1 do C.C. 47. É pelo Tribunal da Relação sufragado o entendimento que a outorga o documento denominado “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, em que EE, único sócio da sociedade J... Unipessoal, Lda, se confessou devedor da quantia de € 172 600,00, é ineficaz, por falta de poderes em razão da declaração da sua insolvência, enquanto pessoa singular. 48. Com o devido respeito, há um manifesto erro na subsunção jurídica realizada pelo Tribunal ad quem aquando da aplicação das normas constantes do Código das Sociedade Comerciais e do Cód. de Insolvência e Recuperação de Empresas. 49. À data da outorga daquele escrito o representante da sociedade não padecia de qualquer inabilidade legal para esse efeito. 50. Pois que, a sua situação de insolvência enquanto pessoa singular em nada obsta a que este outorgasse aquele escrito, enquanto representante da empresa, uma vez que este representa uma individualidade jurídica, distinta e autónoma e os atos por aquele praticados são atos da pessoa jurídica sociedade e não dele. 51. A sociedade é pessoa jurídica diversa dos respetivos sócios, gerentes e administradores e, portanto, quando o que está em causa é sua própria insolvência e não a insolvência da sociedade da qual é sócio ou gerente não decorre qualquer impedimento de atuação. 52. Posto isto, é infundado o entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação quando se diz que “Assim, o insolvente, nos termos do art. 81º, nº 1 e 4 do C.I.R.E., ficou privado dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, sendo que desta faz parte a única quota da sociedade, o que equivale a ficar privado de administrar e dispor da própria sociedade.” 53. Assim, como bem andou o Tribunal a quo, só no incidente de qualificação da insolvência é que se determina se o insolvente está ou não inibido de atos de comércio, cfr. 189º, nº 2 al. c) do C.I.R.E., isto é, dos poderes de representação. 54. Pelo que até à conclusão daquele incidente, podia EE levar a cabo quaisquer atos em representação da sociedade. 55. Resulta das disposições combinadas dos artigos 3°, al. m), 15°, n° 1, e 70°, n° 1, alínea a), do Código do Registo Comercial, a cessação de funções - por qual quer motivo que não seja o decurso do tempo - dos membros dos órgãos de administração está sujeita a registo e publicação obrigatórios e, por isso, como preceitua o n° 2 do artigo 14° do mesmo Código, só produz efeitos contra terceiros depois da data de publicação. 56. Aquando da outorga daquela declaração não há registo, cfr. artigo 166º do C.S.C. de que à data a sociedade exequente não era representada pelo subscritor do escrito. 57. Consequentemente, não existe qualquer fundamento para opor qualquer irregularidade à declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento, 58. pois que à data estava municiado de poderes de representação, ou seja, com legitimação representativa indispensável à eficácia do ato e à subsequente vinculação da sociedade ao cumprimento das obrigações dele decorrentes. 59. É evidente, que o Tribunal ad quem faz uma errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas subsumíveis à situação sub judice. 60. De todo modo, o Tribunal ad quem sufraga o entendimento de que a declaração “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” é nula por simulação. 61. Perante a factualidade provada, não ocorrem os elementos consubstanciadores da verificação da simulação na outorga daquele documento. 62. A simulação negocial constitui uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio jurídico. 63. Para que se verifique a nulidade do negócio simulado é necessário que exista: a) acordo simulatório («pactum simulationis» ou, na terminologia legal, «acordo entre declarante e declaratário»); b) «intuito de enganar terceiros» («animus decipiendi», gerador da chamada «simulação inocente», ao qual acresce ou se cumula, por vezes, a forma agravada da simulação fraudulenta ou simulação com «animus nocendi») e c) «divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante». 64. O Tribunal da Relação limita-se a descrever um conjunto de situações que no seu entender são subsumíveis no instituto da simulação, 65. não logrando em demonstrar que dos autos ou dos concretos factos apurados e dados como provados resulta o preenchimento de cada um dos requisitos cumulativos para a verificação de negócio simulado. 66. Não resulta da factualidade demonstrada que tenha sido intenção das partes prejudicar a própria sociedade. 67. Aliás na questão relacionada desde logo com o primeiro dos requisitos, que constitui o cerne quando se fala em vício da vontade, importaria indagar pela intenção das partes, evento do foro interno é certo mas passível de alegação e prova através de indícios ou presunções, pois só quando a vontade real difere da exteriorizada é que podemos falar em negócio simulado, e a ausência de pacto simulatório determinaria eventualmente reserva mental mas ausência de simulação. 68. Perguntar-nos-emos que intenção teve o EE ao celebrar tal negócio? Quis ou não celebrar o mesmo, ou outro de conteúdo diferente? O intuito enganatório existiu por forma a prejudicar a sociedade? Desconhece-se a resposta a todas estas questões, existindo apenas a outorga de uma declaração confessória de dívida e consequente acordo de pagamento. 69. Daqui resulta que os factos a considerar não são de molde a preencher os requisitos do vício da vontade imputável aos contraentes, ou qualquer outro que nos permita concluir pela invalidade do negócio”. O recorrente terminou pelo seguinte modo: “TERMOS EM QUE: admitindo e concedendo provimento ao presente recurso farão V.Exas, Venerandos Conselheiros, a habitual e sempre esperada JUSTIÇA!”. 7. Os recorridos CC e demais herdeiros/habilitados do primitivo executado BB contra-alegaram, rematando com as seguintes conclusões: “1.ª – O STJ não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o aresto recorrido afronte disposição expressa de lei, quando ponha em causa preceito que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova. - cfr. n.º 4 art.º 662.º e n.ºs 1 e 2 do art.º 682.º do CPC 2.ª – Não se vislumbra que o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, pelo que a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, porque regida pelo art.º 662.º, n.º 1, do CPC, é insindicável em sede de revista - cfr. n.º 4 art.º 662.º e 1.ª parte, n.º 3 do art.º 674.º do CPC. 3.ª - Por outro lado, o acórdão recorrido evidencia uma ajustada e completa análise crítica das provas trazidas a Juízo, com transparente consignação das razões decisivas para a formação da convicção do Tribunal a quo, concretizando, para o efeito, os atinentes elementos probatórios, cumprindo, assim, a exigência constitucional e legal - cfr. n.º 1 art.º 205.º da CRP e artºs. 154.º, 607.º e 663.º do CPC 4.ª - A decisão de facto não deixou, pois, de plasmar, fazendo referência bastante, à respectiva fundamentação, sustentada num discurso inteligível, atenta a 26 explicação da razão por que se decidiu da maneira consignada, sendo perceptível que os fundamentos invocados pelo Tribunal recorrido conduziram, logicamente, à decisão de facto. 5.ª - Por conseguinte, inexistindo qualquer vício que encerre um desvalor que exceda o erro de julgamento, soçobra a invocação de erro de direito na reapreciação da decisão de facto, sendo a revista inadmissível nesta parte. 6.ª - Conforme resultou provado, o único sócio da sociedade exequente foi declarado insolvente em 27.06.2008, tendo, em 14.11.2008, sido apreendida para a massa insolvente a sua quota social, sendo por isso manifesto que aquele ficou desde então privado dos poderes de administração e disposição dessa quota que, pois, passou a integrar a massa insolvente, o que, como bem refere o acórdão recorrido, equivale a ter ficado o mesmo privado de administrar e dispor da sua própria sociedade, competindo então tais poderes ao administrador de insolvência que assumiu a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. - cfr. n.ºs 1 e 4 art.º 81.º do CIRE 7.ª - Bem andou assim o Tribunal a quo ao consignar que o referido EE não podia ter outorgado a “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” que sustenta o presente incidente de habilitação, seja em representação da sociedade, seja em nome próprio, considerando-a por isso ineficaz - cfr. n.º 6 art.º 81.º do CIRE. 8.ª - Atenta a factualidade provada e não podendo este Supremo Tribunal alterar a decisão de facto consignada no aresto recorrido, temos como adequada a subsunção jurídica constante do mesmo, que, pois, deve manter-se. 9.ª - Os factos considerados e provados pelo Tribunal da Relação permitem, de forma segura, fundamentar a simulação da declaração de dívida e cessão de crédito subjacentes ao presente incidente de habilitação, que por isso, padecem de nulidade - cfr. n.ºs 1 e 2 art.º 240.º CC 10.ª - Uma vez que a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, a ilação a retirar da nulidade da confissão de dívida / cessão de créditos é a de que ela não teve por efeito a transmissão do crédito para o recorrente - cfr. n.º 1 do art.º 289.º do CC 11.ª - Considerando que a procedência do incidente depende da prova da validade e da eficácia da cessão, com a prova de que a cessão é nula, por simulação absoluta, o pedido de habilitação de cessionário formulado pelo recorrente só podia, como foi, ser julgado improcedente - cfr. n.º 3 do artigo 576.º do CPC Sem prescindir, caso assim não se entenda, 12.ª - Sempre haveria de concluir-se, como oportunamente foi alegado pelos aqui recorridos, que a cessão de crédito em apreço é formal e substancialmente inválida, questões estas cujo conhecimento o Tribunal da Relação considerou prejudicado uma vez que julgou nula a cessão em causa por ser simulada, mas que, por serem de conhecimento oficioso, sempre poderiam ser apreciadas por este Supremo Tribunal. 13.ª - A cessão exige uma fonte, uma causa - o negócio que lhe serve de base – e ela será inválida se o for este negócio, orientando-se a cessão pelas regras do facto transmissivo, designadamente no tocante à forma - cfr. n.º 1 art.º 578.º CC 28 14.ª - No caso em apreço para fundamentar a invocada cessão de créditos, o recorrente em 15.04.2021 juntou aos autos, entre o mais, uma declaração de dívida, datada de 10.11.2006, nos termos da qual a sociedade exequente se declara sua devedora da quantia de € 149 000,00, “resultante de um empréstimo pessoal” (que o recorrente confessou não ter existido) e não de um qualquer incumprimento do suposto contrato promessa de compra e venda de fls.. datado de 07.12.2005, incumprimento este que, de resto, nunca foi alegado nos autos. 15.ª - Assim, ainda que, com grande esforço intelectual, se equacione que a declaração de dívida em causa é proveniente do (não alegado) incumprimento do contrato promessa datado de 07.12.2005, o certo é que do mesmo não consta sequer a assinatura do segundo contraente, o aqui recorrente, pelo que, estando em causa um contrato promessa bilateral este só seria válido se assinado por ambos os outorgantes, além disso trata-se de documento particular não autenticado e sem o reconhecimento da única assinatura aposta no mesmo, o que determina a nulidade do mesmo e de todos os posteriores negócios celebrados com base no mesmo, designadamente a confissão de dívida que suporta a cessão de crédito em discussão - cfr. n.ºs 2 e 3 art.º 410.º, art.ºs 220.º e 286.º do CC 16.ª - Quer a sociedade exequente quer o recorrente confessaram não ter existido o referido empréstimo, sendo, por isso manifestamente falsa a declaração de dívida de fls.. junta aos autos e como tal nula e, de resto, o contrato de mútuo de valor superior a € 25.000,00 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a € 2500,00 se o for por documento assinado pelo mutuário, não se verificando no caso nenhuma destas duas hipóteses, o que sempre determinaria a sua nulidade - cfr. art.ºs 1143.º, 220.º e 286.º CC 17.ª - Por conseguinte, face a todo o exposto, considerando que juridicamente o negócio nulo não produz efeitos, a cessão de crédito que está na base da habilitação do recorrente nunca poderia ser válida, pelo menos, nos termos feitos constar da 29 declaração de dívida de 28.02.2013, ou seja, como contrapartida dessa inexistente dívida de € 172 600,00 - cfr. n.º 1 art.º 578.° CC.” Os recorridos terminaram pedindo que a revista não fosse admitida ou, se assim se não entendesse, fosse negado provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido. 8. Admitida a revista, foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. As questões suscitadas pelo recorrente e que constituem o objeto deste recurso são as seguintes: deficiência formal e substantiva na apreciação das provas e erro na fixação da matéria de facto, por parte do tribunal da Relação; erro de direito na apreciação dos poderes de EE para representar a sociedade exequente na outorga da denominada “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”; falta de elementos consubstanciadores da verificação da simulação na outorga do aludido documento. 2. Primeira questão (fixação da matéria de facto) 2.1. As instâncias (com as alterações introduzidas pela Relação, adiante identificadas) deram como provada a seguinte Matéria de facto 1. O único sócio e gerente da sociedade exequente, EE, foi declarado insolvente em 27/06/2008, no âmbito do processo n.º 2633/08.8..., do....º juízo local cível de ..., conforme certidão junta aos autos no passado dia 31/10/2019, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 2. Por douta sentença proferida no passado dia 08/05/2009, no âmbito do respetivo apenso de qualificação da insolvência 2633/08.8..., a insolvência do EE foi qualificada como fortuita. 3. A quota de € 5.000,00 de que EE era titular na sociedade exequente J... - Unipessoal, Lda. foi apreendida para a massa insolvente de EE em 14/11/2008 [redação alterada, com aditamentos, pela Relação]. 4. No dia 06/12/2016 a quota da sociedade J..., Unipessoal, Lda. foi registada em nome de HH, em 03/11/2017 foi registada em nome de BB e no dia 21/03/2019 foi registada em comum e sem determinação de parte em nome de CC, FF e GG [redação alterada, com aditamentos, pela Relação]. 5. No passado dia 05/04/2013, os exequentes AA e a sociedade J..., Unipessoal, Lda., intentaram a ação executiva apensa contra os executados BB (actualmente os seus herdeiros) e CC. 6. Como título executivo foi apresentada sentença transitada em julgado em 19/12/2012, proferida no proc. nº 2134/08.4... em que é autor BB e CC e réus J... – Unipessoal, Lda., EE e II, DD e AA, cuja parte decisória se transcreve: A) Julgo parcialmente procedente a acção, e em consequência: - declaro resolvido o contrato celebrado entre as partes; - condeno a ré sociedade a indemnizar o autor do custo que vier a ser necessário para a eliminação dos defeitos e do valor que este tiver que pagar a mais para a conclusão e construção das moradias em relação aos valores fixados no contrato de empreitada, em montantes a fixar em liquidação posterior; (…) B) Julgo parcialmente procedente a reconvenção, e em consequência: - (…) - condeno os autores a pagar à ré a quantia de € 146.000,00, sendo que parte desse valor no montante de € 95.000,00 deverá ser entregue directamente ao réu AA, (…)” [redação alterada, com aditamentos, pela Relação]. 6-A. Por sentença proferida no incidente de liquidação desta decisão foi fixado o valor da indemnização devido pela ré sociedade ao autor em € 30.000,00, acrescido de juros de mora desde esta decisão definitiva [matéria aditada pela Relação]. 6-B. A executada CC procedeu ao pagamento de € 135.121,27 correspondente à quantia devida ao exequente AA, às despesas e honorários da Agente de Execução e aos juros compulsórios devidos [matéria aditada pela Relação]. 7. No âmbito do processo de embargos à execução (apenso A), foi proferido douto Acórdão pelo Venerando T.R.G., nos termos do qual e além do mais, foi decidido o seguinte: “A) Reduz-se, por força da compensação do contra-crédito dos embargantes sobre a exequente sociedade, a quantia exequenda ao montante de € 116.000,00 (cento e dezasseis mil euros), a que acrescem juros de mora contados, sobre esse valor, desde 11/02/2017 até integral pagamento; B) Mais se esclarece que parte da quantia exequenda, no valor de € 95.000,00 e juros proporcionais, deverá ser entregue diretamente ao exequente AA. 8. Por documento particular datado de 28/02/2013, o aí primeiro outorgante DD, o aí segundo outorgante J..., Unipessoal, Lda. (exequente nos autos) e os aí terceiros outorgantes, EE e II, declararam, além do mais, que a segunda outorgante cede ao primeiro outorgante o direito de intentar e prosseguir com a execução da sentença proferida na ação ordinária nº 2134/08.4... conforme documento n.º 1 junto com o requerimento inicial, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 9. O requerente, no ano de 2006, apresentou, para efeitos de IRS, como resultado líquido anual da sua actividade profissional a quantia de € 15.649,36, sendo que a sua mulher apresentou um rendimento anual bruto de € 7.910,00 [matéria aditada pela Relação]. 10. O requerente, no ano de 2006, dispunha de um saldo bancário médio de € 1.000,00 [matéria aditada pela Relação]. 11. O requerente é amigo de EE desde os anos 1990 [matéria aditada pela Relação]. 12. O requerente e a mulher tinham em 2006 dois filhos que se encontravam a estudar [matéria aditada pela Relação]. 13. J... – Unipessoal, Lda., representada por HH, através de requerimento de 01/03/2017 nos autos de embargos de executado, revogou a procuração que aquela sociedade havia outorgado a favor da Dra. JJ [matéria aditada pela Relação]. 14. Em 14/09/2017, nos autos de execução, foi junta transacção com vista a pôr termo ao presente litígio, subscrita por J... – Unipessoal, Lda., pelos aí executados BB e CC, mas não subscrita por AA, que se recusou a ratificá-la [matéria aditada pela Relação]. 15. O documento referido no ponto 8 dos factos provados foi engendrado entre o requerente e EE com o propósito de se apropriarem do valor a pagar por CC e outros à sociedade exequente J... – Unipessoal, Lda. [matéria aditada pela Relação]. As instâncias (com alterações introduzidas pela Relação, que se traduziram na eliminação dos factos não provados n.º 1 e n.º 3) enunciaram o seguinte Facto não provado 2 - Nunca existiu qualquer dívida entre os subscritores do documento junto com o requerimento inicial. 2.2. O Direito Em regra, à exceção dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito (art.º 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário – LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26.8). Não assim as Relações, que em regra são os tribunais de segunda instância (art.º 67.º n.º 1 da LOSJ), conhecendo de facto e de direito. Assim, enquanto tribunal de recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Cumpridos os referidos ónus que impendem sobre a parte que impugne a decisão de facto, a Relação procederá à apreciação da decisão de facto recorrida, para o que deverá analisar os elementos probatórios (necessariamente constantes dos autos, incluindo o registo dos depoimentos gravados) indicados pelo recorrente e, se houver resposta ao recurso, pelo recorrido, assim como, oficiosamente, aqueloutros que para o efeito se mostrem relevantes (cfr. alínea b) do n.º 2 do art.º 640.º). No exercício desse poder-dever, a Relação deverá ordenar a renovação da produção de prova, se considerar haver “dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento” (alínea a) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC). Deverá, também, ordenar a produção de novos meios de prova, se se deparar com “dúvida fundada sobre a prova realizada” (alínea b) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC). Para tal, a Relação atuará como tribunal de instância, que, conhecendo a matéria de facto, deve analisar criticamente as provas (art.º 607.º n.º 4 do CPC, ex vi art.º 663.º n.º 2 do CPC), apreciando-as livremente, segundo a sua prudente convicção, ressalvados “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial”, bem como “aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (n.º 5 do art.º 607.º do CPC), de tudo dando conta de forma especificada. Exige-se, assim, que, dentro do quadro delimitado pelo recurso, a Relação analise criticamente as provas, de forma a formular um juízo próprio acerca da matéria de facto em questão, assim confirmando ou infirmando, total ou parcialmente, a decisão de facto alvo do recurso, e disso dando conta, no julgamento do recurso. Conforme é jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, não corresponde ao padrão supra descrito uma mera declaração de adesão à fundamentação da decisão de facto recorrida, mesmo que acompanhada da asserção de que se apreciou a prova. Tal como se sumariou no acórdão do STJ, de 24.9.2013, processo 1965/04.9TBSTB.E1.S1, “[a]o afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise; [a] Relação não pode remeter para o juízo de valoração da prova feito na 1.ª instância, pois tem de fazer, com autonomia, o seu próprio juízo de valoração que pode ser igual ao primeiro ou diferente dele; [a] reapreciação das provas não pode traduzir-se em meras considerações genéricas, sem qualquer densidade ou individualidade que as referencie ao caso concreto; [s]e o aresto impugnado se limitou a aderir à decisão sobre a matéria de facto proferida em 1.ª instância, sem proceder à indispensável análise crítica e respectiva fundamentação das respostas, de modo a justificar a sua própria e autónoma convicção, foi violado o art. 712.º, n.º 2, do CPC [CPC de 1961, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.8, correspondente ao art.º 662.º do CPC de 2013], impondo-se a anulação do acórdão recorrido”. No mesmo sentido, cfr., v.g., o acórdão do STJ, de 11.02.2016, processo n.º 907/13.5TBPTG.E1S1 e o acórdão do STJ, de 26.5.2021, processo n.º 3277/12.5TBBLL2-F.E2.S1. A violação de tais deveres processuais, por parte da Relação, é fundamento de revista (uma vez verificados os requisitos gerais de recorribilidade), não havendo, nessa parte, dupla conforme obstativa do recurso, nos termos do art.º 671.º n.º 3 do CPC. Esse é entendimento uniforme do STJ (cfr., v.g., o citado acórdão de 11.02.2016 e o acórdão proferido em 28.9.2023, processo n.º 690/19.0T8VRL.G1.S1). Com efeito, cabe nas competências do STJ, nos termos do art.º 674.º n.º 1 alínea b), aquilatar se a Relação cumpriu os poderes-deveres que lhe são cometidos pelo art.º 662.º do CPC (cfr., neste sentido, v.g., os citados acórdãos do STJ, datados de 28.9.2023 e de 26.5.2021, e bem assim o acórdão datado de 10.9.2020, processo n.º 4794/16.3T8GMR.G1.S1). Revertamos ao caso destes autos. Na respetiva apelação os requeridos/contestantes impugnaram a decisão de facto. Os recorrentes insurgiram-se contra a prova de determinados factos, que consideraram não deviam ter sido dados como provados, e defenderam o aditamento de novos factos à matéria de facto provada. Para o efeito, invocaram prova documental, o depoimento e declarações de parte do requerente/recorrido e ilações que, por presunção judicial, poderiam ser retirados de factos instrumentais. No que diz respeito à prova pessoal gravada, os recorrentes indicaram os pontos da gravação que consideraram relevantes, tendo, também, procedido à indicação sintética do conteúdo dessas passagens. De resto, também o recorrido, na contra-alegação à apelação, analisou o seu próprio depoimento/declaração de parte, procedendo à transcrição das passagens que julgou pertinentes. A Relação considerou que os recorrentes haviam cumprido os ónus da impugnação da decisão de facto e, conforme decorre do texto do acórdão recorrido, seguidamente procedeu à apreciação da prova produzida, à luz das alegações e contra-alegações do recurso, formulando o seu próprio juízo quanto à matéria de facto questionada e tida por pertinente. Vejamos a transcrição dos segmentos mais relevantes do acórdão ora recorrido (transcreve-se também os sublinhados): “Insurgem-se os apelantes contra a matéria de facto provada sob os nº 2, 3, 4, 6, contra os factos não provados e mais defendem que devem ser aditados vários factos alegados na contestação que discrimina. Referem qual a decisão que no seu entender deve ser proferida e os concretos meios probatórios em que se baseiam. [Seguem-se considerações, de índole teórica, acerca dos deveres de fundamentação da decisão de facto por parte da 1.ª instância e dos poderes-deveres da Relação nessa matéria, assim como acerca dos ónus do impugnante da decisão de facto, concluindo-se que os recorrentes cumpriram tais ónus]. Tendo por base estas considerações importa analisar os factos acerca dos quais a apelante discorda. - Facto provado nº 2 segunda parte Como vimos supra este facto não foi alegado pelas partes e o seu conhecimento adveio ao julgador mediante consulta dos autos de insolvência conforme fez constar. Trata-se de facto complementar a que o julgador pode atender nos termos do art. 5º nº 1 b). A relevância do mesmo para a decisão do incidente será apreciado em sede de subsunção jurídica. É, assim, de manter este facto. - Facto provado nº 3 Tendo em atenção o teor da certidão do registo comercial referente à sociedade contestante junta aos autos de embargos em 21/10/2019 importa precisar este facto nos seguintes termos: “3. A quota de € 5.000,00 de que EE era titular na sociedade exequente J... - Unipessoal, Lda. foi apreendida para a massa insolvente de EE em 14/11/2008.” - Facto provado nº 4 Em face da certidão do registo comercial referida importa igualmente precisar este facto nos seguintes termos: “4. No dia 06/12/2016 a quota da sociedade J..., Unipessoal, Lda. foi registada em nome de HH, em 03/11/2017 foi registada em nome de BB e no dia 21/03/2019 foi registada em comum e sem determinação de parte em nome de CC, FF e GG.” - Facto provado nº 6 Este facto (bem como o nº 7) não sendo essencial, permite uma melhor compreensão do objecto dos autos de execução de que este incidente de habilitação de cessionário é apenso, pelo que entendemos que é de manter. Contudo, baseando-se o mesmo no teor do requerimento inicial de 05/04/2013 dos autos principais e nas certidões juntas a esses autos em 26/02/2020, deve passar a ter a seguinte redacção: “6. Como título executivo foi apresentada sentença transitada em julgado em 19/12/2012, proferida no proc. nº 2134/08.4... em que é autor BB e CC e réus J... – Unipessoal, Lda., EE e II, DD e AA, cuja parte decisória se transcreve: A) Julgo parcialmente procedente a acção, e em consequência: - declaro resolvido o contrato celebrado entre as partes; - condeno a ré sociedade a indemnizar o autor do custo que vier a ser necessário para a eliminação dos defeitos e do valor que este tiver que pagar a mais para a conclusão e construção das moradias em relação aos valores fixados no contrato de empreitada, em montantes a fixar em liquidação posterior; (…) B) Julgo parcialmente procedente a reconvenção, e em consequência: - (…) - condeno os autores a pagar à ré a quantia de € 146.000,00, sendo que parte desse valor no montante de € 95.000,00 deverá ser entregue directamente ao réu AA, (…).” - Face ao teor desta condenação, tendo sido instaurado incidente de liquidação e neste proferida sentença junta em 22/02/2017 aos autos de execução, para melhor compreensão do objecto da execução, decide-se aditar o seguinte facto provado: “6-A. Por sentença proferida no incidente de liquidação desta decisão foi fixado o valor da indemnização devido pela ré sociedade ao autor em € 30.000,00, acrescido de juros de mora desde esta decisão definitiva.” - Tendo em atenção o teor da parte final do facto nº 6 e a informação prestada pela Agente de Execução em 29/04/2021 nos autos de execução de execução decide-se aditar o seguinte facto provado: “6-B. A executada CC procedeu ao pagamento de € 135.121,27 correspondente à quantia devida ao exequente AA, às despesas e honorários da Agente de Execução e aos juros compulsórios devidos.” - Factos constantes da contestação a aditar Defendem os apelantes que devem ser aditados vários factos alegados na contestação que são indiciários da invocada simulação. Antes de entrar na análise destes invocados erros de julgamento de facto importa tecer algumas considerações acerca da prova nas acções cuja causa de pedir é a simulação. [Seguem-se considerações, de índole teórica, acerca das dificuldades da prova de certos factos em matéria de simulação, e da relevância do recurso à prova indireta ou por presunções judiciais]. - Tendo em atenção o objecto da acção, a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, da prova directa, o alegado nos art. 16º a 21º da contestação, o teor da declaração de IRS junta aos autos em 17/03/2021 e notificada às partes, o disposto no art. 5º nº 2 a), determina-se o aditamento do seguinte facto provado: “9. O requerente, no ano de 2006, apresentou, para efeitos de IRS, como resultado líquido anual da sua actividade profissional a quantia de € 15.649,36, sendo que a sua mulher apresentou um rendimento anual bruto de € 7.910,00.” A demais matéria pretendida aditar é conclusiva. - Tendo em atenção o teor dos extractos bancários do B.P.I. e BES/Novo Banco juntos a estes autos em 03/01/2022 e 07/03/2022 respectivamente determina-se o aditamento do seguinte facto provado: “10. O requerente, no ano de 2006, dispunha de um saldo bancário médio de € 1.000,00.” - Em face das declarações de parte do requerente, que admitiu ser amigo de EE “desde 1990 e tal” e ter feito com ele vários negócios, aliás como resulta da sentença dada à execução, determina-se o aditamento do seguinte facto provado: “11. O requerente é amigo de EE desde os anos 1990.” - Tendo em atenção o teor da declaração de IRS referente ao ano de 2006, junta aos autos em 17/03/2021, onde consta que o casal tinha dois dependentes com despesas de educação, e as declarações de parte do requerente, determina-se o aditamento do seguinte facto provado: “12. O requerente e a mulher tinham em 2006 dois filhos que se encontravam a estudar.” - No incidente de habilitação de cessionário o ónus da prova dos factos tendentes a demonstrar a existência do contrato de cessão e o seu objecto relevante recai sobre o requerente, sendo documental a prova daquele contrato – neste sentido vide, entre outros, Ac. da R.L. de 11/12/2019 (Arlindo Crua) e de 07/12/2021 (Micaela Sousa), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os acórdãos a citar. Assim, não é suficiente a junção aos autos da “Declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento”, incumbe ao requerente a prova, além do mais, de que era credor da sociedade contestante, e não aos requeridos a prova de que aquele não era credor. Pelo exposto, não é de aditar um facto, nos termos do qual subjacente aquele contrato não existe qualquer empréstimo, nem a matéria conclusiva de que a declaração de dívida não corresponde à vontade real dos seus outorgantes. - Resulta do requerimento da sociedade contestante de 01/03/2017 apresentado nos autos de embargos de executado que aquela, representada por HH (cessão registada em 06/12/2016 e transmissão registada em 03/11/2017), revogou a procuração outorgada à Dra. JJ. Desses mesmos autos resulta a notificação desse requerimento a esta em 29/06/2017 na sequência de despacho proferido na audiência prévia de 21/06/2017, contudo, não sendo a pessoa singular EE parte dessa acção, não pode este ter sido aí notificado. Assim, adita-se o seguinte facto provado: “13. J... – Unipessoal, Lda., representada por HH, através de requerimento de 01/03/2017 nos autos de embargos de executado, revogou a procuração que aquela sociedade havia outorgado a favor da Dra. JJ.” - Em face dos requerimentos de 14/09/2017 e 02/10/2017 dos autos de execução, pelas mesmas razões, adita-se o seguinte facto provado: “14. Em 14/09/2017, nos autos de execução, foi junta transacção com vista a pôr termo ao presente litígio, subscrita por J... – Unipessoal, Lda., pelos aí executados BB e CC, mas não subscrita por AA, que se recusou a ratificá-la.” - Factos não provados Não é aditar aos factos provados o “facto” não provado nº 1, sendo antes de eliminar, uma vez que o mesmo é conclusivo. Com efeito, saber se a confissão de dívida e cessão de crédito é falsa e simulada é uma conclusão que há-de resultar ou não de outros facto provados. Da análise crítica de toda a prova, quer a constante nestes autos, quer nos demais apensos, não resulta que nunca tenha existido qualquer dívida entre o requerente e J... – Unipessoal ou EE. Desde logo, nas suas declarações o requerente referiu que teve negócios (de automóveis, em que negociava, e de imóveis) com a sociedade em causa e/ou com o sócio EE, seu amigo, o que merece credibilidade. As suas declarações não foram muito claras e facilmente perceptíveis, mais ainda assim fez referência a factos dados como provados no Proc. nº 2134/08.4... (ainda que nem sempre nos mesmos termos). Assim, aludiu à compra e revenda do imóvel sito em ... (imóvel propriedade de BB a que se alude no contrato de empreitada celebrado) e ao contrato promessa de outro imóvel na ... (aparentemente referido no contrato promessa junto com o requerimento de 15/04/2021). Na decisão proferida naqueles autos consta, além do mais, que o requerente, a fim que BB outorgasse a escritura do prédio de ... como forma de pagamento parcial do preço da empreitada à sociedade, garantiu o cumprimento deste contrato até ao valor de € 120.000,00 através de um cheque sacado sobre o BES (vide factos nº 19, 21, 22, 23). Assim, é de manter o facto não provado nº 2. No que concerne às circunstâncias que estão subjacente à “Declaração compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, do conjunto da mesma prova produzida resulta, quanto a nós, que a mesma foi de facto engendrada entre o requerente e EE de molde a evitar que o pagamento que o falecido BB e agora CC e outros tem que efectuar à sociedade J... – Unipessoal, Lda. fosse entregue a esta, num momento em que a única quota da mesma se mostrava apreendida no âmbito da insolvência da pessoa singular EE e sob administração do respectivo administrador de insolvência. Tendo em atenção não ter resultado minimamente provado que o requerente fosse credor da sociedade no valor de € 172.600,00 ou outro é de presumir que a quantia que o requerente receberia seria para proveito (exclusivamente ou não) do seu amigo insolvente. Pelo exposto, é de eliminar este facto não provado nº 3 e determinar o aditamento do seguinte facto provado: “15. O documento referido no ponto 8 dos factos provados foi engendrado entre o requerente e EE com o propósito de se apropriarem do valor a pagar por CC e outros à sociedade exequente J... – Unipessoal, Lda..” Conforme se aduziu acima, da transcrição do acórdão recorrido resulta que a Relação procedeu à análise crítica dos elementos probatórios constantes dos autos, à luz da apelação, fundamentando a manutenção de parte da matéria de facto impugnada e, bem assim, as alterações que, na sequência do recurso, procedeu na decisão de facto. Para tal a Relação examinou documentos tidos por relevantes e ponderou o conteúdo do depoimento do requerente, conforme supratranscrito, identificando os elementos probatórios que fundavam o juízo que formulou relativamente a cada um dos pontos de facto considerados. No que concerne à apreciação do sentido do juízo probatório formulado pela Relação, há que salientar que os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são limitados. Com efeito, estipula o n.º 3 do art.º 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Em consonância, no julgamento da revista o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado “[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido” (n.º 1 do art.º 682.º do CPC) e, reitera-se no n.º 2 do art.º 682.º, “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”. À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC. Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ. O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1). Efetivamente, nesses casos estará em causa exclusivamente uma questão de direito, isto é, a aplicação e interpretação de regras jurídicas que regem a prova. Ora, no caso destes autos a revista tem como objeto, na parte ora em análise, o inconformismo do recorrente quanto à avaliação que a Relação fez de meios de prova sujeitos a livre apreciação pelo tribunal (depoimento e declaração de parte não confessória, documentos particulares, juízos probatórios formulados numa sentença emitida numa outra causa), ou quanto à relevância que a Relação atribuiu a alguns desses factos. Esse inconformismo leva o recorrente a pretender que este STJ se substitua às instâncias e emita o seu próprio juízo probatório, quando do teor das alegações não se evidencia qualquer “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (n.º 3 do art.º 674.º do CPC). Com efeito, os factos dados como provados pela Relação no acórdão recorrido, e que o recorrente questiona, são os seguintes: 3. A quota de € 5.000,00 de que EE era titular na sociedade exequente J...- Unipessoal, Lda. foi apreendida para a massa insolvente de EE em 14/11/2008 [redação alterada, com aditamentos, pela Relação]. 4. No dia 06/12/2016 a quota da sociedadeJ...- Unipessoal, Lda. foi registada em nome de HH, em 03/11/2017 foi registada em nome de BB e no dia 21/03/2019 foi registada em comum e sem determinação de parte em nome de CC, FF e GG [redação alterada, com aditamentos, pela Relação]. 6. Como título executivo foi apresentada sentença transitada em julgado em 19/12/2012, proferida no proc. nº 2134/08.4... em que é autor BB e CC e réus J...- Unipessoal, Lda., EE e II, DD e AA, cuja parte decisória se transcreve: A) Julgo parcialmente procedente a acção, e em consequência: - declaro resolvido o contrato celebrado entre as partes; - condeno a ré sociedade a indemnizar o autor do custo que vier a ser necessário para a eliminação dos defeitos e do valor que este tiver que pagar a mais para a conclusão e construção das moradias em relação aos valores fixados no contrato de empreitada, em montantes a fixar em liquidação posterior; (…) B) Julgo parcialmente procedente a reconvenção, e em consequência: - (…) - condeno os autores a pagar à ré a quantia de € 146.000,00, sendo que parte desse valor no montante de € 95.000,00 deverá ser entregue directamente ao réu AA, (…)” [redação alterada, com aditamentos, pela Relação]. 6-A. Por sentença proferida no incidente de liquidação desta decisão foi fixado o valor da indemnização devido pela ré sociedade ao autor em € 30.000,00, acrescido de juros de mora desde esta decisão definitiva [matéria aditada pela Relação]. 6-B. A executada CC procedeu ao pagamento de € 135.121,27 correspondente à quantia devida ao exequente AA, às despesas e honorários da Agente de Execução e aos juros compulsórios devidos [matéria aditada pela Relação]. 9. O requerente, no ano de 2006, apresentou, para efeitos de IRS, como resultado líquido anual da sua actividade profissional a quantia de € 15.649,36, sendo que a sua mulher apresentou um rendimento anual bruto de € 7.910,00 [matéria aditada pela Relação]. 10. O requerente, no ano de 2006, dispunha de um saldo bancário médio de € 1.000,00 [matéria aditada pela Relação]. 11. O requerente é amigo de EE desde os anos 1990 [matéria aditada pela Relação]. 12. O requerente e a mulher tinham em 2006 dois filhos que se encontravam a estudar [matéria aditada pela Relação]. 13. J... – Unipessoal, Lda., representada por HH, através de requerimento de 01/03/2017 nos autos de embargos de executado, revogou a procuração que aquela sociedade havia outorgado a favor da Dra. JJ [matéria aditada pela Relação]. 14. Em 14/09/2017, nos autos de execução, foi junta transacção com vista a pôr termo ao presente litígio, subscrita porJ...- Unipessoal, Lda., pelos aí executados BB e CC, mas não subscrita por AA, que se recusou a ratificá-la [matéria aditada pela Relação]. 15. O documento referido no ponto 8 dos factos provados foi engendrado entre o requerente e EE com o propósito de se apropriarem do valor a pagar por CC e outros à sociedade exequenteJ...- Unipessoal, Lda. [matéria aditada pela Relação]. Quanto aos factos contidos nos números 3, 4, 6, 6-A e 6-B, que a Relação, conforme expressamente explicado no acórdão recorrido, alicerçou no conteúdo de uma certidão do registo comercial junta aos autos (factos 3 e 4), no conteúdo do requerimento executivo e de certidões de sentenças juntas aos autos (factos 6 e 6-A) e em informação prestada pela agente de execução em 29.4.2021 nos autos de execução (facto 6-B), o recorrente não questionou a veracidade ou a prova de tais factos, mas a sua relevância para a resolução do litígio. Ora, da relevância desses factos na resolução do pleito não se cuida aqui. A apreciação da relevância dos factos apurados cabe na parte seguinte do aresto, a da aplicação do direito, prevista, no que concerne à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no n.º 1 do art.º 682.º do CPC: “Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado”. A mera irrelevância (ou excesso) da matéria de facto apurada não afetará o acórdão recorrido na vertente da decisão de facto. Só se o STJ considerar que a decisão de facto padece de deficiência, por poder e dever ser ampliada, “em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito”, ou se entender que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto “que inviabilizam a decisão jurídica do pleito” é que o correspondente vício da decisão de facto carecerá de intervenção, devendo o processo baixar ao tribunal recorrido, para o efeito da sua sanação (n.º 3 do art.º 682.º do CPC). No que concerne aos factos julgados provados pela Relação sob os n.ºs 9 a 14, a Relação assentou a sua convicção em elementos probatórios que indicou, isto é, o teor de declaração de IRS junta aos autos (facto n.º 9), extratos bancários constantes dos autos (facto n.º 10), declarações de parte do requerente (facto n.º 11), declaração de IRS e declarações de parte do requerente (facto n.º 12), requerimento da sociedade exequente/contestante apresentado nos autos de embargos de executado em 01.3.2017 (facto n.º 13), requerimentos apresentados nos autos de execução em 14.9.2017 e 02.10.2017 (facto n.º 14) – sendo certo que o recorrente nada aduziu que questionasse a veracidade dos factos aí dados como provados. Com efeito, a argumentação tecida pelo recorrente para defender a remoção destes factos é a seguinte, que se transcreve: “O Tribunal ad quem procede, ainda, ao aditamento de vários factos com fundamento na dificuldade de fazer prova direta quanto à simulação alegada pela sociedade Exequente, assim como pelos Executados. Aditamento este que é realizado com fundamento nos documentos juntos aos autos e nas declarações prestadas pelo ora Recorrente. Diversamente daquilo que o Tribunal ad quem pretende fazer valer, invocando a simulação da declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento, o ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respetivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil): a sociedade exequente e os executados. Com o entendimento vertido no aresto em crise, o Tribunal da Relação subverte in totum as regras processuais que instituem aquele regime de simulação, olvidando por completo que nos presentes autos que a Sociedade Exequente, cujos seus corpos sociais são constituídos pelos executados CC e os habilitados de BB, - além do ónus que lhes cabia – tinham perante si a possibilidade de fazer prova da alegada simulação pois que, podiam ter apresentado os seus registos contabilísticos, o que, curiosamente, não lograram em fazer. Neste sentido, veja-se o entendimento surgido e sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo número 1307/16.0T8BRG.G1.S1, no sentido de que: “IV-Para que se possa falar de negócio simulado, impõe-se a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar). V - O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.” Disponível em: www.dgsi.pt (negrito nosso) Assim, é entendimento do Recorrente que ocorreu violação das regras processuais quanto ao instituto da simulação e, consequentemente, não é de admitir o factos sob os números 9 a 14”. Ora, não se vê em que é que o tribunal recorrido violou as regras do ónus da prova, no que concerne aos factos que deu como provados sob os números 9 a 14. Esses factos visam, conforme esclarecido pela Relação, auxiliar, enquanto factos instrumentais, a formulação da convicção do tribunal quanto a factos essenciais, nomeadamente o que veio a ser vertido sob o n.º 15, adiante analisado. Em parte alguma o tribunal recorrido enunciou qualquer inversão das regras do ónus da prova, seja quanto à prova dos requisitos da simulação (tendo em atenção o disposto no art.º 342.º n.º 2 do Código Civil), seja quanto à prova dos factos indicados sob os n.ºs 9 a 14 – pelo que também nesta parte o recorrente carece de razão. Por último, o recorrente rebela-se contra a inclusão, nos factos provados, do n.º 15, que tem a seguinte redação: “15. O documento referido no ponto 8 dos factos provados [o documento em que foi formalizada a alegada cessão de crédito] foi engendrado entre o requerente e EE com o propósito de se apropriarem do valor a pagar por CC e outros à sociedade exequenteJ...- Unipessoal, Lda.”. Nesta parte da impugnação, o recorrente expressa-se pela seguinte forma, que abrange também o teor do n.º 6 da matéria de facto: “Não obstante, no que concerne à factualidade constante no ponto 6, na qual é aditada parte do conteúdo da decisão, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo número 2134/08.4..., que correu termos na vara de competência mista do Tribunal Judicial da Comarca de ..., é descurada parte do seu conteúdo, assim como seu valor probatório pleno. Naqueles autos, cuja sentença é título da execução de que este incidente de habilitação é apenso, foi considerado como facto apurado e, consequentemente, provado que: “21. E o réu DD emitiu um outro cheque sacado sobre o “BES”, também no valor de € 120.000,00, tendo inscrito no verso daquele cheque a expressão “para caução”. 22. Tendo assinado uma folha em branco que se destinava a ser preenchida com uma declaração que traduzisse a responsabilidade daquele DD pelo valor dos referidos € 120.000,00. 23.Na declaração referida no ponto anterior o réu DD consignou: “Eu DD, declaro para os devidos e legais efeitos que nesta data entrego um cheque no valor de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), como garantia real até ao cumprimento do contrato estabelecido entre o Sr. BB e o Sr. EE, sócio gerente da firma J...- Unipessoal, Lda., comprometendo-me com o referido cheque a ser fiador do referido contrato de empreitada celebrado no dia 10 de setembro de 2004. Por ser verdade assino a presente declaração. ... 26 de Julho de 2005” 24.Essa declaração e os cheques foram entregues ao contabilista do autor (BB). A quem foi confiada a guarda dos documentos.” Sendo que esta factualidade é também vertida no aresto do Tribunal ad quem, onde se diz: “Na decisão proferida naqueles autos consta, além do mais, que o requerente, a fim que BB outorgasse a escritura do prédio de ... como forma de pagamento parcial do preço da empreitada à sociedade, garantiu o cumprimento deste contrato até ao valor de € 120.000,00 através de um cheque sacado sobre o BES (vide factos nº 19, 21, 22, 23)”. Todavia, o Tribunal da Relação sufraga o entendimento que vai em sentido divergente e, consequentemente, contraditório ao que ali é dito: “(…)Tendo em atenção não ter resultado minimamente provado que o requerente fosse credor da sociedade no valor de € 172.600,00 ou outro é de presumir que a quantia que o requerente receberia seria para proveito (exclusivamente ou não) do seu amigo insolvente” Resulta, pois, evidente que foi descurado o valor probatório pleno daquela decisão. Sendo certo que existe, indubitavelmente, um obstáculo legal à formação da convicção do Tribunal da Relação quando se determina o aditamento como facto provado que: “15. O documento referido no ponto 8 dos factos provados foi engendrado entre o requerente e EE com o propósito de se apropriarem do valor a pagar por CC e outros à sociedade exequente J...- Unipessoal, Lda..” Assim, é entendimento do aqui Recorrente que é de imputar um juízo de censura quanto ao firmado pelo Tribunal da Relação, quando se diz que o documento denominado “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” foi engendrado. Por outro lado, não obstante esta contradição evidente e clara, o aresto em crise, padece igualmente de outras contradições, verificando-se o incumprimento dos deveres respeitantes à reapreciação da decisão da matéria de facto. Vejamos: Da fundamentação do acórdão resulta que: “Desde logo, nas suas declarações o requerente referiu que teve negócios (de automóveis, em que negociava, e de imóveis) com a sociedade em causa e/ou com o sócio EE, seu amigo, o que merece credibilidade.” (sublinhado nosso) Parece, então, resultar que Tribunal ad quem atribuiu credibilidade às declarações do aqui Recorrente, todavia, imediatamente de seguida refere: “As suas declarações não foram muito claras e facilmente perceptíveis (…)”. (sublinhado nosso). Limitando-se o Tribunal ad quem fazer uma referência genérica às declarações prestadas, sem quaisquer transcrições que permitissem comprovar de forma segura aquele seu entendimento, assim como a demais factualidade dada como provada assente nas declarações prestadas pelo Recorrente. Ora, atenta esta manifesta contradição e tendo presente que o sistema legal, tal como está consagrado, com recurso à gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, não assegura a fixação de todos os elementos suscetíveis de condicionar ou influenciar a convicção do julgador perante o qual foram produzidas as declarações em causa, sofre a apreciação da matéria de facto pela Relação, naturalmente, a limitação que a inexistência da imediação de forma necessária acarreta. É precisamente neste âmbito que importa não esquecer que mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança – o que não resulta do teor do aresto em crise –, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Pois que, a convicção do tribunal é formada dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos. Citando LOPES CARDOSO o autor subscreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe. O magistrado experiente sabe tirar partido desses elementos intraduzíveis e subtis. Nisto consiste a sua arte. As próprias reacções quase imperceptíveis do auditório se vão acumulando no espírito do julgador (...)” in BMJ n.º 80, pp. 220 e 221 Além do mais, a convicção probatória terá de ser efetuada, aquando da apreciação em 2ª instância, pela análise da totalidade da prova, e não apenas da que foi indicada pelas partes recorrentes, que apenas transcrevem excertos (criteriosamente escolhidos!) para fundamentar o pedido de revogação da sentença de 1ª instância. Da fundamentação do aresto em crise resulta que o Tribunal recorrido não procedeu à audição dos depoimentos e os pequenos excertos transcritos não se afiguravam suficientes para uma apreciação global da prova produzida, de forma a criar convicção segura sobre a alteração das respostas à matéria de facto. Se se exige que o Tribunal da Relação forme livremente a sua própria convicção, ainda que a mesma porventura possa coincidir com a (também ela livre) convicção do julgador de 1ª instância, a fundamentação da decisão deve, de modo transparente, mostrar o caminho próprio que o Tribunal da Relação seguiu ao formar essa convicção e ao decidir da matéria de facto, o que não aconteceu nos presentes autos. Assim, não sendo possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte. Assim sendo, a prova produzida não impõe decisão diversa, porque a decisão do facto em primeira instância é racional, lógica e possível, em suma, está corretamente motivada, uma diferente convicção que a Relação possa formar após a análise da prova produzida, não permitirá alterar os factos decididos nos termos do n.º 1 do art. 662.º do C.P.C. Como é sabido, os poderes desta alta instância são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito. Ou seja, e nas palavras do acórdão do STJ de 06/07/2011, “se a este Supremo Tribunal de Justiça lhe é vedado sindicar o uso feito pela Relação dos seus poderes de modificação da matéria de facto, já lhe é, todavia, possível verificar se, ao usar tais poderes, agiu ela dentro dos limites traçados pela lei”. Ainda no que concerne ao documento “Declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento” também não poderá o tribunal ad quem, perante uma dúvida que reputa como fundada quanto à prova realizada (v.g., um documento positivamente valorado em primeira instância e que o Tribunal da Relação equaciona poder estar viciado), alterar o facto provado com base na desconsideração daquele documento sem que proceda nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 662.º do C.P.C. O Tribunal de recurso não pode tratar estas situações como estivesse perante o previsto no n.º 1 do art. 662.º e, assim, alterar a matéria de facto, omitindo o cumprimento das exigências legais. Como tribunal de instância, cabe-lhe mais do que isso, já que, repete-se, a possibilidade de alterar a matéria de facto fixada na primeira instância pela mera análise da prova produzida apenas pode ser efetuada quando essa prova produzida imponha decisão diversa, o que não sucede quando o tribunal ad quem, ouvida essa prova, propende antes para uma diferente convicção, contudo não imposta pela prova produzida. Havendo uma convicção diferente quanto à prova produzida, mas não uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o tribunal da Relação, atuando como instância, terá que conceder na existência de dúvida séria e renovar a prova ou produzir novos meios de prova, já que o legislador, ciente de que a imediação, a oralidade e a completude estão bem mais presentes na primeira instância do que na segunda, lho impõe. Não o fazendo, não poderá alterar a factualidade dado como assente na primeira instância e, consequentemente, não poderá aditar os factos 9 a 15. Isto posto, e perante evidente ilogicidade deve o presente Tribunal no âmbito do seu poder de atuação, censurar o modo como a Relação exerceu os seus poderes de reapreciação da matéria de facto ao arrepio do estatuído nos artigos 662º e 674º, nº 3 do C.P.C. e 342º, nº1 do C.C.” Vejamos. Como se disse supra, o STJ só poderá censurar o juízo probatório formulado pela Relação se esta tiver desrespeitado as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou tiver desconsiderado a força probatória plena de um determinado meio de prova ou, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados. Ora, nada disso ocorreu no caso sub judice. O facto dado como provado sob o n.º 15 não carece, para a sua demonstração, de um especial meio de prova. Os factos dados como provados numa sentença proferida numa outra causa (referimo-nos ao conteúdo da sentença mencionada no facto provado n.º 6, a cuja transcrição parcial procedeu o recorrente) não estão cobertos pelo caso julgado e não se lhes aplica o valor extraprocessual de certas provas previsto, em certas condições, pelo art.º 421.º do CPC (cfr., v.g., acórdãos do STJ, de 03.3.2021, processo n.º 11661/18.4T8PRT.P1-A.S1; de 14.01.2021, processo n.º 3935/18.0T8LRA.C1.S1; de 29.10.2020, processo n.º 233/18.3YLSB.L1.S1). O facto de a Relação, com base nas declarações de parte do requerente e no teor da aludida sentença, ter admitido que o requerente, que afirmara ser amigo de EE desde “1990 e tal” e ter declarado, embora de forma confusa, ter tido negócios com ele, ter recusado (a Relação), contrariamente ao pretendido pelos então apelantes, incluir nos factos provados a asserção de que nunca existira qualquer dívida entre o requerente e J...- Unipessoal, Lda. ou EE (assim mantendo esse facto como facto “não provado”) não implica, contrariamente ao expendido pelo recorrente, que se dê como provado que o documento formalizador da cessão de crédito sub judice tinha subjacente uma dívida existente entre os seus intervenientes. A fundamentação do juízo probatório formulado pela Relação no n.º 15 da matéria de facto encontra-se desenvolvida nas páginas 37 a 39 do aresto, em sede de subsunção jurídica atinente à verificação da simulação, a qual aqui se transcreve (incluindo sublinhados e negritos): “O ónus da prova dos requisitos supra referidos cabe, segundo as regras gerais, a quem invoca a simulação. Ora, in casu, e desde logo, a “Declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento” não alude à origem da dívida. Mas, por requerimento de 15/04/2021 veio o requerente juntar 3 documentos destinados a provar os factos que, segundo ele, constituem fundamentos da ação: contrato promessa de compra e venda celebrado em 07/12/2005, entre a sociedade e o requerente, referente a um prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., designado por lote F, pelo preço de € 149.000,00 a pagar em 11 prestações com início em 07/01/2006 e fim em 08/11/2006; recibo de quitação datado de 08/11/2006, nos termos do qual a sociedade declara ter recebido aquele valor no âmbito desse contrato; e declaração de dívida de 10/11/2006, nos termos da qual a sociedade se declara devedora do requerente pela quantia de € 149.000,00 resultante de um empréstimo pessoal sendo que a quantia foi paga em 11 prestações com inicio em 07/01/2006 e fim em 08/11/2006. Destes documentos não resulta, de modo algum, a alegada dívida a que alude a “declaração compromissória” uma vez que os valores não são coincidentes e nenhuma explicação credível foi dada para justificar tal diferença. Acresce que, nos termos da sentença proferida no proc. nº 2134/08.4... aquele prédio urbano era propriedade de BB (e não da sociedade) e não fez parte de qualquer acordo de pagamento daquele a esta. Com efeito, o facto 34 dessa decisão alude a um aditamento ao contrato de empreitada, datado de 03/08/2005, nos termos do qual “Pelo pagamento parcial dos trabalhos a realizar pelo 2º outorgante, o 1º outorgante promete vender-lhe, ou a quem este designar, o “prédio urbano tipo T3” (…) e uma moradia (…) situada no lote “G”, do loteamento ..., freguesia de ..., em ..., a que atribuem o valor de 90.000€ (…)” (sublinhado e bold nosso). Por outro lado, não é usual acordar-se no âmbito de um contrato promessa o pagamento integral do preço, mas apenas do sinal. E nenhuma referência é feita a eventual incumprimento do mesmo, nem à outorga da compra e venda respectiva. Também nenhuma prova foi feita acerca da efectiva entrega por parte do requerente à sociedade ou ao seu sócio da quantia de € 172.600,00, € 149.000,00 ou das alegadas 11 prestações deste valor e não é crível que quantias desta ordem pudessem ser entregues em numerário. Dos factos provados referentes à situação familiar e financeira do requerente e mulher também não resulta que aquele pudesse suportar tais pagamentos. Além de que, a declaração de dívida de 10/11/2006, além de aparentemente contraditória com os dois outros documentos, alude a um empréstimo pessoal, empréstimo esse que também não resultou provado. Aliás, não se percebe como uma sociedade de construção civil a quem o dono da obra BB não pagava o preço acordado e que se debatia com problemas financeiros, o que levou a pagamentos “em espécie” (cfr. sentença do proc. nº 2134/08.4...) tivesse possibilidades de fazer tal empréstimo ainda que em prestações. Acresce que o requerente, em sede de declarações de parte, admitiu que inexiste qualquer empréstimo… Nenhuma explicação foi dada para o facto de o requerente nunca ter demandado a sociedade ou a massa insolvente e só requerer a sua habilitação em 2017. Pelo exposto, do conjunto da prova produzida resulta, quanto a nós que o requerente e o seu amigo EE acordaram em engendrar a “Declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento” aí começando por fazer constar que o primeiro era credor da sociedade do valor de € 172.600,00, o não se provou. Aí a sociedade declarava - ainda que EE não pudesse representar - ceder ao primeiro o seu crédito objecto do proc. nº 2134/08.4..., sendo que esta cedência teve o propósito de enganar e prejudicar a própria sociedade uma vez que, em caso de procedência deste incidente, os herdeiros de BB pagariam, não à sociedade, mas ao requerente, que juntamente com EE se apropriariam desse valor”. Não se lobriga que, na formulação deste juízo probatório, a Relação tenha incorrido em ilogismo, desconsiderado prova tarifada ou afrontado as regras que exigem especiais meios de prova para a demonstração de factos. A Relação agiu no uso dos poderes-deveres que lhe são conferidos pelo art.º 662.º do CPC, exercício soberano de tribunal de instância em que este Supremo Tribunal só pode intervir nas especiais condições acima enunciadas. O recorrente insurge-se contra o facto de a Relação, alegadamente confrontada com uma dúvida que reputava como fundada quanto à prova realizada, isto é, quanto ao documento “Declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento”, ter alterado a matéria de facto sem ter procedido nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC (cfr. conclusão n.º 42). Esta norma estipula que a Relação deve, mesmo oficiosamente, “[o]rdenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova.” Neste preceito consigna-se “um poder/dever atribuído à Relação e que esta usará de acordo com critérios de objetividade, quando percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superadas mediante a realização de diligências probatórias suplementares” (António Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, Almedina, 7.ª edição, 2022, pág. 344). Nas palavras de António Abrantes Geraldes (obra citada, pág. 344), “[e]m tal preceito estão abarcados, em termos qualitativos, quaisquer meios de prova, designadamente a prova pericial ou testemunhal, mas será seguramente na prova documental (dotada de maior objetividade) que se encontrarão com mais frequência potencialidades para sanar dúvidas sobre factos essenciais que foram considerados provados ou não provados a partir de meios de prova que não proporcionaram condições para uma decisão segura. Muitas vezes, tais dúvidas poderão ser superadas mediante a requisição de documentos na disponibilidade de alguma das partes ou de terceiros (v.g. entidades públicas) que, por si só, sejam capazes de fazer luz sobre determinados factos essenciais. Documentos que, de acordo com as regras gerais, deveriam ter sido requisitados (art. 411.º)”. Trata-se, como decorre do preceito, de reforçar os poderes da Relação enquanto tribunal de segunda instância, proporcionando-lhe a faculdade de remover eventual dúvida, relevante, que entenda que poderá ser sanada mediante a produção de prova suplementar. Ora, in casu, não se vislumbra que meios de prova em falta existiriam que poderiam, de forma relevante, reforçar ou moldar a convicção da Relação no que concerne à controvérsia dos autos. Aliás, o recorrente também não os aponta. Decorre do acórdão recorrido que a Relação, face aos elementos probatórios constantes nos autos, se considerou suficientemente habilitada a decidir sobre a impugnação da decisão de facto objeto da apelação, tendo ajuizado que esses elementos probatórios impunham a solução que expressou no aresto. Fê-lo no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662.º do CPC, em termos que, conforme decorre do já acima exposto, não autorizam a interferência do STJ. Nesta parte, pois, a revista improcede. 3. Segunda questão (representação da sociedade exequente na outorga da denominada “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”) Na contestação os requeridos alegaram, além do mais, que o facto de a quota titulada por EE no capital social da exequente J...- Unipessoal, Lda. ter sido apreendida na sequência da declaração da insolvência de EE (cfr. facto provado n.º 3), impedia este de representar aquela sociedade na outorga da denominada “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”. A 1.ª instância descartou a relevância da aludida apreensão de quota social e da declaração de insolvência do único sócio da aludida sociedade, na medida em que à data da outorga da “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, EE figurava no registo comercial como representante legal da sociedade e, conforme se expendeu na sentença, só no incidente de qualificação da insolvência – art.º 189.º n.º 2, al. c), do CIRE – “é que se determina se o insolvente está ou não inibido de exercer o comércio e/ou ocupar órgãos de uma sociedade comercial ou civil.” Ora, considerou-se na sentença, “no caso em apreço, não há registo de que o subscritor desse documento, na qualidade de representante da sociedade exequente, estava inibido, à data, do exercício desse poder de representação dessa sociedade comercial.” No acórdão ora recorrido, a Relação a quo ponderou esta questão de forma diversa, nos termos que aqui se transcrevem: “EE subscreveu a “Declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento” em 28/02/2013, enquanto representante da sociedade e também por si. Mas, o mesmo, único sócio da sociedade em causa, já havia sido declarado insolvente por decisão de 27/06/2008 e a sua quota havia sido apreendida para a massa insolvente conforme registo efectuado em 14/11/2008. Não obstante não se ter provado que o requerente soubesse da insolvência, a mesma é oponível ao requerente uma vez que foi publicitada nos termos legais e objecto de registo nos termos do art. 38º do C.I.R.E. cfr. ordenado na sentença (vide sentença junta em 12/12/2019). Nesta não consta que a administração da massa insolvente fosse assegurada pelo devedor nos termos do art. 36º, nº 1 e) e 224º, nº 2 do C.I.R.E., como aliás não é a regra. Assim, o insolvente, nos termos do art. 81º, nº 1 e 4 do C.I.R.E., ficou privado dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, sendo que desta faz parte a única quota da sociedade, o que equivale a ficar privado de administrar e dispor da própria sociedade. Tais poderes passaram a competir ao administrador da insolvência que assumiu a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência. Pelo exposto, EE não podia o mesmo ter outorgado a acima referida “Declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento”, seja em representação da sociedade, seja em nome próprio pelo que a mesma é ineficaz nos termos do nº 6 do citado art. 81º do C.I.R.E.. Para esta conclusão é irrelevante que a insolvência tenha sido qualificada como fortuita”. O requerente/recorrente insurge-se contra este entendimento, defendendo que a situação pessoal de insolvência de EE não o impedia de outorgar enquanto representante da sociedade, por se tratar de pessoas distintas e só no incidente de qualificação de insolvência se determina se o insolvente está ou não inibido de atos de comércio, isto é, dos poderes de representação. Vejamos. À data dos factos a sociedade exequente era uma sociedade unipessoal por quotas. Tal significa que era constituída por um sócio único, neste caso uma pessoa singular, que era o titular da totalidade do capital social (cfr. n.º 1 do art.º 270.º-A do Código das Sociedades Comerciais – CSC). Essa unipessoalidade implica que não são aplicáveis, ou carecem das necessárias adaptações, as regras que regem as sociedades comerciais que pressupõem a pluralidade de sócios (cfr. n.º 4 do art.º 270.º-A do CSC). Assim, nas sociedades unipessoais por quotas “o sócio único exerce as competências das assembleias gerais, podendo, designadamente, nomear gerentes” (n.º 1 do art.º 270.º-E do CSC). A aludida unipessoalidade não descarateriza a inconfundibilidade das personalidades jurídicas da sociedade unipessoal por quotas e do seu sócio único (cfr. art.º 5.º da CSC). Isto é, a sociedade unipessoal não se confunde com o sócio único – são pessoas distintas (cfr. António Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, I, Parte Geral, 3.ª edição ampliada e atualizada, Almedina, 2016, pág. 294). E a representação da sociedade poderá caber a outra pessoa que não o seu sócio – basta que este tenha nomeado, para a gerência, outra pessoa (cfr. acórdão da Relação de Guimarães, de 07.01.2004, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXIX, tomo I/2004, pág. 273 e seguintes). In casu, à data dos factos o sócio da sociedade unipessoal por quotas J...- Unipessoal, Lda., eraEE, o qual era o respetivo gerente (cfr. n.ºs 1, 3 e 4 dos factos provados). EE foi declarado insolvente por sentença proferida em 27.6.2008 (n.º 1 dos factos provados). Por sentença proferida em 08.5.2009 a insolvência de EE foi qualificada de fortuita (n.º 2 dos factos provados). A quota de € 5 000,00 de que EE era titular na sociedadeJ...- Unipessoal, Lda., foi apreendida para a massa insolvente em 14.11.2008 (n.º 3 dos factos provados). Por documento particular datado de 28.02.2013, EE interveio, em nome próprio e na qualidade de representante da sociedadeJ...- Unipessoal, Lda., na outorga do aludido documento “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, no qual, além do mais, a aludida sociedade se declara devedora, perante DD, da quantia de € 172 600,00 e declara ceder a este, na medida da dívida, os direitos de crédito que haviam sido conferidos à sociedade pela sentença proferida na ação ordinária n.º 2134/08.4..., que correra termos na Vara Mista do Tribunal Judicial de ... – sentença essa que constitui o título dado à execução no processo de execução a que se encontra apensado o incidente de habilitação que ora nos ocupa. É sabido que, sem prejuízo do caso especial em que ao devedor insolvente é concedida a administração da massa insolvente (art.º 223.º e seguintes do CIRE), “a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência” (art.º 81.º n.º 1 do CIRE). Por outro lado, proferida a sentença declaratória da insolvência, serão apreendidos todos os bens integrantes da massa insolvente (n.º 1 do art.º 148.º do CIRE). A massa insolvente, salvo disposição em contrário, “abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo” (n.º 1 do art.º 46.º do CIRE). Por outro lado, se a insolvência for qualificada de culposa, o insolvente (pessoa singular) será declarado inibido “para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa” (alínea c) do n.º 2 do art.º 189.º do CIRE). As participações sociais (entre as quais a “quota social”) podem ser definidas como conjuntos ideais e unitários de direitos e obrigações, próprios da posição de sócio (cfr., v.g., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, volume II, 5.ª edição, Almedina, pp. 195, 206). De acordo com a sua função, os direitos emergentes da participação social (cfr. art.º 21.º do CSC) podem ser classificados como direitos de participação (nas deliberações sociais e em órgãos de administração e fiscalização), direitos patrimoniais (direito de quinhoar nos lucros, direito de preferência, direito à quota de liquidação) e direitos de controlo (direito de informação, direitos de ação judicial) (cfr. Jorge Manuel Coutinho Abreu, ob. cit., pág. 196). As participações sociais são executáveis. Dispõe o art.º 781.º n.º 6 do CPC que, na penhora de quotas sociais, além da comunicação à conservatória de registo competente, “é feita a notificação da sociedade, aplicando-se o disposto no Código das Sociedades Comerciais quanto à execução da quota”. A este respeito, o art.º 239.º do CSC dispõe o seguinte: “Execução da quota 1. A penhora de uma quota abrange os direitos patrimoniais a ela inerentes, com ressalva do direito a lucros já atribuídos por deliberação dos sócios à data da penhora e sem prejuízo da penhora deste crédito; o direito de voto continua a ser exercido pelo titular da quota penhorada. 2. A transmissão de quotas em processo executivo ou de liquidação de patrimónios não pode ser proibida ou limitada pelo contrato de sociedade nem está dependente do consentimento desta. Todavia, o contrato pode atribuir à sociedade o direito de amortizar quotas em caso de penhora. 3. A sociedade ou o sócio que satisfaça o exequente fica sub-rogado no crédito, nos termos do artigo 593º do Código Civil. 4. A decisão judicial que determine a venda da quota em processo de execução, falência ou insolvência do sócio deve ser oficiosamente notificada à sociedade. 5. Na venda ou na adjudicação judicial terão preferência em primeiro lugar os sócios e, depois, a sociedade ou uma pessoa por esta designada”. Conforme realça Raúl Ventura (Sociedades por Quotas, vol. I, Almedina, 1987, páginas 756 e 757), a quota penhorada (ou apreendida no processo de insolvência do sócio) será vendida ou adjudicada judicialmente, com todos os direitos que titula, patrimoniais ou não. Porém, até lá, a lei determina pragmaticamente “quem deve exercer os direitos não patrimoniais inerentes à quota: atribuir o exercício desses direitos à própria sociedade é logicamente impossível; atribuí-los ao credor exequente implica a intromissão de um estranho na vida da sociedade, sem terem sido dadas a esta as oportunidades de tal evitar que lhe são oferecidas no seguimento da acção executiva; tais direitos devem continuar a ser exercidos pelo sócio executado” (negrito nosso). Isto é, durante a pendência da penhora ou apreensão da quota social, o direito de voto bem como os restantes direitos extrapatrimoniais continuam a ser exercidos pelo titular da quota penhorada ou apreendida (cfr. Jorge Coutinho de Abreu, ob. cit., pág. 371). Quanto aos direitos patrimoniais inerentes à quota social penhorada (ou apreendida na insolvência do sócio), entre os quais avulta o direito à distribuição de lucros, ficarão à ordem do agente de execução ou do administrador da insolvência, consoante o caso (cfr. art.º 781.º n.º 1 do CPC, 149.º, 150.º, 17.º do CIRE). No mais, sem prejuízo do eventual acionamento dos meios utilizáveis pela sociedade para impedir que terceiros (adquirentes da quota em processo executivo ou no processo de insolvência) entrem na sociedade (cfr. n.ºs 2, 3 e 5 do art.º 239.º do CSC), a sociedade prosseguirá a sua atividade normal, exercendo o sócio, titular da quota apreendida ou penhorada, os direitos sociais não patrimoniais correspondentes e sendo a sociedade representada (representação orgânica) pelo(s) seu(s) gerente(s) (art.º 252.º do CSC). In casu, como se aduziu supra, a sociedade era gerida pelo seu sócio. O qual, apesar de insolvente, não foi inibido de exercer atos de comércio nem de ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil (conforme decorre do n.º 2 dos factos provados). Assim, face ao exposto, considera-se que EE não estava impedido de representar a sociedade J...- Unipessoal, Lda. na outorga do acima referido documento “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”. Aliás, no número 8 da matéria de facto consta como provado que, entre outros, nele intervieram, proferindo as respetivas declarações negociais, “…o aí segundo outorgante J...- Unipessoal, Lda. (exequente nos autos)…”, nada aí constando que infirme a realidade dessa intervenção, nomeadamente por falta de representação. Nesta parte, pois, reconhece-se razão ao recorrente. 4. Terceira questão (simulação) O requerente pretendeu, ao abrigo do disposto nos artigos 262.º, alínea a) e 356.º do CPC, ocupar na execução o lugar da exequente J...- Unipessoal, Lda.. Para tal, o requerente invocou que a exequente lhe havia cedido o crédito que a referida execução visava satisfazer. Essa transmissão é possível, sem necessidade do consentimento do devedor do crédito cedido (art.º 577.º n.º 1 do Código Civil). Notificada a parte contrária para contestar o requerimento de habilitação, o qual deve ser acompanhado do título da cessão, aquela pode impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo (alínea a) do n.º 1 do art.º 356.º do CPC). In casu, além do mais que já não cabe apreciar, os contestantes arguiram a simulação da cessão do crédito exequendo. O art. 240.º do Código Civil dispõe o seguinte: “1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo.” Os elementos integradores da simulação, conforme ressalta daquela disposição, são os seguintes: - Divergência intencional entre a vontade e a declaração; - Acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório); - Intuito de enganar terceiros. Quanto ao terceiro elemento (intuito de enganar terceiros), não deve ser confundido com o intuito de prejudicar. Pegando nas palavras do Professor Manuel de Andrade, “enganar quer dizer iludir. E pode ter-se em vista enganar terceiro não para prejudicá-lo, mas para se defender um legítimo interesse próprio ou até para beneficiar esse terceiro” (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, 1983, página 170). “O que constitui elemento de simulação é, pois, o intuito de enganar ou iludir (animus decipiendi) e não o intuito de prejudicar, isto é, de causar um dano ilícito (animus nocendi)” (obra citada, pág. 171). Provou-se, conforme consta no n.º 8 dos factos provados, que por documento particular datado de 28/02/2013, “o aí primeiro outorgante DD, o aí segundo outorgante J...- Unipessoal, Lda. (exequente nos autos) e os aí terceiros outorgantes, EE e II, declararam, além do mais, que a segunda outorgante cede ao primeiro outorgante o direito de intentar e prosseguir com a execução da sentença proferida na ação ordinária nº 2134/08.4...” Porém, também se provou (n.º 15 dos factos provados) que o aludido documento “foi engendrado entre o requerente e EE com o propósito de se apropriarem do valor a pagar por CC e outros à sociedade exequente J...- Unipessoal, Lda.”. Isto é, contrariamente ao que resulta do aludido documento, com a sua outorga o gerente da sociedade, que também outorgou em nome próprio, não visava transmitir ao aparente cessionário o crédito da sociedade exequente, mas queria, com o conluio do aparente cessionário, ora requerente, criar condições para que os executados entregassem ao requerente, e não à sociedade exequente, a quantia exequenda, assim se apropriando o requerente e o declarante EE da quantia exequenda, em detrimento da sociedade exequente. Assim, tal como se concluiu no acórdão recorrido, a cessão em causa é nula, por simulação, nos termos do art.º 240.º n.º 2 do Código Civil. Nestes termos, a revista improcede. III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, embora com parcial alteração na fundamentação, mantém-se o acórdão recorrido. As custas da revista, na componente de custas de parte, são a cargo da recorrente, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2, 533.º, do CPC). Lx, 12.12.2023 Jorge Leal (Relator) Manuel Aguiar Pereira Maria João Vaz Tomé |